Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Entre ícones do passado, referências do presente e caminhos para o futuro, veja como foi a edição deste ano
por
Vítor Nhoatto
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22/10/2024 - 12h

Ocorrido entre os dias 14 e 20 de outubro na capital francesa, o Mondial de l'Auto contou com mais de 500 mil visitantes, além de recados importantes para a indústria automobilística. As donas da casa — Alpine, Peugeot, Renault e Citroen — estiveram presentes, mas, mesmo assim, a presença chinesa continuou e chamou a atenção do público, das autoridades e das rivais. A DS, da Stellantis, foi a única francesa que não compareceu ao evento. 

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e segurança no trânsito foram amplamente abordados nas coletivas de imprensa, e traduzidos em parte nos lançamentos. Ao todo, 41 fabricantes de automóveis participaram do evento, o qual trouxe o brilho de volta à Bienal, tal qual como no Salão de Munique, em 2023.

Eletrificação em diferentes níveis

Antenado às ânsias do público e da indústria, houveram lançamentos de vários modelos eletrificados, em diferentes níveis e formatos. Nos últimos meses, as vendas de elétricos oscilaram negativamente na Europa, por conta de uma série de fatores, como altos custos de aquisição e o fim de incentivos governamentais. 

Com isso, marcas como Volkswagen, Ford e mesmo Volvo, reviram seus planos de eletrificação total — apesar da meta da União Europeia de banir os modelos movidos a combustão, já em 2035. O conglomerado Stellantis, por exemplo, investe em plataformas multi-energéticas, capazes de produzirem tanto híbridos, quanto elétricos, e apresentou seus últimos modelos em Paris. 

Construído sobre a e-CMP, — mesma base dos recém lançados no Brasil, Peugeot 2008 e 208 — o Alfa Romeo Junior Ibrida fez sua estreia ao público. Com a mesma motorização dos irmãos, motor 1.2 PureTech em conjunto a uma bateria de 48V, gerando 136 cavalos, o modelo complementa a linha do SUV urbano, disponível como 100% elétrico desde o começo do ano. 

Na Peugeot, as novidades foram maiores, apesar de nenhum modelo totalmente novo, diferente das compatriotas Alpine, Citroen e Renault. Em Paris, foi lançado o novo E-408, versão 100% elétrica do crossover baseado no 308. Sob a plataforma EMP2, compartilha o conjunto mecânico com o hatch, tanto nas versões a combustão quanto na novidade elétrica, e não muda visualmente. Além disso, foram apresentadas as versões Long Range dos E-3008 e E-5008. As autonomias passam de cerca de 500 km para 700 km, segundo o ciclo WLTP.

Em uma abordagem diferente, focada em modelos elétricos separados dos seus semelhantes a combustão, a Volkswagen apresentou o novo Tayron. Com expectativa de ser vendido no Brasil, é a versão Allspace do novo Tiguan, mas agora com nome próprio. O SUV de sete lugares estará disponível em duas versões diesel, gasolina, e híbridas plug-in, além de uma híbrida leve.

Volkswagen Tyron de frente branco ao lado de um Tayron de trás roxo
O Tayron é o sexto SUV a combustão da Volkswagen na Europa, entre Tiguan e Touareg. Foto: Divulgação/Volkswagen

As motorizações são as mesmas do Tiguan de nova geração, construído sobre a MQB evo. Isso se reflete em uma autonomia combinada de até 850 km nas versões plug-in, além de uma autonomia em modo 100% elétrico de cerca de 100 km, graças a uma bateria de 19.7 kWh.

Em uma abordagem semelhante em alguns aspectos a Volks, a britânica de coração, mas de propriedade alemã, a Mini, apresentou os seus novos JCW elétricos. Os primeiros modelos da divisão de desempenho da marca serão o Cooper, um hatch de três portas, e o crossover Aceman. Ambos são construídos sobre a plataforma desenvolvida em conjunto com a chinesa GWM, e prometem a emoção de um esportivo com seus mais de 250 cavalos, mas sem emissão de CO2.  

Mais uma ofensiva chinesa 

Sobre as construtoras chinesas, o Paris Expo Porte de Versailles foi novamente o palco para a estreia de modelos do país asiático, e até marcas inteiras. A GWM não compareceu desta vez, como era de se esperar após o anúncio de reestruturação europeia e fechamento do escritório na Alemanha em agosto deste ano. 

No entanto, a sua principal rival, a Build Your Dreams, brilhou, repetindo a estratégia de 2022. Seu estande contava, desta vez, com modelos já conhecidos do público, como Dolphin e Seal, mas também com o totalmente novo, Sealion 7, apresentado ao mercado europeu, e com um vislumbre da versão que será vendida no Brasil em breve.

Segundo a vice-presidente da marca, Stella Li, o novo SUV cupê do segmento D, reflete em como a BYD reage e escuta às demandas dos seus consumidores europeus, prometendo design, performance e autonomia de ponta.

E com uma estratégia ousada, que busca rapidamente conquistar o mundo, a Leapmotor debutou em Versailles. Com o amparo da Stellantis, — com quem fechou uma parceria bilionária pela administração global da marca — apresentou quatro elétricos. Carlos Tavares, CEO do conglomerado até 2026, esteve no evento e comentou que as montadoras têm mais a ganhar com a estratégia de se aliar às chinesas, ao invés de brigar com elas. Antes disso, ele visitou o estande da BYD, chamando a atenção da imprensa.  

O primeiro deles é um hatch subcompacto vendido por menos de 20 mil euros, o T03, o segundo é o C10, um SUV médio, por cerca de 36 mil euros. Ambos modelos com condução semi autônoma de nível 2 e confirmados para o Brasil. A versão de sete lugares, C16 também esteve no evento, ao lado do inédito B10, revelado no evento. O SUV do segmento C tem como rivais BYD Atto 3 (Yuan Plus no Brasil) e Volvo EX40, e estará disponível já no próximo ano na Europa.

Estande da Leapmotor rodeado de pessoas
Os modelos C16 (roxo), B10 (azul), C10 (verde) e T03 (turquesa) prometem agitar o mercado. Foto: Divulgação/LeapMotor

Para além das duas marcas, a Seres (com operações paralisadas no Brasil até então), a Xpeng, o grupo GAC e a Hongqi ocuparam o complexo de exposições francês. A última chamou a atenção com a estreia do sedã de luxo Guoya, rival dos alemães Classe S, Série 7 e A8. Enquanto isso, a GAC optou por uma abordagem mais demonstrativa de suas tecnologias, sem pretensões diretas de venda no continente. 

A história não se compra

Frente à concorrência cada vez maior das chinesas, eis o contra-ataque europeu, baseado amplamente no legado das marcas, algo com o qual as novatas não podem competir. No último Salão de Munique, o CEO do Grupo Volkswagen, Oliver Blume, destacou que o histórico estilístico das marcas é algo que não pode ser adquirido nem comprado, e será a principal chave para o público comprar os modelos europeus. 

Dito isso, nomes como BMW e Renault também vêm investindo em uma abordagem retrô futurista. Em relação à alemã premium, os conceitos Neue Klasse sedã e SUV foram apresentados pela primeira vez juntos. Com designs que remetem aos modelos dos anos 80, preveem a nova geração de elétricos da marca, esperados para 2025 e 2026.

Porém, foi no estande da Renault que a vibe passado e futuro, misturado com o charme e a funcionalidade, atraiu mais os olhares. Após o lançamento do aguardado R5, um hatch elétrico inspirado no icônico R5 dos anos 90, foi a vez do novo R4 voltar à vida.

Novo Renault 4 E-Tech azul em um fundo colorido
O novo Renault 4 E-Tech continua investido no passado da marca como diferencial. Foto: Divulgação/Renault

Construído sob a plataforma AmpR Small, é a versão SUV do R5, com quem compartilha a motorização e equipamentos. Com 4.14 metros de comprimento, funcionará como a versão 100% elétrica do Captur, contando com uma autonomia de mais de 400km no ciclo WLTP, carregamento rápido, todos os assistentes à condução modernos e muitas referências ao R4 dos anos 70. 

Construído na França, atraiu até mesmo os olhares do presidente francês, Emmanuel Macron. O político esteve no evento no dia de abertura ao público (15), e causou um leve tumulto ao fechar o estande em que visitava. Ele cumprimentou os executivos da marca e entrou no novo modelo, esse com expectativas de custar na casa dos 30 mil euros. 

Na ideia da ofensiva irreverente e estilosa, bem ao estilo francês, o protótipo do novo Renault Twingo esteve no evento. Agendado para ser lançado em 2026 (possivelmente no próximo Salão de Paris), promete tornar a mobilidade elétrica realmente acessível, com um preço na casa dos 20 mil euros no formato de um subcompacto, uma espécie em extinção.

Uma mobilidade de fato acessível?

Mas, ao se tratar de acessibilidade e democratização da eletricidade, outras marcas têm mais a dizer e entregar. Dentro do Grupo Renault, é a romena Dacia a representante de baixo custo. Se o nome da empresa não é conhecido aos brasileiros, com certeza seus modelos são. A fabricante de Sandero, Logan e Duster, vendidos sob o nome da Renault na América Latina e Turquia, apresentou em Paris o mais novo Bigster.  

O SUV é a aposta da marca para conquistar o segmento C, com 4.57 metros de comprimento e preços menores de 30 mil euros, cifra que hatches do segmento B atualmente custam. Baseado na mesma plataforma de Clio e Duster, a CMF-B, contará com opções a micro-híbridas de 48V, híbridas convencionais com baterias de 1.4 kWh, e versões movidas a GPL, populares em países como Espanha e Itália. 

Do outro lado do muro, a resposta da Stellantis ao sucesso da Dacia, — dona do modelo mais vendido da Europa em Julho deste ano na Europa, o Sandero — é a Citroën. A marca que já passou por muitas fases, desde o luxo e conforto do DS original, até a originalidade do Xsara e C4 Cactus, por exemplo, agora investirá no mercado de acesso. 

Estiveram no evento os novos C3 e C3 Aircross, bem diferentes das versões vendidas no Brasil, mas ainda na casa dos 20 mil euros. A reestilização do quadriciclo Ami foi apresentada, uma opção de locomoção elétrica por menos de 8 mil euros. E fechando os facelifts, os remodelados C4 e C4X (versão sedã do hatch compacto) foram lançados em Paris, agora com a nova identidade visual da marca.

Estande da Citroën rodeado de pessoas
A Citroën se reinventou com novos C3, C3 Aircross, C4, C4X e o protótipo verde do C5 Aircross 2026. Foto: Divulgação/Citroën

Além disso, o protótipo da nova geração do Citroën C5 Aircross foi revelado. Segundo a empresa, o modelo de produção será 95% igual ao conceito. No quesito motorização, será construído sobre a nova plataforma STLA Medium, que estreou com o novo 3008, e servirá de base para o novo Compass também. Suas principais vantagens incluem a possibilidade de versões híbridas e elétricas, com maior eficiência e autonomia de até 700 km, além de menores custos de produção pela sua modularidade.

Atendendo às demandas do mercado

Uma das principais ânsias da indústria é a diminuição dos custos na fabricação de elétricos, principalmente após a chegada das chinesas. No entanto, nem só de  grandes grupos é formado o setor, e parcerias são mais bem vindas que nunca. A Ford, por exemplo, se uniu à Volkswagen para produzir seus elétricos para a Europa, se prevenindo da taxação que Tesla, Volvo e Mini tentam evitar  com a fabricação dos seus modelos na China.

A americana/britânica apresentou ao público pela primeira vez o novo Capri, um SUV coupe construído sobre a plataforma MEB dos Volkswagen ID.3 e ID.4. O modelo continua o resgate de nomenclaturas clássicas da marca, como Puma e Mustang Mach-E, além da transmutação desses em SUVs, o que agrada ao mercado em geral, mas não tem a mesma reação aos mais saudosistas.

Do outro lado do globo, a sul-coreana Kia também busca conquistar o mercado europeu dos elétricos, sem dividir os custos com várias marcas. O mais novo lançamento do grupo Hyundai-Kia é o SUV urbano EV3, rival do Jeep Avenger, Peugeot e-2008 e Renault 4. 

Novo Kia EV3 verde de frente em um fundo branco
O EV3 é a aposta elétrica da Kia para o segmento B, o maior em vendas na Europa. Foto: Reprodução/InsideEVs

Os preços devem começar na casa dos 30 mil euros, o que não é barato para um carro do segmento B, mas é compatível aos rivais citados. O chamariz da marca, para além dos sete anos de garantia, é a tecnologia, refinamento e comodidade do modelo, quase como uma versão menor do SUV grande EV9, indicado ao prêmio Carro do Ano Europeu em 2024.

E em um segmento acima, mas em uma faixa de preço parecida, a checa Skoda, — essa sim de um grande conglomerado, a Volkswagen — apresentou o novo Elroq. Rival de modelos como BMW iX1 e Ford Explorer, começara na casa dos 33 mil euros, com uma autonomia de 560 km no ciclo WLTP.

Tentativas e erros

Paris ainda foi o palco para marcas menores, ou com menor relevância na Europa. No primeiro caso, a francesa Alpine que tomou os holofotes com o concept car A390 Beta, que antecipa o segundo modelo independente da Renault. 

Com um design agressivo, inspirado nos alpes, e com referências aos modelos de competição da empresa, será um crossover 100% elétrico construído sobre a plataforma do Nissan Aryia. Mesmo assim, a dinamicidade e performance única da marca, que hoje vende apenas o cupê A110, será mantida no carro de produção, anunciado para o ano que vem. 

Em meio aos europeus e chineses, ainda houve espaço para as estadunidenses Tesla e Cadillac. A empresa de Elon Musk deixou a desejar, sem um estande propriamente dito, ou sequer um tapete e divisórias entre seus modelos. Já no quesito novidade, nada de concreto. A picape Cybertruck foi apresentada oficialmente em solo europeu, mas nenhuma conformação de sua comercialização, ou lançamento do esperado Model Y remodelado e do táxi autônomo Cybercab, revelado três dias antes.

Já em relação a Cadillac, que tentou engatar nas vendas na União Europeia algumas vezes, as coisas foram diferentes. Desta vez focada na eletrificação, a empresa do Grupo General Motors trouxe o SUV de luxo Lyriq, além de lançar o Optiq, um pouco menor e com design menos extravagante na traseira. 

Novo Cadillac Optiq vermelho de frente no estamde da marca
Cadillac mira o Tesla Model Y com o novo Optiq, um SUV do segmento D com 4.82 metros. Foto: Reprodução/GM Authority

O Paris Motor Show 2024 certamente ficará para a história centenária do evento como um recálculo necessário e exitoso de rota. Marcas voltaram à mostra, lançamentos importantes ocorreram e o público compareceu. Além disso, mais uma vez o rumo que a indústria se encaminha foi destacado, um cenário crítico de reinvenção e reajustes.

O brasileiro voltou a encarar o tema do racionamento como necessidade para o bolso e para a economia
por
Gabriel Porphirio
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05/10/2021 - 12h

Com usinas hidrelétricas sendo possivelmente desativadas por conta da seca, o Brasil passa atualmente por uma das maiores crises hídricas dos últimos tempos, podendo acarretar apagões de energia no País. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), as duas maiores usinas das regiões Sudeste e Centro-Oeste, a Ilha Solteira, a maior do estado de São Paulo, e a Três Irmãos, têm apenas 1,45% e 5% de água respectivamente. O que preocupa, uma vez que a ONS diz que é preciso ter atenção a uma operação funcionando abaixo dos 10%.

Um dos principais fatores para isso são os largos períodos de seca recentes que deixam os registros de chuvas para a geração de energia no País como o pior em 91 anos. E de acordo com a relação divulgada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a previsão de chuvas para a primavera não é animadora.

Conforme ilustra o Prognóstico Climático da Primavera 2021, a região Sul irá provavelmente continuar com chuvas abaixo da média histórica no período, quando deveria começar a estação chuvosa para recuperar os reservatórios. Com tudo isso as contas a pagar do brasileiro tendem a aumentar, principalmente por conta da dependência do Brasil em relação às hidroelétricas, uma vez que o País tem 63% de sua matriz elétrica originada dessa fonte de energia. Sendo assim, com a falta de uso das bacias e seus rios é preciso usar mais da energia proveniente das usinas termelétricas que são muito mais caras e poluentes.

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Reservatório da hidrelétrica de Ilha Solteira, no rio Paraná  Imagem: CESP/Divulgação

Clarice Ferraz professora de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora associada do grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ não acha que o problema é ter um grande percentual de hidrelétricas, mas sim não prestar atenção no que está acontecendo com os rios, padrões de chuvas e continuar colocando fontes que sejam mais poluentes e que não colaborem com a transição energética.

“Dado que se há muitas hidroelétricas com reservatórios, para remediar essa crise deveriam [o governo] pensar em como reduzir o consumo promovendo programas de eficiência energética, com estímulos verdadeiros à indústria, com trocas de equipamentos e sabendo consumir o recurso com o máximo de aproveitamento", avalia.

O governo, por exemplo, estabeleceu no início de setembro o valor da bandeira tarifária de conta de luz vermelha, patamar 2, em mais de 50% com a criação de uma nova bandeira chamada de bandeira de escassez hídrica - O sistema de bandeiras indica quanto será cobrado pela luz (na bandeira verde, em cenários favoráveis, não há acréscimo). Se houver dificuldades, o País entra nas modalidades amarela e vermelha. Portanto, na bandeira vermelha, patamar 2, o valor que era de R$ 9,49 por 100 kilowatt-hora (KWh) agora passa a ser de R$ 14,20 para cada 100 KWh.

O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, garantiu durante coletiva de anúncio das novas medidas que elas são suficientes para garantir a oferta. "Nós trabalhamos para ter a oferta suficiente para a demanda de todas as unidades consumidoras no País. Estamos presenciando a maior seca que o país, o Brasil, já passou. E isso com reflexos na capacidade dos nossos reservatórios das usinas hidroelétricas", argumentou.

 

Com o mundo entrando em seu segundo ano de pandemia, nota-se preocupações já existentes sobre a alimentação do fast food
por
Tomás Furtado dos Santos
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28/09/2021 - 12h

Por Tomás Furtado dos Santos

A indústria da alimentação no Brasil sempre seguiu um padrão preocupante, similar ao de outros países desenvolvidos e em desenvolvimento, com empresas de "fast food" se tornando um dos principais focos de nutrição para a população, tanto pela questão de preço como acessibilidade. No entanto, mesmo com o seu consumo em larga escala, muitos desses alimentos podem ser prejudiciais à saúde, seja a curto ou longo prazo.

Desde 2020, os gastos em aplicativos aumentaram em 149%, chegando a 187% quando comparado com março, no começo da pandemia. As tendências da indústria devem crescer, com um percentual maior da clientela acostumados ao novo estilo de vida.

A obesidade no Brasil esteve acima da média mundial faz mais de uma década e  a pandemia contribuiu para o processo, agravando os riscos dessas pessoas para doenças cardiovasculares, diabetes, tumores cancerígenos e o próprio coronavírus junto com as sequelas sofridas por seus pacientes. Também não cria polêmica lembrar que os aditivos, químicos gordura trans geralmente presentes nessas embalagens tendem a ser muito maiores do que se você produzir o mesmo alimento com os ingredientes comprados em supermercado.

Muitas pessoas não sabem, mas é mais comum do que parece ter diferentes franquias de restaurantes ter os seus alimentos preparados no mesmo lugar. As "Dark kitchens​"​​​​​​ são uma nova tendencia no serviço de entregas no Brasil, onde grandes cozinhas são construídas e alugadas por diferentes donos de restaurantes. O objetivo é ter células espalhadas ao redor da cidade ao qual motoristas podem entregar o pedido mais rapidamente. Embora o mercado tenha crescido mais de 53% apenas no Brasil, ela apresenta algumas inconveniências indesejadas, como o risco de contágio entre diferentes equipes ou do manuseio incorreto de alimentos quando lidando com alergias de clientes.

Em uma pesquisa realizada em mídias sociais revelou que a maioria dos entrevistados que pede "take out" geralmente leva em consideração três principais informações quando pedindo uma refeição, o custo, o tempo de entrega e os tamanhos das porções, com menos de 10% levando em considerando tópicos como carga calórica .Em respostas mais aprofundadas, era comum encontrar variantes de "A gente só quer chegar em casa e ter um prato pronto para comer." 

Geralmente a maioria das preferências pelos pedidos são massas e salgados, comidas de bar, esfirras, coxinhas, pratos de pizza, conteúdos altamente carregados de sódio e de calorias, geralmente acompanhados por refrigerantes e energéticos. "É muito difícil conseguir se livrar desses vícios, especialmente durante os períodos formativos da infância e adolescência."

Serviços alternativos mais saudáveis como "Hellofresh" que entregam porções de ingredientes frescos junto com a receita para produzir o prato e são considerados produtos mais saudáveis e de maior qualidade estão em operação mas vem com uma série de desvantagens para florescerem no mercado brasileiro. Os principais problemas sendo a inacessibilidade desses produtos, com lojas presentes apenas em algumas cidade no país, os custos desses pedidos e o tempo necessário para o preparo, que para muitos remove a parte de "rapidez" e "praticidade" do serviço delivery.

Com esses dados obtidos, surge a preocupação de uma tendência que vem se tornando cada vez mais recente, do tratamento da saúde, nesse caso a saúde alimentícia, como uma comodidade ao invés de um direito. Apresentando um potencial risco para a saúde de jovens e adultos que podem ter um aumento de sequelas e doenças cardíaca até mesmo após o término da pandemia.

Músicos e técnicos de produção audiovisual foram os mais afetados durante a pandemia que já dura quase dois anos
por
Júlia Takahashi
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28/09/2021 - 12h
Foto de Cleber Akio tocando guitarra por Murilo Manna.
Foto de Cleber Akio tocando guitarra por Murilo Manna.

Por Julia Takahashi

A pandemia da Covid-19 fez com que 2020 fosse considerado o ano em que o mundo parou. A sociedade teve que se isolar para não se contaminar com o vírus atualmente, estão contabilizados mais de 21 milhões de casos no Brasil, segundo os dados da Secretaria Estaduais de Saúde e, consequentemente, os espaços públicos foram interditados. Crianças, jovens e professores  tiveram que aprender a lidar com aulas online enquanto outros tipos de trabalhos ficavam em home office. Todos foram afetados de alguma maneira, porém uma  grande quantidade de pessoas não puderam trabalhar de casa e  foram obrigados a se reinventarem para ganhar dinheiro. Muitos até perderam seus empregos devido ao corte de gastos das empresas. 

Entre eles estão os artistas, por dependerem muito do público.  A cantora Isadora Morais comenta que antes de iniciar a  quarentena tinha muitos planos para a carreira, “antes da pandemia eu estava montando meu primeiro show autoral, eu tinha até um teste de luz no dia 16 ou 18 de março, a gente ia para um teatro e tínhamos algumas data fechadas para abrir com a banda. Aí foi uma pena, porque nosso ensaio foi cancelado, achamos que pudesse retomar na semana seguinte, mas está durando um ano e meio”, conta.

Essa pausa abrupta obrigou artistas  a encontrarem outras maneiras de sobreviverem. Uma dessas saídas para continuar divulgando suas artes foi por meio de lives nas redes sociais, principalmente no Instagram e no Youtube. Cleber Akio, músico e produtor,  explica sobre essa mudança: "os shows presenciais pararam, então passei a fazer algumas lives, alguns incentivos da prefeitura". "A Lei Aldir Blanc ajudou muito", diz. Quem tem um trabalho mais “sério” conseguiu pegar incentivo, fazer shows virtuais, fazer vídeo aula. Pelo estúdio eu produzi algumas lives, mas fui chamado também para fazer algumas lives”, diz. 

Ambos os músicos comentam que as lives os ajudaram, principalmente na expansão do público, algo que era muito restrito a apenas a cidade pode ser acessada em todo Brasil e em qualquer lugar do mundo. Porém o maior ponto negativo é a falta de público. “É bem diferente tocar para as pessoas que estão lá com você, com o público interagindo, é bem diferente tocar para uma câmera, tocando para ninguém e falando sozinho”, afirma Cleber. 

Contudo, uma outra profissão muito afetada são os técnicos do audiovisual. Segundo um levantamento feito pelo Glassdoor, o Workplace Trends 2021, as profissões mais afetadas, que mais tiveram sua atuação paralisada durante a pandemia são técnico e coordenador de eventos. O produtor de audiovisual, Luiz da X3m Luz & Som, comenta “Vi muitos amigos, parceiros, tendo se desfazer de muitos equipamentos de trabalho, para manter o sustento de sua família, mas acredito que o pessoal de montagem foram mais afetados, são a maioria dentro de um evento, e com a parada, não tinham onde se encaixar, a maioria desses profissionais, trabalham por conta (freelance), então dependem diretamente do dia de trabalho e não tendo aonde recorrer, e ainda tiveram auxílios negados, pois nem a categoria existia nos cadastros, ficaram à margem da sociedade”, explica.

Aos poucos, os espaços públicos, eventos, shows começam a voltar e as lives passam para um segundo plano, já que os gastos com elas são maiores que os cachês. Os artistas consagrados foram os que mais se beneficiaram com os patrocínios. Muitos acreditam que as "lives" não vão acabar por completo, até porque elas ajudam na divulgação do trabalho e podem dar mais visibilidade para conseguir chegar em uma platéia mais amplificada.

Professora da UFRJ culpabiliza o poder executivo e alerta sobre a gravidade do problema
por
Carlos E. Kelm
|
28/09/2021 - 12h

Por Carlos E. Kelm

Os efeitos da crise hídrica já reverberam em diversos setores da economia. Diante da falta de água nos reservatórios o governo acionou usinas termelétricas para suprir a demanda de energia, o que acabou encarecendo a conta de luz. A professora e pesquisadora, Clarice Ferraz, do Grupo de Economia da Energia da UFRJ, questiona as medidas do Governo e avisa que o problema pode piorar.

Clarice Ferraz“Há mais de dez anos a gente observa que as hidrologias não são as mesmas; os reservatórios não estão ficando com o nível de armazenamento elevado”, explica Clarice. Para a professora, a causa do problema é estrutural e medidas como a nova bandeira tarifaria de “Escassez hídrica” indicam que a crise vai continuar: “se o Governo não agir sobre o problema e ficar só remediando, podemos esperar que essa bandeira seja disparada com uma certa frequência”.

A principal fonte de energia no Brasil vem dos rios. O nosso grande potencial hídrico garante uma energia limpa e renovável, no entanto, existem fatores que podem interferir no ciclo das águas. Podemos dividir estes fatores em dois grupos: os de ordem natural e os administrativos. Para Clarice, a atual crise hídrica foi agravada por questões administrativas, “O problema é você ter um grande percentual de hidrelétricas e não prestar atenção no que está acontecendo com os seus rios, com o seu padrão de chuva, e continuar colocando fontes que sejam mais poluentes, que não colaborem com a transição energética”. A fonte em questão é a termoelétrica: gerada a partir da combustão, libera grandes quantidades de gás carbônico, por isso, vem sendo substituída em diversos países por fontes mais baratas e limpas.

Para Clarice, a crise deveria ser contornada com um programa de eficiência energética: “Dado que você tem muitas hidrelétricas com reservatórios, para remediar essa crise você deveria pensar como reduzir o consumo promovendo programas de eficiência energética, com estímulos verdadeiros a indústria, com trocas de equipamento, com auditorias que a gente faz nos prédios pra ver se tem alguma fuga. Então, saber consumir o recuso com o máximo de aproveitamento”, explica.

A professora considera que a seca está diretamente relacionada a fatores ambientais, como a deflorestação e as queimadas na Amazônia: “Desmatando a floresta lá na Amazônia a gente diminui os fenômenos dos rios voadores, que são trazidos aqui pra região sudeste. Afetando esse ciclo, teremos cada vez menos água. Falta planejamento e isso é responsabilidade do governo, sobretudo do poder executivo”Usina termelétrica

Clarice reafirma que continuar recorrendo a energias poluentes como a termelétrica pode agravar ainda mais um problema que é crônico. Mas então, por que optamos pelas termoelétricas?  “O argumento normalmente usado, mas que já foi superado é o de que precisamos de uma geração que não oscile, e a eólica e solar têm uma variabilidade. Mas o padrão do Nordeste é espetacular, as eólicas geram muito bem, é uma coisa de recorde mundial mesmo. Então, a alegação é esta, mas isso não se comprova”, diz.

Outra explicação para a utilização da energia suja, seria o interesse econômico por detrás dessas usinas. Clarice revela que há pessoas se beneficiando da situação, “Todos os bancos. As pessoas que vão ganhar dinheiro enquanto o sistema não entrar em colapso, como foi o caso do Texas. Comercializadores; os seguradores dos comercializadores, as pessoas que estão por trás dessas térmicas novas” mas a professora prevê grandes prejuízos econômicos e diz que já existem empresas falindo por não perceber a escala do problema. “A gente tá nessa situação gravíssima hoje e a gente já sabe que ano que vem vai ser pior, por que todas as medidas que estão sendo tomadas contribuem para o agravamento do problema, e isso que a privatização ainda não entrou em vigor”, prevê.

Geradores eólicosDiante deste quadro, ela sugere fontes renováveis que contribuam para uma transição energética: “Somos um dos raros países, se não o País melhor habilitado a promover a transição energética, porque temos enormes estoques de água que podem ser usados como reservatórios de hidro-eletricidade. Sendo assim, a gente podia avançar no uso das renováveis, e como a energia que mais rapidamente entra em operação é a hidroelétrica de reservatório, qualquer oscilação das renováveis, a gente compensa com a água dos reservatórios”, conclui.

De acordo com pesquisa promovida pela Ilumeo, o uso de assistentes virtuais cresceu 47% no Brasil durante a pandemia, vista como a nova onda do mercado de tecnologia, o produto é controverso.
por
Luiza Fernandes
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28/09/2021 - 12h

Por Luiza Fernandes

 

O primeiro assistente virtual surgiu em 2011- quando a Apple lançou a "Siri". A tecnologia foi considerada revolucionária à época.  Um software que reconhece sua voz, obedece seus comandos e permite a ativação de diversos recursos em seu aparelho celular. Desde então, esse tipo de tecnologia evoluiu muito, passando para aparelhos exclusivos: Agora não mais em celular, os assistentes virtuais migraram para as caixinhas de som, que também reconhecem a sua voz e funcionam exclusivamente por esse comando. O sucesso do modelo fez com que todas as grandes empresas de tecnologia lançassem um tipo, os mais conhecidos são: "Alexa" da Amazon, "Google Assistente" e "Microsoft Cortana".

A Amazon vem sendo pioneira em expandir os comandos que a Alexa pode realizar e hoje é possível conectá-la com: cortinas, geladeiras, ar-condicionado, lâmpadas e TV´s. Foi promovendo a facilidade de poder controlar sua casa por voz, que a empresa vendeu 50 milhões de unidades desses smart speakers no ano de 2019, um crescimento de 70%, segundo dados da Strategy Analytics. Porém, o funcionamento desses produtos é considerado contraditório por inúmeros pesquisadores da área de tecnologia. Muito se questiona sobre como é o seu funcionamento e principalmente, como eles armazenam os dados que coletam.

Em meio a febre do conceito de “Casa Inteligente”, quando uma assistente virtual pode controlar seus aparelhos domésticos, vale o questionamento de como essas tecnologias de fato funcionam. Do ponto de vista técnico, os assistentes virtuais são um conjunto de microfones, ligados a um alto-falante, que são controlados por um processador que pode enviar e receber informações da nuvem, onde esses dados são processados. Com a ajuda de algoritmos de inteligência artificial, implementados na nuvem e sempre atualizados no processador, o aparelho traz respostas rápidas.

O Google define em seu site, o serviço prestado pelo seu aparelho "Google Assistente", da seguinte forma: “É uma assistente pessoal virtual desenvolvida pela Google que pode realizar tarefas do dia a dia, como ligar para pessoas, mandar mensagens, pesquisar, e ainda conversar com o usuário”

            Já a Apple, pioneira no cenário dos assistentes por voz, define a "Siri", que ainda é presente em todos os seus aparelhos, com o seguinte slogan: “A "Siri" faz mais. Mesmo antes de você pedir.” De acordo com a empresa, a "Siri" consegue fazer tudo mais rápido, define alarmes, timers, lembretes das atividades do dia e tudo isso sem que seja preciso tocar no aparelho.

A visão destas assistentes virtuais como facilitadoras do dia a dia, como são atualmente vendidas pela publicidade, é contraposta pelo que dizem muitos pesquisadores de tecnologia. De acordo com Luã Fergus Cruz, pesquisador da área de telecomunicações e direitos digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e integrante da Coalizão Direitos na Rede, é preciso ficar atento ao que os aparelhos coletam durante seu funcionamento. “Eles te vendem falsas facilidades, afinal, sempre foi possível apagar a luz com o interruptor, quando na verdade o pano de fundo por trás do produto é extrair informações do usuário, eles querem obter dados que é o que dá dinheiro a longo prazo”

Dados são todos os “rastros” que deixamos quando utilizamos algum serviço de Internet, desde fazer um cadastro pessoal com RG, CPF e cartão, ou até mesmo quando utilizamos o Google. A recente Lei Geral De Proteção de Dados (LGPD), define da seguinte forma: “É considerado dado pessoal qualquer informação que permita identificar, direta ou indiretamente, uma pessoa que esteja viva”.

Se popularizou a expressão de que os “dados são o novo petróleo", como forma de dimensionar seu valor econômico. Para Luã, a expressão tem um limite de dimensão, uma vez que “As empresas de tecnologia valem muito mais do que as de petróleo, por que uma riqueza vem da extração de algo não renovável, já os dados estão sempre se atualizando e se aperfeiçoando”, explica. Uma investigação do jornal Washington Post, de 2019, descobriu que a Amazon mantinha uma cópia de tudo o que a Alexa registrava depois de escutar o seu comando de ativação, o seu nome. Porém, à época, os usuários não eram avisados disso nas privacidades e não havia informações sobre como esses dados eram armazenados.

 Recentemente no Brasil foi aprovada a Lei Geral de Proteção de Dados, lei n° 13.709, agosto de 2018, sua vigência iniciou-se em agosto de 2020. A partir dela, passa a existir um novo cenário sobre segurança jurídica na Internet quando falamos da captação de dados, existem agora normas e práticas que devem ser seguidas.

Luã comenta a importância da atuação do Estado, para que os dados possam ser protegidos: “A LGPD é um grande marco porque ela passa a abranger todo o tipo de atividade que envolva o tratamento de dados pessoais, toda e qualquer atividade precisa seguir uma lei e isso é muito importante para regular e para instigar o debate, em sociedade”, avalia.

Outro ponto controverso sobre o uso das assistentes pessoais é a possibilidade dessas informações serem obtidas ilegalmente. É preciso se preocupar com a forma como as empresas coletam e armazenam esses dados, mas também, é preciso pensar sobre o perigo de um microfone conectado à sua casa cair nas mãos erradas. “Não é difícil de se imaginar que um dispositivo como esse pode ser facilmente hackeado, é um tipo de tecnologia muito frágil e perigosa, frente às facilidades que eles vendem” argumenta Luã.

As políticas de privacidade encontradas nos sites das empresas Amazon, Google e Apple informam que os áudios só são registrados e gravados pelo aparelho quando o comando de voz é ativado e que essas gravações podem ser revistas e apagadas pelo usuário. Além disso, as três empresas oferecem alteração das opções de privacidade.  Mesmo assim, o juiz Jeffrey White, do Tribunal de Oakland, na Califórnia decidiu dar prosseguimento a uma ação coletivo contra a Apple. A acusação é de que a empresa grava conversas captadas pela "Siri" sem o comando de voz ser ativado e repassa essas informações para outras empresas. Google e Amazon também têm processos abertos por gravarem áudios quando os assistentes não foram chamados. A abertura desses processos coloca em xeque a proteção que as empresas afirmam ter, além de dar eco para os questionamentos feitos por especialistas em tecnologia.