Em São Paulo, a rotina de um motorista de aplicativo revela como o trabalho passou a ser guiado por notificações, cansaço digital e um cotidiano moldado pelo brilho constante do celular
por
Carolina Hernandez
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24/11/2025 - 12h

 

Por Carolina Hernandez 

O celular vibra antes que qualquer clarão toque os prédios da Mooca, e essa vibração curta, metálica e insistente desperta Jonas de um sono leve, como se fosse uma convocação, um chamado que não permite adiamentos. Ele estende a mão ainda no escuro, alcança o aparelho, observa a luz que se espalha pelo quarto e lê a notificação do aplicativo que já anuncia alta demanda, fluxo intenso, oportunidade. Nos últimos anos, aprendeu a acordar assim, preso ao brilho do celular antes mesmo de sentir o chão frio sob os pés. O trabalho começa na tela, e não na rua.

No carro, um sedan prata que carrega o desgaste dos dias longos, Jonas encaixa o celular no suporte. O gesto é tão automático que parece parte do ritual de ligar o motor, como se o carro só funcionasse plenamente depois que o aplicativo estivesse ativo. A tela mostra a cidade em azul e amarelo, um mapa vivo onde cada área fervilha com informações que determinam para onde ele deve ir, quanto irá ganhar, quanto tempo deve esperar. O aplicativo calcula rotas, horários, riscos e recompensas, e Jonas respira fundo antes de seguir, como quem aceita que o destino do dia será guiado por aquele retângulo luminoso.

A primeira corrida aparece em menos de quinze segundos. Ele aceita. O carro avança devagar pelas ruas que ainda não despertaram, e Jonas observa o céu sem forma, as luzes dos postes refletidas no capô, o reflexo da tela pressionando seus olhos desde a madrugada. Logo, o trânsito cresce, e a cidade parece surgir inteira de dentro dos celulares dos próprios motoristas, porque ninguém conduz apenas pelas ruas, todos conduzem pelos mapas, pelas notificações, pelas coordenadas enviadas de longe.

A dependência da tela dita o ritmo. Jonas percebe isso a cada minuto. Ignorar uma notificação pode significar perder corridas, perder pontos, perder visibilidade diante do algoritmo. Ele sabe que o sistema registra cada movimento, cada segundo parado, cada mudança de rota, cada hesitação. Uma espécie de patrão silencioso observa sua velocidade, suas notas, seus cancelamentos, suas escolhas. Não há voz, não há rosto, mas há controle. Ele comenta que antes achava que dirigia para pessoas, e hoje sente que dirige para um conjunto de cálculos invisíveis.

O cansaço começa sempre pelos olhos. A luz azulada se infiltra pelas pálpebras como um grão de areia persistente. Mesmo nos poucos minutos de pausa, ele sente o celular vibrar no bolso, chamando de volta, lembrando que há demandas próximas. A Pesquisa TIC Domicílios mostra que o celular tornou-se o principal dispositivo de acesso à internet para a maioria dos brasileiros, mas, para motoristas de aplicativo, é mais que isso, é ferramenta, ponte, segurança, salário e vigilância. Jonas passa mais tempo olhando para a tela do que para qualquer rosto durante o dia.

Os passageiros entram no carro sempre com pressa, sempre conectados a outra conversa que não está ali. Há estudantes que assistem aulas no banco traseiro, executivos que participam de reuniões por vídeo, mães que equilibram sacolas e chamadas, jovens que respondem mensagens durante trajetos de poucas quadras. O carro se transforma em cápsula de passagens breves, onde cada um leva sua própria tela, e Jonas conduz tantas luzes simultâneas que, às vezes, o interior do carro parece mais iluminado durante a noite do que durante o dia.

Ele já ouviu histórias que não estavam destinadas a ele, conversas que vazavam das telas para o espaço do carro, lágrimas silenciosas de quem lia mensagens difíceis, risadas altas de grupos que relembravam memórias por vídeos compartilhados. Jonas sempre percebe que as pessoas falam menos com ele e mais com seus celulares, que olham menos pela janela e mais para notificações. Nos raros momentos de silêncio, apenas as telas respiram, emitindo luzes diferentes em intervalos variados.

No fim da tarde, quando o corpo já pesa, o aplicativo avisa aumento de demanda. Jonas pensa em parar, mas o aviso insiste, promete ganhos extras, sinaliza movimento crescente. Ele encosta em um posto para comprar um café, tenta alongar as costas, tenta piscar devagar para aliviar a ardência nos olhos. O celular vibra antes da primeira golada. Ele volta para o volante. Recusar seria uma escolha, mas uma escolha com consequências. Descanso e trabalho, na lógica do aplicativo, nunca estão em equilíbrio.

A madrugada avança e a cidade se torna uma paisagem de luzes espaçadas, com corredores vazios e poucos ruídos. Jonas leva um jovem que saiu do trabalho no shopping, e o rapaz passa o trajeto inteiro olhando para o celular enquanto mensagens surgem em sequência. Jonas também observa o seu próprio aparelho, que marca a rota até o destino. O carro segue pelas avenidas escuras com apenas as duas telas iluminando o interior, criando um silêncio que parece suspenso no ar.

Quando chega em casa, Jonas desliga o carro, depois o aplicativo, e por fim o celular, que insiste em vibrar com atualizações e resumos do dia. A sala escura o acolhe em um silêncio que chega a parecer estranho, como se o mundo tivesse diminuído de volume. Ele se recosta no sofá e sente o peso acumulado do dia, não apenas o peso físico, mas o peso da luz constante, da atenção exigida, da vigilância permanente que o acompanha desde o amanhecer. O corpo quer descanso, mas a mente ainda repassa rotas, mensagens, barulhos de notificação que permanecem mesmo após a tela apagar.

Amanhã, muito antes de a luz do sol tocar a janela, o celular irá vibrar novamente, e Jonas atenderá, não por escolha, mas por necessidade. Ainda assim, enquanto respira profundamente, sente uma dúvida surgir devagar, como quem desperta de um sonho longo. Ele se pergunta se ainda guia o carro, se ainda conduz o trajeto, ou se apenas segue o ritmo imposto pela tela que nunca dorme. E essa pergunta, ele sabe, continuará voltando. Porque, na madrugada das grandes cidades, o trabalho e a vida estão cada vez mais presos ao mesmo brilho.

Com o avanço do sistema de pedágio eletrônico nas rodovias paulistas, motoristas vivem a combinação entre fluidez no trânsito e incertezas sobre tarifas, prazos e adaptação ao novo modelo.
por
Inaiá Misnerovicz
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25/11/2025 - 12h

Por Inaiá Misnerovicz

 

Dirigir pelas rodovias da Grande São Paulo já não é mais como antes. Com a chegada do sistema free-flow - o pedágio eletrônico sem cancelas -, muitos motoristas sentem que atravessam uma fronteira invisível: não há mais a cancela para frear o carro, mas também não há a certeza imediata de quanto vão pagar. Para Jerônimo, motorista de carro, morador da zona leste de São Paulo que faz quase todos os dias o trajeto até Guararema a trabalho, essa sensação de fluxo e incerteza convive em cada viagem.

Antes da implantação do free-flow, Jerônimo parava em praças de pedágio, esperava, conferia o valor, calculava se valia a pena seguir por um trecho ou desviar. Hoje, ao cruzar os pórticos da Via Dutra ou de outras rodovias, ele simplesmente segue adiante. Só depois, no no aplicativo, descobre quanto foi cobrado, isso quando ele lembra de conferir a fatura. Para quem tem TAG, o débito cai automaticamente, mas para quem não tem, o sistema registra a placa e envia a cobrança que deve ser paga em até 30 dias, sob pena de multa, como prevê a regulamentação da CCR RioSP.

Esse modelo evita paradas e acelera o tráfego, especialmente nas pistas expressas. Segundo a concessionária Motiva/RioSP, quem trafega pelas marginais da Via Dutra (sem acessar a via expressa) não é tarifado. Mas Jerônimo ressalta que essa economia de tempo nem sempre vem acompanhada de previsibilidade de custo: “só sabendo depois quanto foi cobrado, ainda dependo de consultar o site para ver se registrou todas as passagens”, ele diz. A tarifa depende do horário e do dia da semana, pode variar, e para quem usa TAG há desconto de 5%. 

Para tornar essa transição mais suave, a RioSP intensificou ações de orientação nas margens da rodovia e em pontos públicos de Guarulhos. Na capital, promotores usam realidade virtual para explicar como os pórticos funcionam, há vídeos e atendimentos nos postos de serviço. Mais de 500 pessoas já participaram de eventos para esclarecer dúvidas sobre o funcionamento, formas de pagamento e salto entre pistas expressas e marginais.

As novas tarifas também entraram em vigor recentemente: desde 1º de setembro de 2025, os valores para veículos leves nas praças da Via Dutra foram reajustados pela ANTT, e nos pórticos do free-flow os preços também foram atualizados. No caso das rodovias geridas pela Concessionária Novo Litoral - especificamente a SP-088 (Mogi-Dutra), SP-098 (Mogi-Bertioga) e SP-055 (Padre Manoel da Nóbrega) - os valores por pórtico variam de R$ 0,57 a R$ 6,95 para veículos de passeio, dependendo do trecho.

Essa lógica de cobrança por trecho, sem a presença física de praças, exige do motorista algo além de atenção na pista: exige educação para se entender onde entrou, onde passou e quanto isso custou. Para Jerônimo, isso é mais difícil do que simplesmente parar e pagar. Ele admite que, apesar da melhoria no fluxo, teme que algum pórtico não tenha sido registrado, ou que haja diferença entre o que ele acredita ter passado e o que vai aparecer na fatura.

Além disso, há risco real para quem não paga no prazo. A CCR RioSP adverte que a não quitação da tarifa em até 30 dias configura evasão de pedágio, o que pode gerar infração de trânsito, multa fixada e até pontos na carteira. Para muitos, essa penalidade ainda parece pesada diante da novidade e da complexidade do sistema.

Por outro lado, o free-flow traz ganhos concretos para a mobilidade: ao eliminar paradas bruscas nas praças, reduz o risco de acidentes por frenagem repentina e melhora o desempenho das rodovias. A tecnologia permite modernizar a gestão do tráfego, e os pórticos com sensores garantem identificação precisa por TAG ou leitura de placa. Ainda assim, a transformação não se resume à pista. Ela repercute no cotidiano de quem vive dessa estrada, como Jerônimo, e também na forma como a concessionária se relaciona com os motoristas. A campanha de orientação mostra que há consciência de que nem todos se adaptarão imediatamente. As ações de atendimento por WhatsApp, aplicativo, site, totens e até no posto de serviço reforçam a aposta na transparência. 

Há também a perspectiva de que esse modelo se torne cada vez mais comum. Segundo planejamento de concessões futuras, mais pórticos free-flow poderão ser instalados nas rodovias paulistas até 2030, o que tornaria esse tipo de cobrança mais frequente para usuários regulares da malha estadual. Mas para que ele seja efetivamente equitativo, será preciso manter a educação viária, oferecer canais de pagamento amplos e garantir que os motoristas não sejam penalizados por simples falhas de entendimento.

Para Jerônimo, a estrada continua sendo um espaço de tensão e de liberdade. Ele ganha tempo, mas precisa vigiar sua fatura. Ele cruza Guararema, volta para São Paulo, e vive uma experiência nova: a de rodar e pagar depois, sem parar, mas sempre com a incerteza de que quanto passou pode não ser exatamente quanto será cobrado. A cancela desapareceu, mas o pedágio segue presente, só que disfarçado em números, e não em uma barreira física. 

Colunista Marcelo Leite revela que a área perde cada vez mais influência no país
por
Giovanna Britto
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24/11/2025 - 12h

 

Durante a pandemia de Covid-19, o Brasil se reinventou em assuntos a respeito de hábitos higiênicos, debates sobre saúde mental e destacou a importância do jornalismo científico, área  responsável por comunicar à população a respeito das vacinas, o avanço ao combate do vírus e outros assuntos de saúde pública. Entretanto, três anos após o fim do estado emergencial causado pela pandemia, a falta de adesão do público à ciência tem ameaçado o trabalho dos jornalistas desse segmento.

Entre 2020 e 2022, os profissionais da mídia foram expostos ao desafio de comunicar a incerteza científica, traduzir termos e conscientizar a sociedade sobre a pandemia. Muitos jornalistas já eram especializados na área, outros aprenderam a falar sobre ciência devido a alta demanda de notícias para divulgar. A pandemia serviu como ponto de virada para o jornalismo científico - que já existia no Brasil, mas ganhou repercussão graças à necessidade de dar foco ao assunto que ditou o estilo de vida de um mundo inteiro.

Nomes como Atila Iamarino, Natália Pasternak e Álvaro Pereira Júnior se destacaram como grandes vozes da divulgação do jornalismo de ciência. Em entrevista à AGEMT, Marcelo Leite, jornalista e colunista da Folha de São Paulo especializado na área de ciência e ambiente, comenta sobre esse período: “Nunca se valorizou tanto do ponto de vista de espaço, de tempo, de audiência, a divulgação de informações científicas de base para entender o que estava acontecendo.” Hoje, o espaço de fala e a repercussão em temas científicos são menores, uma vez que as pessoas estão cada vez menos interessadas em saber de que forma isso implica em suas vidas pessoais.

Jornalista Marcelo Leite posando para câmera
Formado em jornalismo pela USP, Marcelo também atuou na Revista Piauí e é autor do livro “Psiconautas: Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira”. Foto: Divulgação/Unicamp.

 

Marcelo relembra que o jornalismo científico já sofria com ameaças à sua credibilidade, com falsos especialistas, médicos sem conduta ética e  com o presidente da época, Jair Bolsonaro, reproduzindo falas que levantavam mais dúvidas e ondas de ódio. “Foi um período terrível, e talvez a parte principal, que me deixa mais frustrado, é que o público se dividiu em dois. Uma parte passou  a desconsiderar as informações que a gente, do jornalismo científico, se esforçava por apresentar como informações objetivas, fundadas em dados, com a qualidade que se espera da ciência ", completa.

Na fase posterior à pandemia, após o declarado fim do período emergencial do coronavírus em 5 de maio de 2023, foi possível observar as consequências e heranças que a abundância de informações equivocadas, negacionistas e falsas deixaram na rede de informação, seja online ou offline. Os movimentos anti vacinas, impulsionados durante o Covid, emitiram um alerta para a Organização Mundial de Saúde. Dados divulgados pelo jornal Humanista da UFRGS evidenciam que a cobertura de vacinas contra poliomielite, HPV e sarampo estão em constante queda e sequer atingem a meta em lugares como Norte e Nordeste. 

No anuário de Vacinas de 2025 da Unicef, os dados indicam que até 14 de julho de 2025, a cobertura vacinal dos grupos prioritários permanecia abaixo da meta de 90%: crianças de seis meses a seis anos com 39,5%, idosos com 53,2% e gestantes com 29,8%, correspondendo a menos da metade do público-alvo.

A questão ambiental também é desconsiderada por muitas pessoas. Marcelo afirma que há muitos temas pelos quais o jornalismo científico lutou pelo progresso e que atualmente são banalizados. “se houve alguma dúvida no passado, há 20, 30 anos atrás, hoje não há mais nenhuma dúvida sobre os impactos que estão vindo e virão da mudança climática, cada vez mais sérios. Mas ainda tem gente que questiona.”

Recentemente, casos de metanol que alertaram a população em outubro deste ano, trouxeram uma onda de informações falsas que prejudicaram profissionais da área jornalística e médica, motivando o pronunciamento deles a respeito. Vídeos tentando realizar testes caseiros para identificar a presença da substância nas bebidas, sem comprovação científica, viralizaram nas redes sociais.

Essa situação se assemelha com as polêmicas envolvendo o uso da cloroquina na pandemia. Um levantamento realizado por pesquisadores do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP (Cepedisa) em colaboração com a Conectas Direitos Humanos, mostra que, entre março de 2020 e janeiro de 2021 houve pelo menos quatro medidas federais promovendo diretamente ou facilitando a prescrição do medicamento. Jair Bolsonaro foi um dos maiores promotores da cloroquina na época e quem motivou o uso para a população. Apesar de ter sido associada no combate ao Covid, a cloroquina é um medicamento que atua contra doenças inflamatórias crônicas e no combate a parasitas e cuja eficácia de uso para o coronavírus não é comprovada.

O estudo que deu início a essa ideia foi inicialmente publicado na revista científica International Journal of Antimicrobial Agents e assinado por mais de 10 profissionais. Hoje, a editora da revista, Elsevier, anunciou a retratação deste artigo após uma pesquisa aprofundada, com o apoio de um “especialista imparcial que atua como consultor independente em ética editorial”.

Os profissionais continuam exercendo seu trabalho com excelência, alguns optando pela mídia tradicional, outros inovando nas redes através de vídeos curtos. Mas é inegável a forma com que o jornalismo científico perdeu a influência e como falta apoio em todas as áreas. “É muito triste, porque eu dediquei minha vida inteira ao jornalismo científico, para ver isso acontecer no fim da minha carreira” conclui o jornalista.

Após sete anos, evento volta ao calendário impulsionado pelo avanço dos carros eletrificados
por
Fábio Pinheiro
Vítor Nhoatto
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22/11/2025 - 12h

O Salão Internacional do Automóvel de São Paulo, um dos eventos mais tradicionais do setor automotivo brasileiro, está de volta após um hiato de sete anos. A edição de 2025 acontece entre os dias 22 e 30 de novembro, em um contexto de profundas transformações na indústria e impulsionada pela expansão de veículos eletrificados, entrada de novas marcas no país e a necessidade das montadoras de reconectar consumidores às experiências presenciais.

De acordo com a RX Eventos, organizadora da mostra bienal, a volta acontece em razão da reestruturação e aquecimento do mercado. A última edição havia sido realizada em 2018 e contou com cerca de 740 mil visitantes, mas devido a pandemia de COVID-19 o Salão de 2020 foi cancelado. Nos anos seguintes, a volta do evento ficou só na especulação. Segundo a Associação Nacional de Fabricantes Automotores (Anfavea), a pausa também pode ser atribuída à crise de matéria-prima, à retração econômica deste então e ao formato caro para as montadoras que estavam distantes do público.

Embora as duas últimas edições tenham sido no São Paulo Expo, esta acontece no Complexo do Anhembi, casa oficial do evento desde 1970. A mudança foi celebrada por expositores e pelo público, já que o Anhembi permite maior fluxo de visitantes, oferece áreas amplas para test-drive e atividades externas, recuperando a identidade histórica do salão. O retorno também faz parte da estratégia de reposicionar o evento como uma grande vitrine de experiências automotivas, com pistas, ativações e zonas imersivas distribuídas pelo pavilhão.

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Renault anuncia o seu novo carro “Niagara” - Foto: Fábio Pinheiro

Entre as montadoras que vão expor, estão nomes de peso que apostam na ocasião para apresentar novidades ao consumidor brasileiro. A BYD leva ao Salão uma linha reforçada de elétricos e híbridos, aproveitando o crescimento expressivo da marca no Brasil, além de lançar no evento a marca de luxo do grupo, Denza. A rival chinesa GWM também estará presente, com o facelift do SUV H6, o jipe Tank 700 e a minivam Wey 09.

Em relação às marcas tradicionais, a Stellantis vai em peso para o Anhembi. A Fiat, apesar de não ter apresentado nenhum modelo novo, trará o Abarth 600, um SUV elétrico esportivo. A Peugeot terá os 208 e 2008 eletrificados e, principalmente, o lançamento da nova geração do 3008 para o mercado nacional, equipado com o tradicional motor THP. 

Enquanto isso, a Toyota investe na divulgação de novidades híbridas flex, com a chegada do Yaris Cross para brigar com o recém-lançado HR-V, e os líderes Hyundai Creta e Chevrolet Tracker. Juntas, as marcas representam parte do movimento de transformação do mercado brasileiro, que tem apostado cada vez mais na eletrificação e em tecnologias avançadas para rivalizar com a expansão chinesa.

O Salão 2025 também será palco de novas marcas como a Leapmotor, parte do grupo Stellantis. O SUV C10 será o primeiro modelo a chegar às ruas, ainda neste ano, e conta com a versão elétrica (R$189.990) e com extensor de autonomia (R$199.990). O segundo modelo será e o C-SUV elétrico B10, por R$172.990, 60 mil a menos que o rival BYD Yuan Plus, e mais recheado de tecnologia, como teto panorâmico, nível 2 de condução semi autônoma, câmera de monitoramento do motorista e airbag central.

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Presidente da Stellantis para a América do Sul, Herlander Zola, anunciou os planos para o grupo - Foto: Stellantis / Divulgação

Já a britânica MG Motor, propriedade da chinesa SAIC, investirá em esportividade elétrica, além de custo-benefício. O modelo de maior volume de vendas deve ser o SUV S5, rival de Yaun Plus, e igualmente equipado ao B10. Em seguida, o MG 4 chega para rivalizar com Golf GTI e Corolla GR, com mais de 400 cavalos, tração integral, pacote de ADAS completo, e pela metade do preço dos rivais. Por fim, o Roadster será o chamariz de atenção no estande, com portas de lamborghini e em homenagem à tradição da marca. 

O grupo CAOA também fará a estreia da nova marca que trará ao Brasil a Changan, com a chegada prevista para 2026 com os modelos de super-luxo elétricos Avatr 11 e 12, além do SUV UNI-T, rival do Compass e Corolla Cross. 

O pavilhão do Anhembi contará com pistas de test-drive, áreas dedicadas a modelos clássicos como o McLaren de Senna, e até mesmo uma área do CARDE Museu. No Dream Lounge estarão presentes super carros como Ferrari e Lamborghini, além da Racing Game Zone para os amantes de videogame e simuladores de corrida. 

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Área externa do Anhembi terá pista de slalom, frenagem e test-drive de dezenas de modelos - Foto: Salão do Automóvel / Divulgação

Apesar da ausência de marcas como Chevrolet, Ford, Mercedes, Volvo e Volkswagen, 2520 montadoras estarão presentes, incluindo Chery, Hyundai, Mitsubishi e Renault. O Salão espera receber cerca de 700 mil visitantes e a edição 2027 já está confirmada. Os ingressos custam a partir de R$63 (meia-entrada) nos dias de semana.

Projeto aprovado pelo Congresso libera R$ 22 milhões do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
por
Helena Barra
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17/11/2025 - 12h

Por Helena Barra

 

No dia 4 de agosto de 2025, o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou o Projeto de Lei 847/2025. O plano, aprovado pelo Congresso brasileiro, regulamenta o uso dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), liberando o valor de R$ 22 bilhões para investimentos nas áreas da ciência e tecnologia.  O FNDCT é o principal instrumento de financiamento público da ciência, tecnologia e inovação no Brasil. Ele apoia pesquisas científicas, a formação de recursos humanos qualificados, a inovação tecnológica nas empresas, a infraestrutura de pesquisa e o desenvolvimento de projetos estratégicos nacionais.

A professora de economia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Norma Cristina Brasil Casseb, explica que fundos como o FNDCT possuem legislação própria. No caso do FNDCT, segundo dados da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), os recursos são provenientes de diversas fontes. A composição deles evidencia o importante papel do Estado tanto no direcionamento de incentivos diretos do orçamento público e do tesouro, quanto na garantia de que parte dos lucros obtidos pelas empresas do setor detentor e gerador de tecnologia retorne para a sociedade e permita que ela se desenvolva de forma mais igualitária.

Nas redes sociais, o presidente Lula, afirmou que a medida visa fortalecer a base industrial brasileira. “Com essa medida, vamos fortalecer a inovação nas seis missões da Nova Indústria Brasil e nas Instituições Científicas e Tecnológicas, levando infraestrutura, redes de pesquisa e oportunidades para todos os territórios do país. Investir em pesquisa e inovação é investir no futuro do Brasil”, comentou na divulgação.  Além disso, o projeto também tem como objetivo estimular o emprego qualificado em pesquisa e desenvolvimento, de maneira a ampliar o número de doutores em empresas, startups, parques tecnológicos e instituições de ensino. 

Para Norma Casseb, em um país como o Brasil, com alta desigualdade social e elevada concentração de renda, a liberação deste recurso é importante, não só para a sociedade, mas como para a economia nacional. “Neste contexto, o investimento em tecnologia e inovação, combinado a uma estratégia voltada para a industrialização do país, tem uma alta capacidade de geração de empregos de qualidade especialmente no setor produtivo, permitindo elevação na renda da população e, por consequência, maior expansão econômica”, informa a doutoranda. 

Segundo a Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), representante das instituições financeiras de fomento habilitadas a operar os recursos do fundo, a nova lei marca uma mudança de postura em relação ao uso dos fundos públicos voltados à inovação. Ao garantir previsibilidade e autonomia na aplicação dos recursos, o Brasil se alinha a boas práticas internacionais de apoio à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico. 

Em entrevista à Agência Brasil, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou que, apesar de o FNDCT ter sido criado em 1969, o fundo ganhou maior relevância nos governos do presidente Lula, inclusive no atual mandato. De acordo com o governo, nos últimos dois anos, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação por meio do FNDCT aumentaram seis vezes. Saíram de R$ 2 bilhões, em 2021, para R$ 12 bilhões, em 2024. A previsão para 2025 é de cerca de R$ 14 bilhões.

A professora também reforça que o investimento em ciência e tecnologia é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Eles permitem adicionar valor agregado aos produtos brasileiros, além de elevar a produtividade e a competitividade da economia nacional, permitindo que sejam cada vez mais competitivos no comércio internacional.  Além disso, investimentos como o FNDCT podem tornar o País mais que um exportador de produtos de maior valor agregado, mas também um exportador de tecnologia para outros países, que muitas das vezes não possuem capacidade financeira ou de infraestrutura para desenvolverem suas próprias tecnologias.


 

 





 

A falta do compromisso com a ética dos profissionais da saúde e os prejuízos sociais e políticos nos indivíduos
por
Patrícia Mamede
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27/09/2022 - 12h

Por Patrícia Almeida Mamede

‘’Boneca. Eu costumava brincar de boneca.  E casinha, também brincava de casinha’’. Maria Neuza, uma senhora beirando os noventa anos, se lembra bem das brincadeiras de menina. Maria, apesar da memória gasta pela idade, não hesita em responder às perguntas relacionadas à sua infância, como quais eram os brinquedos que seus parentes costumavam lhe dar em aniversários ou natais, ‘’muita boneca, muita coisa de casa e muita roupa’’. Além de brincadeiras, Neuza se recorda de algumas frases que costumava ouvir como, ‘’seja educada’’ e ‘’fica quieta, menina!’’.

Para essa senhora, ser mulher é ‘’ser carinhosa, prestativa, amar seus familiares e ter opinião própria’’, enquanto ser homem equivale a ser ‘’trabalhador, carinhoso e um bom amigo’’. Mesmo pontuando essa disparidade entre os sexos, Maria concorda com a afirmação de que não existem diferenças cerebrais entre homem e mulher. Ou seja, ela concorda que a ideia de um cérebro masculino e um cérebro feminino é um mito.

Uma matéria publicada pela BBC em julho de 2021 afirma o seguinte, ‘’ A ideia de que as mulheres eram intelectualmente inferiores aos homens era considerada um fato há vários séculos. A ciência tentou por muito tempo encontrar as diferenças subjacentes a essa suposição. Aos poucos, vários estudos foram contestando muitas dessas diferenças propostas e, ainda assim, nosso mundo continua teimosamente marcado por esse viés’’.

A Neurogenderings é uma rede formada por mulheres pesquisadoras das mais variadas áreas, atuando em diferentes países, que se intitulam enquanto ‘’neurofeministas’’. Essas mulheres buscam discutir as relações entre sexo, gênero e cérebro, juntamente às relações entre feminismo e ciência. A rede tem como principal objetivo examinar, através de uma perspectiva crítica, a produção do conhecimento neurocientífico, visando combater o que chamam de ‘’neurossexismo’’ (estereótipos em relação à feminilidade e masculinidade que estão presentes em grande parte da produção neurocientífica). A rede defende o fazer ciência por mulheres, justamente por acreditar que nenhum conhecimento pode ser desvinculado do contexto social, tempo e lugar em que foi produzido. Segundo essas mulheres, não há ciência apolítica. Donna Haeaway, uma das mulheres que compõe a rede, diz que ‘’a ciência feminista, portanto, é uma ciência que possui um posicionamento crítico’’.

A produção de artigos e estudos encarregados a esclarecer as mentiras perpetradas por milênios de que exista um cérebro masculino e um cérebro feminino é escassa não só no Brasil, mas globalmente. A premissa de que mulheres eram inferiores foi sustentada ao longo dos anos através da ideia do ‘’essencialismo’’, que defende a ideia de que exista uma essência em ambos os sexos, cuja estrutura e funções cerebrais são fixas e inatas. Apesar de vários estudiosos terem erradicado tal possibilidade através de pesquisas acadêmicas da então nova ciência, o assunto não parece se dar por encerrado até os dias de hoje. Tanto dentro da neurociência, como no pensamento de massa do senso comum, a ideia do ‘’essencialismo’’ permeia disseminada na sociedade, inclusive nos artigos e no seio maior da neurociência. Mas por que o consenso neste assunto parece ser tão difícil de se estabelecer?

 

Século XIX

No século dezenove, com o movimento feminista em ascensão, os cientistas, assim como os demais profissionais das mais variadas áreas de atuação, trabalharam para reforçar os estereótipos que reforçavam a noção de inferioridade da mulher. A premissa do essencialismo ignora o fato de o gênero ser um conceito antropoceno, ou seja, socialmente construído.

Gerda Lerner, uma historiadora que dedicou vinte e cinco anos para estudar a origem da opressão das mulheres escreveu em seu livro A Criação do Patriarcado, "quero enfatizar que a minha aceitação de uma ‘explicação biológica’ só é aplicável aos primeiros estágios do desenvolvimento humano e não significa que a divisão sexual do trabalho ocorrida depois, com base na maternidade, seja ’natural’. Pelo contrário, mostrarei que a dominância masculina é um fenômeno histórico porque surgiu de um fato biologicamente determinado e tornou-se uma estrutura criada e reforçada em termos culturais ao longo do tempo’’, descreve.

Cecilia Carter, uma brasileira que atualmente mora na Inglaterra, agora aposentada, foi professora de alunos do jardim da infância e fez uma observação a respeito do que envolvia ser um homem e ser uma mulher, ‘’ai que tá, na verdade, pensando bem, eu acho que é tudo a mesma coisa. É o ser humano, eu vejo assim. Acho que são as pessoas que colocam em caixinhas’’. No entanto, ela acrescenta, ‘’acho que todos nós temos um lado feminino e um lado masculino’’.

As pesquisas neurocientíficas costumam usar a mesma linguagem que Cecília quando dizem respeito às características femininas e masculinas. Um estudo levantado pela Universidade de São Paulo (USP), realizado pelo departamento de Ginecologia e Obstétrica fez a seguinte afirmação, ‘’A. APO é rica em aromatase e em receptores dos esteroides sexuais, possibilitando assim a conversão da testosterona em estrogênio, sendo este crucial para o processo de masculinização do cérebro masculino. No cérebro masculino, o estrogênio promove a desfeminização, o que leva à supressão das funções cerebrais femininas no homem, induzindo-o a assumir atitudes e exercer funções tipicamente masculinas’’. O estudo, no entanto, parece ignorar que tais características são desenvolvidas através da cultura, tendo impacto nos primeiros anos de vida do indivíduo.

Ao perguntar às pessoas - em sua grande maioria, estudantes - quais características elas entendiam enquanto femininas, obteve-se respostas como, ‘’vaidade, falar de forma delicada, gostar de nenês’’, ‘’sensibilidade’’, ‘’características delicadas’’. Para características masculinas teve-se outro polo, ‘’seco, reto, frígido, instável’’, ‘’sentar de pernas abertas’’ e ‘’agressividade’’. De trezentas pessoas, 32 acreditam que essas características não são inatas, 5 creditam que são inatas e o restante não respondeu.

Nota-se, segundo o que dizem as feministas da rede Neurogendering  há uma importância em estabelecer uma relação interdisciplinar para que se possa estudar de maneira ética e crítica o que, de fato, são características femininas e masculinas e como por que são separadas assim. Muitas mulheres feministas que estudam o gênero enquanto um conceito socialmente construído explicam que tais características, na verdade, são desenvolvidas através do processo de socialização e educação que cada sexo irá desenvolver nos dos primeiros estágios da infância.

Gênero

Apesar dos estudos e debates sobre a questão de gênero estarem sendo cada vez mais discutidos dentro da academia e pautados em assuntos políticos, o conceito de ‘’gênero’’ em si, ainda é colocado enquanto uma característica inata e imutável, e que, apesar de significar um grande passo – principalmente em relação à luta da libertação das mulheres – a discussão permanece supérflua segundo algumas mulheres que se posicionam enquanto críticas de gênero.

Kelly Cristina, uma jovem de 24 anos, crítica de gênero e feminista diz que suas brincadeiras quando criança não eram diferentes das brincadeiras de Neuza, por exemplo, ‘’minha mãe sempre brincou comigo de boneca e de casinha dentro de casa’’, recorda Kelly. Cristina também fala a respeito dos brinquedos que costumava ganhar, ‘’ boneca, casa de boneca, vassoura... apenas brinquedos socialmente ditos para meninas, que socializam e influenciam a ideia de que a mulher cuida da casa’’.

Curiosamente, a disparidade de gerações entre Neuza, Carter e Kelly não parece ter erradicado a ideia de que pessoas do sexo feminino ganhassem certos tipos de brinquedos como bonecas ou apetrechos de casa. Diversas mulheres feministas, mais conhecidas enquanto feministas materialistas, estão produzindo conhecimento enquanto críticas do modelo de gênero. A ideia predominante dessas mulheres é mostrar como o processo de socialização do indivíduo – tendo influência nos primeiros anos de vida na formação dos indivíduos – impacta decisivamente na construção da psique na vida adulta, moldando homens para dominância e mulheres para a subserviência.

No livro O Complexo de Cinderela, Colette Dowling irá abordar o conceito do medo inconsciente da independência nas mulheres enquanto um fenômeno sociocultural que será desencadeado pelo processo de uma educação superprotetora cujas pessoas do sexo feminino receberão de forma diferente das pessoas do sexo masculino. ‘’A menina passiva nos três primeiros anos de vida seguramente (ou quase) persistirá sendo passiva no início da adolescência; da mesma forma, pode esperar da adolescente passiva um comportamento dependente de seus pais também quando atingir a vida adulta’’.

Kelly, enquanto crítica de gênero, relata sua visão a respeito do processo de socialização enquanto uma violência, ‘’a socialização naturaliza violências. Ensina mulheres a ficarem quietas e caladas, e depois culpabilizam elas pela violência que sofrem por permanecerem em silêncio. Sem contar nos apetrechos físicos da feminilidade como; unhas grandes, salto alto, roupas sempre muito coladas que impossibilitam mulheres de se defender da violência, colocando-nos enquanto indefesas e frágeis. Tenho 25 anos e mesmo entendendo e tendo consciência que posso ser mais do que aquilo que me ensinaram, ainda sinto a socialização quando tenho medo de ocupar espaços e falar por mim mesma, já que cresci aprendendo que lugar de mulher é em casa, quieta e calada, na posição de servir".

A ideia de tentar atribuir determinadas características enquanto masculinas ou femininas enquanto algo inato tem trazido complicações sociais, políticas e no âmbito da saúde tanto para mulheres quanto para as crianças que sofrem com disforia de gênero. Devido a uma escassa produção de conhecimento a respeito do gênero, crianças com disforia estão sendo incentivadas a tomar hormônios e fazer cirurgias com a finalidade de transacionar de gênero.

Psicólogos, a indústria farmacêutica e a indústria cirúrgica, sem compromisso com a ética, têm tratado o gênero enquanto um fenômeno essencialista, o que tem prejudicado a vida de inúmeras pessoas que sofrem com a disforia de gênero de maneira permanente e sem obter um resultado benéfico e sem promessa de erradicar com os problemas psicológicos que essas pessoas vêm sofrendo.

Nos Estados Unidos há uma grande porcentagem de pessoas que começaram o tratamento com hormônios e não conseguiram se libertar dos problemas que costumavam se queixar. Cari Stella, uma mulher de 22 anos, começou a tomar hormônios aos 17 anos e começou o processo de destransição recentemente. Cari postou um vídeo em uma de suas redes sociais relatando o processo, ‘’a transição não é o único caminho nem o melhor caminho para tratar a disforia de gênero’’.

Stella relata que decidiu parar de tomar hormônios como testosterona por razões de saúde mental, ‘’é muito difícil descobrir que o tratamento que te disseram que iria te ajudar na verdade deixou sua saúde mental ainda pior’’.

Chloe Cole, mulher de 18 anos, conta que iniciou sua transição aos 15, ‘’começando por volta dos 12 anos eu comecei a acreditar que eu era transgênero. Essa crença não era orgânica. Toda a mídia que eu consumi quando criança mostrou como era estúpido e vulnerável ser uma garota. Todas as imagens sexualizadas de mulheres davam-me uma expectativa irreal de feminilidade. Eu estava obcecada em me tornar um menino.’’ Chole relata achar que sua ansiedade desapareceria uma vez que realizasse a transição, no entanto ela diz, ‘’ninguém explorou porque eu não queria ser uma garota’’, e complementa, ‘’mais e mais crianças estão caindo na falsa promessa de felicidade se fizerem a transição’’.

Os conceitos mal estabelecidos de feminilidade, masculinidade e gênero promovem uma desinformação massificada, acarretando problemas políticos e sociais cada vez mais graves. O processo de socialização dos indivíduos tem pouca, se não nenhuma, importância dentro da academia. Mulheres feministas e críticas de gênero vêm tentando alertar os profissionais e os demais a respeito desta problemática, no entanto, a mídia parece semear um desinteresse na hora de articular matérias sobre isso.

Kelly relata sobre seu processo a respeito do conhecimento feminista, ‘’ informação salva. Entender sobre socialização apesar de ser dolorido é também acolhedor. Você entende que feminilidade não é escolha porque quando você abre mão dela, a violência fica muito mais visível. Mas quando aceitei que não gostava de ser feminina e que isso não me fazia ser menos mulher, que eu podia usar roupas largas e não usar maquiagem, que eu podia cortar meu cabelo, que eu não só podia como também deveria ocupar espaços, falar por mim mesma, e não mais aceitar aquilo que me desagrada, foi libertador.’’

Na era digital, os escravos modernos são aqueles que trabalham excessivamente sem direito a um atendimento humanizado
por
Nathalia Teixeira
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18/10/2022 - 12h

Por Nathalia Cristina Teixeira Bezerra

Aplicativos como Uber, Ifood, 99 táxi, Rappi e semelhantes começaram a surgir em meados de 2014 e hoje são mais usados que qualquer outro serviço do mesmo cunho que antecede a era dos smartphones. Acontece que, com a popularização destes, a demanda de trabalhadores informais aumentou e houve também um crescimento da precarização das condições de trabalho e do uso da mão de obra barata. Os prestadores de serviços dessas plataformas vêm se queixando dos baixos salários que recebem e da falta de humanização para atendê-los, problema que se agravou ainda mais na pandemia da Covid-19. Além de não ter acesso a um suporte de segurança decente, os motoristas e entregadores são trabalhadores informais, precisamente pela falta de regulamentação envolvendo esses aplicativos. Por esses e outros fatores que essa é considerada a era da terceira fase da escravidão moderna.

Tanto os servidores como os clientes que utilizam esses apps têm uma queixa em comum: a falta de um suporte decente para atendê-los. Se antes utilizávamos o SAC para tirar dúvidas e fazer reclamações, hoje somos respondidos com mensagens automáticas e programadas que, na maioria das vezes, não ajudam na resolução do problema. Essa falta de profissionais humanos para o atendimento faz com que os funcionários percam ainda mais seus direitos, que não são muitos. A ausência do registro assinado na carteira de trabalho torna a situação ainda mais delicada. Essa falta de um chefe por detrás da logística dos atendimentos  consiste em fazer com que os entregadores tenham que realizar mais entregas do que os limites do corpo permitiriam. A quantidade excessiva de corridas em tempo recorde que eles precisam cumprir para garantir um salário mínimo é o que os leva ao cansaço extremo e, consequentemente, ao adoecimento. 

Durante a pandemia, já era esperado que aumentasse a demanda de pedidos do Ifood e outros aplicativos de entrega de comida. Com a maioria das pessoas cumprindo o isolamento social em casa, houve um boom no consumo desse tipo de serviço e várias questões foram levantadas. A principal era a da saúde: se os colaboradores estavam colocando a própria saúde em risco, precisando aumentar o número de horas trabalhadas para atender o público crescente, por que o salário ainda era o mesmo? A queixa do grupo também era sobre as porcentagens altas que essas empresas recebem (até os dias de hoje) comparado ao que eles mesmos ganham no final do dia. Na quarentena, a mão de obra foi ainda mais precarizada justamente pelo fato de que, em meio a uma pandemia global de um vírus até então desconhecido, eles precisaram trabalhar com maiores chances de adoecer e não houve nenhuma mudança significativa na comissão. Essa série de problemas resultou na mobilização dos prestadores de serviços dos apps, que tentou ser impedida pelos donos dessas empresas, mas sem sucesso. Depois da greve de 2021, o Ifood entrou em um acordo com seus servidores para definir uma taxa mínima de entrega. Apesar de ter sido uma pequena vitória, ainda não é suficiente e muito menos proporcional ao que deveria.

Alan Moreira tem 47 anos e começou a trabalhar como entregador depois de perder o emprego na pandemia. Ele trabalhou durante 24 anos em uma multinacional, mas em 2020 foi um dos diversos colegas afetados pelo corte de funcionários da empresa. Atualmente ele está em busca de um novo trabalho com carteira assinada, entretanto, enquanto não consegue oportunidade para uma entrevista, faz entregas para duas dessas empresas de entregas de delivery. A rotina de Alan é extremamente “exaustiva e pesada”, como ele mesmo disse. Sua jornada de trabalho começa ao meio dia, com entregas no horário do almoço e termina por volta das 11 da noite, podendo se estender até meia noite. “De fim de semana então, piorou. Não tem horário para acabar. Já finalizei uma entrega às 6 da manhã”, contou. 

Ao questionar Alan sobre como foi atuar na pandemia, ele disse que “foi desafiador [...]. Meu maior medo era transmitir o vírus para meus filhos. Mas não tinha o que fazer, eu precisei colocar comida na mesa”, lamentou. Pai de dois filhos, de 9 e 14 anos, respectivamente, ele seguiu à risca todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde para se prevenir contra o coronavírus. Porém, em outubro de 2021 foi infectado e teve que ficar em isolamento por 15 dias: “Não tive nenhum direito. Fiquei sem receber durante a quarentena. Sorte que minha irmã me ajudou com as despesas, se não, não sei o que teria sido”. “Queremos somente o mínimo. Seguro de vida, condições básicas de trabalho, como por exemplo banheiros para usarmos no intervalo das corridas [...]. Nem um copo de água a gente pode ter. É para isso que fizemos e vamos continuar fazendo barulho. Por condições dignas, estamos aqui para sobreviver”, afirmou Alan, sobre as maiores reivindicações dos entregadores nos protestos. 

 

Reinvenção da escravidão no capitalismo

O capitalismo tem a capacidade de se reinventar a cada novidade na era tecnológica. No mundo digital, a publicidade foi um dos maiores pilares que proporcionou o aumento do consumismo a partir de ferramentas básicas, como os celulares que hoje são acessíveis a toda a população. O surgimento dos aplicativos de serviços como Ifood e Uber não foi à toa: dentro desse sistema, o trabalhador informal sempre foi colocado à margem da sociedade. Um exemplo básico disso são as terceirizações. Empresas como Vivo, Claro e outras operadoras de telefone usam funcionários terceirizados tanto para o telemarketing, quanto para serviços técnicos, justamente para não gastar com o registro dessas pessoas. Atualmente, a terceirização conseguiu ser informalizada pelos apps, justamente porque essas empresas não precisam contratar outra empresa, apenas colocar pessoas que, no desespero de um país com alta taxa de desemprego como o Brasil, se inscreveram voluntariamente para trabalhar com eles. 

Mas por que comparar o trabalho assalariado com a escravidão? Bem, apesar de ser remunerado, a falta dos direitos trabalhistas e os baixos valores que eles recebem por entrega, torna a condição de trabalho análoga a escravidão. O próprio Alan pontuou que “nossa situação se assemelha com a dos escravos. Acho que esse termo define muito bem o que somos, escravos modernos [...]. Só quem trabalhou anos com contrato CLT e diversos benefícios consegue enxergar a diferença de um emprego digno com o que passamos com esses aplicativos”. Não só entregadores de Ifood como Alan, como também motoristas de aplicativos estão sujeitos a trabalhar por diversas horas para ganhar o mínimo e não ter direito ao autocuidado. O fato de não existir uma regulamentação eficiente que atenda a esse grupo e a demanda ser disponibilizada por ferramentas robotizadas faz com que os servidores fiquem sem tempo para se profissionalizar em áreas que garantem condições melhores, para ganhar uma baixa comissão que será usada apenas para a sobrevivência, como custos com aluguel e despesas da casa. Em suma, eles são obrigados a estarem à disposição dos aplicativos para, no fim, conseguir a moeda de troca que garante um teto, tal qual a escravidão.

 

O método que garante a exploração

Dentro das estatísticas, o trabalho informal tem raça e classe: a grande maioria dos motoristas e entregadores de aplicativos são negros e periféricos. A exploração da mão de obra barata é o que faz a manutenção do capitalismo e o fato só condiz com a realidade do Brasil, porém agora dentro dos trâmites da era digital. Em média, um servidor do Ifood ganha 4 reais por corrida feita. Considerando o preço atual da gasolina e a velocidade que esse servidor precisa atingir para conseguir realizar a entrega a tempo, o valor é abusivo e não condiz com o proporcional para o tipo de trabalho.

Acontece que o padrão acontece da seguinte maneira: existem dois tipos de trabalhador no Ifood e semelhantes. O Nuvem e o OL (operador de logística). O primeiro é o mais comum e consiste no modelo adotado por Alan Moreira. Basicamente, ele recebe por entrega realizada, se não entregar, não recebe nada. Aqui, em tese, ele trabalha nos dias, horários e tempo que quiser, mas na prática não é assim que funciona, pois ele fica escravo do programa. Já o OL tem tudo acertado com seu operador logístico. Geralmente esse operador é um restaurante ou um mercado e ele trabalha somente para esse. Ainda que tenha um combinado mais “seguro”, os entregadores optam pela Nuvem porque podem trabalhar a hora que quiserem e ganhar um pouco mais de dinheiro. No final, ambas as formas abusam da força de trabalho deles, o que só confirma as falas de Alan sobre suas condições de vida. 

É errado dizer que a escravidão moderna é causada pela tecnologia. A tecnologia que amplifica a escravidão moderna. O que sustenta esses meios é justamente o controle das classes dominantes no poder econômico, que precisa explorar as camadas mais pobres da sociedade para se manter no poder. Quanto mais funcionários perderem os empregos com carteira assinada para trabalhar ganhando 4 reais para uma plataforma milionária, mais os empresários e associados dessa plataforma estarão lucrando com ela. A invenção desse tipo de troca é vendida aos clientes como uma “solução justa”, já que eles pagam pequenos valores para receberem os pratos em casa. Apesar de não ser culpa de nós, fregueses, precisamos entender essas questões e refletir sobre a maneira como consumimos esse tipo de serviço. A principal forma de reverter esse cenário de forma eficiente, considerando as condições atuais, é apoiar a luta dos entregadores e motoristas e entender as reivindicações, para contribuir diretamente com eles. 

 

Com a promessa de mais um avanço digital, o metaverso evidencia ainda mais as paredes que separam os alheios à Internet do resto da população
por
Ana Beatriz Assis
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18/10/2022 - 12h

Por Ana Beatriz de Souza Assis

 

Quem são os excluídos 

“Ah, eu sei as horas porque vejo nas tvs das padarias e nos relógios na avenida, mas, isso não preocupa não, não tenho nenhum compromisso hoje.” Sabrina Reis de 36 anos dá uma risada triste após a resposta. Ela vive nas ruas há cerca de 5 anos. Foi expulsa de casa pelos familiares após problemas com drogas e preferiu guardar para si os detalhes do "exílio social". “Metaverso? Nunca ouvi falar não. É uma descoberta nova da ciência? ” Após explicado o conceito da palavra, faz cara de surpresa e diz rindo: “Não entendi nada. ”

Sabrina vive dentro do túnel José Roberto Franganiello Melhem caminho para a avenida Paulista, lá, mora dentro de uma barraca pequena que cuida com cuidado. “Não, não tenho celular e nem quero para falar a verdade, celular só traz desgraça na nossa vida” Ao ser questionada o motivo, ela faz uma careta e aumenta o tom de voz: “Minha filha, isso daí é ouro nas mãos daqueles” apontando com a cabeça para outro grupo de moradores do lado oposto do túnel “Quase morri na mão deles por causa de um”, conta. Sabrina explica o episódio que após achar um celular na rua (ela frisa diversas vezes que realmente achou o celular em suas caminhadas e que nunca roubou) dois caras  bateram nela para pegá-lo: “ Eles vendem as peças para comprar droga, se eu fosse você não ia perguntar nada pra eles não tá?.”

- E se não fosse “eles” e a situação que se encontrava, você teria um celular?

“Com certeza fia, eu tinha um celular, mas vendi ele, era bom demais saber das coisas, falar com a família” Após falar da família Sabrina não quis se abrir a mais perguntas. “Não, não tô triste não, é que não sei o que falar mais não” Ela ri e diz que não saberia responder perguntas sobre como era sua relação com a internet quando tinha o aparelho. “Me sinto excluída sim, mas fazer o que né? Minha vida agora é essa aqui”.

Os sons de buzinas e carros passando é a trilha sonora de cada dia de Sabrina e de mais dezenas de pessoas que ali moram, não foi perguntado nada ao outro grupo que ela apontara, bem como recomendado. “Eu tinha um tevezinha antes sabe? Via as coisas por lá. Eu só entendia que passava pelo ar e pegava no pulmão dos idosos. Eu via as pessoas andando com máscaras pra cima e pra baixo e ficava com medo, se pegava só nos velhinhos porque todo mundo usava máscara?” Sabrina reflete sobre como descobriu sobre a pandemia sem nenhum acesso a internet ou informação(..) “A falta de informação mata a pessoa de angústia.  O que passei não desejo pra ninguém não, ficava horas na frente da farmácia pedindo que comprassem máscara pra mim, agora imagina as pessoas que não tinha tevê nem nada? Morreram aí sem nem saber com o que. ”

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cabana de Sabrina localizada no túnel josé Roberto Franganilello Melhem - foto: Ana Beatriz 
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Visão do túnel - foto: Ana Beatriz 

“Entenda o que é o metaverso e por que ele pode não estar tão distante de você”; “Metaverso: O futuro nos investimentos”; “O que é o metaverso e por que você já vive nele mais do que imagina” Essas são umas das manchetes de matérias sobre a mais nova promessa do futuro: O metaverso. É reforçado o discurso que a novidade irá revolucionar o mercado tecnológico e a perspectiva de um novo mundo ao qual o usuário será submerso, uma realidade em que tudo será possível, mas, quem poderá ter esse mundo de possibilidades na palma da mão?

Com a chegada da Internet, uma nova realidade foi exposta as pessoas. No início, apenas uma parcela da população tinha acesso a esse mundo: “Internet era coisa de rico, meus patrões falavam sobre os programas, os aplicativos né? Eu não entendia nada” diz Malba Rejane (50), ao relembrar da década de 90: “Hoje tenho Internet e nem imagino minha vida sem” completa a aposentada. A tecnologia se disseminou em menos de meio século e se popularizou a nível de criar uma nova atmosfera de dados e informações. Hoje, ainda existe indivíduos que encaram um dia-a-dia de trinta anos atrás, porém, agora enfrentam a exclusão de estarem alheios a realidade digital.

 

 

 

 

 

 

 

 

As paredes invisíveis que nos separam 

A Paulista é uma das mais importantes vias de São Paulo, sendo um grande conglomerando de centros financeiros e tecnológicos, porém, infelizmente foi uma tarefa muito fácil encontrar pessoas alheias a essa tecnologia nas ruas da avenida. Fabiana Ferreira de 28 anos, fica sentada em um pano estendido pelo chão a pouco menos de 10 metros da estação Consolação do metrô, ela e seu filho Davi Lucca de 4 anos, disputam lugar no asfalto da calçada com sapatos de marca e passos corriqueiros: “Fui mandada embora do meu serviço na pandemia” A moça responde as perguntas em meio a suplicas aos pedestres: “Moço me vê um trocado pro meu filho almoçar? ” Ao não receber nenhuma reposta, volta de onde parou: “Não consegui pagar meu aluguel, então fui para uma invasão lá em São Matheus. Quando a prefeitura tomou tive que ficar cinco dias na rua, ai vindo pra cá (são Paulo) consegui arranjar 500 reais e aluguei uma casa, ai tô pagando aluguel e tô aqui pra pegar dinheiro pra continuar pagando. ” Fabiana arruma a roupa abarrotada do filho enquanto fala que não conseguiu o auxílio, mas que pela rua, consegue pelo menos uma refeição para alimentá-lo.  Ela ainda conta que tem outra filha de nove anos e tinha outro filho que faleceu por complicações em uma cirurgia no pulmão, a broncospia, cirurgia que foi paga com dinheiro de vaquinha online, ele morreu com 1 ano e 6 meses.

28,2 milhões de pessoas no Brasil não têm acesso à Rede de Dados global segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) parcela que corresponde a um pouco mais do dobro da população do Paraguai. Sabe aquele vídeo engraçado que rodou na Internet essa semana? Essas pessoas não fazem a mínima ideia do que se trata. Ou aquela notícia que foi tema da sua rodinha de amigos? Eles não podem conversar sobre isso com você. E até mesmo o medo de uma nova doença disseminado pelas mídias sociais? Eles não compartilham esse sentimento com você. Com o metaverso a vista do horizonte, eles irão ficar mais uma vez a margem de um mundo.

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Mark Zuckerberg apresenta o metaverso - Via: O globo 

“Não tenho nada amiga, não tenho nada, para me encontrar é aqui, nesse ponto” Diz Fabiana ao ser questionada sobre se tinha algum contato com a Internet ‘Vendi meu celular para pagar meu aluguel” Fabiana diz que tem televisão em casa, onde sabe dos principais acontecimentos, cita também, que seus filhos estudam, mas ás vezes faltam para ajudá-la na coleta de trocados. “Eles voltam pra casa falando de tal jogo que o coleguinha falou e eu fico sem saber o que falar né? Dói não poder dar e nem saber como dar o que seu filho pede” Foi perguntado a ela sobre o metaverso e outros apetrechos da tecnologia:  “Sei o que é porque já ouvi falar na tv”, responde, Mas afirma não ter nenhum problema de estar excluída do mundo tecnológico. " meus filhos tendo comida e um teto, já é o suficiente” Ela ainda completa citando que diversão e entretenimento são um luxo que por enquanto ela não pode bancar.

 

Entretenimento: luxo que muitos não podem bancar

Enquanto milhares de Sabrinas, Fabianas e Davis Luccas temem pela falta de um teto, no metaverso, os chamados avatares de influencers já possuem até apartamento no mundo real. Foi o que aconteceu com Satiko, a influencer virtual da artista Sabrina Sato, que em maio deste ano ganhou seu próprio apartamento real em São Paulo, o imóvel será utilizado para gravações das chamadas “publis” e outros eventos envolvendo o mundo digital, a noticia foi alvo de criticas. Já em agosto, a boneca virtual lançou um restaurante no jogo “cidade alta” sendo possível que os jogadores comprem comida para alimentar seu avatar, jogadores esses talvez, que não disponham de centavos para Davi lucca ter o que almoçar.

“Tô aqui desde 9h00min e só ganhei 10 reais e um resto de marmita fria” Fabiana denuncia em tom de tristeza. Já passava do 12h30min e a Paulista estava abarrotada de engravatados indo ou voltando de seu horário de almoço. é difícil para ela sentir os cheiros de comida e perfumes caros enquanto seu filho reclama de fome. Para Fabiana, pouco importa o metaverso e qualquer outros engenhos tecnológicos, sua desilusão a esse lado do mundo é tão concreta que ela nem cogita um dia usufruir dessas, segundo ela, regalias. 

Ainda não se sabe se o metaverso será de fato o futuro da internet, ainda em forma primitiva, é utilizado com viés de entretenimento e recreação, mas já germina grande renda para marcas e famosos. Além disso, a sua aparição evidencia que as diferenças socais são bem mais profundas do que se pode vê. As pessoas lidam duas vezes com a exclusão: excluídas da Internet e da sociedade como um todo.

Ao procurar por evidências de criaturas míticas, a criptozoologia revela a relação do ser humano com a mitologia
por
Alexa Reichmann
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18/10/2022 - 12h

Por Alexa Reichmann

 

Nas florestas úmidas da África Central, o missionário e cientista Thomas Savage procurava por provas materiais das histórias que ouvia. Os residentes da República de Gabão lhe contaram repetidas vezes sobre um “monstro negro” que haviam visto, similar a um “macaco gigante” e que poderia ser até um “homem-símio”. Em 1847, o fisiologista americano - que após uma década de incessantes buscas pela criatura encontrou apenas alguns ossos e dentes suspeitos -, publicou o primeiro artigo sobre tal animal, até então desconhecido na comunidade científica: o gorila. O que o texto de Savage e todos os outros estudos sucessivos tinham em comum eram os testemunhos orais dos gaboneses como argumento. Pois, na verdade, nenhum cientista jamais havia visto um gorila.

Muito antes dos relatos africanos do século XIX, a figura do gorila já havia sido tema de narrativas. O livro romano Historia Naturalis, escrito em 77 D.C, conta a jornada de seu autor, Plínio, o Velho, pela Índia e leste da África. A obra relata diversos animais até então desconhecidos para os romanos, como leopardos, moscas tsé-tsé e, é claro, gorilas. Além disso, Plínio descreveu espécies que até hoje não foram encontradas nem reconhecidas pela ciência, como o Cinocéfalo, um ser humano com cabeça de cachorro. 

A curiosidade expressa em Historia Naturalis pelo o que existe ou pode vir a existir além dos limites de nossa geografia e visão é um dos primeiros registros escritos do que move a chamada criptozoologia. Reunindo saberes da antropologia, biologia e zoologia, ela se dedica a estudar animais não reconhecidos pela ciência formal. Toda criatura descrita em lendas, mitos ou folclore é denominada criptídeo, um animal de existência desconhecida.

 

A "ciência" 

Apesar do interesse milenar pelo fauna oculta, o termo “criptozoologia” foi criado apenas em 1959, pelos cientistas Bernard Heuvelmans e Ivan Sanderson. Este último fora um prolífico autor escocês, cujo principal interesse eram os animais misteriosos. Em um de seus textos, “Talvez haja dinossauros”, Sanderson descreveu animais gigantes das florestas tropicais africanas. O texto despertou o interesse pelo assunto no francês Heuvelmans, com a ideia de existirem, ainda, animais não descobertos. Ambos os pesquisadores defendiam que a criptozoologia deve ter uma abordagem interdisciplinar, porém exigir um rigor científico.

E por falar em rigor cientifico, a criptozoologia é uma ciência? Seus adeptos defendem que sim; enquanto zoologistas, biólogos e afins a rebaixam a pseudociência. É preciso antes definir estes termos. A ciência é um método de estudo que coleta dados rigorosamente inspecionados e que, a partir destes, propõe explicações lógicas e justificadas sobre algo. Já uma pseudociência se utiliza de dados com pouco escrutínio, que muitas vezes tentam justificar as crenças e opiniões pessoais dos pesquisadores. 

Pode-se dizer que, na teoria, a criptozoologia é uma ciência. Afinal, ela coleciona informações de relatos orais e as examina por métodos sustentáveis. Embora a criptozoologia tenha em comum com a ciência a possibilidade de levantar hipóteses, as quais podem acabar sendo verdadeiras ou falsas, o tipo de dados coletados pela área em questão são extremamente duvidosos. 

Um ser desconhecido pode ser um fruto da imaginação, um delírio, o resultado de uma visão turva, ou até mesmo uma mentira proposital. Por mais que a base da criptozoologia seja cética e autocrítica, a sua principal fonte de dados, os humanos, não são testemunhas confiáveis. Todavia, é necessário relembrar que diversos animais que conhecemos na atualidade foram considerados criptídeos em outras eras, como na época de Plínio, o Velho.  

 

O ser humano

Bianca Simoni é estudante de medicina e fã da criptozoologia. A jovem de 22 anos conta que desde criança gostava de ver desenhos de anatomia e tentar reproduzi-los, fossem eles de pessoas ou animais. Até que um dia, já pré-adolescente, ela se deparou com uma gravura de um esqueleto de sereia e se assustou. “De início, senti medo, mas aquilo despertou minha curiosidade. Comecei a pesquisar na Internet sobre sereias, o que me levou a conhecer outras figuras míticas e extremamente intrigantes”, contou Bianca.

Entre estes seres, estavam o Pé-Grande, de origem estadunidense; o Monstro do Lago Ness, da Escócia; o Chupacabra, comum a todo o continente americano; e o Lobisomen, com primeiro registro na Grécia Antiga. “Esses são, em geral, os criptídeos ‘porta de entrada’ para o assunto. Apesar de popularizarem o tema, o que é fantástico, essas figuras de destaque ficam banalizadas por ‘notícias’ sensacionalistas”, disse a estudante.  “A criptozoologia 'pura' é a junção de relatos folclóricos com dados científicos. Ela não se resume a pessoas alucinadas tentando achar o Pé-Grande em bosques, ou procurando por evidências de vampiros em cemitérios macabros. Isso é apenas espetáculo da imprensa.” 

Com muitos livros lidos sobre o assunto e mais de 20 ilustrações autorais que retratam como seria a anatomia destes seres, Bianca explicou que a área está cada vez mais distante da zoologia, e tende a se voltar para seu viés antropológico. "A cultura e psicologia do ser humano estão com maior peso nos estudos ultimamente". Bianca, que prefere estudar os criptídeos nacionais - como o Boi Tatá, a Mula Sem Cabeça e o Saci Pererê -, disse que conhecer a criptozoologia brasileira a fez entender melhor sobre sua terra. “Estas lendas não são aleatórias. Todas traduzem traços marcantes da cultura nacional. A Mula Sem Cabeça, por exemplo, é de um moralismo machista gritante. A lenda fala da violação da castidade das mulheres. Qualquer uma que se apaixonasse ou tivesse relações com um padre viraria esta criatura perturbadora. Mas, é claro, nada acontece com o padre.”

 

A curiosidade

Precedente à Teoria da Evolução de 1859, de Charles Darwin, a divulgação das pesquisas sobre o gorila despertaram enorme interesse na comunidade científica. O desejo de ver este animal por inteiro não apenas resultou em finalmente achar esta nova espécie e catalogá-la, como também reancendeu as discussões sobre o parentesco dos primatas em sociedades ocidentais com imaginário fértil e incessante curiosidade.

A criptozoologia, talvez, realmente, não seja uma ciência. Mas ela, à sua maneira, impulsiona as ciências formais à própria evolução. 

 

“A importância do mito, das situações e dos seres criados pela imaginação humana, na proporção em que, ao se dirigirem diretamente ao nosso corpo, à nossa sensibilidade, podem nos propiciar melhores condições para sentir interpretar e compreender este mundo no qual existimos.” - Jean-Jacques Rousseau

 

Idosos abordam suas relações com a Internet, e apontam os pontos positivos e negativos das novas teologias
por
Lucas Munhoz Rossi
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04/10/2022 - 12h

Por Lucas Rossi

Smartphones, tablets, computadores, inteligências artificiais, Google, sites, redes sociais, mídias alternativas, equipamentos eletrônicos, entre outros, fazem parte do dia a dia da nossa sociedade, estando presentes na maioria de nossas atividades, e ditando o ritmo e a vida das pessoas. Para um jovem, que a partir do ano 2000, nasceu, cresceu e se desenvolveu simultaneamente ao avanço de novas tecnologias, é praticamente impossível imaginar como era a vida sem as tecnologias de comunicação em rede.

Elas estão tão impregnadas em nosso cotidiano, que é difícil imaginar que existam pessoas que ainda não utilizam ou ainda não se acostumaram com esses avanços. No entanto, esse é o caso da maioria dos idosos ao redor do mundo. Nascidos em um período em que as coisas eram mais simples, em que as pessoas se importavam em trabalhar desde cedo, com a educação pouco valorizada, baixas expectativas de vida e inúmeras guerras vivenciadas. Para algumas dessas pessoas, a Internet pode ser vista apenas como mais uma “fase”, para outras como um desserviço para a humanidade, já que na visão de muitos acaba afastando as pessoas.

Porém, muitos idosos enxergam pontos positivos e tentam fazer parte da Internet e das redes sociais. Como é o caso da Vicentina Nabarro, 72 anos, mãe de três filhos e avó de 7 netos. Mesmo com tantas experiências de vida e tantos anos de vida, Vicentina tenta estar sempre atualizada e buscando aprender essas novas “ferramentas”. Nabarro afirma que as novas tecnologias "são difíceis para a minha geração pois não fez parte do nosso cotidiano, como acontece com as gerações atuais. Uma criança tem mais facilidade de lidar com as novas tecnologias e muitas vezes nos ensinam como lidar com elas. Ainda Tenho algumas dificuldades, como por exemplo fazer compra pela Internet etc., precisando que meus filhos façam por mim.”

Ela afirmar poder fazer o básico para se comunicar e usufruir do avanço tecnológico, como usar o app do banco, app do plano de saúde, marcando consultas, recebendo resultado de exames, fazendo reclamações, enviando documentos para aprovação de exames, compras, delivery e aplicativos de viagem. Sua comunicação com as pessoas tornou-se imediata pois através do WhatsApp ela consegue resolver problemas, contratar serviços, acompanhar o cotidiano de amigos e familiares. Através do Facebook ela toma ciência do que está acontecendo no Brasil e no mundo. "Converso com amigos presentes em nossa vida e com os distantes até em outros países", disse.

Mesmo sendo defensora dos novos instrumentos tecnológicos, Tina, como gosta de ser chamada, aponta alguns riscos da Internet: “O mundo está muito melhor com a Internet, mas ao mesmo tempo estamos cada vez mais dependentes dela, nos privando do contato presencial, com um bom papo olhando nos olhos e aproveitando nossa presença. Além do mais, é preciso muito cuidado com os golpes de internet, principalmente contra nós idosos, que não temos tanta familiaridade com essas tecnologias”, avalia.

Sérgio Luis Munhoz, ex-professor universitário de 74 anos, acredita que os avanços tecnológicos têm importante papel nos dias atuais, mas confessa ainda ter algumas dificuldades em utilizar todas essas ferramentas. Para Sérgio, “Essas novas ferramentas são extremamente úteis e importantes, e facilitam muito a vida de todos, embora a velocidade das inovações está em descompasso, com a capacidade dos idosos, como eu, fazendo com q tenhamos que nos socorrer com filhos, netos, funcionários mais jovens etc.”, afirma. “Entendo que as facilidades dessas novas tecnologias aumentam nossas possibilidades de contacto, melhoram nossa comunicação com o mundo, com parentes e amigos, mesmo que estejam distantes, auxiliando muito nossas vidas, embora seja um pouco viciante e às vezes podem nos desviar da possibilidade de melhores contatos pessoais”, completa. 

A Internet e as redes sociais são elementos positivos para a humanidade é uma questão de opinião particular de cada cidadão, no entanto tudo indica que só é o início dessa nova fase, então é importante se atualizar e ter alguma familiaridade com o assunto. Da mesma forma, que é importante manter um equilíbrio e não deixar que sua vida “virtual” se torne mais importante do que sua vida real.