Em São Paulo, a rotina de um motorista de aplicativo revela como o trabalho passou a ser guiado por notificações, cansaço digital e um cotidiano moldado pelo brilho constante do celular
por
Carolina Hernandez
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24/11/2025 - 12h

 

Por Carolina Hernandez 

O celular vibra antes que qualquer clarão toque os prédios da Mooca, e essa vibração curta, metálica e insistente desperta Jonas de um sono leve, como se fosse uma convocação, um chamado que não permite adiamentos. Ele estende a mão ainda no escuro, alcança o aparelho, observa a luz que se espalha pelo quarto e lê a notificação do aplicativo que já anuncia alta demanda, fluxo intenso, oportunidade. Nos últimos anos, aprendeu a acordar assim, preso ao brilho do celular antes mesmo de sentir o chão frio sob os pés. O trabalho começa na tela, e não na rua.

No carro, um sedan prata que carrega o desgaste dos dias longos, Jonas encaixa o celular no suporte. O gesto é tão automático que parece parte do ritual de ligar o motor, como se o carro só funcionasse plenamente depois que o aplicativo estivesse ativo. A tela mostra a cidade em azul e amarelo, um mapa vivo onde cada área fervilha com informações que determinam para onde ele deve ir, quanto irá ganhar, quanto tempo deve esperar. O aplicativo calcula rotas, horários, riscos e recompensas, e Jonas respira fundo antes de seguir, como quem aceita que o destino do dia será guiado por aquele retângulo luminoso.

A primeira corrida aparece em menos de quinze segundos. Ele aceita. O carro avança devagar pelas ruas que ainda não despertaram, e Jonas observa o céu sem forma, as luzes dos postes refletidas no capô, o reflexo da tela pressionando seus olhos desde a madrugada. Logo, o trânsito cresce, e a cidade parece surgir inteira de dentro dos celulares dos próprios motoristas, porque ninguém conduz apenas pelas ruas, todos conduzem pelos mapas, pelas notificações, pelas coordenadas enviadas de longe.

A dependência da tela dita o ritmo. Jonas percebe isso a cada minuto. Ignorar uma notificação pode significar perder corridas, perder pontos, perder visibilidade diante do algoritmo. Ele sabe que o sistema registra cada movimento, cada segundo parado, cada mudança de rota, cada hesitação. Uma espécie de patrão silencioso observa sua velocidade, suas notas, seus cancelamentos, suas escolhas. Não há voz, não há rosto, mas há controle. Ele comenta que antes achava que dirigia para pessoas, e hoje sente que dirige para um conjunto de cálculos invisíveis.

O cansaço começa sempre pelos olhos. A luz azulada se infiltra pelas pálpebras como um grão de areia persistente. Mesmo nos poucos minutos de pausa, ele sente o celular vibrar no bolso, chamando de volta, lembrando que há demandas próximas. A Pesquisa TIC Domicílios mostra que o celular tornou-se o principal dispositivo de acesso à internet para a maioria dos brasileiros, mas, para motoristas de aplicativo, é mais que isso, é ferramenta, ponte, segurança, salário e vigilância. Jonas passa mais tempo olhando para a tela do que para qualquer rosto durante o dia.

Os passageiros entram no carro sempre com pressa, sempre conectados a outra conversa que não está ali. Há estudantes que assistem aulas no banco traseiro, executivos que participam de reuniões por vídeo, mães que equilibram sacolas e chamadas, jovens que respondem mensagens durante trajetos de poucas quadras. O carro se transforma em cápsula de passagens breves, onde cada um leva sua própria tela, e Jonas conduz tantas luzes simultâneas que, às vezes, o interior do carro parece mais iluminado durante a noite do que durante o dia.

Ele já ouviu histórias que não estavam destinadas a ele, conversas que vazavam das telas para o espaço do carro, lágrimas silenciosas de quem lia mensagens difíceis, risadas altas de grupos que relembravam memórias por vídeos compartilhados. Jonas sempre percebe que as pessoas falam menos com ele e mais com seus celulares, que olham menos pela janela e mais para notificações. Nos raros momentos de silêncio, apenas as telas respiram, emitindo luzes diferentes em intervalos variados.

No fim da tarde, quando o corpo já pesa, o aplicativo avisa aumento de demanda. Jonas pensa em parar, mas o aviso insiste, promete ganhos extras, sinaliza movimento crescente. Ele encosta em um posto para comprar um café, tenta alongar as costas, tenta piscar devagar para aliviar a ardência nos olhos. O celular vibra antes da primeira golada. Ele volta para o volante. Recusar seria uma escolha, mas uma escolha com consequências. Descanso e trabalho, na lógica do aplicativo, nunca estão em equilíbrio.

A madrugada avança e a cidade se torna uma paisagem de luzes espaçadas, com corredores vazios e poucos ruídos. Jonas leva um jovem que saiu do trabalho no shopping, e o rapaz passa o trajeto inteiro olhando para o celular enquanto mensagens surgem em sequência. Jonas também observa o seu próprio aparelho, que marca a rota até o destino. O carro segue pelas avenidas escuras com apenas as duas telas iluminando o interior, criando um silêncio que parece suspenso no ar.

Quando chega em casa, Jonas desliga o carro, depois o aplicativo, e por fim o celular, que insiste em vibrar com atualizações e resumos do dia. A sala escura o acolhe em um silêncio que chega a parecer estranho, como se o mundo tivesse diminuído de volume. Ele se recosta no sofá e sente o peso acumulado do dia, não apenas o peso físico, mas o peso da luz constante, da atenção exigida, da vigilância permanente que o acompanha desde o amanhecer. O corpo quer descanso, mas a mente ainda repassa rotas, mensagens, barulhos de notificação que permanecem mesmo após a tela apagar.

Amanhã, muito antes de a luz do sol tocar a janela, o celular irá vibrar novamente, e Jonas atenderá, não por escolha, mas por necessidade. Ainda assim, enquanto respira profundamente, sente uma dúvida surgir devagar, como quem desperta de um sonho longo. Ele se pergunta se ainda guia o carro, se ainda conduz o trajeto, ou se apenas segue o ritmo imposto pela tela que nunca dorme. E essa pergunta, ele sabe, continuará voltando. Porque, na madrugada das grandes cidades, o trabalho e a vida estão cada vez mais presos ao mesmo brilho.

Com o avanço do sistema de pedágio eletrônico nas rodovias paulistas, motoristas vivem a combinação entre fluidez no trânsito e incertezas sobre tarifas, prazos e adaptação ao novo modelo.
por
Inaiá Misnerovicz
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25/11/2025 - 12h

Por Inaiá Misnerovicz

 

Dirigir pelas rodovias da Grande São Paulo já não é mais como antes. Com a chegada do sistema free-flow - o pedágio eletrônico sem cancelas -, muitos motoristas sentem que atravessam uma fronteira invisível: não há mais a cancela para frear o carro, mas também não há a certeza imediata de quanto vão pagar. Para Jerônimo, motorista de carro, morador da zona leste de São Paulo que faz quase todos os dias o trajeto até Guararema a trabalho, essa sensação de fluxo e incerteza convive em cada viagem.

Antes da implantação do free-flow, Jerônimo parava em praças de pedágio, esperava, conferia o valor, calculava se valia a pena seguir por um trecho ou desviar. Hoje, ao cruzar os pórticos da Via Dutra ou de outras rodovias, ele simplesmente segue adiante. Só depois, no no aplicativo, descobre quanto foi cobrado, isso quando ele lembra de conferir a fatura. Para quem tem TAG, o débito cai automaticamente, mas para quem não tem, o sistema registra a placa e envia a cobrança que deve ser paga em até 30 dias, sob pena de multa, como prevê a regulamentação da CCR RioSP.

Esse modelo evita paradas e acelera o tráfego, especialmente nas pistas expressas. Segundo a concessionária Motiva/RioSP, quem trafega pelas marginais da Via Dutra (sem acessar a via expressa) não é tarifado. Mas Jerônimo ressalta que essa economia de tempo nem sempre vem acompanhada de previsibilidade de custo: “só sabendo depois quanto foi cobrado, ainda dependo de consultar o site para ver se registrou todas as passagens”, ele diz. A tarifa depende do horário e do dia da semana, pode variar, e para quem usa TAG há desconto de 5%. 

Para tornar essa transição mais suave, a RioSP intensificou ações de orientação nas margens da rodovia e em pontos públicos de Guarulhos. Na capital, promotores usam realidade virtual para explicar como os pórticos funcionam, há vídeos e atendimentos nos postos de serviço. Mais de 500 pessoas já participaram de eventos para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento, formas de pagamento e salto entre pistas expressas e marginais.

As novas tarifas também entraram em vigor recentemente: desde 1º de setembro de 2025, os valores para veículos leves nas praças da Via Dutra foram reajustados pela ANTT, e nos pórticos do free-flow os preços também foram atualizados. No caso das rodovias geridas pela Concessionária Novo Litoral - especificamente a SP-088 (Mogi-Dutra), SP-098 (Mogi-Bertioga) e SP-055 (Padre Manoel da Nóbrega) - os valores por pórtico variam de R$ 0,57 a R$ 6,95 para veículos de passeio, dependendo do trecho.

Essa lógica de cobrança por trecho, sem a presença física de praças, exige do motorista algo além de atenção na pista: exige educação para se entender onde entrou, onde passou e quanto isso custou. Para Jerônimo, isso é mais difícil do que simplesmente parar e pagar. Ele admite que, apesar da melhoria no fluxo, teme que algum pórtico não tenha sido registrado, ou que haja diferença entre o que ele acredita ter passado e o que vai aparecer na fatura.

Além disso, há risco real para quem não paga no prazo. A CCR RioSP adverte que a não quitação da tarifa em até 30 dias configura evasão de pedágio, o que pode gerar infração de trânsito, multa fixada e até pontos na carteira. Para muitos, essa penalidade ainda parece pesada diante da novidade e da complexidade do sistema.

Por outro lado, o free-flow traz ganhos concretos para a mobilidade: ao eliminar paradas bruscas nas praças, reduz o risco de acidentes por frenagem repentina e melhora o desempenho das rodovias. A tecnologia permite modernizar a gestão do tráfego, e os pórticos com sensores garantem identificação precisa por TAG ou leitura de placa. Ainda assim, a transformação não se resume à pista. Ela repercute no cotidiano de quem vive dessa estrada, como Jerônimo, e também na forma como a concessionária se relaciona com os motoristas. A campanha de orientação mostra que há consciência de que nem todos se adaptarão imediatamente. As ações de atendimento por WhatsApp, aplicativo, site, totens e até no posto de serviço reforçam a aposta na transparência. 

Há também a perspectiva de que esse modelo se torne cada vez mais comum. Segundo planejamento de concessões futuras, mais pórticos free-flow poderão ser instalados nas rodovias paulistas até 2030, o que tornaria esse tipo de cobrança mais frequente para usuários regulares da malha estadual. Mas para que ele seja efetivamente equitativo, será preciso manter a educação viária, oferecer canais de pagamento amplos e garantir que os motoristas não sejam penalizados por simples falhas de entendimento.

Para Jerônimo, a estrada continua sendo um espaço de tensão e de liberdade. Ele ganha tempo, mas precisa vigiar sua fatura. Ele cruza Guararema, volta para São Paulo, e vive uma experiência nova: a de rodar e pagar depois, sem parar, mas sempre com a incerteza de que quanto passou pode não ser exatamente quanto será cobrado. A cancela desapareceu, mas o pedágio segue presente, só que disfarçado em números, e não em uma barreira física. 

Colunista Marcelo Leite revela que a área perde cada vez mais influência no país
por
Giovanna Britto
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24/11/2025 - 12h

 

Durante a pandemia de Covid-19, o Brasil se reinventou em assuntos a respeito de hábitos higiênicos, debates sobre saúde mental e destacou a importância do jornalismo científico, área  responsável por comunicar à população a respeito das vacinas, o avanço ao combate do vírus e outros assuntos de saúde pública. Entretanto, três anos após o fim do estado emergencial causado pela pandemia, a falta de adesão do público à ciência tem ameaçado o trabalho dos jornalistas desse segmento.

Entre 2020 e 2022, os profissionais da mídia foram expostos ao desafio de comunicar a incerteza científica, traduzir termos e conscientizar a sociedade sobre a pandemia. Muitos jornalistas já eram especializados na área, outros aprenderam a falar sobre ciência devido a alta demanda de notícias para divulgar. A pandemia serviu como ponto de virada para o jornalismo científico - que já existia no Brasil, mas ganhou repercussão graças à necessidade de dar foco ao assunto que ditou o estilo de vida de um mundo inteiro.

Nomes como Atila Iamarino, Natália Pasternak e Álvaro Pereira Júnior se destacaram como grandes vozes da divulgação do jornalismo de ciência. Em entrevista à AGEMT, Marcelo Leite, jornalista e colunista da Folha de São Paulo especializado na área de ciência e ambiente, comenta sobre esse período: “Nunca se valorizou tanto do ponto de vista de espaço, de tempo, de audiência, a divulgação de informações científicas de base para entender o que estava acontecendo.” Hoje, o espaço de fala e a repercussão em temas científicos são menores, uma vez que as pessoas estão cada vez menos interessadas em saber de que forma isso implica em suas vidas pessoais.

Jornalista Marcelo Leite posando para câmera
Formado em jornalismo pela USP, Marcelo também atuou na Revista Piauí e é autor do livro “Psiconautas: Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”. Foto: Divulgação/Unicamp.

 

Marcelo relembra que o jornalismo científico já sofria com ameaças à sua credibilidade, com falsos especialistas, médicos sem conduta ética e  com o presidente da época, Jair Bolsonaro, reproduzindo falas que levantavam mais dúvidas e ondas de ódio. “Foi um período terrível, e talvez a parte principal, que me deixa mais frustrado, é que o público se dividiu em dois. Uma parte passou  a desconsiderar as informações que a gente, do jornalismo científico, se esforçava por apresentar como informações objetivas, fundadas em dados, com a qualidade que se espera da ciência ", completa.

Na fase posterior à pandemia, após o declarado fim do período emergencial do coronavírus em 5 de maio de 2023, foi possível observar as consequências e heranças que a abundância de informações equivocadas, negacionistas e falsas deixaram na rede de informação, seja online ou offline. Os movimentos anti vacinas, impulsionados durante o Covid, emitiram um alerta para a Organização Mundial de Saúde. Dados divulgados pelo jornal Humanista da UFRGS evidenciam que a cobertura de vacinas contra poliomielite, HPV e sarampo estão em constante queda e sequer atingem a meta em lugares como Norte e Nordeste. 

No anuário de Vacinas de 2025 da Unicef, os dados indicam que até 14 de julho de 2025, a cobertura vacinal dos grupos prioritários permanecia abaixo da meta de 90%: crianças de seis meses a seis anos com 39,5%, idosos com 53,2% e gestantes com 29,8%, correspondendo a menos da metade do público-alvo.

A questão ambiental também é desconsiderada por muitas pessoas. Marcelo afirma que há muitos temas pelos quais o jornalismo científico lutou pelo progresso e que atualmente são banalizados. “se houve alguma dúvida no passado, há 20, 30 anos atrás, hoje não há mais nenhuma dúvida sobre os impactos que estão vindo e virão da mudança climática, cada vez mais sérios. Mas ainda tem gente que questiona.”

Recentemente, casos de metanol que alertaram a população em outubro deste ano, trouxeram uma onda de informações falsas que prejudicaram profissionais da área jornalística e médica, motivando o pronunciamento deles a respeito. Vídeos tentando realizar testes caseiros para identificar a presença da substância nas bebidas, sem comprovação científica, viralizaram nas redes sociais.

Essa situação se assemelha com as polêmicas envolvendo o uso da cloroquina na pandemia. Um levantamento realizado por pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP (Cepedisa) em colaboração com a Conectas Direitos Humanos, mostra que, entre março de 2020 e janeiro de 2021 houve pelo menos quatro medidas federais promovendo diretamente ou facilitando a prescrição do medicamento. Jair Bolsonaro foi um dos maiores promotores da cloroquina na época e quem motivou o uso para a população. Apesar de ter sido associada no combate ao Covid, a cloroquina é um medicamento que atua contra doenças inflamatórias crônicas e no combate a parasitas e cuja eficácia de uso para o coronavírus não é comprovada.

O estudo que deu início a essa ideia foi inicialmente publicado na revista científica International Journal of Antimicrobial Agents e assinado por mais de 10 profissionais. Hoje, a editora da revista, Elsevier, anunciou a retratação deste artigo após uma pesquisa aprofundada, com o apoio de um “especialista imparcial que atua como consultor independente em ética editorial”.

Os profissionais continuam exercendo seu trabalho com excelência, alguns optando pela mídia tradicional, outros inovando nas redes através de vídeos curtos. Mas é inegável a forma com que o jornalismo científico perdeu a influência e como falta apoio em todas as áreas. “É muito triste, porque eu dediquei minha vida inteira ao jornalismo científico, para ver isso acontecer no fim da minha carreira” conclui o jornalista.

Após sete anos, evento volta ao calendário impulsionado pelo avanço dos carros eletrificados
por
Fábio Pinheiro
Vítor Nhoatto
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22/11/2025 - 12h

O Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, um dos eventos mais tradicionais do setor automotivo brasileiro, está de volta após um hiato de sete anos. A edição de 2025 acontece entre os dias 22 e 30 de novembro, em um contexto de profundas transformações na indústria e impulsionada pela expansão de veículos eletrificados, entrada de novas marcas no país e a necessidade das montadoras de reconectar consumidores às experiências presenciais.

De acordo com a RX Eventos, organizadora da mostra bienal, a volta acontece em razão da reestruturação e aquecimento do mercado. A última edição havia sido realizada em 2018 e contou com cerca de 740 mil visitantes, mas devido a pandemia de COVID-19 o Salão de 2020 foi cancelado. Nos anos seguintes, a volta do evento ficou só na especulação. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes Automotores (Anfavea), a pausa também pode ser atribuída à crise de matéria-prima, à retração econômica deste então e ao formato caro para as montadoras que estavam distantes do público.

Embora as duas últimas edições tenham sido no São Paulo Expo, esta acontece no Complexo do Anhembi, casa oficial do evento desde 1970. A mudança foi celebrada por expositores e pelo público, já que o Anhembi permite maior fluxo de visitantes, oferece áreas amplas para test-drive e atividades externas, recuperando a identidade histórica do salão. O retorno também faz parte da estratégia de reposicionar o evento como uma grande vitrine de experiências automotivas, com pistas, ativações e zonas imersivas distribuídas pelo pavilhão.

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Renault anuncia o seu novo carro “Niagara” - Foto: Fábio Pinheiro

Entre as montadoras que vão expor, estão nomes de peso que apostam na ocasião para apresentar novidades ao consumidor brasileiro. A BYD leva ao Salão uma linha reforçada de elétricos e híbridos, aproveitando o crescimento expressivo da marca no Brasil, além de lançar no evento a marca de luxo do grupo, Denza. A rival chinesa GWM também estará presente, com o facelift do SUV H6, o jipe Tank 700 e a minivam Wey 09.

Em relação às marcas tradicionais, a Stellantis vai em peso para o Anhembi. A Fiat, apesar de não ter apresentado nenhum modelo novo, trará o Abarth 600, um SUV elétrico esportivo. A Peugeot terá os 208 e 2008 eletrificados e, principalmente, o lançamento da nova geração do 3008 para o mercado nacional, equipado com o tradicional motor THP. 

Enquanto isso, a Toyota investe na divulgação de novidades híbridas flex, com a chegada do Yaris Cross para brigar com o recém-lançado HR-V, e os líderes Hyundai Creta e Chevrolet Tracker. Juntas, as marcas representam parte do movimento de transformação do mercado brasileiro, que tem apostado cada vez mais na eletrificação e em tecnologias avançadas para rivalizar com a expansão chinesa.

O Salão 2025 também será palco de novas marcas como a Leapmotor, parte do grupo Stellantis. O SUV C10 será o primeiro modelo a chegar às ruas, ainda neste ano, e conta com a versão elétrica (R$189.990) e com extensor de autonomia (R$199.990). O segundo modelo será e o C-SUV elétrico B10, por R$172.990, 60 mil a menos que o rival BYD Yuan Plus, e mais recheado de tecnologia, como teto panorâmico, nível 2 de condução semi autônoma, câmera de monitoramento do motorista e airbag central.

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Presidente da Stellantis para a América do Sul, Herlander Zola, anunciou os planos para o grupo - Foto: Stellantis / Divulgação

Já a britânica MG Motor, propriedade da chinesa SAIC, investirá em esportividade elétrica, além de custo-benefício. O modelo de maior volume de vendas deve ser o SUV S5, rival de Yaun Plus, e igualmente equipado ao B10. Em seguida, o MG 4 chega para rivalizar com Golf GTI e Corolla GR, com mais de 400 cavalos, tração integral, pacote de ADAS completo, e pela metade do preço dos rivais. Por fim, o Roadster será o chamariz de atenção no estande, com portas de lamborghini e em homenagem à tradição da marca. 

O grupo CAOA também fará a estreia da nova marca que trará ao Brasil a Changan, com a chegada prevista para 2026 com os modelos de super-luxo elétricos Avatr 11 e 12, além do SUV UNI-T, rival do Compass e Corolla Cross. 

O pavilhão do Anhembi contará com pistas de test-drive, áreas dedicadas a modelos clássicos como o McLaren de Senna, e até mesmo uma área do CARDE Museu. No Dream Lounge estarão presentes super carros como Ferrari e Lamborghini, além da Racing Game Zone para os amantes de videogame e simuladores de corrida. 

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Área externa do Anhembi terá pista de slalom, frenagem e test-drive de dezenas de modelos - Foto: Salão do Automóvel / Divulgação

Apesar da ausência de marcas como Chevrolet, Ford, Mercedes, Volvo e Volkswagen, 2520 montadoras estarão presentes, incluindo Chery, Hyundai, Mitsubishi e Renault. O Salão espera receber cerca de 700 mil visitantes e a edição 2027 já está confirmada. Os ingressos custam a partir de R$63 (meia-entrada) nos dias de semana.

Projeto aprovado pelo Congresso libera R$ 22 milhões do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
por
Helena Barra
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17/11/2025 - 12h

Por Helena Barra

 

No dia 4 de agosto de 2025, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei 847/2025. O plano, aprovado pelo Congresso brasileiro, regulamenta o uso dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), liberando o valor de R$ 22 bilhões para investimentos nas áreas da ciência e tecnologia.  O FNDCT é o principal instrumento de financiamento público da ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Ele apoia pesquisas científicas, a formação de recursos humanos qualificados, a inovação tecnológica nas empresas, a infraestrutura de pesquisa e o desenvolvimento de projetos estratégicos nacionais.

A professora de economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Norma Cristina Brasil Casseb, explica que fundos como o FNDCT possuem legislação própria. No caso do FNDCT, segundo dados da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), os recursos são provenientes de diversas fontes. A composição deles evidencia o importante papel do Estado tanto no direcionamento de incentivos diretos do orçamento público e do tesouro, quanto na garantia de que parte dos lucros obtidos pelas empresas do setor detentor e gerador de tecnologia retorne para a sociedade e permita que ela se desenvolva de forma mais igualitária.

Nas redes sociais, o presidente Lula, afirmou que a medida visa fortalecer a base industrial brasileira. “Com essa medida, vamos fortalecer a inovação nas seis missões da Nova Indústria Brasil e nas Instituições Científicas e Tecnológicas, levando infraestrutura, redes de pesquisa e oportunidades para todos os territórios do país. Investir em pesquisa e inovação é investir no futuro do Brasil”, comentou na divulgação.  Além disso, o projeto também tem como objetivo estimular o emprego qualificado em pesquisa e desenvolvimento, de maneira a ampliar o número de doutores em empresas, startups, parques tecnológicos e instituições de ensino. 

Para Norma Casseb, em um país como o Brasil, com alta desigualdade social e elevada concentração de renda, a liberação deste recurso é importante, não só para a sociedade, mas como para a economia nacional. “Neste contexto, o investimento em tecnologia e inovação, combinado a uma estratégia voltada para a industrialização do país, tem uma alta capacidade de geração de empregos de qualidade especialmente no setor produtivo, permitindo elevação na renda da população e, por consequência, maior expansão econômica”, informa a doutoranda. 

Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), representante das instituições financeiras de fomento habilitadas a operar os recursos do fundo, a nova lei marca uma mudança de postura em relação ao uso dos fundos públicos voltados à inovação. Ao garantir previsibilidade e autonomia na aplicação dos recursos, o Brasil se alinha a boas práticas internacionais de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico. 

Em entrevista à Agência Brasil, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou que, apesar de o FNDCT ter sido criado em 1969, o fundo ganhou maior relevância nos governos do presidente Lula, inclusive no atual mandato. De acordo com o governo, nos últimos dois anos, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação por meio do FNDCT aumentaram seis vezes. Saíram de R$ 2 bilhões, em 2021, para R$ 12 bilhões, em 2024. A previsão para 2025 é de cerca de R$ 14 bilhões.

A professora também reforça que o investimento em ciência e tecnologia é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Eles permitem adicionar valor agregado aos produtos brasileiros, além de elevar a produtividade e a competitividade da economia nacional, permitindo que sejam cada vez mais competitivos no comércio internacional.  Além disso, investimentos como o FNDCT podem tornar o País mais que um exportador de produtos de maior valor agregado, mas também um exportador de tecnologia para outros países, que muitas das vezes não possuem capacidade financeira ou de infraestrutura para desenvolverem suas próprias tecnologias.


 

 





 

Os dilemas que permeiam o desejo feminino de se tornar mãe
por
Leticia Alcântara Andrade de Freitas
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23/06/2022 - 12h

Por Letícia Alcântara

 

Ilustração de feto no útero em forma de coração - Foto: Getty Images
Ilustração de feto no útero em forma de coração - Foto: Getty Images

 

O sonho de Isleida Moura de ser mãe já tem mais de 15 anos, sem sucesso, devido a problemas de fertilidade. Tal aspiração não é exclusiva de Isleide, o desejo de tornar-se mãe é expressivo no coração de milhares de outras mulheres; não é  exagero afirmar que a maioria delas já nascem mães, pois até mesmo quando elas não podem gerar filhos, isso não as impedem de adotarem e assim, exercerem este instinto natural. A grande pergunta feita por muitos é: Porque essas mulheres não adotam já que existem orfanatos repletos de crianças à espera de um lar? A resposta talvez esteja na expressão do direito de exercer sua maternidade, e quando possível de modo a sua escolha, e a ciência, estando disposta para possibilitar a concretude desta decisão.

O sonho de ser mãe, portanto, é algo presente na vida de muitas delas, mas algumas anseiam em vivenciar a experiência nas entranhas, na carne,  gerar a vida dentro de si, sentir as mudanças físicas, hormonais e, principalmente emocionais durante o processo dentro do seu ventre. Acima de tudo, é mais do que  realizar  um sonho, é experienciar por meses o milagre da reprodução. Durante esse processo a mulher  passa por uma  metamorfose e  para a maioria é uma vivência inigualável, sendo para elas os sacrifícios, físicos, psicológicos ou as dores  passadas, sentidas, em prol de colocar seu bebê no mundo, heroicamente suportadas, pois ao  vislumbrar-se tornando-se mãe ela se dispõe a enfrentar este momento com bravura  e  nada, absolutamente nada, deve ser mais importante ou maior em sua vida. É um desejo que a acompanhará por todo o sempre; sentir uma vida dentro de outra vida, dois corações batendo no mesmo corpo. Este é o ideal romântico da fertilização, que para alguns é só ciência e mercantilização, entretanto para estas pessoas a expectativa e por fim sua realização, é o milagre da vida falando mais alto.

O desejo especial de se tornar mãe, figura a vida de muitas mulheres ao redor do mundo, gerar outra vida, através do próprio ventre, trás consigo um ideal mágico, divino, espetacular; Porém pouco se fala daquelas mulheres, que se deparam com dificuldades ao longo deste processo, ainda que dados da OMS apontem que  50 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser inférteis. No caso específico do Brasil, este número chega a 8 milhões, estando relacionado cerca de 35% dos  casos de infertilidade,

Número que coloca a infertilidade como o bicho papão para todas que querem engravidar  ou seja, as mulheres que colocam a maternidade como projeto de futuro. Mais que curar e tratar doenças, os avanços da ciência carregam a possibilidade da realização de sonhos, sendo um destes mecanismos a reprodução assistida. Entende-se por reprodução assistida todo e qualquer processo reprodutivo, que tenha alguma espécie de intervenção científica, viabilizando desta forma a gravidez. Tais intervenções podem ser divididas em procedimentos de baixa e alta complexidade, sendo o primeiro quando não há manipulação dos óvulos e espermatozoides em laboratório, já no caso do segundo, ocorre esse manuseio o  que explica a terminologia “In vitro”, de forma simplificada, como esclarece a pesquisadora e especialista em reprodução humana, Michelli Montãno, que hoje reside na Espanha, um dos destinos mais procurados na Europa e no mundo, para as técnicas de reprodução.

Tudo depende de quão invasiva é esta intervenção. Dentro destas duas subdivisões, existem diversos métodos que podem ser adotados, a depender da necessidade de cada paciente. Ainda em relação ao método, a especialista pontua que o mesmo deveria ser decidido de forma individual, com cada paciente porém isso na prática ,não ocorre, os ginecologista em sua maioria, não costumam pedir exames para investigar como está a reserva ovariana da mulher, e quando pedem , são em pacientes já com idade avançada, o que para Michelli é um erro, pois isso deveria ser pedido inclusive para mulheres jovens, para alertá-las, a fim das mesmas ponderarem as opções, incluindo o  congelamento de óvulos.

Quando nos referimos ao método é importante salientar, que não é correto usar as expressões taxa de sucesso e de falha, uma vez que cada organismo é um, e mesmo obtendo sucesso na tentativa, em algumas situações, a gravidez não irá adiante, pelo contrário em diversos casos uma primeira experiência não é o suficiente. Muitos fatores levam mulheres, a recorrerem a estes tratamentos, como problemas genéticos, e até mesmo o avanço da idade. Estudar, trabalhar, casar, alcançar estabilidade emocional e financeira,  é um processo longo, e quem segue essa ordem, não necessariamente a risca, mas que escolhe deixar por último a concepção dos filhos, acaba se deparando com alguns desafios, especialmente em se tratando de mulheres, que não só tiveram uma inserção tardia no mercado de trabalho, pós constituição de 1934, como também seguem enfrentando diversos estigmas e preconceitos sociais referentes a conciliação de vida profissional e maternidade.

Como esclarecem os especialistas, a idade reprodutiva das mulheres, atinge seu pico entre os 25 e os 29 anos, após 29 anos até os 35, as chances ainda são consideradas boas,  depois dos 35 as dificuldades aumentam gradativamente ao passar dos anos, sendo depois dos 40 frequentemente necessário o suporte médico, e  os riscos de complicações gestacionais, considerados  altos.  A entrevistada Francielle Delabio, relata que ao chegar próximo aos 40, vinda de tentativas naturais infrutíferas, não queria mais esperar, então aos 38 anos começou o processo, Francielle que recorreu ao congelamento dos óvulos, para fertilização em um momento propício, seguindo orientação médica, com testes de ovulação e administração de medicamentos, obteve êxito na primeira tentativa, e hoje tem uma filha de 5 meses de vida.

Gráfico idade x fertilidade, Fonte: Felicitá Instituto de Fertilidade
Gráfico idade x fertilidade, Fonte: Felicitá Instituto de Fertilidade 

Na caminhada, para a tão sonhada gravidez, as mulheres lidam com constantes adversidades, encarar  a expectativa, ansiedade e frustrações. Amanda Bueno, que realizou duas FIVs (Fertilização In Vitro) relata seu sofrimento, afirmando que a parte mais complexa de lidar é o psicológico, e que vivenciou uma montanha russa de emoções incluindo, medo, frustração e  luto. Ela sinaliza a importância de toda mulher que passa por este tratamento ter um acompanhamento psicológico, principalmente porque ele influencia muito no resultado final. Amanda, ainda não conseguiu engravidar, porém afirma que após se recuperar psicologicamente, pretende continuar tentando. 

Outro fator determinante são os elevados valores, as medicações são caras, juntando procedimentos e internação, tornam-se menos acessíveis ainda; os valores de uma inseminação giram em torno de 10 mil reais, e uma fertilização in vitro, não ficando abaixo de 20 mil. Os procedimentos, por enquanto, não estão no rol de cobertura de nenhum convênio, o que gera ainda mais desilusão  para as contratantes. No Brasil já existem tratamentos realizados pelo SUS, para famílias de baixa renda, porém ainda que mais acessíveis, nem sempre são 100% gratuitos, requerendo custos altos para o padrão da maioria da população, além de uma burocracia significativamente demorada.

Isleide Moura atualmente conseguiu o tratamento pela  UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), que detém  um programa de assistência para pessoas de baixa renda, a mesma narra que a instituição cobra um valor de 3 mil e 900 reais pela internação e os procedimentos cirúrgicos, além do custeio da medicação, que totaliza 5 mil reais, e também fica por sua conta.

Os dilemas que circundam a reprodução assistida são muitos, além de negligenciados pela população em geral e pelo governo, pouco se fala de um tema que é realidade constante para muitas mulheres, para muitas famílias. Aquelas que exprimem o desejo da maternidade biológica, gerar uma nova vida, não deveriam jamais ser privadas desta vontade, especialmente quando o fator determinante se restringe ao dinheiro, ou melhor a falta dele.

Que avanços médicos/científicos são imprescindíveis e essenciais não existem dúvidas, ou questionamentos, mas e quando estes avanços só chegam para alguns? E quando a ciência se torna reduzida a só mais um objeto de aparthaid social, quanto vale um sonho? E mais quanto vale uma nova vida, que a ciência pode e deve, ajudar a gerar, más que por assimetrias sociais presta este auxilio apenas para alguns.

 

 

 

Quando surgiu o crack em São Paulo? E a 'Cracolândia'? O que dizem os psiquiatras?
por
Pedro Laigalini
|
23/06/2022 - 12h

Por Pedro Guimarães Labigalini

 

O que hoje chamamos de centro-velho já foi palco de diversas transformações sociais, diásporas, movimentos de industrialização e, depois, de acentuada gentrificação. A verdade é que o solo entre a Avenida São João e a Alameda Cleveland protagoniza a história da cidade de São Paulo, e esboça, invariavelmente, um reflexo, da urbanização paulista. Até o início da década de 30, o fluxo econômico de São Paulo, e até mesmo grande importância das movimentações financeiras nacionais, corriam entre a Santa Cecília e a Catedral da Sé. É justamente com a quebra da bolsa de Nova Iorque, em meados de 1930, que ocorre a debandada empresarial do centro. Empresas, rádios, televisões e bancos migram da região central, e partem para o logradouro de mais altitude: a Avenida Paulista.

Mas, para compreender com eficácia as dinâmicas habitacionais da área em apreciação, devemos retornar à 1878, quando o empresário suíço Frederico Glete e o alemão Victor Nothmann, arremataram grande terreno na circunvizinhanças da ainda incipiente São Paulo, e repartiram a terra em lotes para dar fundação a grandes mansões. Ali, ergueu-se o primeiro bairro planejado da cidade, onde se aportaram vultosos industriais e o baronato cafeeiro, haja vista a boa localização assegurada para as viagens de tratativas negociais. Esse empreendimento tem marcantes traços e influências dos mestres-de-obra e artesãos portugueses, italianos e espanhóis que foram empenhados  na construção civil.

O bairro manteve essa atmosfera do baronato até a, já mencionada, quebra da bolsa de Nova Iorque. Quando ocorre o capital sobe a colina e se instala na Av. Paulista, as grandes mansões começam a dar espaço a cortiços, e os habitantes dos Campos Elíseos passam a ser, majoritariamente, parte do proletariado de uma cidade que aportava indústrias no seu recinto residencial. Ocorre que muitas estruturas foram mantidas, e edifícios sobreviveram à industrialização, de forma que a Prefeitura decidiu, por meio do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), tombar as características urbanísticas do perímetro, em 1986.

CRACOLÂNDIA

 

Apesar do tombamento conferido pela municipalidade, a degradação dos Campos Elíseos teria início quatro anos depois, e não seria através do esmorecimento da identidade urbana, mas através de um fenômeno social  sintomático.

De acordo com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. do Ministério da Justiça e Segurança Pública o crack surgiu nos Estados Unidos na década de 1980 em bairros pobres de Nova Iorque, Los Angeles e Miami. O baixo preço da droga e a possibilidade de fabricação caseira atraíram consumidores que não podiam comprar cocaína refinada, mais cara e, por isso, de difícil acesso. Aos jovens atraídos pelo custo da droga juntaram-se usuários de cocaína injetável, que viram no crack uma opção com efeitos igualmente intensos, porém sem risco de contaminação pelo vírus da Aids, que se tornou epidemia na época.

Em oitenta e seis, ano que o CODEPHAAT conferiu proteção ao bairro, o crack ainda não era conhecido no Brasil. O primeiro relato da droga data de 22 de julho de 1990. A Polícia Militar teria apreendido um jovem com pouco mais de 200 gramas, na zona leste de São Paulo. No início, o consumo acabou se concentrando, em grande parte, naquele lado da cidade. Até que uma disputa entre os traficantes deslocou o fluxo de vendas para a região da Luz.

Em 1988, o Terminal Rodoviário da Luz havia sido desativado. Sem-tetos e pessoas em situação de rua habitaram o complexo no primeiro momento. Quando ocorre, porém, a mencionada diáspora do tráfico, em movimento semelhante ao que ocorrera com o capital nos anos 30, a região é tomada pela presença dos usuários e pela “cena aberta de uso de drogas”.

A primeira vez que o termo apareceu no vocabulário escrito remete a 1995, em reportagem do Estadão que tratava da inauguração da Delegacia de Repressão ao Crack . A concentração para consumo, desde lá, foi apenas aumentando. Até que em 2005, a gestão municipal de José Serra deu estopim às ações:

Serra desligou bares e hotéis associados ao tráfico da região, tentou retirar aqueles em situação de rua da região, e declarou imóveis como sendo de “Utilidade Pública”, para viabilizar a desapropriação. As medidas não surtiram efeito significativo nenhum.

Em 2007, a gestão era de Gilberto Kassab. Promoveu o programa “Nova Luz”, que renunciava 50% da cobrança de IPTU da região, e 50% do ISS. Apesar de beneficiar, notadamente, os menos vulneráveis, a ação também não provocou grandes alterações nas estruturas já estabelecidas de degradação urbano-social que agora assolavam os arredores da Rua Helvétia.

Diante do pujante insucesso das políticas de Kassab, o Governo Estadual se levantou da cadeira, e Geraldo Alckmin foi quem deu início a uma política que correu paralela e conjuntamente às empreitadas municipais, o Programa Recomeço.

O Recomeço contou, em sua elaboração, com a participação do médico psiquiatra da Unifesp, Ronaldo Laranjeiras.  Com Ph.D na Inglaterra, e prática conhecidamente mais conservadora, ele concedeu entrevista a esta reportagem, que será reproduzida mais adiante. Ele foi um dos responsáveis pela implementação dos CRATOD’s (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), que acolhe os usuários na Rua Prates.

De acordo com o Portal do Governo do Estado, “as mães dos pacientes procuram orientação no chamado ‘Recomeço Família’, um braço do Programa Recomeço. (...)
Muitos dos pacientes recebem ali mesmo o encaminhamento para o tratamento, de acordo com o seu quadro e nível de intoxicação. Além das Comunidades Terapêuticas, eles podem ser direcionados também a uma avaliação médica ou, em casos menos graves, para um Caps do município ou da própria instituição.”

A ação chegou a atender mais de 3.000 pessoas por dia em todo o estado paulista, e, apesar de também oferecer assistência social e atendimento ao paciente, recebeu tantas opiniões contrárias quanto pacientes.

As críticas recaem, em sua maioria, no direcionamento às Comunidades Terapêuticas. A psiquiatria parece não ter entendimento sedimentado e único a respeito do tratamento de dependência química. Mas duas frentes se ressaltam nas políticas de saúde pública lançadas nas últimas décadas.

A primeira caminha pela via da internação e afastamento do usuário. A outra anda ao lado da assistência social e redução de danos. Esta segunda teve expressividade em alta quando embasou o programa Braços Abertos, com Fernando Haddad à frente da Prefeitura em 2014. O programa foi coordenado pelo psiquiatra Dartiu Xavier, colega de casa de Laranjeiras, também da Unifesp. Usuários de crack eram acolhidos em hotéis e a Prefeitura tentaria promover alimentação, assistência médica e trabalho. Aqueles que varriam as ruas passaram a receber R$ 15 reais.

As ações foram desmontadas quando João Dória assumiu. Em meados de 2016 pediu à justiça a internação compulsória de mais de 400 usuários de crack da região. O Ministério Público entendeu a ação da prefeitura como improcedente, e a justiça rejeitou o pedido.

Concorrentemente ao Programa Recomeço, estadual, Dória lançou o Redenção, que ficou marcado por uma grande intervenção policial que tomou as ruas do centro, no mesmo 21 de maio em que acontecia a Virada Cultural. Se, naquele momento, houve uma pulverização dos usuários, não demorou uma semana até que se concentrassem novamente, desta vez no preciso endereço da R. Helvétia. Ali permaneceram, e assim mantiveram-se os esforços do Poder Público. Até o presente ano de 2022, em que ocorreu a ocupação da Praça Princesa Isabel, e a consequente operação policial que retirou os usuários e cercou a praça para as reformas a agendadas alguns meses antes.

A movimentação de pessoas que usam e traficam drogas a céu aberto voltou a crescer na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, após dois anos de queda. A média de frequentadores chegou a 579 pessoas por dia de janeiro a setembro de 2021, número 21% maior do que o registrado no mesmo período em 2019 (478) e 14% maior que em 2020 (506).

A prefeitura, no primeiro dia de ações de zeladoria, retirou onze toneladas de lixo em duas rodadas de limpeza na Princesa Isabel. O que leva a subprefeitura da Sé, responsável por aquele território, ao pódio das despesas em varrições e limpeza de calçadas.

Se a manutenção do espaço é, ora, tão custosa, e sequer há retorno fiscal para a Prefeitura, por quê não encontramos soluções efetivas até o momento? A medicina parece tampouco ter uma resposta. Ou tem respostas, mas elas são bastante idiossincráticas. 

 

O QUE DIZ A MEDICINA?


 Ronaldo Laranjeiras concedeu entrevista a esta reportagem quando dos mais recentes fatos acerca da mudança para a Princesa Isabel.

Do consultório de sua clínica de dependência, Ronaldo conversou via zoom. Ao fundo, as estantes de livros eram atingidas pela luz do sol vespertino, que entrava por uma ampla janela. De sua mesa, respondeu descontraidamente às perguntas, e o trecho de maior relevância está aqui transcrito.

Na sua visão, onde está a ponta do novelo pra gente desatar esse nó da ‘Cracolândia’? São 30 anos de Políticas Públicas, o senhor inclusive participou do Programa Recomeço e disse que foi descontinuado. Mas onde o Poder Público, e talvez nós, como sociedade, estamos errando e o que estamos deixando de encontrar para desatar esse nó?

“Acho que você tem que saber que são várias populações que estão na cracolândia. Você tem ali a população de rua que não usa drogas; você tem a população de rua com transtornos mentais severos; e você tem pessoas usuários de drogas, eventualmente com transtornos mentais; e tem usuário que fica de passagem, que não é frequentador da cracolândia, mas vai, passa, fica naqueles hotéis.

Então, o ponto central é que você não teve uma política que levasse em consideração essa complexidade. E tem um pilar central aí que é o crime organizado, que ganha 9 milhões, no mínimo, por mês. É uma empresa que fatura nove milhões por mês; não existe isso. Você tem a feirinha de objetos roubados ali. Você pergunta pros usuários como eles consegue dinheiro, se a pessoa não trabalha, é por roubo, fruto, prostituição.

Então, a política pública, ela é muito pontual e muito frágil pra lidar com essa complexidade. Isso é válido aqui em São Paulo, lá em São Francisco, Los Angeles. Enquanto a política pública não levar essa complexidade... e não são os moradores de ruas só, ‘puros’ (apenas), tem o crime organizado que se beneficia. (...)

(...)Então a política falha porque ela não leva em consideração essa complexidade. Aí fica num debate muito pobre, ao meu ver: ‘vamos internar todo mundo, ou vamos prender todo mundo’. Eu acho o debate meio pobre. Acho que não vai ser uma solução única, você prender ou internar. Ou dar casa para todo mundo.

É não levar em consideração a complexidade da política para uma população muito vulnerável. Porque tem gente que sai da prisão, a gente tem esse dado, não tem para onde ir, e vai pra cracolândia. Ou então a família não aguenta mais o cara usar crack, manda embora, e ele vai lá pra cracolândia. E ele é se abrigado, de alguma forma, pelo crime organizado, acaba tendo alguma função dentro da cadeia de venda de drogas, nos pequenos roubos e furtos.

Então tem uma complexidade, todo mundo ‘ah, vamos fazer prevenção’, aí a pessoa acha que uma ação de prevenção, qualquer que seja, vai resolver essa complexidade.

O que eu acho...  é uma ingenuidade! Ou eu estou velho, (risadas) e com bastante tempo de cadeira, (por isso) não acredito nessas ingenuidades. (...)

(...)O Prefeito, ao meu modo de ver ver, deveria se reunir com a Câmara de vereadores, com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, e ter um consenso do que fazer. De qual setor fazer. É saúde, é social? Isso é parte do governo... e então fazer uma política consensual do que fazer com a cracolândia. Essas medidas unilaterais e isoladas, elas tem um efeito imediato (...) mas se não tiver uma dimensão, se achar que ‘do prefeito’. Se tiver um cara que vai ser o ‘xerife’ da cracolândia, está  fadada ao erro.(...)”

 

Esta é a visão de um médico com prática e postura mais conservadoras, e anteriores a que é encampada posteriormente por, e tem como maior expoente o coordenador do Braços Abertos, Dartiu Xavier. Dartiu segue a linha da Redução de Danos. Foi procurado por esta reportagem, que não obteve respostas. Para Xavier, que coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp (PROAD), conforme entrevista ao portal UOL: “os modelos mais repressivos e coercitivos fracassaram no mundo inteiro”. Internar o usuário, retirando-o de seu ambiente para o tratamento, não produz efeitos a longo prazo, mesmo com recursos financeiros, porque a droga "não é causa, é consequência”. Ele afirma também que, o usuário ficar “limpo” em uma clínica, é uma situação fácil. "Mas quando a pessoa volta para a sua vida e seus problemas, ela recai",

Em outra entrevista concedida à Folha de São Paulo, desta vez por escrito, delineou melhor sua impressão:

Aquela imagem do engenheiro que perdeu tudo e foi morar na cracolândia é a raridade da raridade. A droga é efeito, não causa da exclusão. A pessoa já vive excluída socialmente, e sua miserabilidade faz a droga florescer. Há uma grande diferença entre o usuário ocasional e o dependente. Para o segundo, a droga, seja álcool, seja crack, não é recreacional, é fuga”

Quando a gestão municipal de João Dória trouxe à tona, novamente, a internação compulsória, Dartiu disse ao Brasil de Fato:

“Para você ter uma ideia, mais de 90% de quem é internado contra a vontade recai e volta a usar drogas menos de um mês depois da internação. Ou seja, a eficácia é tão baixa que não se justifica do ponto de vista médico. Isso sem mencionar as atitudes que são tão afrontosas às liberdades individuais, aos direitos humanos. Então, eu acho lamentável que a gente, em 2017, esteja ainda voltando ao retrocesso"

Ao Mídia Ninja, disse:

“A minha impressão é que estamos indo na contramão da história, cada vez mais retrógrado nas políticas públicas para drogas. Embora a gente veja uma tendência mundial mais reacionárias, o mundo inteiro está revendo suas políticas de drogas e se flexibilizando. Há vários países regulando e legalizando. Os Estados Unidos e o Canadá, por exemplo, estão indo para uma linha francamente de redução de danos, se abrindo para outra visão, muito mais parecida com a Holanda.”

 

 

Chave por trás de inúmeras descobertas tecnológicas que mudaram a história é, também, o principal motivo da destruição em massa causada pela guerra.
por
Guilherme Silvério Tirelli
|
05/05/2022 - 12h

Por Guilherme Tirelli

Na contemporaneidade, o mesmo país que clamava por liberdade alguns anos atrás, chora os reflexos de um período sem precedentes. A recente invasão russa à Ucrânia, no fim de fevereiro, marca uma nova era global, principalmente no que diz respeito as disputas pelo poder. O confronto, reverbera uma vertente híbrida da guerra, pautada nos estudos cognitivos da mente humana, e em três pilares fundamentais: ciência, tecnologia e mídia.

Praça da Independência em Kiev em 2018
Praça da Independência em 2018. Fonte: Arquivo pessoal

A guerra, por sua vez, possui uma trajetória longínqua que iniciou-se nas antigas batalhas relacionadas ao estado de Lagash, por volta de 2525 a.C. Já durante o Renascimento, Nicolau Machiavel defendia a tese de que um grande governante deveria assumir sua profissão nada mais além do conflito. A ótica de que “O Príncipe” não deveria ser amado por seu povo, mas sim temido por ele, perdura desde a Idade Média. Aliado a essa premissa, com a finalidade de se tornar bem-sucedido durante os conflitos, o italiano pregava que o domínio das técnicas, sistemas e estratégias era essencial.

Dessa forma, desde o século XIV a ideologia de que a ciência era fundamental dentro das discussões sobre logística de guerra vem sendo propagada, uma vez que foi ela quem sempre produziu e, ainda produz, meios para a continuação de confrontos. Por sua vez, o desenvolvimento tecnológico na produção das armas, tornou ainda mais brutais as consequências dos conflitos. Segundo o coronel da reserva do Exército, Orizon Ruyter de Freitas Jr, com o advento da tecnologia, foi possível incorporar dispositivos capazes de maximizar o dano causado, como por exemplo, a mira eletrônica. Ainda de acordo com o militar, é o uso da ciência que dita as relações de poder nos dias de hoje.

Contudo, para se compreender o período exato em que, principalmente os europeus reconheceram a vantagem que ela poderia lhes proporcionar, é preciso retornar ao cerne da Primeira Guerra Mundial. Até então, nenhum outro enfrentamento havia causado mais de dois milhões de mortes. Todavia, entre 1914 e 1918, nove milhões de pessoas perderam suas vidas, não pelas mãos da Tríplices Aliança, ou dos “Aliados”, mas sim pela ciência.

E foi pela Ciência, durante o conflito, que a invenção da metralhadora, creditada à Hiram Maxim, se transformou em um mecanismo mais mortífero. No entanto, a química também teve um papel muito importante no decorrer da guerra. Levando em consideração o enorme número de armas e munição, as formações em linha deixaram de fazer sentido, ao passo que o de canais abaixo do solo tornou-se uma maneira viável de defesa. Com o intuito de fazer os inimigos saírem das trincheiras, os alemães utilizaram o gás cloro, que atacava as células do sistema respiratório. O contra-ataque não demorou e veio quando os cientistas desenvolveram filtros e máscaras capazes de neutralizar os efeitos do gás.

O uso da metralhadora durante a 1ª Guerra Mundial
O uso da metralhadora durante a Primeira Guerra Mundial. Fonte: Getty Images

O confronto, porém, ainda estava longe do seu desfecho. Enquanto a química continuava a causar danos localizados, tanques começaram a ser utilizados, ao mesmo tempo em que os aviões foram equipados com metralhadoras. Nos oceanos, os submarinos também tiveram sua importância durante o combate. Por fim, dentro de um contexto cibernético, o fato dos alemães terem atrapalhado a circulação de produtos para a Inglaterra foi um dos combustíveis que levaram a Europa a destruição.

Mas, além das milhões de perdas irreparáveis, as consequências da Primeira Guerra Mundial foram experimentadas no mundo inteiro. A criação de um ciclo competitivo de inovação provocou incessantes desdobramentos, presentes até os dias de hoje. Entretanto, a principal concepção deixada pelo conflito foi que, para realmente ter sucesso, era estritamente necessário inventar e inovar antes dos demais. Tal máxima impulsionou a criação de novos mecanismos ainda mais letais que deixariam sua marca duas décadas depois.

Idealizada por H. G. Wells, a bomba atômica não passava de uma utopia, um conceito ficcional atrelado às obras do escritor britânico, ainda em 1914. No entanto, anos mais tarde o cientista Leo Szilard realmente descobriu-a, ao passo que Albert Einstein sugeriu que ela poderia ser construída na prática. Em agosto de 1939, o alemão assinou uma carta destinada ao então presidente americano Franklin Roosevelt, alertando que a Alemanha Nazista poderia construir um novo tipo de bomba, extremamente perigosa e que por essa razão estavam extraindo urânio em minas na Tchecoslováquia.

A carta, apenas foi assinada por Einstein. Quem a escreveu foi justamente Szilard. Sob um ponto de vista global, a escritura marcava o surgimento de uma nova era na história da guerra. Roosevelt tomou a frente do Comitê do Urânio que deu origem a principal corrida armamentista da Segunda Guerra Mundial. Em 1943, cerca de quatro anos após o início do conflito, Estados Unidos e Reino Unido fundiram suas pesquisas. Os cientistas britânicos tiveram um papel muito importante ao decifrarem o código secreto dos alemães. Além disso, ajudaram no desenvolvimento do radar e, mais tarde, no projeto Manhattan.

Carta enviada por Einsten à Franklin Roosevelt
Carta entregue à Roosevelt por Albert Einstein. Fonte Getty Images

Dois anos após unirem forças, Estados Unidos e Reino Unido tornaram  Manhattan uma espécie de segredo absoluto. Ninguém saberia quais seriam os próximos passos do projeto até 16 de junho de 1945, dia em que a primeira explosão nuclear foi realizada no Novo México. A experiência Trinity serviu como um teste para aquilo que se transformaria em uma das tragédias mais dolorosas testemunhadas pelo homem.

Em agosto do mesmo ano, após a morte de Roosevelt, Truman autorizou o uso das bombas de Hiroshima e Nagazaki. Centenas de milhares de pessoas foram assassinadas durante o ataque ou por consequência dele, algum tempo depois. Trinity não apenas decretou o início da Era Atômica, mas provou que a Ciência, responsável pelo surgimento de inúmeras tecnologias que alavancaram a humanidade, também tinha o poder de causar uma destruição em massa. Os cientistas assumiram o projeto com um grande entusiasmo, tanto pelo que poderia significar militarmente, quanto, principalmente, pela oportunidade de explorar os limites do conhecimento humano e recursos da época. Contudo, uma vez concluída, a bomba causaria um efeito nunca antes visto e eles assistiriam, perplexos, as consequências do que haviam ajudado a construir. Mesmo após as críticas aos ataques, a tragédia marcou o ponto inicial da corrida nuclear.

Quase quatro anos após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, no dia 29 de agosto de 1949, a União Soviética também testou sua primeira bomba atômica em Semipalatinsk. O experimento apenas endossou o que já se sabia: a Guerra Fria se tornaria uma realidade. A partir desse momento, o desenvolvimento tecnológico já consistia na principal frente do conflito. O lançamento dos satélites Sputnik 1 e 2, fez com que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criasse a ARPA (Advanced Research Projects Agency), divisão apoiada pelo governo americano, que desenvolvia pesquisas em tecnologias de computadores nas universidades

É exatamente nesse contexto de embate tecnológico que, em 1969, surge a Internet, sob o nome de Arpanet. A visão do Pentágono à época era que a rede seria um importante mecanismo de defesa, caso houvesse um ataque nuclear dos soviéticos. Os dados permaneceriam armazenados, com o intuito de manter ativa a comunicação entre militares e cientistas. De acordo com o coronel Orizon, ainda que restrita ao uso militar, o novo sistema comunicacional adquiriu um caráter revolucionário. Segundo ele, o grande efeito que ela trouxe foi na questão da velocidade das comunicações. Como consequência disso, as disputas pelo poder começaram a ser pautadas pelo acesso a informação, o que deu origem a guerra de narrativas. É justamente nesse contexto tecnológico que a Guerra Fria se instaurou.

Sob um ponto de vista global, o conflito impulsionou o uso da ciência e da tecnologia. A Guerra Fria se caracterizou como um fenômeno plural que moldou as condições e as decisões, assim como as relações internacionais, em meio a rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética. O embate, ainda que indireto, criou um forte clima de tensão sobre a possibilidade de um confronto aberto entre as duas potências. Como consequência desse processo, após a dissolução da URSS, Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão assinaram um acordo na década de 90, no qual abriram mão de seu armamento nuclear.

Na contemporaneidade, entretanto, os reflexos desse acordo começaram a ser testemunhados. De acordo com a ONU, mais de 3 mil civis morreram na Ucrânia desde a invasão russa ao país. A entidade considera que esse número é ainda maior, uma vez que o confronto dificulta o acesso a determinadas áreas do país. A estimativa é de que pelo menos 5,5 milhões de pessoas fugiram do território ucraniano desde o princípio da guerra. Tal cenário não remete em nada aquele de uma década atrás, no qual Estados Unidos e Rússia assinaram o New Start.

O acordo, firmado em 2010, limitaria o arsenal nuclear das duas potencias a “somente” 1500 ogivas ativas até 2021. Contudo, embora ele tenha sido prorrogado por mais cinco anos, ainda não cobre pontos críticos da tensão entre os países. Por esse motivo, Moscou continua desenvolvendo novos super mísseis nucleares, enquanto Washington multiplica e rearma as bases da OTAN. Era evidente que uma hora o preço viria. Porém, o mais cruel é que aqueles que não tinham nada a ver com o embate entre Estados Unidos e Rússia são os que pagam com a própria vida.

Acordo New Start
Putin e Biden em reunião sobre o New Start. Fonte: Folha PE

Diante desse cenário, chega a ser uma utopia acreditar que a Guerra Fria, de fato, acabou. Ela está ai, para todo mundo ver. Os desdobramentos recentes sugerem que, na Ucrânia, a nova ordem mundial está sendo decidida. O conflito entre russos e norte-americanos está muito longe de acabar, principalmente em um contexto global cada vez mais dominado pela tecnologia que, por sua vez, permite a construção e consolidação de confrontos dessa magnitude à qualquer instante. Caminhamos a passos largos ao encontro de uma realidade pautada pelo desenvolvimento científico e tecnológico e essa conjuntura pode ter pontos positivos e negativos. Depende do caminho que a humanidade escolher. Fato é que se nenhuma medida for tomada nos próximos anos, poderemos sim, ficar reféns das máquinas.

Inovando a forma tradicional de armazenar seus dados, o sistema garante mais benefícios aos usuários e empresas
por
Malu Marinho
Ramon de Paschoa
Tabitha Ramalho
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07/12/2021 - 12h

  A tecnologia da nuvem inclui o fornecimento de serviços de inteligência aos servidores, armazenamento, análises e bancos de dados, rede e software, tudo isso pela Internet para oferecer inovações mais rápidas. O engenheiro de dados da marca esportiva Nike, Thiago Corrêa, afirma que através dessa tecnologia se otimiza os custos e o tempo da sua empresa, estresse, além do dinheiro e mão de obra.


    As grandes empresas de tecnologia Google, Microsoft e Amazon são fornecedoras do sistema de computação em nuvem. Com o uso diário da internet, hospedar documentos tornou-se algo benéfico tanto para a segurança — armazenando seus dados com a proteção da Lei Geral de Proteção — quanto para o transporte de informações. Ao contratar, as empresas deixam de arcar com mão de obra especializada e grandes servidores para armazenar, a Nuvem é elástica e fornece a quantidade adequada de recursos de Tecnologia da Informação, sempre que necessário.

     Utilizado pela primeira vez no ano de 1997, o termo "computação na nuvem" foi adotado pelo professor de sistemas de informação Ramanath Chellappa, da Goizueta Business School. Em palestra, Chellappa se apropriou do termo por inspiração do símbolo da "nuvem" para representar algo que está "no ar", assim como a internet. Desde então, "a gente começou a virtualizar a própria infraestrutura" como pontuado por Corrêa. Tornou-se cada vez mais comum o uso da inteligência não só para cientistas da computação ou profissionais de TI (Tecnologia da Informação) mas também para o público geral.

      Revigorada há pouco tempo no Brasil, a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados, também conhecida como LGPD, traz para as empresas a obrigatoriedade de informar a finalidade da coleta (de dados) aos titulares. 

Thiago Corrêa, engenheiro de dados/ acervo pessoal

A lei se aplica à tecnologia da Computação na Nuvem, já que sua principal função é o armazenamento de referências para as empresas. O engenheiro sinaliza que, quando um analista recebe a pesquisa, ele não tem acesso ao CPF do usuário, por exemplo. E acrescenta, "como sou o engenheiro de dados, ao ver esse tipo de informação (pessoal), preciso mascarar para que a empresa esteja dentro do combinado com a LGPD". 
 

  Com a fiscalização mais atenta através da LGPD, o cotidiano individual é facilitado, já que é informado ao usuário onde, porquê e para quem seus dados estão sendo coletados. Para as grandes corporações, a Nuvem fez com que muitos gastos fossem evitados, por não haver necessidade do uso de máquinas com servidores. O engenheiro explica que, "quando a gente fala de empresas, o serviço em nuvem é um benefício porque elas não vão ter aquela dor de cabeça de custos e perda de tempo que tinham antes."

   O engenheiro aponta um diferencial positivo sobre o uso da tecnologia, explicando que o principal data center — o centro de processamento de dados — do Google fica na Finlândia e, a energia consumida é totalmente ecológica. Ainda pontua como sendo um benefício ambiental, "a computação em nuvem fornece não só diferencial para si mesmo, como para a natureza". 

    Migrar para o serviço de computação na nuvem é o começo da maior presença da tecnologia nas nossas vidas cotidianas. As empresas de grande porte abordam a inteligência como uma jornada de melhoria constante. De acordo com a Accenture Technology, em pesquisa realizada com mais de 4.000 respondentes, revelaram que o deslocamento para a nuvem entrega resultados positivos: quase 3/4 das empresas consultadas relataram cortes de custo de até 11% e puderam acelerar a carga de trabalho em resposta à pandemia, fornecendo melhor qualidade, segurança dos dados, e suporte aos profissionais da área. 

    A tecnologia chegou para facilitar diversos setores, "você não precisa mais ser especialista em configurações de equipamento" diz Corrêa, "muito mais fácil, ir no terminal da servidora e clicar (...) facilita, para todos, incluindo o especialista de TI." complementa. A inteligência de Computação na Nuvem, não é um mecanismo restrito aos servidores da área, e sim, para todos que fazem uso da internet seja para trabalho, estudo ou armazenamento de informações comuns. 
 

O equipamento é utilizado em casos refratários do tratamento convencional
por
Isabela Lago Miranda
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24/11/2021 - 12h

Por Isabela Lago Miranda

Oxigenação por membrana extracorpórea, ou ECMO, é uma técnica que utiliza dispositivos mecânicos para dar suporte respiratório para um paciente, utilizados em casos de gravidade como uma forma de proporcionar tempo até que se estabeleça um tratamento ou um transplante de órgãos. Em casos graves da doença que não responderam bem à ventilação mecânica, ECMO foi utilizada no tratamento da Covid-19 em centros especializados com equipe multifuncional com treinamento específico. A tecnologia passou a ser conhecida pela população geral após ser utilizada pelo ator e comediante Paulo Gustavo quando foi internado pelo corona vírus, gerando comoção nacional, que não compreendia na época do que se tratava.

                O processo se dá com a retirada do sangue através de uma veia para uma bomba e por uma membrana artificial que faz a função do pulmão, essa técnica ajuda a retirar o gás carbônico e oxigenar o sangue, que é devolvido para o organismo. “Tem como finalidade o repouso do pulmão afetado pelo covid até que se consiga tratar a doença e, com a melhora dos sintomas, vai se reduzindo a necessidade da ECMO até sua retirada final” explica Daniela Cristina, fisioterapeuta respiratória do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo.

                Embora aumente as chances de sobrevida, a ECMO também oferece risco aos pacientes, como hemorragia, infecção, embolia pulmonar e acidente vascular cerebral; além disso, é custosa, por isso não é incorporada ao SUS por ordem da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema de Saúde (CONITEC). Mesmo assim, a CONITEC estima que 1 a 1,2% dos pacientes com Síndrome de Angústia Respiratória Aguda (SARA) pela covid-19 refratários ao tratamento convencional se beneficiariam da ECMO enquanto os outros 99% necessitariam de ventilação mecânica.

 “Já usávamos ECMO no tratamento de pacientes com SARA e após o início da pandemia foi incorporado ao tratamento de pacientes de Covid19. Antes tínhamos poucos pacientes utilizando, mas a pandemia fez com que a máquina fosse mais usada e mais profissionais tenham que ser treinados para usar ela”. Daniela considera que há significantes benefícios para o uso dessa tecnologia, “A expectativa de vida, ou sobrevida, aumentou, tornando possível o tratamento até o final do Covid19, a recuperação total e a alta hospitalar”.