Em São Paulo, a rotina de um motorista de aplicativo revela como o trabalho passou a ser guiado por notificações, cansaço digital e um cotidiano moldado pelo brilho constante do celular
por
Carolina Hernandez
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24/11/2025 - 12h

 

Por Carolina Hernandez 

O celular vibra antes que qualquer clarão toque os prédios da Mooca, e essa vibração curta, metálica e insistente desperta Jonas de um sono leve, como se fosse uma convocação, um chamado que não permite adiamentos. Ele estende a mão ainda no escuro, alcança o aparelho, observa a luz que se espalha pelo quarto e lê a notificação do aplicativo que já anuncia alta demanda, fluxo intenso, oportunidade. Nos últimos anos, aprendeu a acordar assim, preso ao brilho do celular antes mesmo de sentir o chão frio sob os pés. O trabalho começa na tela, e não na rua.

No carro, um sedan prata que carrega o desgaste dos dias longos, Jonas encaixa o celular no suporte. O gesto é tão automático que parece parte do ritual de ligar o motor, como se o carro só funcionasse plenamente depois que o aplicativo estivesse ativo. A tela mostra a cidade em azul e amarelo, um mapa vivo onde cada área fervilha com informações que determinam para onde ele deve ir, quanto irá ganhar, quanto tempo deve esperar. O aplicativo calcula rotas, horários, riscos e recompensas, e Jonas respira fundo antes de seguir, como quem aceita que o destino do dia será guiado por aquele retângulo luminoso.

A primeira corrida aparece em menos de quinze segundos. Ele aceita. O carro avança devagar pelas ruas que ainda não despertaram, e Jonas observa o céu sem forma, as luzes dos postes refletidas no capô, o reflexo da tela pressionando seus olhos desde a madrugada. Logo, o trânsito cresce, e a cidade parece surgir inteira de dentro dos celulares dos próprios motoristas, porque ninguém conduz apenas pelas ruas, todos conduzem pelos mapas, pelas notificações, pelas coordenadas enviadas de longe.

A dependência da tela dita o ritmo. Jonas percebe isso a cada minuto. Ignorar uma notificação pode significar perder corridas, perder pontos, perder visibilidade diante do algoritmo. Ele sabe que o sistema registra cada movimento, cada segundo parado, cada mudança de rota, cada hesitação. Uma espécie de patrão silencioso observa sua velocidade, suas notas, seus cancelamentos, suas escolhas. Não há voz, não há rosto, mas há controle. Ele comenta que antes achava que dirigia para pessoas, e hoje sente que dirige para um conjunto de cálculos invisíveis.

O cansaço começa sempre pelos olhos. A luz azulada se infiltra pelas pálpebras como um grão de areia persistente. Mesmo nos poucos minutos de pausa, ele sente o celular vibrar no bolso, chamando de volta, lembrando que há demandas próximas. A Pesquisa TIC Domicílios mostra que o celular tornou-se o principal dispositivo de acesso à internet para a maioria dos brasileiros, mas, para motoristas de aplicativo, é mais que isso, é ferramenta, ponte, segurança, salário e vigilância. Jonas passa mais tempo olhando para a tela do que para qualquer rosto durante o dia.

Os passageiros entram no carro sempre com pressa, sempre conectados a outra conversa que não está ali. Há estudantes que assistem aulas no banco traseiro, executivos que participam de reuniões por vídeo, mães que equilibram sacolas e chamadas, jovens que respondem mensagens durante trajetos de poucas quadras. O carro se transforma em cápsula de passagens breves, onde cada um leva sua própria tela, e Jonas conduz tantas luzes simultâneas que, às vezes, o interior do carro parece mais iluminado durante a noite do que durante o dia.

Ele já ouviu histórias que não estavam destinadas a ele, conversas que vazavam das telas para o espaço do carro, lágrimas silenciosas de quem lia mensagens difíceis, risadas altas de grupos que relembravam memórias por vídeos compartilhados. Jonas sempre percebe que as pessoas falam menos com ele e mais com seus celulares, que olham menos pela janela e mais para notificações. Nos raros momentos de silêncio, apenas as telas respiram, emitindo luzes diferentes em intervalos variados.

No fim da tarde, quando o corpo já pesa, o aplicativo avisa aumento de demanda. Jonas pensa em parar, mas o aviso insiste, promete ganhos extras, sinaliza movimento crescente. Ele encosta em um posto para comprar um café, tenta alongar as costas, tenta piscar devagar para aliviar a ardência nos olhos. O celular vibra antes da primeira golada. Ele volta para o volante. Recusar seria uma escolha, mas uma escolha com consequências. Descanso e trabalho, na lógica do aplicativo, nunca estão em equilíbrio.

A madrugada avança e a cidade se torna uma paisagem de luzes espaçadas, com corredores vazios e poucos ruídos. Jonas leva um jovem que saiu do trabalho no shopping, e o rapaz passa o trajeto inteiro olhando para o celular enquanto mensagens surgem em sequência. Jonas também observa o seu próprio aparelho, que marca a rota até o destino. O carro segue pelas avenidas escuras com apenas as duas telas iluminando o interior, criando um silêncio que parece suspenso no ar.

Quando chega em casa, Jonas desliga o carro, depois o aplicativo, e por fim o celular, que insiste em vibrar com atualizações e resumos do dia. A sala escura o acolhe em um silêncio que chega a parecer estranho, como se o mundo tivesse diminuído de volume. Ele se recosta no sofá e sente o peso acumulado do dia, não apenas o peso físico, mas o peso da luz constante, da atenção exigida, da vigilância permanente que o acompanha desde o amanhecer. O corpo quer descanso, mas a mente ainda repassa rotas, mensagens, barulhos de notificação que permanecem mesmo após a tela apagar.

Amanhã, muito antes de a luz do sol tocar a janela, o celular irá vibrar novamente, e Jonas atenderá, não por escolha, mas por necessidade. Ainda assim, enquanto respira profundamente, sente uma dúvida surgir devagar, como quem desperta de um sonho longo. Ele se pergunta se ainda guia o carro, se ainda conduz o trajeto, ou se apenas segue o ritmo imposto pela tela que nunca dorme. E essa pergunta, ele sabe, continuará voltando. Porque, na madrugada das grandes cidades, o trabalho e a vida estão cada vez mais presos ao mesmo brilho.

Com o avanço do sistema de pedágio eletrônico nas rodovias paulistas, motoristas vivem a combinação entre fluidez no trânsito e incertezas sobre tarifas, prazos e adaptação ao novo modelo.
por
Inaiá Misnerovicz
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25/11/2025 - 12h

Por Inaiá Misnerovicz

 

Dirigir pelas rodovias da Grande São Paulo já não é mais como antes. Com a chegada do sistema free-flow - o pedágio eletrônico sem cancelas -, muitos motoristas sentem que atravessam uma fronteira invisível: não há mais a cancela para frear o carro, mas também não há a certeza imediata de quanto vão pagar. Para Jerônimo, motorista de carro, morador da zona leste de São Paulo que faz quase todos os dias o trajeto até Guararema a trabalho, essa sensação de fluxo e incerteza convive em cada viagem.

Antes da implantação do free-flow, Jerônimo parava em praças de pedágio, esperava, conferia o valor, calculava se valia a pena seguir por um trecho ou desviar. Hoje, ao cruzar os pórticos da Via Dutra ou de outras rodovias, ele simplesmente segue adiante. Só depois, no no aplicativo, descobre quanto foi cobrado, isso quando ele lembra de conferir a fatura. Para quem tem TAG, o débito cai automaticamente, mas para quem não tem, o sistema registra a placa e envia a cobrança que deve ser paga em até 30 dias, sob pena de multa, como prevê a regulamentação da CCR RioSP.

Esse modelo evita paradas e acelera o tráfego, especialmente nas pistas expressas. Segundo a concessionária Motiva/RioSP, quem trafega pelas marginais da Via Dutra (sem acessar a via expressa) não é tarifado. Mas Jerônimo ressalta que essa economia de tempo nem sempre vem acompanhada de previsibilidade de custo: “só sabendo depois quanto foi cobrado, ainda dependo de consultar o site para ver se registrou todas as passagens”, ele diz. A tarifa depende do horário e do dia da semana, pode variar, e para quem usa TAG há desconto de 5%. 

Para tornar essa transição mais suave, a RioSP intensificou ações de orientação nas margens da rodovia e em pontos públicos de Guarulhos. Na capital, promotores usam realidade virtual para explicar como os pórticos funcionam, há vídeos e atendimentos nos postos de serviço. Mais de 500 pessoas já participaram de eventos para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento, formas de pagamento e salto entre pistas expressas e marginais.

As novas tarifas também entraram em vigor recentemente: desde 1º de setembro de 2025, os valores para veículos leves nas praças da Via Dutra foram reajustados pela ANTT, e nos pórticos do free-flow os preços também foram atualizados. No caso das rodovias geridas pela Concessionária Novo Litoral - especificamente a SP-088 (Mogi-Dutra), SP-098 (Mogi-Bertioga) e SP-055 (Padre Manoel da Nóbrega) - os valores por pórtico variam de R$ 0,57 a R$ 6,95 para veículos de passeio, dependendo do trecho.

Essa lógica de cobrança por trecho, sem a presença física de praças, exige do motorista algo além de atenção na pista: exige educação para se entender onde entrou, onde passou e quanto isso custou. Para Jerônimo, isso é mais difícil do que simplesmente parar e pagar. Ele admite que, apesar da melhoria no fluxo, teme que algum pórtico não tenha sido registrado, ou que haja diferença entre o que ele acredita ter passado e o que vai aparecer na fatura.

Além disso, há risco real para quem não paga no prazo. A CCR RioSP adverte que a não quitação da tarifa em até 30 dias configura evasão de pedágio, o que pode gerar infração de trânsito, multa fixada e até pontos na carteira. Para muitos, essa penalidade ainda parece pesada diante da novidade e da complexidade do sistema.

Por outro lado, o free-flow traz ganhos concretos para a mobilidade: ao eliminar paradas bruscas nas praças, reduz o risco de acidentes por frenagem repentina e melhora o desempenho das rodovias. A tecnologia permite modernizar a gestão do tráfego, e os pórticos com sensores garantem identificação precisa por TAG ou leitura de placa. Ainda assim, a transformação não se resume à pista. Ela repercute no cotidiano de quem vive dessa estrada, como Jerônimo, e também na forma como a concessionária se relaciona com os motoristas. A campanha de orientação mostra que há consciência de que nem todos se adaptarão imediatamente. As ações de atendimento por WhatsApp, aplicativo, site, totens e até no posto de serviço reforçam a aposta na transparência. 

Há também a perspectiva de que esse modelo se torne cada vez mais comum. Segundo planejamento de concessões futuras, mais pórticos free-flow poderão ser instalados nas rodovias paulistas até 2030, o que tornaria esse tipo de cobrança mais frequente para usuários regulares da malha estadual. Mas para que ele seja efetivamente equitativo, será preciso manter a educação viária, oferecer canais de pagamento amplos e garantir que os motoristas não sejam penalizados por simples falhas de entendimento.

Para Jerônimo, a estrada continua sendo um espaço de tensão e de liberdade. Ele ganha tempo, mas precisa vigiar sua fatura. Ele cruza Guararema, volta para São Paulo, e vive uma experiência nova: a de rodar e pagar depois, sem parar, mas sempre com a incerteza de que quanto passou pode não ser exatamente quanto será cobrado. A cancela desapareceu, mas o pedágio segue presente, só que disfarçado em números, e não em uma barreira física. 

Colunista Marcelo Leite revela que a área perde cada vez mais influência no país
por
Giovanna Britto
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24/11/2025 - 12h

 

Durante a pandemia de Covid-19, o Brasil se reinventou em assuntos a respeito de hábitos higiênicos, debates sobre saúde mental e destacou a importância do jornalismo científico, área  responsável por comunicar à população a respeito das vacinas, o avanço ao combate do vírus e outros assuntos de saúde pública. Entretanto, três anos após o fim do estado emergencial causado pela pandemia, a falta de adesão do público à ciência tem ameaçado o trabalho dos jornalistas desse segmento.

Entre 2020 e 2022, os profissionais da mídia foram expostos ao desafio de comunicar a incerteza científica, traduzir termos e conscientizar a sociedade sobre a pandemia. Muitos jornalistas já eram especializados na área, outros aprenderam a falar sobre ciência devido a alta demanda de notícias para divulgar. A pandemia serviu como ponto de virada para o jornalismo científico - que já existia no Brasil, mas ganhou repercussão graças à necessidade de dar foco ao assunto que ditou o estilo de vida de um mundo inteiro.

Nomes como Atila Iamarino, Natália Pasternak e Álvaro Pereira Júnior se destacaram como grandes vozes da divulgação do jornalismo de ciência. Em entrevista à AGEMT, Marcelo Leite, jornalista e colunista da Folha de São Paulo especializado na área de ciência e ambiente, comenta sobre esse período: “Nunca se valorizou tanto do ponto de vista de espaço, de tempo, de audiência, a divulgação de informações científicas de base para entender o que estava acontecendo.” Hoje, o espaço de fala e a repercussão em temas científicos são menores, uma vez que as pessoas estão cada vez menos interessadas em saber de que forma isso implica em suas vidas pessoais.

Jornalista Marcelo Leite posando para câmera
Formado em jornalismo pela USP, Marcelo também atuou na Revista Piauí e é autor do livro “Psiconautas: Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”. Foto: Divulgação/Unicamp.

 

Marcelo relembra que o jornalismo científico já sofria com ameaças à sua credibilidade, com falsos especialistas, médicos sem conduta ética e  com o presidente da época, Jair Bolsonaro, reproduzindo falas que levantavam mais dúvidas e ondas de ódio. “Foi um período terrível, e talvez a parte principal, que me deixa mais frustrado, é que o público se dividiu em dois. Uma parte passou  a desconsiderar as informações que a gente, do jornalismo científico, se esforçava por apresentar como informações objetivas, fundadas em dados, com a qualidade que se espera da ciência ", completa.

Na fase posterior à pandemia, após o declarado fim do período emergencial do coronavírus em 5 de maio de 2023, foi possível observar as consequências e heranças que a abundância de informações equivocadas, negacionistas e falsas deixaram na rede de informação, seja online ou offline. Os movimentos anti vacinas, impulsionados durante o Covid, emitiram um alerta para a Organização Mundial de Saúde. Dados divulgados pelo jornal Humanista da UFRGS evidenciam que a cobertura de vacinas contra poliomielite, HPV e sarampo estão em constante queda e sequer atingem a meta em lugares como Norte e Nordeste. 

No anuário de Vacinas de 2025 da Unicef, os dados indicam que até 14 de julho de 2025, a cobertura vacinal dos grupos prioritários permanecia abaixo da meta de 90%: crianças de seis meses a seis anos com 39,5%, idosos com 53,2% e gestantes com 29,8%, correspondendo a menos da metade do público-alvo.

A questão ambiental também é desconsiderada por muitas pessoas. Marcelo afirma que há muitos temas pelos quais o jornalismo científico lutou pelo progresso e que atualmente são banalizados. “se houve alguma dúvida no passado, há 20, 30 anos atrás, hoje não há mais nenhuma dúvida sobre os impactos que estão vindo e virão da mudança climática, cada vez mais sérios. Mas ainda tem gente que questiona.”

Recentemente, casos de metanol que alertaram a população em outubro deste ano, trouxeram uma onda de informações falsas que prejudicaram profissionais da área jornalística e médica, motivando o pronunciamento deles a respeito. Vídeos tentando realizar testes caseiros para identificar a presença da substância nas bebidas, sem comprovação científica, viralizaram nas redes sociais.

Essa situação se assemelha com as polêmicas envolvendo o uso da cloroquina na pandemia. Um levantamento realizado por pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP (Cepedisa) em colaboração com a Conectas Direitos Humanos, mostra que, entre março de 2020 e janeiro de 2021 houve pelo menos quatro medidas federais promovendo diretamente ou facilitando a prescrição do medicamento. Jair Bolsonaro foi um dos maiores promotores da cloroquina na época e quem motivou o uso para a população. Apesar de ter sido associada no combate ao Covid, a cloroquina é um medicamento que atua contra doenças inflamatórias crônicas e no combate a parasitas e cuja eficácia de uso para o coronavírus não é comprovada.

O estudo que deu início a essa ideia foi inicialmente publicado na revista científica International Journal of Antimicrobial Agents e assinado por mais de 10 profissionais. Hoje, a editora da revista, Elsevier, anunciou a retratação deste artigo após uma pesquisa aprofundada, com o apoio de um “especialista imparcial que atua como consultor independente em ética editorial”.

Os profissionais continuam exercendo seu trabalho com excelência, alguns optando pela mídia tradicional, outros inovando nas redes através de vídeos curtos. Mas é inegável a forma com que o jornalismo científico perdeu a influência e como falta apoio em todas as áreas. “É muito triste, porque eu dediquei minha vida inteira ao jornalismo científico, para ver isso acontecer no fim da minha carreira” conclui o jornalista.

Após sete anos, evento volta ao calendário impulsionado pelo avanço dos carros eletrificados
por
Fábio Pinheiro
Vítor Nhoatto
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22/11/2025 - 12h

O Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, um dos eventos mais tradicionais do setor automotivo brasileiro, está de volta após um hiato de sete anos. A edição de 2025 acontece entre os dias 22 e 30 de novembro, em um contexto de profundas transformações na indústria e impulsionada pela expansão de veículos eletrificados, entrada de novas marcas no país e a necessidade das montadoras de reconectar consumidores às experiências presenciais.

De acordo com a RX Eventos, organizadora da mostra bienal, a volta acontece em razão da reestruturação e aquecimento do mercado. A última edição havia sido realizada em 2018 e contou com cerca de 740 mil visitantes, mas devido a pandemia de COVID-19 o Salão de 2020 foi cancelado. Nos anos seguintes, a volta do evento ficou só na especulação. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes Automotores (Anfavea), a pausa também pode ser atribuída à crise de matéria-prima, à retração econômica deste então e ao formato caro para as montadoras que estavam distantes do público.

Embora as duas últimas edições tenham sido no São Paulo Expo, esta acontece no Complexo do Anhembi, casa oficial do evento desde 1970. A mudança foi celebrada por expositores e pelo público, já que o Anhembi permite maior fluxo de visitantes, oferece áreas amplas para test-drive e atividades externas, recuperando a identidade histórica do salão. O retorno também faz parte da estratégia de reposicionar o evento como uma grande vitrine de experiências automotivas, com pistas, ativações e zonas imersivas distribuídas pelo pavilhão.

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Renault anuncia o seu novo carro “Niagara” - Foto: Fábio Pinheiro

Entre as montadoras que vão expor, estão nomes de peso que apostam na ocasião para apresentar novidades ao consumidor brasileiro. A BYD leva ao Salão uma linha reforçada de elétricos e híbridos, aproveitando o crescimento expressivo da marca no Brasil, além de lançar no evento a marca de luxo do grupo, Denza. A rival chinesa GWM também estará presente, com o facelift do SUV H6, o jipe Tank 700 e a minivam Wey 09.

Em relação às marcas tradicionais, a Stellantis vai em peso para o Anhembi. A Fiat, apesar de não ter apresentado nenhum modelo novo, trará o Abarth 600, um SUV elétrico esportivo. A Peugeot terá os 208 e 2008 eletrificados e, principalmente, o lançamento da nova geração do 3008 para o mercado nacional, equipado com o tradicional motor THP. 

Enquanto isso, a Toyota investe na divulgação de novidades híbridas flex, com a chegada do Yaris Cross para brigar com o recém-lançado HR-V, e os líderes Hyundai Creta e Chevrolet Tracker. Juntas, as marcas representam parte do movimento de transformação do mercado brasileiro, que tem apostado cada vez mais na eletrificação e em tecnologias avançadas para rivalizar com a expansão chinesa.

O Salão 2025 também será palco de novas marcas como a Leapmotor, parte do grupo Stellantis. O SUV C10 será o primeiro modelo a chegar às ruas, ainda neste ano, e conta com a versão elétrica (R$189.990) e com extensor de autonomia (R$199.990). O segundo modelo será e o C-SUV elétrico B10, por R$172.990, 60 mil a menos que o rival BYD Yuan Plus, e mais recheado de tecnologia, como teto panorâmico, nível 2 de condução semi autônoma, câmera de monitoramento do motorista e airbag central.

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Presidente da Stellantis para a América do Sul, Herlander Zola, anunciou os planos para o grupo - Foto: Stellantis / Divulgação

Já a britânica MG Motor, propriedade da chinesa SAIC, investirá em esportividade elétrica, além de custo-benefício. O modelo de maior volume de vendas deve ser o SUV S5, rival de Yaun Plus, e igualmente equipado ao B10. Em seguida, o MG 4 chega para rivalizar com Golf GTI e Corolla GR, com mais de 400 cavalos, tração integral, pacote de ADAS completo, e pela metade do preço dos rivais. Por fim, o Roadster será o chamariz de atenção no estande, com portas de lamborghini e em homenagem à tradição da marca. 

O grupo CAOA também fará a estreia da nova marca que trará ao Brasil a Changan, com a chegada prevista para 2026 com os modelos de super-luxo elétricos Avatr 11 e 12, além do SUV UNI-T, rival do Compass e Corolla Cross. 

O pavilhão do Anhembi contará com pistas de test-drive, áreas dedicadas a modelos clássicos como o McLaren de Senna, e até mesmo uma área do CARDE Museu. No Dream Lounge estarão presentes super carros como Ferrari e Lamborghini, além da Racing Game Zone para os amantes de videogame e simuladores de corrida. 

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Área externa do Anhembi terá pista de slalom, frenagem e test-drive de dezenas de modelos - Foto: Salão do Automóvel / Divulgação

Apesar da ausência de marcas como Chevrolet, Ford, Mercedes, Volvo e Volkswagen, 2520 montadoras estarão presentes, incluindo Chery, Hyundai, Mitsubishi e Renault. O Salão espera receber cerca de 700 mil visitantes e a edição 2027 já está confirmada. Os ingressos custam a partir de R$63 (meia-entrada) nos dias de semana.

Projeto aprovado pelo Congresso libera R$ 22 milhões do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
por
Helena Barra
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17/11/2025 - 12h

Por Helena Barra

 

No dia 4 de agosto de 2025, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei 847/2025. O plano, aprovado pelo Congresso brasileiro, regulamenta o uso dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), liberando o valor de R$ 22 bilhões para investimentos nas áreas da ciência e tecnologia.  O FNDCT é o principal instrumento de financiamento público da ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Ele apoia pesquisas científicas, a formação de recursos humanos qualificados, a inovação tecnológica nas empresas, a infraestrutura de pesquisa e o desenvolvimento de projetos estratégicos nacionais.

A professora de economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Norma Cristina Brasil Casseb, explica que fundos como o FNDCT possuem legislação própria. No caso do FNDCT, segundo dados da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), os recursos são provenientes de diversas fontes. A composição deles evidencia o importante papel do Estado tanto no direcionamento de incentivos diretos do orçamento público e do tesouro, quanto na garantia de que parte dos lucros obtidos pelas empresas do setor detentor e gerador de tecnologia retorne para a sociedade e permita que ela se desenvolva de forma mais igualitária.

Nas redes sociais, o presidente Lula, afirmou que a medida visa fortalecer a base industrial brasileira. “Com essa medida, vamos fortalecer a inovação nas seis missões da Nova Indústria Brasil e nas Instituições Científicas e Tecnológicas, levando infraestrutura, redes de pesquisa e oportunidades para todos os territórios do país. Investir em pesquisa e inovação é investir no futuro do Brasil”, comentou na divulgação.  Além disso, o projeto também tem como objetivo estimular o emprego qualificado em pesquisa e desenvolvimento, de maneira a ampliar o número de doutores em empresas, startups, parques tecnológicos e instituições de ensino. 

Para Norma Casseb, em um país como o Brasil, com alta desigualdade social e elevada concentração de renda, a liberação deste recurso é importante, não só para a sociedade, mas como para a economia nacional. “Neste contexto, o investimento em tecnologia e inovação, combinado a uma estratégia voltada para a industrialização do país, tem uma alta capacidade de geração de empregos de qualidade especialmente no setor produtivo, permitindo elevação na renda da população e, por consequência, maior expansão econômica”, informa a doutoranda. 

Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), representante das instituições financeiras de fomento habilitadas a operar os recursos do fundo, a nova lei marca uma mudança de postura em relação ao uso dos fundos públicos voltados à inovação. Ao garantir previsibilidade e autonomia na aplicação dos recursos, o Brasil se alinha a boas práticas internacionais de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico. 

Em entrevista à Agência Brasil, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou que, apesar de o FNDCT ter sido criado em 1969, o fundo ganhou maior relevância nos governos do presidente Lula, inclusive no atual mandato. De acordo com o governo, nos últimos dois anos, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação por meio do FNDCT aumentaram seis vezes. Saíram de R$ 2 bilhões, em 2021, para R$ 12 bilhões, em 2024. A previsão para 2025 é de cerca de R$ 14 bilhões.

A professora também reforça que o investimento em ciência e tecnologia é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Eles permitem adicionar valor agregado aos produtos brasileiros, além de elevar a produtividade e a competitividade da economia nacional, permitindo que sejam cada vez mais competitivos no comércio internacional.  Além disso, investimentos como o FNDCT podem tornar o País mais que um exportador de produtos de maior valor agregado, mas também um exportador de tecnologia para outros países, que muitas das vezes não possuem capacidade financeira ou de infraestrutura para desenvolverem suas próprias tecnologias.


 

 





 

Trajetória das mulheres no academicismo é marcada por obstáculos
por
Isabela Mendes
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19/05/2022 - 12h

Por Isabela Mendes

Ser mulher é, por si só, ato de bravura. Ao longo da vida, a trajetória da figura feminina está quase sempre, inevitavelmente, atrelada ao rebaixamento. O esforço máximo de uma mulher equivale, por via de regra, ao mediano de um homem, nos mais diversos contextos. No meio acadêmico não teria como ser diferente: as raízes do patriarcado, sempre tão profundas, se mostram e dominam o conhecimento e a produção científica, apagando sistematicamente o olhar feminino do mundo, da natureza e da ciência. 

Segundo relatório da Unesco divulgado em 2018, temos entre 45,1% a 55% de pesquisadoras no Brasil. No entanto, a Academia Brasileira de Ciência diz que apenas 14% das pessoas são mulheres, sendo que 8,9% atuam na área de engenharia, exatas e ciências da terra; 20,4% nas ciências da vida e 18,2% nas humanidades e ciências sociais aplicadas. Ainda, a distribuição de bolsas de fomento à produção científica também é desigual. Nas ciências da vida, as mulheres têm 41,3% das bolsas. Na área de exatas, engenharias e ciências da terra, em contrapartida, têm apenas 20,1%. Por fim, nas humanidades, as mulheres têm 49,7%. 

Dados da Unesco complementam: estima-se que apenas 30% dos cientistas de todo o mundo sejam mulheres. Portanto, indubitavelmente, somos minoria. Não bastando a dificuldade em penetrar com efetividade o campo científico, as mulheres também passam por incontáveis processos de apagamento, descredibilização e desencorajamento ao longo de suas trilhas acadêmicas. Esses episódios não ocorrem, evidentemente, de forma isolada e nem como uma exceção. Na realidade, compõem a regra.

Um fenômeno muito comum praticado pelos acadêmicos e pesquisadores do meio é o chamado “gaslighting”, termo da psicologia para designar um comportamento abusivo que envolve distorção, manipulação e omissão de informações visando prejudicar a vítima e fazê-la duvidar de sua própria memória, sanidade e percepção dos fatos. A psicóloga Livia Sacramento viveu essa experiência na pele em 2018. Um homem, seu então parceiro amoroso, plagiou o projeto de um curso de pós-graduação que ela desenvolveu enquanto estavam juntos e, sem dar os devidos créditos a Livia, apresentou o projeto em uma universidade como sendo de sua autoria. De acordo com ela, foi descoberto porque uma colega que estava na reunião de apresentação do projeto a conhecia e imaginou que aquilo não fosse competência do indivíduo, e então decidiu procurá-la para comunicar o que havia acontecido. 

Quanto à punição, Livia diz não ter sido levada a sério, e que o que a deixou muito chateada foi que na sindicância ele não foi recriminado nem foi punido por nada. Após um tempo, ele foi demitido, mas Lívia afirma que sua sindicância, em si, não gerou punição. O argumento usado pelo ex-companheiro da psicóloga foi de que ela estaria apaixonada e por isso teria tomado aquela atitude. Lívia rebateu, dizendo que o que estava sendo questionado ali era que ele tinha usado um projeto que era dela e, se eles tinham um relacionamento ou não, não interessaria ali, pois a questão era técnica.

Casos como o de Lívia são cada vez mais comumente divulgados através das redes sociais. No Instagram, a psicóloga e professora da UnB Valeska Zanello compartilhou um caso que ocorreu com ela no ano passado. O estudante de psicologia e influencer João Luiz Marques plagiou o conteúdo autoral que Valeska produzia deliberadamente sobre questões de gênero e masculinidade e, surfando na repercussão, conseguiu atrair engajamento para si sem muito esforço, conquistando mais de 200 mil seguidores na mesma rede social. Após Valeska ter levado a público, João admitiu o caso e disse ter bloqueado tanto a psicóloga quanto pessoas que o procuravam para tratar a respeito dos plágios constantes por suposto medo e vergonha de suas próprias atitudes. Na Internet, alguns seguidores do estudante se disseram decepcionados com as descobertas à época do ocorrido, enquanto outros demonstraram empatia com o rapaz, dizendo admirar o fato dele ter 'reconhecido seu erro'. Em seu perfil, João se descrevia como "academicista". Após o ocorrido, o termo foi alterado para "estudante". Procurada pela reportagem para contar seu relato, Valeska não retornou o contato.
 

 

 

Como dispositivos algorítmicos afetam a vida cotidiana e reforçam estigmas sociais
por
Sophia Razel
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29/06/2022 - 12h

Por Sophia Razel

https://lh3.googleusercontent.com/PU2Z5hmpvltUd2tmMGaw3w9CTvw35oh5n24oN164gMFZeGhunSRo5pDeuNb7OxNdaFNlZ3pt-J9YlAhCefqsjZ4BuHUBzHJuFLYCxCnINMnreMEJxTQZN2Gs8MM7GnfmD9T_H3ToGAJhw8pLxA

                                         Foto: Getty Images

 

24 de dezembro de 2021, véspera de natal. O dia marcado por celebrações tornou-se uma data atravessada pela frustração e preconceito vividos por Diego Benjamin. Alvo do racismo algorítmico, Benjamin relata sua experiência em um pequeno vídeo na plataforma TikTok, que ganhou grande repercussão. Ao receber uma notificação para cadastrar sua biometria facial no aplicativo de seu banco, C6, o usuário não conseguia obter sucesso na solicitação. Com o rosto sem qualquer tipo de adereços e com uma boa iluminação, o sistema de reconhecimento facial do aplicativo não era capaz de identificá-lo.

Após algumas tentativas, sem sucesso, o rapaz resolveu testar o sistema com uma foto da internet, mostrando um homem branco. Quase instantaneamente, sua câmera o reconheceu. Sendo um homem negro, Diego compartilha através de sua experiência mais uma prova da estrutura racista do país, assim como dito por ele.     

@sociedadepretadospoetas Nao consegui passar da foto. Muita melanina pra um banco só 😂. #c6bank #thor😂 #preto #preta #acoisatapreta ♬ som original - Benjamin

 

Em uma sociedade cada vez mais imersa no mundo digital, o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas de alta habilidade torna-se constante. Entretanto, o funcionamento desses mecanismos não é conhecido a fundo pela maioria da população, mesmo estando inseridos em diversos espaços do cotidiano.   

Com o desenvolvimento tecnocientífico, foram desenvolvidas inúmeras ferramentas que auxiliam na execução de tarefas. É o caso da Inteligência Artificial e, consequentemente, dos Algoritmos. Por definição, esse último pode ser entendido como um conjunto de instruções feitas para solucionar um problema. Contudo, as falhas destes mecanismos artificiais - que tomam decisões de visibilidade, acesso, classificação e processamento de materiais digitais - são frequentes, e muitas vezes estão ligadas a vieses de raça, gênero e classe.

Algoritmos e Inteligência artificial ganham cada vez mais destaque no debate sobre comunicação e sociedade, já que administram cada vez mais esferas da vida. Atividades corriqueiras como solicitar uma corrida de aplicativo, verificações faciais de segurança nas redes e bancos já utilizam os mecanismos da IA há muito tempo. Raissa Tonon, mestranda e pesquisadora em Tecnologia da Inteligencia e Design Digital, reflete sobre quais as problemáticas acerca de empresas deterem tantas informações dos usuários, segurança e também sobre os benefícios inegáveis dessas tecnologias. 

Por mais adaptadas que estejam no cotidiano, muitas vezes não sendo sequer percebida pela maioria dos indivíduos, essas tecnologias traçam intensamente os perfis das pessoas ao absorver dados para estimular o consumo, e coletar informações de sistemas de segurança pública.

O racismo sistêmico adentra a tecnologia cotidiana e, através das mais diversas formas, seja em filtros de selfie ou pelo policiamento preditivo (que afirma antecipadamente), evidenciam um sistema de práticas contra grupos racializados.   

A realidade de muitos pode ser afetada por tais mecanismos, que se tornam réus do preconceito automatizado. Segundo pesquisa realizada pela Rede de Observatórios da Segurança, em 2019, cerca de 90,5% dos presos por monitoramento facial no Brasil foram negros. Em muitos casos, as prisões arbitrárias alcançam os alvos errados, causando constrangimento aos acusados.

Cada vez mais, o reconhecimento facial tem sido implementado nos estados e cidades do Brasil, não como uma ferramenta de segurança em prol dos interesses da sociedade, mas sim como um meio de manutenção de controle, justificando sua rápida ascensão.

O grande público da folia carnavalesca da Bahia, em 2019, ficou marcado pela tecnologia de câmeras implantada na cidade. Sendo noticiada e exaltada, a ação – que visava combater o crime ao localizar criminosos – coletou, indiretamente, dados de mais de novecentas pessoas identificadas como possíveis criminosos com mandados de prisão abertos. Porém, somente 18 mandados foram cumpridos e 15 pessoas foram presas, assim representando mais de 96% de falsos positivos (casos em que pessoas são identificadas de forma errada, confundidas umas com as outras pela inteligência artificial.

Esses resultados demonstram como as tecnologias podem ter vieses discriminatórios muito marcantes, que afetam diretamente pessoas de certos grupos demográficos. Dessa forma, o reconhecimento facial, quando aplicado em massa por um órgão público, escancara a inserção dos sujeitos em uma sociedade de vigilância.

Sobre o software (conjunto de componentes lógicos de um computador ou sistema de processamento de dados) de reconhecimento facial, Jefferson de Oliveira, Doutor em Ciências da Computação, diz que o mesmo funciona criando uma espécie de assinatura do nosso rosto e salva a distância entre os nossos olhos, nariz e a boca, das bochechas ao nariz, etc. Para ele, quando bem feita, a ferramenta pode funcionar de uma forma eficaz, mas confessa que existem dois problemas principais: o primeiro deles, os falsos positivos. O professor não acredita que é possível confiar no resultado gerado do mesmo modo como confiamos na identificação de uma digital, por exemplo.

O outro ponto é que seu uso pelo Estado pode dar muito poder, sem termos os freios contra os abusos produzidos. Oliveira aponta que o Estado pode usar essas informações para coibir manifestações contrárias, suprimir opositores, coagir cidadãos, e que ainda não existem boas formas de frear esse tipo de movimento por parte do Estado.

Um futuro onde esses mecanismos serão capazes de escolhas livres de julgamentos e preconceitos não é algo previsto, como afirma o Doutor em Ciências da Computação. Para ele, o que podemos ter é um desenvolvimento responsável, que permita que os ofendidos possam protestar e ter suas reclamações ouvidas. Complementa ainda que isso só será possível com o envolvimento de muitas partes, incluindo filósofos, advogados, engenheiros de software, cientistas de dados, anotadores etc., mas isso não significa que a tecnologia terá menos valor. Só será preciso usá-la com responsabilidade e equidade, considerando que todos devem ser igualmente beneficiados por ela.

A reprodução de padrões traçados como negativos são embutidos nas orientações de algoritmos, e assim, a estigmatização social racial que o viés algorítmico desenvolve ajuda a propagar implicita e explicitamente estereótipos e exclusão social.

Por direito, há - assim como tem de ser com todas as atividades públicas - a necessidade de se ter transparência e respeito aos direitos e dados dos cidadãos gerados por inteligência artificial. No ambiente legal, certas medidas vêm sendo tomadas e discutidas a fim de tentar minimizar tais impactos e regularizar essas tecnologias, como é o caso da Lei Geral de Proteção de Dados.

 A LGPD (13.709/2018) tem como principal objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Também tem como foco a criação de um cenário de segurança jurídica, com a padronização de regulamentos e práticas para promover a proteção aos dados pessoais de todo. Sérgio Amadeu, pesquisador e professor da UFABC comenta.

 Além de leis como essa, outras medidas também podem ser tomadas, buscando evitar a propagação de preconceitos por parte dos aparatos tecnológicos, como ter equipes de desenvolvimento diversas e um grande critério no treinamento das IA’s. Para a pesquisadora Raíssa Tanon, essas regulamentações precisam ser amplamente discutidas, uma vez que quem as decide são advogados, políticos e jurístas que não entendem de tecnologia.

 

 

https://lh6.googleusercontent.com/T0bo2gWsQ6EWgItn3S_-0Rbnh-GLb9XwMqkJXLn6r_FMzcWpSSDNuPUtRkJurdbcRwtJ_vEvzhOrrUirFsKdvMBLzvplcpPX2AdDkv93efK1BRjCKI8ueIHffo49jBffAbfOLKTpvNhkvlFK5A

(Reprodução: SERPRO - Serviço Federal de Processamento de Dados)

 

A ciência da informação trouxe inúmeros avanços, de modo a estabelecer uma conexão muito próxima entre o funcionamento das máquinas com o pensamento humano. A similaridade entre ambos é reforçada quando se observa tais aparatos reproduzindo julgamentos e outras ações do ser humano. Embora determinados serviços sejam otimizados, a implantação de sistemas algorítmicos, programados por instruções humanas, pode representar riscos significativos para grupos marginalizados na sociedade. As semelhanças com o mundo real são consideráveis, mas a maneira como as mesmas estão sendo reproduzidas e afetando a vida dos indivíduos também precisa avançar.

Pessoas assintomáticas podem passar pela triagem, aponta especialista
por
Esther Ursulino
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26/05/2022 - 12h

Por Esther Ursulino

Durante a pandemia da covid-19 diversos estabelecimentos adotaram a medição de temperatura como uma das principais formas de tentar controlar a disseminação do vírus. Entretanto, especialistas apontam que esse protocolo de segurança é falho, visto que quando os termômetros são utilizados de forma incorreta apresentam resultados imprecisos. Além disso, alguns contaminados podem passar pela triagem, pois nem todos os infectados têm febre.

Os termômetros infravermelhos, também conhecidos como pirômetros ganharam popularidade durante a crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus. Isso se deve, em parte, pela vantagem que esses aparelhos têm sobre outros métodos de medição de temperatura: não precisam ter contato direto com o corpo da pessoa aferida – característica importante em um contexto de distanciamento social.

Mesmo fazendo a leitura à distância, esses aparelhos viraram alvo de notícias falsas. Uma delas dizia que o laser emitido por eles seria capaz de atingir a glândula pineal e trazer prejuízos à saúde. Por isso, os pirômetros não deveriam ser apontados para a testa, e sim para o pulso. Fernando Lang, que é professor de física da UFRGS, desmente a peça de desinformação. Segundo o docente, o laser dos termômetros infravermelhos não tem poder de penetrar nos objetos. Ele funciona apenas como uma mira para indicar a área que se deseja medir a temperatura, podendo ser desligado sem afetar o resultado da aferição. Portanto, não prejudica a saúde. 

Lang também explica que os pirômetros nada emitem, pelo contrário, são receptores. Quando apontados na direção de uma superfície, apenas fazem uma análise da radiação infravermelha que é emitida pelo corpo humano – e por qualquer objeto do cotidiano, sem exceção – resultando em uma medida de temperatura. Ou seja, o laser não é o responsável por fazer a leitura, e sim o sensor desse tipo de aparelho.  

A circulação de fake news relacionadas ao funcionamento dos pirômetros fez com que muitas pessoas passassem a apontá-los para o pulso em vez da testa, o que de acordo com o físico da UFRGS provoca uma leitura imprecisa: “A testa é um dos lugares corretos (o interior da boca, o reto, embaixo das axilas são outros) para se detectar o estado febril, pois ali a temperatura é mais elevada que em outras partes expostas do corpo. (...) O pulso apresenta temperatura cerca de 2°C inferior à temperatura de outras partes do corpo utilizadas para estabelecer se uma pessoa está em estado febril. Portanto, é completamente sem sentido apontar o termômetro para o pulso.”

Além disso, os manuais desses aparelhos indicam explicitamente que a medição deve ser feita pela testa, como pode ser lido na página 7 do Termômetro Incoterm: https://www.incoterm.com.br/media/2013/10/manual-tci1000.pdf. Na mesma página há um alerta: “Tentar realizar uma medição em qualquer outro local no corpo poderá resultar em uma leitura imprecisa”. 

Outros fatores devem ser observados para que não haja interferências no resultado da aferição: 

  1. A triagem deve ser feita em um local livre de correntes de ar, em que a temperatura ambiente não seja inferior a 25°C. 

  2. O pirômetro utilizado deve ser de uso clínico, projetado para medir a temperatura do corpo humano. Os termômetros infravermelhos utilizados pela indústria não servem para este fim. 

  3. O pirômetro deve estar posicionado a uma distância de 4 a 6 centímetros em relação a testa da pessoa que terá a temperatura aferida. 

  4. A pele da testa deve estar seca e sem obstáculos

  5. A lente frontal do termômetro deve estar seca e limpa 

  6. Se o termômetro for híbrido, ou seja, que mede a temperatura de objetos e pessoas, é preciso configurá-lo para o modo “body” (corpo)

  7. As medidas de temperatura devem ser feitas em no mínimo três minutos após a prática de exercícios físicos

Tendo em vista a quantidade de cuidados necessários para que o resultado mostrado pelo pirômetro seja preciso, o médico infectologista Marcelo Otsuka diz que, comparado aos termômetros clássicos, os termômetros infravermelhos não tem uma acurácia tão boa. 

Otsuka salienta que, mesmo se tivessem uma boa capacidade de aferição, ainda seria questionável adotar a medição de temperatura como único protocolo de segurança. "Muitas pessoas podem ter o vírus, podem estar transmitindo, e não ter sintomas, inclusive não ter febre. (...) Ter a temperatura como parâmetro é uma possibilidade, mas isso nunca deve ser considerado como parâmetro único.” Por isso, para o médico infectologista, é importante que esta medida seja somada a outros protocolos de segurança, como os inquéritos epidemiológicos, a testagem, a higiene das mãos e o uso de máscaras – em especial por pessoas com comorbidades.

Segundo Rosana Richtmann, infectologista do instituto Emílio Ribas, o vírus está circulando menos, mas ainda  circula. Por isso, é importante que a população esteja com a vacinação contra a covid-19 em dia.  A médica ainda ressalta que pessoas vacinadas também podem transmitir o vírus. Portanto, é importante que a imunização seja adotada junto a outras medidas de segurança. 

 

termômetro infravermelho

 

Um paralelo entre a defesa do embranquecimento racial na imprensa do começo do século XX e nos meios de comunicação do começo do século XXI.
por
Rafaela Eid Lucio de Lima
|
30/06/2022 - 12h

Por Rafaela Eid Lucio de Lima

O começo do século XX foi marcado por doenças (febre amarela, tuberculose, peste bubônica, varíola), pela maioria da população negra nas ruas, ou ainda em condição de escravizada, já que a escravização acabava de ser abolida, em 1888, e pela necessidade de modernização após a Proclamação da República, em 1889.

O Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, foi símbolo do marco entre o Brasil “moderno” e o atrasado. A “modernização” brasileira, que nada tinha de moderna, pois continuaria propagando ideais racistas, classistas e burgueses, marcou também o começo do processo de higienização de brasileiros pobres e racializados, a fim de tornar o Rio atrativo para estrangeiros, sobretudo europeus. Na época, a cidade foi apelidada de “túmulo de estrangeiros”, segundo o texto Uma revolta popular contra a vacinação, por conta das doenças que assolavam a cidade.

Rodrigues Alves, presidente à época, foi o responsável por idealizar o projeto que propunha modernizar o Brasil e sua capital, ou seja, fazê-los parecer com a Europa. Segundo a entrevista, contida no texto Cinco dias de fúria: Revolta da Vacina envolveu muito mais do que insatisfação com a vacinação, dada pelo historiador Carlos Fidelis da Ponte do Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz: “O projeto de urbanização do governo começou a alargar as ruas da cidade, a exemplo do que tinha sido feito em Paris. Boa parte dos cortiços da região Central foram destruídos e a população pobre foi removida de suas moradias, dando início ao projeto de favelização”.

O projeto principal era de higienizar o Brasil, então investiu-se no embranquecimento racial por meio das ideias médico-sanitaristas divulgadas pela imprensa, além das páginas de jornais criminalizando corpos negros, e pelo estímulo da vinda de imigrantes da Europa.

Para complementar os dados, a socióloga Carla Cristina Garcia concedeu uma entrevista para melhor ilustrar o contexto da época. Carla é professora de História Contemporânea do Brasil no curso de Jornalismo da PUC-SP, doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP e autora de textos como: “Marielle, presente! Genocídio juvenil, feminismo e a vida dos negros e negras das favelas do Rio de Janeiro: a luta da vereadora brutalmente assassinada”; “Capitalismo e razão neoliberal: ódio colonial e extermínio de travestis e transexuais no Brasil”; “Entre inexistências e visibilidades: a agência sociopolítica de travestis e mulheres transexuais negras no Brasil”; entre outros. Em entrevista, Carla falou sobre a conjuntura social daquele período:

 

“Para a gente pensar no embranquecimento da população brasileira no final do século XIX e começo do século XX é preciso, em primeiro lugar, que a gente pense que o modo de produção escravista, no Brasil, foi o último a acabar nas Américas, em 1888. E não apenas por conta da força dos movimentos abolicionistas que havia no Brasil, mas também por força da economia capitalista, que vinha pedindo, digamos assim, a todos os países colonizados e ex-colônias que se adequassem ao novo Modo de Produção, quando ideias como a Eugenia vão nascer. Também vai ser nesse contexto que, dentro do Brasil, você começa a ter não apenas o embranquecimento da classe trabalhadora, pela substituição da mão de obra de pessoas escravizadas pela de trabalhadores estrangeiros, como também existia um movimento da elite intelectual brasileira de começar a pensar a identidade nacional, quem é o brasileiro, o que significa ser brasileiro. E, nesse sentido, você vai ter vários autores como Sílvio Romero, Nina Rodrigues, o próprio Euclides da Cunha, que vão começar a forjar uma ideia de raça degenerada, por causa da miscigenação, uma ideia que, nas últimas décadas do século XIX e das primeiras do século XX, vai ser denominada de racismo científico.”

 

A Eugenia seria, então, a teoria científica que encabeçaria todo esse movimento de higienização das cidades e sociedade brasileira e, consequentemente, da população. Os movimentos eugênicos começam a se formar a partir de 1910 no Brasil. Mas, se for feita uma análise de alguns anos antes dessa data, a Revolta da Vacina (1904), movimento que combatia, em suas raízes, o higienismo social e racial, pode ser identificada - o que denota que a Eugenia já estava em solo brasileiro antes de 1910. A Eugenia foi, portanto, “um movimento científico e social que foi iniciado por Francis Galton, no final do século 19. Como ciência, seu foco era o estudo da herança biológica de características físicas e não físicas dos seres humanos”, de acordo com o artigo História da Eugenia e Ensino da Genética.

Os jornais, nesse contexto, foram fundamentais para difundir o pensamento eugenista. Não bastava embranquecer a população fenotipicamente, era preciso embranquecer sua mente. Sendo assim, a violência simbólica foi indispensável para criar um ideal branco e um imaginário perfeito de uma população livre da negritude. Vale ressaltar que, por mais que os ideais eugenistas tenham chegado no Brasil apenas no século XX, o Brasil já era um país racista e racialmente dividido. A própria imprensa já expressava seu caráter racista ao ter veículos contra a abolição da escravatura, que não contestavam a escravidão, que veiculavam propagandas de compra e venda de escravos, além de anúncios de fugitivos, por exemplo.

A imprensa, com sua credibilidade, seu poder e sua visibilidade, influência e distribui saberes. Renato Kehl, médico farmacêutico e eugenista brasileiro, entendendo esses quesitos, usou-se da imprensa para difundir os ideais eugênicos na sociedade brasileira no início do século XX. Ele foi o responsável por criar, em 1929, o Boletim da Eugenia, jornal que tinha como objetivo influenciar pessoas importantes da época (médicos, intelectuais, políticos) e divulgar a eugenia falando sobre congressos, bibliografias, concursos e pesquisas, de acordo com o artigo História da Eugenia e Ensino da Genética. Kehl foi um dos responsáveis pela consolidação do movimento eugênico no Brasil entre 1910 e 1920. Mas, para além desse jornal criado somente para difundir a eugenia, a imprensa tradicional brasileira também ajudava e fazia parte desse movimento.

Os jornais mais importantes do país foram responsáveis por divulgar o discurso médico-sanitarista, que, segundo o artigo Por uma nação eugênica: higiene, raça e identidade nacional no movimento eugênico brasileiro dos anos 1910 e 1920, deriva da preocupação da elite brasileira com relação à mestiçagem, juntamente com o clima tropical brasileiro, que seria propício para o espalhamento de doenças, somado ao agravamento dos problemas sociais devido a industrialização dos principais centros urbanos do Brasil e a imigração trazendo um grande contingente de pessoas. Ou seja, “para muitos intelectuais brasileiros desse período, clima e raça eram acionados não apenas para explicar os dilemas raciais e os problemas sanitários, mas também para compreender a incapacidade do Brasil em organizar-se como uma nação moderna”. Sendo assim, livrar o Brasil dos seus problemas sanitários e daqueles que eram os responsáveis, para os eugenistas, de afundar o Brasil da degeneração racial e nos seus problemas sociais era fundamental. A ciência eugenista, então, passaria a mostrar que “se, até então, a mestiçagem e o clima eram vistos como as principais causas da degeneração racial, a ciência demonstrava, agora, que o atraso do país estaria relacionado às doenças e à falta de saneamento. De uma interpretação determinista sobre os problemas sociais, a ciência abriria caminho para uma interpretação médico-sanitarista”. Acreditava-se, segundo Carla, que:

 

“Por ser uma cultura miscigenada, era uma cultura degenerada. E, nesse sentido, você tinha duas saídas: miscigenar ainda mais para que o sangue negro sumisse ou que não houvesse mais miscigenação alguma, no sentido de você ter uma política de embranquecimento de médio a longo prazo que tornasse o brasileiro um povo com possibilidade de desenvolvimento. Então, a gente pode dizer que nas primeiras décadas do século XX a gente tem uma política de embranquecimento da população brasileira, uma tentativa de apagamento da herança escravista e colonial com a tentativa de invisibilização da população negra. Então, as ideias eugênicas e higienistas povoaram as políticas públicas, os livros e os intelectuais.”

 

Assim como nos livros e nas políticas públicas, nos principais jornais, tanto das maiores cidades, quanto do interior de Minas Gerais, por exemplo, como O Estado de Minas, A Gazeta, A Voz da Prata, Correio de Uberlândia e A Tribuna, entre 1930 e 1950, era possível identificar uma grande campanha com relação às práticas de higiene da população. Era possível identificar “a mobilização da imprensa e do rádio na promoção da educação sanitária em Minas Gerais seguia as diretrizes nacionais de saúde, sendo os meios de comunicação de massa amplamente utilizados enquanto meios de difundir os preceitos de higiene”, como colocado no artigo Discurso médico-sanitário e divulgação dos princípios higienistas na imprensa. As ditas “diretrizes nacionais de saúde” eram os ideais eugenistas da época. Nas suas páginas, os jornais mineiros publicaram notícias, palestras e textos que faziam menção à educação sanitária. No A Tribuna, era possível observar matérias que falavam dos cuidados com a higiene à profilaxia de doenças, tais como “Saneamento rural”, “A lepra e seu tratamento”, “Solução racional dos problemas sexuais”, “Campanha contra a tuberculose”, assim como algumas colunas específicas, como “Pela saúde pública”, publicadas entre 1933 e 1941. Também, nos artigos publicados na Divulgação Sanitária, coletânea de textos do Serviço de Propaganda e Educação Sanitária, “além de apresentar as inovações na medicina, como a introdução de remédios e métodos terapêuticos, os textos tratavam da profilaxia das enfermidades e questões ligadas à higiene, abordando assuntos diversos, tais como alimentação, puericultura, doenças sexualmente transmissíveis, alcoolismo, saúde do trabalhador, dentre outras. Os médicos sanitaristas procuraram difundir os valores higiênicos entre a população visando a transformação da sociedade por meio das ações de saúde e dos princípios higienistas da época. De acordo com esses princípios, a conservação da saúde estava ligada não somente a hábitos higiênicos, mas também a toda uma série de comportamentos. A medicina exercia uma função social importante, educando a população para evitar comportamentos perniciosos à saúde e vícios, tais como o alcoolismo. O saber médico adquiria cada vez mais uma função social para dar conta de uma sociedade em constante mutação e marcada por desajustes econômicos e sociais” - dados do artigo Imprensa, educação sanitária e interiorização do sanitarismo em Uberlândia.

Para além dos discursos médico-sanitaristas, que vinculavam a pobreza e a negritude à sujeira, os jornais da época reforçavam estereótipos classistas, psicofóbicos e, principalmente, racistas nas páginas de segurança pública:

 

“Nas matérias que não tratam exatamente de saúde, mas que tratam da segurança pública, toda essa ideia da vadiagem, do alcoolismo, da loucura, da saúde mental, vinculadas tanto com questões étnicas, quanto com questões de classe. Quando se pensa em higienismo, tem a ver com tornar o espaço público um lugar asséptico: sem pessoas pobres, sem pessoas negras, sem prostitutas, sem pessoas loucas. Você vai afastando da cidade toda e qualquer possibilidade de “desordem” porque a desordem está vinculada com saúde. A rua tem que ser o passeio do burguês, entendido como alguém branco e limpo. É toda uma política de comunicação, ciência e política pública que vai dando essa ideia de sociedade moderna”.

 

Criminalizar esses corpos era fundamental para mantê-los longe das cidades dos burgueses, que defendiam o higienismo social e racial. Na Revolta da Chibata (1910), os marinheiros se rebelaram contra o trabalho de longas horas, as torturas, a falta de direitos e “denunciavam, ao mesmo tempo, ainda que por vias indiretas, os abusos cometidos pelas elites contra as classes pobres”, trecho extraído do artigo Marinheiros em luta: a Revolta da Chibata e suas representações. Essa foi uma maneira encontrada para enfrentar os ideais da época, que criminalizavam pessoas negras e pobres. Jovens negros eram detidos nas ruas, dentro da Lei da Vadiagem, por estarem ociosos vagando pelas cidades e eram mandados para servir na Marinha. Vale lembrar que o contexto pós-escravidão era de pessoas negras ex-escravizadas sem trabalho, sem oportunidade, sem terra e sem moradia. Em contrapartida, a maioria do proletariado brasileiro, nesse contexto, era branca, já que houve o estímulo de trazer europeus para trabalharem no Brasil - como parte da “modernização” brasileira, pautada em ideais eugênicos. 

Nos jornais do Rio de Janeiro, especificamente O Paiz (1884-1910), Jornal do Brasil (1891-1910) e Correio da Manhã (1901-1910), foi possível observar, por meio da pesquisa de Mestrado O Pós-abolição no Rio de Janeiro: Representações do negro na imprensa (1888-1910), que, no contexto pós-abolição, as pessoas pretas eram retratadas “num alto grau de vulnerabilidade, sobretudo, nos cenários das crônicas policiais, o que podia consolidar um processo de sub-representação social”. Nesse sentido, os jornais contribuíram para a formação de estereótipos dessa população, já que introjetaram a necessidade da burguesia de manter a população negra como subalterna, mesmo depois da abolição da escravatura, feita sob interesses econômicos e políticos, nunca humanitários. A imprensa contribui, de fato, para a forma que a sociedade enxerga as pessoas negras e reflete as ideias que a sociedade tem dessa população - principalmente os pensamentos da classe dominante. Segundo João Paulo Barbosa, autor da tese acima: “Os meios de comunicação, como produtos da sociedade capitalista, reproduzem a sub-representação da população negra. Nas novelas, nos filmes, no jornalismo etc., o negro ainda é maciçamente subestimado em matéria de status social, trabalho e consumo”.

 

A ATUALIDADE DO PROBLEMA

Por mais que já tenha se passado muito tempo, o discurso e prática eugênicos ainda permeiam as estruturas da sociedade. Pessoas negras e pobres continuam sendo a maioria nas periferias, lugares afastados dos centros das cidades. O discurso do vagabundo, da pessoa que não trabalha, ou seja, que não é produtiva para o sistema capitalista é, ainda, uma realidade. Pessoas negras, em sua maioria pobres, são mortas todos os dias nas periferias, principalmente jovens negros. Segundo dados do Monitor da Violência, de 2020, 78% dos mortos pela polícia são negros. Ainda há, sim, um processo de apagamento da história negra, um projeto de extermínio da população negra brasileira. 

Nesse sentido, é preciso refletir sobre qual é o papel da imprensa nesse apagamento. A imprensa brasileira tradicional, como sempre, continua a ter maioria branca nas redações, além de reforçar estereótipos e contribuir, de certa forma, ainda hoje, com o discurso eugenista. Primeiramente, quando as pessoas negras são minoria nas redações, a história que é contada sobre o Brasil e sobre elas é relatada de forma embranquecida. De acordo com o estudo Perfil Racial da Imprensa Brasileira, 20,10% dos profissionais da imprensa se denominam pretos ou pardos, enquanto 77,60% veem a si mesmos como brancos. A imprensa sempre foi um lugar de maioria branca, o que demonstra o poder e a influência que as pessoas brancas têm dentro desse segmento e é determinante quando se reflete sobre o que é contado por ela.

Outro ponto importante a ser levado em consideração é que, mesmo depois de anos, os mesmos estereótipos que eram impostos às pessoas negras pela imprensa do início do século XX continuam sendo veiculados nos meios de comunicação deste início do século XXI. Segundo o artigo Negro(a)s na mídia brasileira: esteriótipos e discriminação ao longo da formação social brasileira, os estereótipos vinculados à população negra eram e são ainda neste século: “Dá-se visibilidade a uma imagem da maioria da população negra associando-a a estereótipos construídos no século XIX, tais como: a violência (como vítima ou, principalmente, como agressor), a falta de capacidade para reverter sua posição social de pobreza (pela inserção em ocupações precárias ou pela necessidade de acesso às políticas de assistência), a libido (colocando os homens como estupradores em potencial e as mulheres como objeto sexual) etc”.

Ainda no que diz respeito a essa problemática, soma-se ao problema a construção da imagem dessa população nos jornais policialescos, cujo alguns dos objetivos são: amedrontar a população, criar um inimigo comum, criminalizar corpos negros e instigar ideias racistas. “Se de um lado, há uma extrema exposição de uma imagem estereotipada de violência e de consequente criminalização da população negra, de outro, o que se observa de forma recorrente é uma constante invisibilidade de negro(a)s em posições que não sejam degradantes”, ainda de acordo com o artigo Negro(a)s na mídia brasileira: esteriótipos e discriminação ao longo da formação social brasileira, Antes, no início século XX, era preciso sempre reforçar a cor da pele para que os leitores entendessem que os personagens eram negros. Hoje, as imagens na televisão e nas redes sociais falam por elas mesmas. Nesse sentido, é construído o discurso punitivista e racista, além de criar justificativas para a guerra contra as drogas, o encarceramento em massa e a invasão das periferias brasileiras. 

Por mais que tenha se passado muito tempo, os mesmos ideais ainda são veiculados para manter no imaginário social a inferioridade de uma determinada raça (negra) e a superioridade de outra (branca).






 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

ABREU, Jean Luiz Neves. Discurso médico-sanitário e divulgação dos princípios higienistas na imprensa. Mariana-MG, 24 a 27 de jul. de 2012. Disponível em: <https://docplayer.com.br/53359169-Discurso-medico-sanitario-e-divulgacao-dos-principios-higienistas-na-imprensa.html>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

ABREU, Jean Luiz Neves. Imprensa, educação sanitária e interiorização do sanitarismo em Uberlândia. Revista de História Regional, Jul. 2013. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/271239306_Imprensa_educacao_sanitaria_e_interiorizacao_do_sanitarismo_em_Uberlandia_1938-50_PDF>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

BARBOSA, João Paulo. O PÓS-ABOLIÇÃO NO RIO DE JANEIRO: REPRESENTAÇÕES DO NEGRO NA IMPRENSA (1888-1910). Programa de Pós-graduação em História. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.unirio.br/cch/escoladehistoria/pos-graduacao/ppgh/dissertacao_joao-paulo-barbosa>.  Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

DANDARA, Luana. Cinco dias de fúria: Revolta da Vacina envolveu muito mais do que insatisfação com a vacinação. Portal Fiocruz, 09 de jun. de 2022.  Disponível em: <https://portal.fiocruz.br/noticia/cinco-dias-de-furia-revolta-da-vacina-envolveu-muito-mais-do-que-insatisfacao-com-vacinacao>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

PORTO, Mayla. UMA REVOLTA POPULAR CONTRA A VACINAÇÃO. Cienc. Cult. vol.55 no.1. São Paulo Jan./Mar 2003. Disponível em: <http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252003000100032>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

SANTANA, Bruna da Paixão. SILVA, Everton Melo da. ANGELIM, Yanne. Negro(a)s na mídia brasileira: estereótipos e discriminação ao longo da formação social brasileira. 

v. 22 n. 40 (2018): 130 anos da abolição - cativeiro acabou? Jun. de 2018.  Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/issue/vie>w/2346>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

SOUSA, Cláudio Barbosa de. Marinheiros em luta: a Revolta da Chibata e suas representações. 2012. 116 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufu.br/handle/123456789/12890#:~:text=O%20movimento%20ser%C3%A1%20aqui%20enfocado,tolhidos%20que%20eram%20na%20sua>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

SOUZA, Vanderlei Sebastião de. Por uma nação eugênica: higiene, raça e identidade nacional no movimento eugênico brasileiro dos anos 1910 e 1920. Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 146-166, jul-dez 2008. Disponível em: <https://www.sbhc.org.br/arquivo/download?ID_ARQUIVO=74>.  Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

TEIXEIRA, Izabel Mello. SILVA, Edson Pereira. História da eugenia e ensino de genética. Tópicos de História da Ciência, v.15 (2017). Disponível em: < https://revistas.pucsp.br/index.php/hcensino/article/view/28063#:~:text=Resumo&text=Eugenia%20pode%20ser%20definida%20como,n%C3%A3o%20f%C3%ADsicas%20dos%20seres%20humanos>. Acesso em: 20 de jun. de 2022.

 

Uma análise do agronegócio e o mito do projeto progressista moderno
por
Catharina Moriais
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29/06/2022 - 12h

Por Catharina Faria de Moraes

Durante muitos séculos no território demarcado atualmente como brasileiro, predominava uma visão espiritual sobre a conexão entre a natureza e o ser humano. Contudo, a partir de um processo de dominação territorial houveram imposições de novas crenças sobre o manuseio do solo do País.  Para compreendermos as atuais conjunturas do agronegócio brasileiro e as consequências que a agro-exportação, como uma das principais fontes econômicas, têm sob as circunstâncias brasileiras é necessário voltar no tempo para analisar como se chegou até a realidade enfrentada no momento. 

O pensamento social brasileiro já no século XVIII, em diversas produções textuais de autores desde José Bonifácio à Frei Vicente de Salvador e Joaquim Nabuco, demonstram uma percepção alarmante quanto ao problema ambiental no Brasil. O país foi fundado por um regime colonizador agrícola, monocultor e latifundiário, que estava inicialmente focado na exploração do pau Brasil. Em 1823, José Bonifácio escreveu um artigo em que atesta que caso o país não tomasse providências para preservação de suas florestas em menos de dois séculos, iria se transformar nos áridos desertos da Líbia. 

É importante observar que os problemas ambientais tiveram diferentes problemas ao longo dos diversos planos de governo que tivemos, já que com eles, tinham projetos de desenvolvimento econômico distintos. Porém, os conflitos quase sempre se estabelecem em torno da preservação ambiental e projetos desenvolvimentistas. 

Os problemas ambientais não são simplesmente dados. Os pensamentos ambientalistas críticos que surgiram desde cedo, ajudaram a construir nossas instituições políticas como órgãos, leis, etc. Elas não foram somente construções casuísticas de determinados governos, mas foram construídas e moldadas conforme foi se desenvolvendo uma percepção social dos impactos ambientais que existiam em ações cometidas por um setor agrícola desenfreado. 


Políticas públicas para “controle da situação”

Existem diversas maneiras de conceituar e formar o que se caracteriza como problema ambiental. Dois principais tipos de legislações ambientais tem como característica: as que dizem respeito aos princípios de proteção ambiental, definindo o que é a proteção; e aquelas que definem como será estruturado o sistema para controle e implementação dessa proteção. Dentro da nossa política ambiental existe uma concepção marcada, desde a década de 1930, de responsabilidade entre o Estado e a sociedade na proteção da natureza. 

Um dos marcos iniciais foi o código ambiental de 1934 (Decreto 23.793/34), feito no período do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que obrigava os donos de terras a manterem 25% da área de suas propriedades com a cobertura de mata original. Essa necessidade de proteção florestal além de ser traçada para as “demandas econômicas”, se transformou depois nas áreas de preservação permanente - APPs. O projeto de modernização da agricultura do país iniciou na década de 1950, com a agricultura intensiva. A Revolução Verde acompanhou um novo processo de práticas de cultivo que dependiam de produtos químicos agrícolas, agrotóxicos e fertilizantes. 

Mas foi a partir da década de 1960, principalmente no início do período ditatorial do governo militar em 1964, que foram elaborados planos de “modernização do campo”, moldando a produção de bens primários ao capital financeiro, diante dos interesses do mercado internacional. Essa reestruturação do campo foi por meio do plano Complexo Agroindustrial no Brasil (CAI) que incorporou tecnologias e mecanização industrial para a agricultura, criando assim uma interdependência entre elas. 

Esse modelo agroindustrial trouxe mudanças sociopolíticas para diversos grupos que dependiam do meio, além de econômicos. A ausência de políticas públicas em relação às reformas da estrutura fundiária e da regulamentação das condições de vida dos trabalhadores do campo, ajudam a compreender o impacto do efeito da modernização conservadora que aconteceu. A concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários foi mantida,criando assim uma grande quantidade de terras improdutivas, algo que pode se observar ainda hoje, e a disparidade de renda no campo aumentou. Essas foram as consequências de suprir as necessidades industriais e do aumento da exportação monocultural. 

Existiam políticas governamentais que ajudaram a formar a estrutura agrária. O Estado na ditadura militar foi o pilar para toda essa reforma, que priorizou os interesses dos grandes grupos econômicos e empresariais. É possível ver isso com as estratégias de incentivos fiscais, créditos subsidiados e programas como o Serviço Social Rural e o Estatuto da Terra. Deixando de lado planejamentos de uma reforma agrária, não houve auxílio com os problemas enfrentados pelos trabalhadores e pequenos e médios produtores do campo, fortalecendo então a desigualdade social. 

Durante todo o período da década de 1980 até os anos 2000, é possível observar que, marcado por duas crises cambiais, não houve medidas do governo de modificação fundiária. O agronegócio se consolida então, atualmente, como um modelo de acumulação de capital no campo, com um caráter predador e excludente. As exportações em pouco mais de uma década, de 1999 a 2012, quintuplicaram na produção de commodities. Destacando o aumento da produção, riqueza e novas tecnologias, o agronegócio se consolida a partir de um caráter produtivista. 

Esse fenômeno é considerado como uma “reprimarização” ou especialização primária. É um processo de desnacionalização do meio agrário onde o próprio meio rural está submetido a interesses de empresas transnacionais. Cada vez mais, tendo em vista que sua própria economia é baseada substancialmente na produção agroexportadora, o país depende da economia globalizada. 

Alan Azevedo, um ex-jornalista do Greenpeace Brasil que cobriu pautas socioambientais no Executivo, Judiciário, Congresso Nacional e realizou consultoria de comunicação para o Instituto Socioambiental junto ao povo indígena Yanomami, comentou sobre a organização da política para lidarem com as pautas ambientais afirmando que

 


Fertilizante e a guerra internacional

Uma das principais estratégias utilizadas para a superprodução de monoculturas é o uso intensivo de fertilizantes. Isso também criou uma dependência da produção nacional no mercado internacional. Tratando de fertilizantes, o Brasil é o quarto maior consumidor global, importando mais de 40 milhões de toneladas por ano, que corresponde a 85% do total utilizado no setor agrícola. Portanto, ao ano, segundo o relatório de outubro de 2021 na consultoria do COGO Inteligência em Agronegócio, o País gastou cerca de R$56 bilhões. No ano de 2021 o país bateu um novo recorde histórico, comprando 13% a mais do ano anterior e com um expressivo crescimento de quase 16 milhões de toneladas em apenas 6 anos. 

Mas para a desfortuna brasileira, um de seus principais fornecedores em 2022 entrou em guerra. O conflito da Rússia e da Ucrânia desestabilizou o mercado agrícola do país, já que, segundo a última edição do Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Rússia é responsável por 28% das importações brasileiras. Por conta disso, em meio também à crise global de fertilizantes, os preços dos alimentos podem ficar ainda mais altos, causando um desabastecimento e um crescimento na taxa da fome.

Surgiu então, diante disso, um plano, o Programa Nacional de Fertilizantes (PNF). Essa tentativa de desenvolver alternativas de fertilizantes, além do estrangeiro,  é um processo gradativo, contudo, ainda existem desafios com essa adaptação. Uma dos substitutos seriam os fertilizantes naturais, que geram um impacto menor para o meio ambiente e que são utilizados para a produção de alimentos orgânicos. Porém, o setor resiste a novas propostas que possam substituir os fertilizantes químicos. A fim de manter a estrutura fundiária ligada a projetos de capital internacional, o agronegócio prejudica também a imersão de substitutos naturais. Como um efeito dominó, a baixa na demanda por esses produtos aumentam seus preços e dificultam sua produção.

De acordo com Marcos Araújo, diretor comercial de uma empresa brasileira de fertilizante natural chamada PrimaSea, os fertilizantes naturais são fontes que precisam de pouco processamento, quando comparados aos complexos industriais das fontes minerais clássicas, para a sua exploração. A empresa que extrai algas mortas presente no litoral baiano chamada lithothamnium, compreende que existe uma vantagem na maior sustentabilidade aos sistemas de solo/planta, quando são utilizados produtos naturais, já que esses têm base em resíduos orgânicos e são ricos em minerais. Contudo, mesmo num processo simples de coleta, moeção e distribuição eles enfrentam um mercado tradicionalista com

“pouco apetite para inovação ou mudanças de hábitos.”

Considerando que há certo preconceito com produtos de origem natural, Araújo também reflete na dominação de grandes empresas de insumos que mantêm uma pressão no mercado e formam uma opinião contrária ao uso de produtos naturais.


 

Aprovação de agrotóxicos

O uso de agrotóxicos em alta escala, e dos mais variados tipos é fruto do agronegócio contemporâneo. Ao contrário dos fertilizantes, que servem para nutrir os solos, os agrotóxicos atuam como pesticidas agrícolas que afetam diretamente a saúde humana, além do meio ambiente. O Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo que, segundo a Embrapa, tem gastos que superam US$2,7 bilhões por ano. 

O mais assustador é que, mesmo tendo pesquisas como a da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, órgão do Ministério da Saúde), que relata casos de óbitos de intoxicação humana por agrotóxico a cada ano ou projetos como Programa de Vigilância da Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos da Unicamp que apresenta pesquisas de que cerca de 1,5 milhão de trabalhadores do campo que com contato prolongado com os agrotóxicos estão contaminados, o governo atual continua, em ritmo acelerado, aprovando diferentes tipos de veneno. Em 2019, foram liberados 239 tipos de agrotóxicos, sendo que 31% deles não são permitidos na União Européia. 


Conclusão

 

A reflexão da Suzana Pádua, que é doutora em educação ambiental e presidente do IPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas, mapeia o que vivemos atualmente. O Estado brasileiro, contra seu próprio bem estar, está se submetendo às demandas do mercado do agronegócio para assegurar as condições de crescimento econômico em escala global. Porém, de forma com que o meio ambiente fique totalmente negligenciado em prol do “desenvolvimento” e permaneça em constante risco. Não só pelo uso de toxinas ao plantar, que poluem as áreas superficiais e internas do solo, mas pela própria estrutura latifundiária  monocultural. 

A ideologia dominante é o modo de produção intensivo. Milton Santos mapeou o período atual como sendo um onde as mudanças econômicas podem ser atingidas a partir de manipulações ideológicas, antes mesmo que uma presença mais maciça do capital de produção ou comercial seja necessária. A super utilização dos recursos naturais e a distorção na destinação desses recursos são resultados de um desenvolvimento histórico do país em relação ao mundo.  

O agronegócio atingiu uma escala de produção tão grande que se tornou o principal regente da economia do país. Os problemas enfrentados no meio rural demonstram a necessidade de uma reorganização do seu próprio modelo, a partir de políticas públicas que ajudem a enfrentar os desafios ambientais que surgem nesse plano. O que não precisamos é de um órgão submisso às demandas de um negócio, que estimula esse sistema fadado à devastação.