Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Professora comenta os efeitos da exposição prolongada a dispositivos eletrônicos no desenvolvimento dos jovens
por
Carlos E. Kelm
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21/11/2021 - 12h

Por Carlos Daniel Englert Kelm

No livro “A fábrica de cretinos digitais”, Michel Desmurget descreve que pela primeira vez, filhos têm QI inferior ao dos pais. O neurocirurgião francês se baseia em diversos estudos para criticar os hábitos dos chamados ‘Nativos Digitais’. “Inúmeros especialistas denunciam a influência profundamente negativa dos dispositivos digitais atuais sobre o desenvolvimento”, afirma Desmurget.

A doutora em psicologia pela UFMG e professora, Carla Angeluci explica que os dispositivos digitais oferecem alguns riscos para a juventude, mas que não devemos nos precipitar: “É preciso entender que estamos vivendo um momento novo na história da informação, e diante de um fenômeno tão recente, não dá para concluir com precisão com o que estamos lidando. O que dá para dizer é que os dispositivos eletrônicos têm efeitos no desenvolvimento cerebral de crianças, por que já foram observados diversos fenômenos comportamentais novos ligados às telas”, frisa.

Teste de QI

Angeluci comenta os casos que têm sido observados: “Crianças que foram expostas a telas muito cedo, em alguns casos, confundem a interação física com a interação digital. O contato com telas é tão naturalizado que elas manuseiam objetos físicos como se fossem um celular mesmo, pressionando e passando os dedos nas paginas dos livros e outras superfícies”. No entanto, a psicóloga afirma que quase sempre casos como esses são passageiros: “Durante a infância, a criança passa por diversas fases, o cérebro está em constante mudança e aprendizado. Com o tempo, a criança vai conquistando uma compreensão mental e motora maior do mundo e essas questões geralmente são superadas”, explica.

Michel DesmurgetO ‘Efeito Flynn’, citado por Desmurget em seu livro, diz respeito a um fenômeno observado nas últimas décadas: na população mundial há uma tendência na qual filhos que são submetidos ao mesmo teste de QI que os pais, em média, têm um desempenho melhor. O neurocientista explica que nos últimos anos se observou o efeito contrário. Pela primeira vez os filhos teriam desempenho inferior. Para Desmurget, a principal causa disso seria a exposição exagerada a dispositivos eletrônicos.

Angeluci afirma que o Efeito Flynn não deve ser usado como um índice de risco: “O Efeito Flynn é um fenômeno muito interessante, mas não é uma regra. Eventuais alterações podem acontecer. Mas essa mudança observada pode sim ser um aviso para os pais que são muito liberais com relação à internet e celulares”

Para a psicóloga, não há como negar que exista um risco: “Existe de fato um aumento significativo nos casos de TDAH entre crianças. A gente observa um número grande de crianças imperativas, ansiosas ou com algum problema de aprendizado, e talvez o meio digital tenha um papel nisso, mas não dá para afirmar com certeza”,  avalia.

“Algo que se tem observado, principalmente na área da educação, é que a geração digital tem maior dificuldade com a leitura. Mesmo que sejam muito bem alfabetizadas, muita gente tem dificuldade para se concentrar em textos mais longos. Os jovens estão muito habituados a receber informações pela internet, e o tipo de informação que você encontra em sites como o twitter, instagram, etc, é sempre rápida e fragmentada, diferente de um livro”, comenta a professora. Angeluci também recomenda o livro ‘A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros’, do jornalista Nicholas Carr, para quem deseja se aprofundar.

A instituição expõe obras já conhecidas, preterindo as novas técnicas artísticas, porém dando destaque para o momento político atual
por
Rafaela Reis Serra
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21/11/2021 - 12h
Bienal
Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque Ibirapuera, onde acontece a 34ª Bienal. Foto: Rafaela Reis Serra

 

Por Rafaela Reis Serra

A 34ª Bienal Internacional de São Paulo conta com mais de 1100 obras de 91 artistas de todos os continentes, ao mesmo tempo em que, as tecnologias atuais mais inovadoras não foram utilizadas para compor a exposição, fazendo o uso de maior parte de quadros, esculturas e projeções audiovisuais, objetos frequentes há muito tempo no cenário cultural. Entretanto, seu objetivo foi focar no presente momento político em que o País vive, mostrando que a arte sobrevive frente ao sucateamento da cultura promovido pelo Governo Federal.

A arte geralmente é o retrato do momento atual e, concomitantemente, a face vanguardista do futuro. A edição da Bienal deste ano, conta com muitos quadros de artistas já consolidados no mundo artístico; outros mais recentes, como a artista Grace Passô e é a primeira edição com maior representatividade indígena, como Jaider Esbell (1979-2021). Porém, sem tecnologias atuais como realidade virtual, realidade aumentada ou NTFs, muito presentes na esfera pública no momento vigente.

“Na trajetória da arte contemporânea, o tipo de experiência que sai para além do olhar, é uma coisa que vem se tornando cada vez mais comum, por exemplo, a Lygia Clark. É algo que vem para ficar no sentido de que houve uma espécie de esgotamento da visão, e os artistas estão procurando trabalhar com outros sentidos”, diz o curador e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Marcus Vinicius Fainer Bastos, sobre a arte contemporânea.

O título “Faz Escuro, mas eu canto”, em alusão aos tempos de repressão no Brasil (1964-1985) e, por conseguinte sua resistência, conta com obras como de Hélio Oiticica (1937-1980), Lasar Segall (1889-1957) e Antonio Dias (1944-2018). Segundo o curador Jacopo Crivelli Visconti, em entrevista à PUC, o título ressoa muito nítido no momento em que se está e, mais ainda, por tudo que se vive nos últimos meses com a pandemia, se comparado a ocasião em que se estava quando escolheram o tema. “Ao falar de escuridão, essa metáfora que o poeta coloca, estamos pensando mais numa situação política e social, questão que são parte da história do Brasil desde a colonização. Veio a pandemia e agravou de maneira muito evidente todas essas questões e o título se tornou ainda mais forte.”

Visconti esclarece que no título, baseado no poema do autor Thiago de Mello (1926), claramente está se vivendo um momento extremamente tenso e problemático de inúmeros pontos de vista, mas que apesar das circunstâncias, defende a necessidade e o desejo de cantar. “Para gente era o contraponto essencial, porque queríamos fazer uma Bienal que fosse nitidamente em resposta a tudo que vemos ao redor, mas que também conseguisse ter a coragem de não se limitar àquilo.”

A curadora Stephanie Guarido afirma que existem bastantes obras atuais que poderiam ter sido utilizadas em alusão à resistência e ao momento político atual, como as que estão presentes na exposição: as de Jaider Esbell, Daiara Tukano e Paulo Nazareth. “Porém, é sempre necessário relembrar a obra de artistas como Antonio Dias, este que faleceu recentemente e teve grande parte de sua produção interpelada pela ditadura militar e seus efeitos. Olhar o presente também é relembrar o passado, que nunca pode ser esquecido.

Guarido defende que a grande estrela são as questões políticas e principalmente indigenistas, logo, não crê que a virtualidade esteja presente na mostra. “As tecnologias são importantes, mas as ideias por trás das obras devem ser o maior fator para seleção.

 

A questão tecnológica

Para não falar que não há inovações da época presente, a Bienal apresenta uma experiência imersiva no andar térreo, logo em sua entrada, onde o expectador utiliza fones de ouvido, sendo sons da natureza ao fundo e a orientação de uma voz feminina - muito parecida com as vozes robóticas de aplicativos como Google Tradutor ou Google Mapas - com comandos como: “ande sem alguém por perto”, “coloque as mãos para trás” entre outros, permitindo que o público tenha um experimento singular.

Marcus Bastos afirma que a ausência de quadros em certas exposições é devido a um período da arte contemporânea que os artistas pararam de fazê-los, mas que a relação com eles é inesgotável: “a pintura, escultura, todos os formatos mais clássicos da arte são inesgotáveis, as pessoas sempre vão ter experiências muitos ricas em relação a essas mídias. A arte contemporânea deixou de fazer pinturas com tanta freqüência e tudo tem que ser adequado ao contexto.”

 

O que é a Bienal

A Bienal surgiu a partir de obras trazidas por Francisco Matarazzo, o “Ciccillo”, em 1951, ao Brasil, promovendo em São Paulo a reunião de variadas obras de diferentes artistas mundiais. Foi baseada na Bienal de Veneza, criada em 1895. Há 70 anos, a segunda bienal mais antiga do mundo acontece em São Paulo e seu nome é devido ao fato da exibição acontecer a cada dois anos. Este evento foi responsável por inserir a cidade paulistana no circuito mundial da arte contemporânea.

Segundo Agnaldo Farias, curador da 29ª Bienal de São Paulo, “A Bienal é o lugar do não cotidiano, é o lugar da invenção, é o lugar da liberdade. Mostra o que está acontecendo agora, o quê é mais radical, o quê é mais transgressivo, o mais ousado, porque o resto, os museus não contam”, além de manifestar o futuro da expressão e o “amanhã” da arte.

Com o crescimento da estratégia de marketing, a tecnologia se mostra, mais uma vez, a maneira mais eficaz de se adequar aos novos parâmetros dos consumidores.
por
Ana Luiza Pêgo
Anna Beatriz da Matta
Giovana Yamaki
Sofia Luppi
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01/12/2021 - 12h

 

Empresas investem em atendimento virtual por meio de avatares
Empresas investem em atendimento virtual por meio de avatares. | Montagem

 

As assistentes virtuais são, definitivamente, uma sensação do marketing digital. Com a função de humanizar a relação entre cliente e marca, as personagens trazem informações, oferecem soluções e tiram dúvidas. Todavia, nem tudo que envolve essa tendência é positivo. O fato da maioria das assistentes serem mulheres abriu margem para um grande número de assédios, tanto morais quanto sexuais. Desse modo, a comunicação entre o consumidor e a empresa se torna mais ágil e eficiente, porém essa facilidade pode ser problemática também.

Na realidade, a ideia é criar um avatar que carregue os valores da empresa e que através dele, as pessoas se identifiquem com os produtos e se tornem potenciais clientes. Além disso, as assistentes podem servir como cartão de visitas de uma determinada marca e/ou podem atuar como influenciadoras digitais. O propósito é ter a imagem de como a marca seria se fosse um indivíduo, o que potencializa o reconhecimento da marca, já que o “rosto” da personagem estará sempre atrelado a alguma ação da empresa.

Em suma, é preciso que a personalidade do personagem agrade o público alvo. Atualmente, vender apenas produtos já não é mais suficiente, é preciso vender valores e para isso, é preciso uma figura humana, nem que ela seja apenas virtual.

Em decorrência da adesão popular desses personagens, as empresas estão, cada vez mais, investindo nesse suporte on-line. Na atualidade, há uma variedade delas, como a Bia, do Bradesco; CB, das Casas Bahia; Sam, da Samsung; Nat, da Natura e a Lu, da Magazine Luiza. 

Conforme informam os dados do Magazine Luiza, a estratégia tem dado certo. Afinal, analisaram que 60% dos indivíduos que entram em contato com a assistente não precisam dialogar posteriormente com o SAC.

Sob essa perspectiva, nota-se um crescimento e alcance significativos das assistentes virtuais. No ano passado, a Ilumeo, empresa de ciência de dados, fez uma pesquisa que contabilizou o aumento de 47% na utilização de serviços com assistentes virtuais por voz.

A Lu registrou 8,5 milhões de interações no primeiro semestre de 2020. Além disso, sua inteligência artificial evoluiu. Agora, conta com a plataforma IBM Watson Assistant, que possui uma variedade de programações capazes de executar diferentes serviços e passou por atualizações para englobar informações a respeito do rastreio de pedidos e curiosidades sobre ela mesma.

Outra robô influenciadora que teve a adesão do público no ciberespaço é a Mara, da Amaro. Contando com mais de seis mil seguidores no Twitter, ela compartilha, na rede social, informações sobre a marca e até mesmo utiliza memes e comenta sobre notícias que viralizam na internet.

Desde que as sessões de fotos presenciais com equipes foram suspensas, devido à pandemia da Covid, a fashiontech começou a buscar alternativas para produzir conteúdos remotamente. “A modelo virtual foi projetada para atender às demandas da equipe de marketing e produtos para a criação das campanhas e lookbook em tempos de isolamento social”, explica Luciana Cardoso, diretora de criação da Amaro, para a Harper’s Bazaar Brasil.

Tendo como intuito ajudar a empresa em diferentes atividades, a personagem Mara foi criada através de uma técnica mista que contou com o trabalho de diversos profissionais, como fotógrafos, modelos, designers e programadores.

A Amaro criou um perfil mais humanizado para a Mara, atribuindo data de aniversário, preferências e gostos. Inclusive, no site da marca é exposto que seu visual é baseado em dados e sua personalidade em seu mapa astral.

Uma outra estratégia com finalidade de gerar conexão com o público foi uma ação da marca de incentivo à autoestima. Através de uma enquete no Instagram da Amaro, a modelo virtual apresentou alternativas para mudar de visual. Cerca de 75% dos participantes optaram pela transição capilar da assistente. No decorrer do movimento, ela relatou nas redes como estava sendo o processo de deixar as químicas e aceitar sua nova versão.

Entretanto, precisamos ressaltar que o assédio virtual também é uma realidade. Um estudo chamado “I’d Blush If I Could” (“Eu ficaria corado se pudesse”), divulgado pela Unesco em 2019, revelou que ao serem assediadas verbalmente, as assistentes virtuais são passivas.

O fato dessa tecnologia ser interligada à figura feminina, acarreta muitas vezes que ela seja submetida à misoginia, tal como as mulheres reais. E, dependendo da área do negócio, a imagem feminina pode não ser vista como ideal, principalmente, em assuntos de cunho masculino. Empresas de finanças e investimentos usam vozes masculinas, pois o público dá mais credibilidade.

“Quando se pensa que o mundo da tecnologia tem um público majoritariamente masculino, branco, heterossexual, e muitas vezes, de uma classe econômica com um certo poderio econômico, essas questões estruturais para a sociedade não são tão relevantes para essas pessoas que estão construindo o chatbot.”, disse Livy Real, doutora em Linguística pela Universidade Federal do Paraná, ao Jornal da USP.

Em 2020, o Bradesco registrou 95 mil mensagens ofensivas para a Bia. Em campanhas publicitárias, o banco se posicionou contra o assédio que sua assistente recebeu, comunicando que ela não tolera mais esse tipo de ataque.

Valéria Vieira, fundadora da Startup Langue, apontou para o Jornal da USP que, ao utilizar uma voz feminina, as assistentes são associadas a um imaginário machista, que liga a mulher ao cuidado, afeto e a subserviência.

Por conta dessas situações, a Unesco, em 2020, lançou a campanha #HeyUpdateMyVoice (“Ei, atualize minha voz”), onde mulheres gravassem respostas às ofensas sofridas por assistentes virtuais. A instituição orientou que essas tecnologias respondessem de forma mais contundente, auxiliando na educação da sociedade contra o assédio.

No País que vê o número de fumantes cair, cresce o percentual de jovens e adultos que fazem uso do dispositivo
por
Danilo Zelic
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19/11/2021 - 12h

Por Danilo Zelic

Segundo estudo do INCA (Instituto Nacional de Câncer), Risco de iniciação ao tabagismo com o uso de cigarros eletrônicos: revisão sistemática a mete-análise, publicado na revista Ciência & Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a utilização do cigarro eletrônica (e-cigarette) aumenta em mais de três vezes o risco de experimentação e mais de quatro vezes o risco de uso, ambos de cigarro convencional.

Esse resultado vai na contramão do que geralmente se escuta atualmente, principalmente pelos mais jovens: a afirmação de que o cigarro eletrônico ajuda a largar o vício do cigarro convencional, substituindo ou funcionando como um tipo de redução de danos, por aparentar menor dano à saúde.

Segundo a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), em 2020, o porcentual de fumantes com 18 anos ou mais, idade permitida legalmente para o uso da substância no Brasil, é de 9,5%, sendo 11,7% entre homens e 7,6% entre mulheres. Em relação a população abaixo dos 18 anos, a PeNSE (Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar) de 2019, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e Ministério da Saúde, com apoio do Ministério da Educação, revelou que a porcentagem de jovens estudantes de 13 a 17 anos que fumam é de 6,8%, sendo maior a quantidade de meninos que fazem o uso do tabaco, 7,1%, em comparação às meninas, 6,5%.

Prevalência de tabagismo entre os anos de 1989 a 2009
Prevalência de tabagismo entre os anos de 1989 a 2009 - Reprodução INCA

Com relação ao cigarro eletrônico, o mesmo estudo demostrou que a prevalência de estudantes que experimentaram o cigarro eletrônico é maior na rede privada do que na rede pública. No Brasil, 16,6% dos estudantes entre 13 e 17 anos da rede público experimentaram o cigarro eletrônico, contra 18% da rede privada. Segundo pesquisa do DataFolha, em parceria com a ACT (Aliança de Controle do Tabagismo) Promoção da Saúde, lançada esse ano, 3% da população acima de 18 anos faz uso diário ou ocasional do cigarro eletrônico, ou DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar).

A ideia passada inicialmente pelas fabricantes do dispositivo, era de ser menos nocivo ao cigarro convencional, sendo assim, seguindo a lógica das empresas, uma ótima alternativa para tabagistas substituírem o cigarro convencional pelo eletrônico. Porém, segundo a médica epidemiologista Liz Almeida, coordenadora de Prevenção e Vigilância do Inca, não é bem isso que a ciência tem demonstrado. “Com o tempo, a gente foi vendo que ele não era tão bonzinho assim. Tem riscos porque tem substâncias que também são cancerígenas”, disse à Agência Brasil.

Reprodução INCA
Reprodução INCA

Quando estudos mais robustos começaram a demonstrar que o DEFs causa danos à saúde, como o cigarro convencional, a lógica por trás do marketing das empresas passou a ser outra: visar um público mais jovem. Além de conter nicotina, o dispositivo passou a ter um diferencial, sabores artificiais que imitam frutas e doces. Essa lógica, que visa o público jovem a consumir um produto exclusivo para adultos já era conhecida no ramo da industrial do tabaco, com a produção de cigarros com o sabor de menta, cereja ou cravo.

Em reportagem da Folha de S.Paulo, Diogo Alves, consultor nacional da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), comenta sobre a lógica por trás das variedades dos sabores, ressaltando que são produtos para crianças e adolescentes. “Não são sabores para quem fuma, são claramente voltados para a iniciação [do jovem], para mascarar a aspereza da nicotina. A indústria fala em redução de danos para adultos, mas quem faz uso desses produtos são crianças, adolescentes”.

Líquido Fruit Juice - Reprodução: VaporClub
Líquido Fruit Juice - Reprodução: VaporClub

Irregular no País desde 2009, segundo determinação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o comércio de cigarros eletrônicos segue firme e se estabilizando. Reportagem produzida este ano, pelo portal de notícias Poder 360, percorreu a Feira dos Importados, localizada em Brasília, mostrando que, dos 46 corredores da feira, 14 eram tabacarias, sendo que só duas não vendiam o dispositivo e dez delas vendem exclusivamente os DEFs.

 

Da empatia ao pedagógico, as diferentes frentes que os aplicativos trabalham permitem amplo espectro de ação contra violência machista.
por
Danilo Zelic
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19/11/2021 - 12h

Por Danilo Zelic

A Lei 11.340, mais conhecida como a Lei Maria da Penha, sancionada em 2006, completou 15 anos. Importante marco da luta social no combate à violência contra a mulher, enfatizando que o Estado pode intervir sobre o que se passa no ambiente privado, ainda mais quando uma pessoa corre risco de vida. Com a chegada da Internet e a facilidade que ela trouxe, novas formas de enfrentamento surgiram para além das denúncias via telefone ou no ambiente presencial, como aplicativos para celulares e canais de denúncia que podem ser acessados pelos navegadores da web.

METE A COLHER

A partir de um áudio de WhatsApp ter sido compartilhado em um grupo com diversas mulheres do Brasil, que captava o momento exato em que o marido batia em sua esposa, a jornalista e uma das idealizadoras do projeto, Rede Mete a Colher – nome que faz alusão a infeliz frase popularmente conhecida, “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” – Renata Albretim, que participava de um evento de tecnologia e inovação, junto com outras mulheres, decidiu criar alguma ferramenta para auxiliar mulheres vítimas de violência a compreender a situação que estão passando e como podem sair daquela situação sem sofrerem mais violência. Foi assim que surgiu o Mete a Colher. Em detalhes, Albetrim conta no programa Comutah, da TV Fórum, como foi o processo de criação do aplicativo.

"Ninguém sabia muito bem o que fazer diante daquela situação, ou seja, essa mulher não conseguiu ser muito bem ajudada, orientada, auxiliada. A nossa equipe se juntou, começou a refletir e a se aprofundar mais sobre o problema”. Em sua fala no programa Comutah, ela explica os pontos chaves que o aplicativo forneceu para ajudar a mulher em algum caso de violência. “Elas entrariam nesse aplicativo, uma mulher que estava ali disposta a ajudar de forma voluntária, seja porque ela é advogada, psicóloga, ou porque ela tem conhecimento ou já teve essa experiência entra também”, explica.

Divulgação Mete a Colher - Foto: Reprodução Facebook
Divulgação Mete a Colher - Foto: Reprodução Facebook

 

Albetrim enfatiza que a ideia do aplicativo, para além de escutar os relatos de mulheres que sofreram algum tipo de violência, o que o coletivo tenta fazer é “dar um encaminhamento que na nossa visão é o ideal”. “Toda a nossa ajuda, para além da empatia, de acolher, reafirmar as experiências e as dores delas, a gente encaminha essa mulher para ela ser assistida, para ela ser atendida pela rede pública de enfrentamento à violência contra a mulher”, diz a jornalista.

Por problemas financeiros, o aplicativo Mete a Colher saiu do ar no começo de 2020, porém a Rede Mete a Colher criou algo semelhante, voltado para o ambiente de trabalho. Desenvolveram o “Tina ajuda me”, aplicativo nos moldes do “Mete a Colher”, que orienta mulheres no mercado de trabalho, prestando serviços para empresas, possibilitando que as funcionárias das empresas utilizem o aplicativo caso passem por uma situação de violência doméstica ou no trabalho.

PENHAS

Desenvolvido pela jornalista e ativista feminista, MaríliaTaufic, e logo em seguida, idealizado em parceria com a revista digital AzMina, o “PenhaS” – nome que faz menção ao sobrenome da mulher que deu origem a Lei, Maria da Penha – é um aplicativo surgido em 2019 que nasceu sob o mesmo argumento do “Mete a Colher”, “fazer um enfrentamento mais direto, mais efetivo” em relação ao combate à violência contra mulher, como conta Thais Folego, jornalista e co-diretora da revista, no episódio “Azmina e o aplicativo Penhas”, do programa de podcast Olhares.

Aplicativo PenhaS – Foto: Nego Júnior©2019 @negojunior_
Aplicativo PenhaS – Foto: Nego Júnior©2019 @negojunior_

"É uma forma muito efetiva realmente de como essa atuação online se dá nesse mundo offline, nesse mundo prático no dia a dia de mulheres que estão vivendo um relacionamento abusivo ou uma situação de violência de fato”, diz Folego. A jornalista elenca três pilares que o aplicativo possui: trazer informação; a possibilidade de acolhimento; e o pedido de ajuda e denúncia.

Sobre o ponto de "trazer informação”, no Podcast "Folego" comenta que é mais em um sentido pedagógico, ou seja, de passar alguma informação adiante e ao mesmo tempo educar aquelas que tiveram acesso a ela. “A Lei Maria da Penha traz cinco tipos de violência contra a mulher, mas muitas mulheres acham que só quando a violência é física, que ela é, de fato, uma violência que pode ser denunciada. O App tem um quiz, para ajudar essa mulher a identificar se ela está em uma situação de violência ou não”. Lembra também da possibilidade que a usuária tem em acessar um mapa, onde pode se informar qual é o ponto de atendimento mais próximo, serviços públicos como delegacias, onde ela pode fazer uma denúncia, ou uma rede de acolhimento, caso não consiga uma medida protetiva que distancie o agressor do seu ambiente doméstico.

 

MARIA DA PENHA VIRTUAL

Mais voltado para a questão prática do que propriamente pedagógica, o Maria da Penha Virtual é um aplicativo desenvolvido por estudantes de direito e pesquisadores do Centro de Estudos de Direito e Tecnologia (CEDITEC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com o intuito de agilizar pedidos de medidas protetivas de urgência das mulheres vítimas de violência no estado do Rio de Janeiro.

Rafael Wanderley, estudante de direito e pesquisador do CEDITEC, explica, na reportagem produzida pela TV ADUFRJ (Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro), o funcionamento do aplicativo online, que diferentemente do Mete a Colher e o PenhaS, pode ser utilizado em qualquer plataforma. “Ele é um webapp [aplicativo de web]. Para qualquer dispositivo eletrônico ele se ajusta, para celular, computador ou tablet”.

Divulgação Maria da Penha Virtual – Foto: Reprodução
Divulgação Maria da Penha Virtual – Foto: Reprodução

 

Além do seu funcionamento, o diferencial é a possibilidade que a vítima que sofreu a violência possui para gerar um pedido de medida protetiva. Na seção “Como funciona o processo?”, há uma explicação em três partes de como se dá o processo após o pedido de medida protetiva. O primeiro passo é, “a vítima responde nosso formulário com os dados que precisamos para gerar um pedido de medida protetiva”; o segundo passo, “nosso sistema gera um pedido de medida protetiva e envia para um(a) juiz(a), com segurança e sigilo”; e o terceiro passo, “o (a) juiz(a) irá avaliar o caso e julgar as medidas a serem tomadas para assegurar a proteção da vítima”.

O Analista do Ministério Público e Pesquisador do CEDITEC, Hassany Chave, na mesma reportagem da TV ADUFRJ, comenta o ponto principal do aplicativo. “Nosso foco é a efetividade e garantia do acesso à Justiça”.