Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

A relação da era digital com a arte atual promove experiências inovadoras em museus
por
Rafaela Reis Serra
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18/11/2021 - 12h
Museu da Língua Portuguesa
"Falares" é o primeiro ambiente do Museu da Língua Portuguesa, em que são apresentadas as diferentes formas do falar português em telas. Foto: Rafaela Reis Serra

Por Rafaela Reis Serra

Conforme as décadas passam e as tecnologias vão incrementando a vida do ser humano, participando cada vez mais de seu cotidiano, os museus, com suas exposições, utilizam de novas formas de interatividade para atrair o público. Não só isso, mas também como uma nova forma de fazer arte.

É o caso do Museu da Língua Portuguesa (MLP), reaberto após o incêndio de 2015. Desde sua concepção, em 2006, o museu utiliza de telas touch screen, projeções e ambientes sonoros como forma de interação. “Há uma escolha de conteúdos, cores, informações, arte, história, enfim, que juntos criam a imersão e caracterizam a vivência do visitante no museu.”, comenta Camila Aderaldo, coordenadora do Centro de Referência do Museu da Língua Portuguesa.

Ao se utilizar da palavra ‘tecnologia’, passa-se a impressão de que somente os conhecimentos atuais são relevados. “A tecnologia sempre esteve associada à arte de uma maneira muito íntima. Um pincel já é uma tecnologia. Como são recursos antigos, acabamos naturalizando e tendemos a achar que o que é tecnologia é o mais recente: realidade aumentada, virtual, as coisas que estão mudando o contexto tecnológico no qual estamos envolvidos.”, explica Marcus Vinicius Fainer Bastos, o artista, curador e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Surge uma dúvida: a grande quantidade de aparatos tecnológicos nos museus é um problema? O professor vê com bons olhos a aproximação da arte contemporânea com as novas possibilidades museológicas que vão aparecendo conforme a tecnologia vai desenvolvendo. “Acho que é um passo num certo sentido coerente com essa relação que a arte sempre estabelece com a ciência e com a tecnologia. Existe uma potencialidade de democratização muito grande, o espaço do museu não fica mais único e exclusivo da arte” e explana sobre a possibilidade da visita virtual a lugares que muitas pessoas não poderiam visitar, devido às condições financeiras de grande parte da população mundial.

Sobre a questão de exposições apenas com mecanismos tecnológicos, o professor comenta que a exposição deve ser adequada à natureza da obra que ela está apresentando. “(...) Uma exposição de pintura precisa ter os quadros presentes, não adianta criar um aparato super tecnológico que não tenha nada a ver com aquela situação. Eu acho que a imersão e essas novas possibilidades vieram pra ficar, devem ser usadas de formas adequadas, não o tempo inteiro, mas com obras que pedem isso ou de forma a complementar as obras nos formatos originais delas” e complementa dizendo que essas novas perspectivas não devem se sobrepor à linguagem do artista, senão vira “uma solução de design muito complexa.”

No caso do Museu da Língua Portuguesa a experiência da imersão e de diversos aparatos tecnológicos parece ter dado certo. O museu promove uma experiência muito rica com a tecnologia atual: auditório com audiovisual espetacular; salas com vídeos na vertical de depoimentos de diferentes pessoas falando a língua portuguesa como crianças, imigrantes, trabalhadores de diversas áreas, pessoas cantando e o regionalismo que a língua portuguesa nos oferece, no ambiente “Falares”.

No dia da visita ao museu, tenha acabado a luz por cerca de 30 minutos e interrompido parte da experiência de imersão na espécie de domo existente do terceiro andar chamado Praça da Língua - que já havia anteriormente ao incêndio e foi mantido - permitindo um médio aproveitamento no segundo andar por estar muito escuro: espaço com uma linha do tempo do idioma em que há muito textos que precisavam de iluminação e também palavras em telas touch screen, as quais apresentam termos que foram incorporados de outros países em nossa língua.

Após o tempo de queda de energia, pôde-se novamente desfrutar das atividades. Algo que, nem mesmo o maior avanço tecnológico, conseguiu impedir. Além da interatividade, o museu oferece objetos materiais na experiência “Português do Brasil”, algo que não havia antes: como uma tigela tupinambá de cerca do ano 1500 e uma escultura Nkisi original, revela a coordenadora do Centro de Referência do MLP. 

Para Aderaldo, a quantidade de tecnologia presente e a imersão é utilizada no museu desde 2006 e tem sido sua marca desde então. "Este tem sido um dos aspectos que não apenas envolve positivamente o visitante na experiência da visita, mas também atrai bastante o público”, afirma.

 

Qual é o futuro da arte?

Para Fainer, é complicado prever um futuro muito distante, mas, para ele, a arte vai caminhar no sentido do multisenssório: uma importância cada vez menor do olhar e uma importância cada vez maior da escuta, toque, cheiro. “Todas as linguagens que escapam dessa centralidade da visão, que foi algo que marcou muito a modernidade, estão no horizonte da arte mais recente. Essa exploração por outras sensorialidades é por onde a arte deve caminhar”, finaliza o curador.

Novos remédios conhecidos como "mabes" renovam a esperança terapêutica na medicina
por |
22/10/2021 - 12h

Por Maria Morales

Pouco antes do fim de seu governo, o então presidente estadunidense Donald Trump, com índices de popularidade seriamente afetados por seu negacionismo frente à pandemia de Covid-19, contraiu a doença. Mesmo se mostrando superior aos efeitos do Sars-CoV-2, potencializados por sua idade e hábitos pouco saudáveis, Trump foi flagrado muito ofegante e pôde ser vista uma típica operação abafa para esconder de seus eleitores a fragilidade da saúde do líder republicano. Sua situação clínica parece ter melhorado somente quando a equipe médica da Casa Branca o submeteu a um tratamento ainda experimental, à base de anticorpos monoclonais, desenvolvidos pela farmacêutica Regeneron. 

Mas o que são, no fim das contas, esses tais anticorpos monoclonais?  

De anticorpos quase todo mundo que não matou as aulas de biologia na escola já ouviu falar. São aquelas moléculas que atuam no sistema imunológico em conjunto com os glóbulos brancos, como a linha de zaga de um time que luta contra possíveis infecções. Quando se coloca a palavra monoclonais depois de anticorpos isso quer dizer que se trata de uma versão medicamentosa desenvolvida em laboratório, a partir de células vivas. Todos têm a mesma origem e o mesmo alvo. Relativamente recente, esse tipo de medicamento é especialmente útil no combate a doenças autoimunes, aquelas que driblam justamente as defesas do organismo e por isso acabam evoluindo sem combate até levar a estados de saúde bastante graves.  

Como agem os anticorpos monoclonais?  

Em sua versão mais comum, identificam e se conectam a receptores específicos das células potencialmente perigosas e sinalizam para que o sistema imunológico possa agir, enviando unidades conhecidas pelo apropriado nome de natural killers, que lançam moléculas tóxicas somente contra as células que representam perigo, cancerígenas, por exemplo. Trata-se de uma enorme evolução nos tratamentos contra diversos tipos de câncer, por exemplo, em que o paciente é submetido a infusões quimioterápicas, que atingem uma quantidade muito maior de células e causam efeitos colaterais severos aos pacientes. 

Os medicamentos dessa nova classe podem ser reconhecidos pelo nome. Devem terminar em mabe, aportuguesamento de mab, um encurtamento no inglês de Monoclonal Antibodies. Nos últimos anos, vários deles foram aprovados pela Anvisa e incorporados ao SUS, o que leva esperança de tratamento a milhares de pacientes no País acometidos por essas doenças, porque essas terapias costumam ter um custo na casa da dezena de milhar de reais, fora do alcance da grande maioria da população brasileira. 

Essa abordagem terapêutica promete ser adequada ao tratamento de outras doenças, como aconteceu no caso da Covid-19 que acometeu Trump. Por apresentar a precisão como uma de suas principais características, promete trazer esperança e alívio a pessoas que enfrentam doenças difíceis e tratamentos que castigam o paciente.  

Infelizmente, ainda existem dificuldades para conseguir algumas dessas medicações. A maioria dos pacientes que se tratam com anticorpos monoclonais no Brasil o faz em hospitais privados (os mabes são manipulados exclusivamente em hospitais). Muitas vezes, isso se dá pela falta de conhecimento em locais interioranos do país. Outro problema são os planos de saúde, que por conta dos preços exorbitantes, muitas vezes negam os tratamentos até para aqueles que recebem prescrição médica. 

A esperança, muitas vezes, está em recorrer à Justiça. Como alguns medicamentos já estão inclusos no SUS, os planos de saúde podem ter sua decisão recorrida, assim como os pacientes podem conseguir a medicação necessária pelo sistema de saúde público do país.    

Doenças já tratadas com “mabes”:

  • Tumores sólidos 
  • Leucemias e linfomas 
  • Artrite reumatoide 
  • Lúpus 
  • Esclerose múltipla 
  • Enxaqueca 
  • Doenças inflamatórias intestinais 
  • Psoríase e dermatite atópica  
O radialismo vêm sofrendo mudanças na era digital
por
Daniel Dias
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22/10/2021 - 12h

Por Daniel Dias

O avanço da tecnologia fez grandes alterações em diversas áreas da comunicação, sendo o rádio, provavelmente, o mais afetado, ainda mais quando atrelada às transmissões esportivas que são uma das maiores paixões do brasileiro, principalmente, no futebol. Segundo estudo realizado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2019 , em média 25,7 milhões de pessoas acompanham partidas futebolísticas na televisão, além das transmissões realizadas através das rádios. 

Muitos veículos "radialistas" investiram em canais no YouTube onde narram seus jogos, com imagens dos narradores e placares ao tempo real, de forma gratuita para todos os estados do Brasil, diferente do que ocorria anteriormente quando era necessário estar sincronizado a uma rádio FM ou AM, em determinado horário e localização.

Símbolos Athletico Paranaense x Red Bull Bragantino
Divulgação/ Instagram Casimiro Miguel

Canais televisivos também viram a oportunidade de investirem em transmissões onlines, através de streamings, como a Globo por meio do GE, a Espn pelo Star Plus, TNT Sports pelo YouTube, e até os próprios clubes através de seus canais no Youtube, ou contratando influenciadores da Twitch, como o Athletico Paranaense fez com Casimiro Miguel, maior streamer esportivo da plataforma.

Para falar um pouco mais sobre o assunto convidamos o narrador André Felipe da TNT Sports, que desde o início de sua carreira, há três anos, somente trabalhou em web rádios. “Comecei em São Paulo na DataFoot, depois fui para a Rede Contínua também uma web rádio de São Paulo até chegar hoje na TNT Sports”. Para André, essa transformação do rádio não necessariamente marca o seu fim, mas sim uma reinvenção.

 

Homem Negro de pé com braços cruzados e sorrindo, vestindo um paletó preto e com fone de ouvindo com microfone na cabeça
Divulgação/ TNT Sports

“O rádio se molda e se reinventa, e de fato com a Internet o alcance pode ter se tornado maior com a audiência ou ao menos como um complemento, então de fato foi muito benéfico, inclusive para as transmissões via YouTube.” Comentando sobre como essa transformação permitiu que o público do veículo se rejuvenescesse.  “O alcance do público ficou muito mais latente, potente e se universalizou para ter um público distinto, mais jovem, que talvez não tinha contato e familiaridade com o veículo, mas agora passou a gostar e se interessar “, iniciou explicando.

Indo até mais além, afirmando que essa nova maneira de transmissão permite que mais pessoas entrem para esse ramo. “E até pensa hoje em ter sua própria web rádio, então isso traz também a independência para os profissionais e para novas pessoas que queiram de fato trabalhar com jornalismo esportivo, portanto foi muito benéfica essa convergência. E a internet se mostrou, não como uma matadora de veículos e sim apenas como suporte potencializador”, concluiu.

André reitera dizendo que essas transmissões online dificilmente serão o futuro, muito por conta da dificuldade de acesso da população. “A TV aberta está na maioria das casas brasileiras já a Internet não, e para Internet você tem um nicho muito específico, então a potencialização e divulgação tem que ser muito maior para que de fato alcance um público muito mais amplo, já na televisão é muito mais simples porque a pessoa tem o controle remoto e vai mudando de canal”. André afirma que na Internet streamings, locais de transmissão, endereços e empresas diferentes. "Então eu acho que isso não será preponderante, as transmissões via Internet não serão o futuro devido também a estrutura dela no Brasil e o alcance da TV aberta”, finalizou.

Por fim, comenta sobre como essas transmissões permitiram uma maior globalização e conexão entre as pessoas do globo. Contando uma história pessoal para exemplificar essa situação. “Nas transmissões via YouTube ou Facebook é muito interessante porque você encontra audiência de diversos locais do país, região Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, então é um público muito diversificado nesse sentido, e que também traz uma responsabilidade, porque você está falando com um público ainda mais indescrito, não é como por exemplo uma transmissão de televisão que você tem o ao vivo somente para um Estado”.

Ele afirmou que já teve a oportunidade de encontrar no chat de uma transmissão que fez uma moçambicana, e considerou uma experiência "muito bacana" e que trouxe uma "sensação de globalização". "Todo mundo junto em um lugar só, algo que a Internet de fato proporciona,  poderia até ser de uma maneira maior, mas ainda assim dá essa sensação de proximidade e interligação com diferentes povos.”
 

Apesar de promissora, a Internet das Coisas deve gerar mais controle do Estado, desemprego e afetar a dinâmica social.
por
Carlos Gonçalves
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26/10/2021 - 12h

Por Carlos Gonçalves

     

    De forma sutil, novas tecnologias surgem como algo ingênuo. Criadas como um atalho, as novas tecnologias sempre nos parecem convidativas. Além de acelerarem o fator tempo, possuem baixa margem de erro e alta efetividade em resolução de problemas. Seja na coleta de dados ou no monitoramento de informações, absorvemos em nossa rotina como algo comum, não percebendo a potencialidade por trás desta estrutura.

    A Internet das coisas (IoT - Internet of Things) é o novo tentáculo criado pelo mercado das tecnologias. Quase como um estágio evolutivo, essa nova prática cria um elo com a comunicação digital autônoma; formando uma ponte de diálogo entre máquinas que até então não sabiam da existência uma da outra (papel que antes era exercido pelo homem, que intermediava a coleta de dados e a conclusão de como agir). Agora, com as transferências de dados via rede, a informação será emitida por um sensor e recebida por outra máquina que faz o monitoramento em tempo real; interpretando os dados e tomando a iniciativa de como agir. Essa “rede inteligente” terá a capacidade e autonomia para operar, prever falhas no processo e adaptar a produção à demanda automaticamente. Com essa nova autonomia, mais um elo homem-máquina é rompido.

     Um exemplo de interação entre máquinas pode ser visto na agricultura. Com a instalação de sensores no solo de uma plantação, é possível saber a hora exata em que é necessário fazer a irrigação de cada área. O sensor emitirá sinais periódicos para uma antena, que emitirá os dados para um servidor, chegando a uma central que monitora os dados coletados, e a partir deles irá tomar a ação se é necessário irrigar a plantação ou não. Todo este processo é feito de forma autônoma, sem intervenção humana.

     A relação máquina-máquina é algo que já estava ocorrendo, porém com a implementação do 5G, este processo está sendo acelerado. Graças ao tempo de resposta mais efetivo (latência) entre emissor-receptor e uma maior largura de banda nas redes de comunicação, vamos alcançar uma nova fase na revolução industrial 4.0. A estabilidade de transmissão e a velocidade do recebimento dos dados, facilitará que sistemas autônomos se tornem mais presentes no dia-a-dia. A tendência é que essa tecnologia domine as grandes cidades com carros autônomos, mercados sem atendentes, cirurgias por acesso remoto, além de sensores de monitoramento em postes, lixeiras, esgotos e rios. Tudo em tempo real.

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     Para Henrique Gomes, engenheiro em telecomunicações, o IoT será uma ferramenta definitiva, sendo mais uma transformação no comportamento social assim como ocorreu com a criação dos smartphones somado ao 4G. A rotina profissional e pessoal mudará. Novas profissões focadas em tecnologia de informação surgirão e novas formas de interação no trabalho. Porém nem tudo é positivo, aumentará a vigilância do Estado na sociedade e o possível crescimento do desemprego a médio-longo prazo; especialmente em países subdesenvolvidos como no caso do Brasil, onde mais de 60% do setor do mercado de trabalho é formado por profissões de baixa complexidade ou repetitiva. Setor que o IoT pretende abocanhar.

     Com o enxugamento do mercado de trabalho que tende a ser substituída por máquinas, a interação humana se tornará fragilizada e mecanicista. O efeito a longo prazo, de uma relação mais intima com dispositivos IoT, substituirá cada vez mais a interação humana em ambientes de trabalho; ocorrendo efeitos colaterais. Solidão, crise de ansiedade e depressão são alguns sintomas que o excesso de tecnologia estrutural já está causando em cidades que teimam em “isolar-se”. Somado ao aumento do desemprego, o efeito da violência em grandes cidades se tornará comum.

     “É inevitável, o mercado de automação está crescendo e existe uma alta demanda no setor, é atrativo para o empresário modernizar toda sua logística visando o longo prazo. Um dos principais interesses para eles é diminuição do quadro de empregados, onde uma grande fatia dos funcionários da base serão desligados.” Diz Henrique. Essa realidade já é presente em países como Holanda e Japão. Esse nível de automação industrial deu origem às chamadas “fábricas escuras”, plantas industriais que operam no escuro, com robôs e alguns poucos profissionais humanos para comandar as máquinas. Nela, a convergência entre as formas de operação e a tecnologia da informação resultará em um novo modo de produção, que deve transformar a produção de bens de consumo e o uso dos recursos naturais nos próximos anos.

Com vídeos curtos e interativos, cada vez mais crianças adentram ao aplicativo mais baixado no mundo em 2020 e 2021.
por
Dayres Vitoria
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08/10/2021 - 12h

Por Dayres Vitoria

 

O app de origem chinesa lançado em 2016  que possibilita gravar vídeos curtos rodeados de dinamismo, é atualmente uma das plataformas mais desejadas pela criançada. Com temáticas que vão desde danças, imitações de falas até conteúdos explicativos, hoje dificilmente não há uma criança, ao menos no Brasil, que não conheça ou não tenha acesso a essa ferramenta divertida.  

Criado para ser um produto de consumo rápido, inclusive o seu próprio nome  “TikTok” é inspirado no tique-taque feito pelos ponteiros de um relógio como sinônimo de pressa e rapidez, alcançou recentemente a marca de 1 bilhão de usuários ativos por mês ao redor do mundo.  Uma parte significativa desses novos usuários são as crianças que encontraram no aplicativo uma espécie de aventura digital já que podem ao menos brincarem e se entreterem de suas residências visto que com a pandemia boa parte delas também ficaram isoladas dentro de casa, em alguns casos, sem contato ao menos com outras crianças.  

Além desse fator, boa parte dessa garotada enxerga no aplicativo, além da diversão, uma oportunidade para quem sabe ficar famoso. Por isso, muitos deles se dedicam a aprenderem coreografias e imitações buscando ganhar cada vez mais seguidores. Embora seja contagiante ver a alegria deles ao conseguirem gravar um clipe e o desempenho que colocam nisso, existem fatores que devem ser levados em conta para que a segurança das crianças seja prioridade em todos os aspectos.  

TIKTOK PARA CRIANÇAS 

De acordo com os termos e condições de uso do TikTok, 13 anos é a idade mínima para se ter uma conta como usuário no aplicativo. Porém, crianças menores que essa faixa etária possuem acesso a plataforma. De acordo com a pesquisa “Crianças Digitais”, 49% das crianças brasileiras usaram um dispositivo eletrônico pela primeira vez antes dos seis anos de idade e 72% delas ganharam o próprio smartphone ou tablet antes de completar 10 anos, logo é comum elas estarem conectadas às redes como o Tiktok desde cedo. 

São os pais que geralmente criam uma conta em seus nomes e autorizam os filhos a terem acesso ao app. Com a precocidade da juventude, o interesse da criança por essas tecnologias digitais pode parecer surgir antes do tempo, contudo, proibi-la de ter contato com essas ferramentas não é a melhor escolha a ser tomada. Acompanhá-los em suas atividades online e acima de tudo explicar com clareza os perigos a que estão expostas certamente surtirá mais efeitos positivos na criança do que a proibição. Se não acessam em casa, provavelmente acessarão no celular do amiguinho da escola e isso poderá ocasionar em resultados mais embaraçosos caso não haja a supervisão de um adulto. Por isso, impossibilitar que se conectem na expectativa de estar os protegendo, já não é mais uma alternativa tão válida. 

Sabendo disto e querendo acompanhar sempre a filha durante os minutos conectada, Elaine Cristina Pereira de Carvalho, 29, criou uma conta em seu nome na plataforma para que sua primogênita possa se divertir desde que seja supervisionado tudo o que é gravado e assistido. A mãe conta que no início Maria Eduarda Pereira de Carvalho de apenas 7 anos era muito viciada no aplicativo chegando a passar o dia inteiro assistindo os vídeos. Quando Cristina Pereira percebeu o excesso começou a limitar o tempo de uso e a impor condições: 

“Os dias que ela não tem escola eu falo a ela que é meio como sua folga da semana, porém, ela deve acordar cedo e fazer suas obrigações como secar a louça, cuidar de sua cachorrinha e arrumar a cama dela, isso tudo durante o dia. Quando é de noite ela assiste, mas só depois que ela faz todas as obrigações. (...) Aqui em casa tem dia e hora para tudo”, conta.

Duda, como carinhosamente é chamada por familiares e amigos, é simplesmente apaixonada pelo aplicativo. A brasileirinha é tão fã da plataforma que como tema de aniversário de 7 anos escolheu justamente o TikTok.  

 

Maria Eduarda Pereira de Carvalho,  7 anos. 

 

Ela conta que o que mais gosta é de gravar vídeos dançando pois adora dançar. Além disto, ela afirma que também gosta muito de vídeos explicativos que frequentemente assiste e em que aprende desde a fazer “continhas” de matemática até a produzir roupas de bonecas. No entanto, sabe que só pode brincar no aplicativo após ter cumprido suas obrigações e sabendo que há um determinado período de tempo para mergulhar no TikTok conforme sua mãe Elaine Cristina impõe.  

SUPERVISÃO DOS PAIS 

Para a psicóloga e pesquisadora Andrea Jotta, do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), é importante auxiliar a criança no uso e procurar saber o que ela faz na rede e com quem interage. Comunicação com estranhos, conteúdos inapropriados e desafios perigosos que alguns usuários propõem aos demais, são alguns dos fatores nos quais os responsáveis devem ficar em alerta. Por serem crianças e não terem conhecimento dos perigos que os cercam, elas facilmente podem se deixar levar pelo momento e a supervisão dos pais acompanhando cada passo que dão - durante o tempo que passam no aplicativo - é um fator determinante para que a meninada não caia nas armadilhas que as redes oferecem.  

Para tanto, a plataforma TikTok oferece aos pais a ferramenta de “Controle Parental” que permite que os responsáveis tenham acesso aos tipos de conteúdo que a criança consome enquanto utiliza o aplicativo. Além disso, também há a opção da “Sincronização Familiar” que oferece a possibilidade de sincronizarem a conta dos filhos com a sua e assim também acompanhar o que é assistido por eles. Com esses recursos, os pais podem desde gerenciar o tempo de tela que os pequenos gastam expostos na plataforma, até utilizarem o “Modo restrito” para censurar conteúdos que considerem inadequados para a faixa etária da criança. 

A mãe da Maria Eduarda sabe usufruir bem dessas ferramentas que o aplicativo disponibiliza aos pais e especialmente entende a importância que tem a sua supervisão como responsável: “Eu vejo tudo, não é toda música que eu a deixo dançar, quando eu vejo uma música que tem muito palavrão eu denuncio e tem muita coisa que ela segue então no outro dia, antes de trabalhar, eu reviso tudo. (...) Às vezes aparecem vídeos de crianças malcriadas ensinando a fazer birras, ensinando o que não deve... eu corto, eu denuncio, eu bloqueio”, afirma a mãe.  

CUIDADO NUNCA É DEMAIS 

O Tik­Tok,  não diferente das outras redes sociais, também pode mexer com a auto-estima de qualquer usuário, inclusive com o da criança. Uma das principais expectativas que a plataforma induz é de ganhar constantemente mais seguidores. Quando isso não acontece, a criança pode imaginar que não consegue atingir tal meta por acreditar não ser tão bonita ou desinibida quanto outra criança. Devido a isso, é de extrema importância que os pais acompanhem as atividades dos filhos nesses espaços virtuais e reforcem que a intenção de gravar vídeos e interagir é apenas para se divertirem e que comparações não precisam ser feitas. 

Em razão do que foi visto, é provado, e novamente reforçado, que a proibição não é o caminho mais indicado. Acompanhar os filhos durante o tempo logado na web, orientá-los buscando proteger (e ao mesmo tempo ensinar) e principalmente saber impor limites a eles, são bons recursos para serem colocados em prática de início. Saber criar um verdadeiro laço de confiança com a criança através de uma boa comunicação, fará com que ela, além de crescer ciente dos perigos que a rodeia, saiba como lidar com situações incômodas e principalmente a quem deve recorrer em casos assim. Compreender desde cedo que pode contar com seus pais e principalmente confiar neles, para uma criança que ainda está em desenvolvimento, já é um progresso e tanto.