Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Estudantes que pensavam em seguir carreira acadêmica agora precisam buscar novas opções
por
Eleonora Marques
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09/11/2021 - 12h

Por Eleonora de Almeida Marques

No início de outubro, o Ministério da Ciência e Tecnologia teve sua verba quase zerada. A pasta - que vem passando por cortes importantes em seu orçamento nos últimos anos - já estava em situação crítica mesmo antes dessa decisão. 

O valor dos repasses para o Ministério atingiram seu ápice durante o governo Dilma, no ano de 2015. Na ocasião, o orçamento disponível para financiar a ciência brasileira era de R$15,1 bilhões.  

De lá para cá, pesquisadores, universidades e toda a gama de profissionais da ciência precisaram se adaptar a um orçamento muito menor: antes dos cortes do último mês, o Ministério da Ciência e Tecnologia já tinha orçamento inferior a R$1 bilhão, ou seja, um quinto do encontrado em 2015. Hoje, não chega nem a R$ 100 milhões. 

O enxugamento da verba impossibilita a conclusão de pesquisas e o avanço científico do país, além de impactar pessoalmente a vida dos cientistas. 

Para Clara Andrade, mestranda de 24 anos, o valor pago na bolsa de mestrado foi crucial para que ela decidisse seus caminhos profissionais. “Quando entrei na faculdade, meu objetivo era me dedicar somente à vida acadêmica. Mas nunca ‘rolou’, o valor da bolsa de mestrado é muito baixo pra trabalhar só com isso”, diz. 

Hoje, Clara trabalha em uma multinacional farmacêutica em período integral e se dedica ao mestrado durante a noite e nos finais de semana. Para ela, o fato de ter um emprego “das 9 às 6”, prejudica bastante seu desempenho no mestrado e quanto ela consegue avançar na pesquisa. 

Para além desses impactos, o baixo orçamento do Ministério da Ciência também colabora com o fenômeno da “fuga de cérebros”. Segundo dados da Receita Federal, o número de brasileiros a migrar para o exterior passou de 8.170 por ano em 2011 para 23.271 em 2018, um crescimento de 184%. 

A pesquisadora Ana Maria Carneiro, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) falou - em reportagem para a BBC - 

 De acordo com o geólogo Atlas Correa Neto, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em entrevista para a BBC, "é um dreno geral", que inclui desde doutores mais antigos a candidatos ao mestrado e também ao doutorado. Não se trata apenas de pessoas indo para realizar um curso, uma especialização ou realizar um projeto de pesquisa.

"Quem tem possibilidade está indo, mesmo sem manter a ocupação de cientista. Esse movimento não se restringe à área tecnológica e também afeta as ciências sociais. Aliás, se eu pudesse, se tivesse condições financeiras e sociais adequadas, iria embora também.", diz. 

Esse cenário faz com que o Brasil tenha um número baixo de doutores a cada 100 mil habitantes. Enquanto por aqui eles são 7,6 a cada 100 mil, em alguns países da Europa, como Portugal e Alemanha, se aproximam dos 40. 

O número de doutores na população é apenas um sintoma de um problema muito mais grandioso: o atraso no desenvolvimento científico do País. 
 

Economista e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Claudemir Galvani explica quem são as companhias que preferem operar no vermelho e são os pilares de um novo momento do capitalismo.
por
Luiza Fernandes
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09/11/2021 - 12h

Por Luiza Fernandes

Empresas como Nubank, Spotify, Uber, Twitter e Amazon são nomes recentes de grandes empresas de tecnologia que adentraram o nosso dia a dia, com propostas inovadoras e pautadas pelo uso da tecnologia. 

O que se imagina quando se fala de gigantes da tecnologia, é de que se trata de uma receita exorbitante, que seriam empresas com uma alta margem de lucro e que são bem colocadas na bolsa. O que acontece é que dentro desse mercado, há uma outra lógica. 

Lucro ou prejuízo são o que traduzem a última linha da Demonstração de Resultados do Exercício (DRE) das empresas com capital aberto que divulgam seu desempenho ao fim do trimestre.  Os analistas financeiros se atentam a esses valores para calcular e analisar qual é a saúde financeira de determinada companhia, ou seja, se ela arrecada mais do que gasta para existir. 

Na bolsa americana, empresas que valem bilhões de dólares e tem um grande número de investidores, mas fecham no vermelho já se tornou um fenômeno frequente. Um levantamento feito pela Universidade da Flórida apontou que 81% das ofertas públicas de ações, realizadas nos Estados Unidos em 2018 foram de companhias que registraram prejuízo nos 12 meses anteriores à abertura do capital.

 

 O caso Twitter

 

A empresa Twitter, por exemplo, só foi registar sua primeira sequência de quatro trimestres de lucro em outubro de 2019, mais de uma década depois de ser criado e mesmo já sendo o principal canal de comunicação escolhido por diversos políticos ao redor do mundo. 

Por anos as ações da rede social operaram em forte queda no mercado, mesmo que os seus números de usuários não parassem de aumentar.

Para o Twitter, o problema na equação entre prejuízo e lucro é o de como fazer com que os seus usuários se tornassem consumidores de algo, uma vez que o uso da rede é gratuito. A venda de publicidade na plataforma não era visto como algo atrativo, uma vez que não era permitido vídeos, áudios e havia um limite de 140 caracteres, além disso, era uma rede que facilitava a presença de discursos de ódio. 

A solução encontrada pela empresa foi a de alterar completamente sua plataforma, mudando a quantidade de caracteres permitidos e promovendo canais específicos para áudio e vídeo. Além disso, uma política de remover contas que promovessem discursos de ódio ou conteúdo impróprio foi implementada.  

Segundo um levantamento do estudo "Twiplomacy 2013", atualmente 77% dos líderes globais ou seus governos usam o Twitter como uma ferramenta de comunicação institucional. O usuário mais seguido dentro da rede social é o ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que tem 130 milhões de seguidores.

Esses dados revelam o caráter oficial e institucional que a plataforma adquiriu, o Twitter se tornou no imaginário de muitos uma forma de se ter acesso a informação de qualidade e verificada. O que chama atenção é o fato de uma companhia que detém um poder tão grande ter recentemente alterado suas características em razão de seu desempenho na bolsa de valores. 

 

Streamings de música

 

      A primeira vez que o faturamento por streaming de músicas superou a venda de discos foi em 2016. Um dos grandes responsáveis por essa mudança na forma de consumir música é uma startup fundada na Suécia em 2008, o Spotify. 

O aplicativo oferece milhares de músicas e álbuns de forma gratuita, mas com propagandas e serviço limitado, há também planos de até R$40,00 reais que oferecem músicas ilimitadas e sem propaganda. 

O Spotify é a empresa que mais atingiu “sucesso” no ramo de streaming de músicas, é o aplicativo que tem mais usuários registrados, já são 354 milhões entre pagantes e não-pagantes. O sucesso da plataforma em transformar a forma como as pessoas consomem música não é, no entanto, o suficiente para que a empresa tenha resultados positivos na bolsa de valores, no último trimestre de 2020 a empresa fechou no vermelho. 

A resposta para isso, segundo a companhia, seriam os altos valores cobrados por gravadoras e artistas independentes por direitos autorais em suas músicas. Por exemplo, no ano de 2018 a empresa divulgou que teve um faturamento de 2,9 bilhões de euros, mas que 2,5€ bilhões foram utilizados para o pagamento de artistas.

Em Março de 2021, artistas e profissionais da indústria da música se reuniram em sedes do Spotify, em grandes cidades de cinco continentes, eles pediam por mudanças na monetização de suas músicas dentro da plataforma.

 De acordo com os manifestantes, atualmente é pago US $0,00348 por cada “play” em uma música e o objetivo dos artistas é que esse valor passe a ser US $0,01 e não mais sobre cada play, mas sim, sobre cada usuário que se relaciona com o perfil do artista, fazendo com que a lógica de remuneração passe a ser menos popularidade e mais a relação.

 

 Entrevista com o economista Claudemir Galvani

 

AgeMT- Esses exemplos revelam um fenômeno recente do mercado de ações, empresas que apesar de serem avaliadas em bilhões de dólares, não dão lucro na bolsa. Como o senhor explicaria a existência desse fenômeno?  

 Antigamente, o lucro de uma empresa era tangível, era em função da taxa de lucro. Se uma empresa tivesse uma taxa de retorno de por exemplo 5% ao ano, significava que em 20 anos o retorno voltaria a partir disso. Hoje em dia, pode se dizer que, essas empresas de tecnologia são avaliadas pela expectativa, já não mais o lucro de curto prazo, mas sim, o de longo prazo. Há a existência de um novo fenômeno no capitalismo atrelado a isso, seria como uma nova forma de capitalismo financeiro, Rosa de Luxemburgo e Marx já tinham comentado sobre isso, e hoje em dia, o capitalismo de ações dominam completamente a produção de um país, os fundos de investimento controlam a massa de capital. E esse capital passou a ser tão significativo que existe uma bolsa nos Estados Unidos, a Nasdaq, que opera exclusivamente com empresas de tecnologia e mercado financeiro. É uma nova era do capitalismo financeiro. 

 AgeMT- Há uma relação exclusiva então entre esse fenômeno e as empresas de tecnologia?

 Sim. É importante levar em consideração que existe o mercado secundário, por exemplo, eu compro uma ação da Amazon e ela pode não me dar lucro por 5 anos, mas tenho a certeza que vou vender ela por um preço maior do que eu comprei, (justamente pelos investimentos em tecnologia que essa companhia está fazendo) é uma forma de produzir lucro financeiro sem ter tido o que chamávamos de lucro tangível. Isso está totalmente ligado às novas tecnologias e ao inevitável sumiço de antigos serviços, por exemplo, a Uber acaba com o mercado de táxi, o Airbnb põe em risco as hotelarias e a Amazon fecha livrarias. São todos exemplos de empresas que investiram no futuro, que vendiam a expectativa daquilo que elas poderiam ser, para seus acionistas.

 

AgeMT- E com relação a quem investe, não há nenhum retorno a curto prazo? Qual seria a perspectiva de alguém que compra essas ações?

 Um bom exemplo são as novas empresas de tecnologia financeira, novos bancos. São empresas que começam geralmente guiadas por pessoas jovens e que vêem na tecnologia a possibilidade de revolucionar esse mercado. Essas empresas não abrem capital na Bovespa, mas sim, diretamente na Nasdaq nos Estados Unidos e quem vai comprar essas ações sabe que não haverá retorno a curto prazo, entre 4 e 5 anos, mas sim que vai obter lucro na operação de compra e venda dessa ação, justamente quando o modelo de negócio prosperar e mudar a forma como aquele mercado acontece.

 

AgeMT- Há uma reflexão na academia atrás da problemática de pessoas que enriquecem na bolsa sem gerar emprego e pagamento de impostos. O que o senhor pensa sobre isso? Pode-se dizer que há consequências para a economia nacional, nesse modelo de negócio? 

 

O Barack Obama tem uma declaração muito interessante em que ele diz que o mercado financeiro é um cassino.  Acredito que essa concepção está sendo substituída, por essa nova forma de gerar recursos não produtivos, ou seja, quando alguém compra uma ação que não dá lucro a curto prazo mas te garante lucro na venda, não existe a geração de emprego e o dinheiro rodando, existe somente uma grande movimentação na bolsa e um aumento de renda das pessoas que especulam. Essas novas formas de tecnologia são o que provavelmente vai definir o capitalismo do futuro, um capitalismo que se alimenta de expectativas. Os problemas disso são que não sabemos o que vai acontecer no futuro com a manutenção e ampliação dessa realidade, existe uma desvalorização em massa do emprego e uma valorização de tecnologias que sempre se renovam.

Com o passar dos anos as redes assumiram um grande papel na mídia, e hoje é essencial para ajudar os profissionais de assessoria.
por
Renan Silva de Mello
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09/11/2021 - 12h

Por Renan Silva de Mello

A profissão de Relações Públicas ou como é mais conhecida "RP" existe à mais de cem anos e dentro dela o cargo de assessor de imprensa. O cargo nasceu com um objetivo, ajudar a melhorar a imagem das empresas, mas com o passar do tempo alguns recursos surgiram junto com os avanços tecnológicos, e essas melhorias trouxeram facilidades para a vida do profissional de comunicação.

Luana Pellizzer é uma jornalista que trabalha com diversas empresas, e nos deu a oportunidade de fazer algumas perguntas sobre o ramo. Pellizzer disse que o avanço das redes sociais é de extrema importância para o RP, logo é essencial para o assessor também, já que os  "recebidos" dos influencers ajudam com as vendas e a popularidade dos produtos. Com isso podemos ver de uma forma mais clara que o avanço da tecnologia tem um papel crucial dentro da comunicação, ajudando as pequenas empresas crescerem e as grandes a se tornarem maiores em todos os aspectos, e os profissionais que não se atualizam ficam para trás, porque não conseguem prestar um bom serviço. Luana usa um bom exemplo dizendo que o assessor não pode se prender apenas a imprensa como mídia, é de extrema importância ele adquirir conhecimentos de outros cargos de RP.

A assessora pronunciou uma frase crucial para o ramo; "o profissional de assessoria de imprensa, tem que ter como melhor amigo o jornalista". Luana enfatiza que a assessoria precisa mudar junto com os jornais, e como a imprensa está caminhando para o meio digital, as empresas de assessoria também precisam migrar para lá, porque só assim poderá fazer um trabalho efetivo. E hoje as redes sociais são cruciais para a imagem pública de uma empresa.

Pesquisadores e professores explicam técnica de descontaminação que utiliza microrganismos presentes no local.
por
Laura Mello
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09/11/2021 - 12h

Por Laura de Almeida Mello

A questão ambiental é um dos maiores problemas mundiais e um dos assuntos mais discutidos atualmente. Problemas como contaminação do solo e de corpos d’água por óleos, metais ou outros contaminantes causam risco para a biodiversidade local, que pode levar anos para ocorrer a descontaminação natural. Assim, a biorremediação entra em cena como o processo mais limpo e seguro para a descontaminação destas áreas, contando com microrganismos locais que degradariam os contaminantes. Esse processo é similar com o que aconteceria na natureza, mas utiliza técnicas específicas para aumentar a população destes microrganismos, fazendo com que o contaminante se degrade mais rapidamente. Desse modo, não gera resíduos ou agride mais uma área previamente sensível. 

Em um levantamento feito por graduandos da Universidade Católica de Santos em Engenharia Ambiental em 2013, somente no Estado de São Paulo há 32 empresas que tratam de biorremediação e/ou remediação. Destas, 8 já ofereciam serviços de biorremediação há mais de 5 anos, e 7 passaram a oferecer nos últimos 5 anos. “As vantagens e desvantagens da biorremediação variam de acordo com o processo e os contaminantes.”, explica Gustavo Gregoracci, doutor em Microbiologia pela Universidade Estadual de Campinas. “Precisamos observar antes, fazer análises dos microrganismos presentes para descobrir qual degradaria o contaminante, sem tornar o ambiente mais tóxico do que inicialmente”. A pós doutora em Engenharia Química pela Universidade de São Paulo (USP) Elen Aquino explica ainda todas as etapas do processo: “Primeiro é preciso levantar o histórico da área, descobrir quais contaminantes estão presentes, se são orgânicos ou inorgânicos, como metais, a profundidade e o nível da contaminação, e o solo. Depois disso, podemos começar a analisar os microrganismos presentes no local para saber qual degradaria melhor o contaminante. Então, fornecemos fontes que façam estes microrganismos aumentarem sua população, aumentando a velocidade da descontaminação.”. 

Gunther Brucha, pós doutor no Departamento de Tecnologia Ambiental na Universidade de Wageningen, Holanda, conta que, durante seu pós doutorado, fez a remediação de algumas áreas utilizando fontes de carbono e microrganismos locais, mostrando que na Europa este processo biológico já é uma realidade, mesmo demandando mais tempo do que os processos físicos ou químicos. “Aqui no Brasil eu não conheço muitos processos de biorremediação,” comenta “mas é uma área que realmente precisa avançar para que possamos, efetivamente, tratar áreas com ajuda de microrganismos.”. Atualmente faz uma pesquisa em conjunto com pesquisadores da Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL), tentando analisar o impacto dos rejeitos do desastre de Brumadinho, que despejou aproximadamente 12 milhões de toneladas de resíduos tóxicos, principalmente metais, no Rio Paraopeba, mais precisamente no Reservatório de Retiro Baixo, localizado a 300km do local do desastre. A pesquisa analisa o Reservatório antes e depois da chegada dos rejeitos, observando sua precipitação e seu impacto na comunidade microbiana presente, tendo chances de se tornar um projeto de biorremediação.  

De acordo com os profissionais, as maiores dificuldades para a implantação geral da biorremediação no País são a falta de investimento em pesquisas e falta de pessoal, principalmente microbiologistas, para encabeçar os projetos. “A pesquisa para começar um projeto de biorremediação requer paciência, tempo e dinheiro para se pôr em prática”, explica Gustavo, “e com a ciência recebendo cada vez menos estímulo do Governo fica cada vez mais difícil. Muitos casos analisados em laboratórios nunca vão para campo”.  

As consequências podem ser ruins para o desenvolvimento do brincar
por
Mayara Neudl
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08/11/2021 - 12h

Por Mayara de Moares Neudl

Basta sair às ruas - ou até mesmo ficar dentro de casa - para perceber o quão a vida atual tornou-se dependente das telas. Esse contato constante com dados faz com que, em apenas uma leitura de jornal, possamos ter acesso à mais informação do que uma pessoa comum no século 17. Agora imagine tudo isso dentro da cabeça de uma criança de 5 anos de idade, ou menos.

De acordo com uma pesquisa com 510 crianças, feita pela Globosat em parceria com o Instituto Play, “81% delas se informam por meio de sites de canais infantis e 83% pela TV por assinatura. Além disso, 61% acessam o YouTube, 42% o Facebook e 40% até navegam em sites de compra online.”, porém os resultados de todo esse acesso podem não ser tão positivos assim para seus pequenos processadores cerebrais.

Em conversa com Maria Ângela Barbato Carneiro, professora coordenadora do Núcleo de Cultura e Pesquisas do Brincar da PUC-SP, a pedagoga afirmou que o uso de gadgets na primeira infância tem provocado problemas de cunho motor e social. “Elas esbarram nas coisas, não são ágeis, elas não conseguem correr… Até porque os espaços externos, dificilmente elas frequentam. O impedir a socialização, também, de alguma maneira faz com que elas sejam mais individualistas, que elas sejam mais voltadas para si, não sejam tão cooperativas, às vezes até mais agressivas em relação aos outros.”, afirma.

Foi o caso da Manuela, de 2 anos. Seu pai, Christopher, relatou que, aos 5 meses de vida, a criança passou a assistir o desenho musical “Mundo Bita” e apresentar mudança de comportamento. “Em determinado momento começou a fazer muita birra, principalmente quando ficava sem os vídeos, nervosa. Foi quando diminuímos o acesso às telas e hoje ela se relaciona melhor com isso.”.

Dois psicólogos estadunidenses, Jean Twenge, da Universidade Estadual de San Diego e Keith Campbell, da Universidade da Geórgia, realizaram um estudo que relacionou o uso de aparelhos eletrônicos por indivíduos de até 4 anos à maiores chances de perda de paciência, ansiedade, irritabilidade e estresse.

Para Maria Ângela, o uso apropriado das telas depende única e exclusivamente dos responsáveis. “Até que ponto isso beneficia ou traz malefícios depende tudo da maneira como a família lida com a questão.”. Ela explica que as crianças e adolescentes imitam a sociedade adulta, então hoje, proibir o uso já não é mais uma possibilidade, mas sim a condução da prática.

Para essa problemática da atualidade, o comprometimento dos tutores de buscarem alternativas como solução é imprescindível. É preciso lembrar sempre que celulares, tablets, computadores e televisões são ferramentas que proporcionam acesso à acervo praticamente infinito de livros, ilustrações, filmes, músicas e muito mais, e ensinar os pequenos a utilizarem sempre como veículo para obtenção de um conhecimento, afinal a tecnologia é um meio para um fim específico, e não um fim em si mesma.