Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Esclarecendo dúvidas sobre os riscos em uma conversa com Luiz Padulla
por
Clara Dell'Armelina
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05/05/2025 - 12h

O mundo está farto de plástico. Estão presentes em utensílios, móveis, roupas e, agora, também nos alimentos, mas não para por aí, estudos recentes, como o feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), comprovam a existência de plástico acumulado no corpo humano. Estamos falando de microplásticos, pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 milímetros causadoras de danos tóxicos aos seres vivos. 

A presença de plástico nos oceanos foi detectada pela primeira vez na década de 70 e só em 2004, com o pesquisador Richard Thompson, que tivemos o conhecimento dos "microplásticos". Entre 2010 e 2020 foi quando  identificaram a presença de microplástico em toda a cadeia alimentar, mas só a partir de 2023 que as pesquisas se voltaram para mapear seus impactos na saúde humana. O professor, biólogo, doutor e autor do blog "Biólogo Socialista", Luiz Fernando Padulla, conversa sobre o assunto com a repórter da AGEMT. Confira!

Pressão do governo Trump sobre instituições de ensino provoca medo sobre fuga de cientistas
por
João Paulo Moura
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05/05/2025 - 12h

Instabilidade é um rótulo que nenhuma nação deseja carregar. Seja na economia ou na educação, viver em um lugar de incertezas gera apreensão a todos. E, embora Donald Trump tenha recém completado 100 dias no cargo de presidente, graças às medidas adotadas, os cientistas se encontram em um mar de insegurança nunca vivido nestas últimas décadas. Columbia, Princeton e a Universidade da Pensilvânia sofreram com os cortes e ameaças de Donald Trump. Columbia teve US$ 400 milhões em subsídios federais suspensos devido à casos de assédio a estudantes judeus. Harvard foi uma das universidades que negou as demandas da Casa Branca.

Em consequência, no dia 14 de março, o Departamento de Educação anunciou o congelamento de US$ 2,3 bilhões em subsídios para a instituição. "Uma das grandes vantagens comparativas que os EUA tinha era sua capacidade de atração e fixação de cérebros de pesquisadores de outros países, principalmente do Sul Geopolítico”, diz Cristina Pecequilo, doutora em ciência política pela USP e professora de relações internacionais da UNIFESP. Assim, se os EUA deixarem de ser atrativos, os pesquisadores se moverão a outras nações, e com isso haverá uma perda de conhecimento de ponta”, ressalta Pecequilo em entrevista à AGEMT.    

As ações tomadas pelo governo Trump provocaram um temor generalizado entre os cientistas com medo de uma possível fuga de cérebros. O termo se refere ao processo de migração de pesquisadores, cientistas e profissionais altamente qualificados. Em pesquisa realizada pela revista Nature, dos 2000 pesquisadores consultados no levantamento, 75% consideram sair do país nos próximos anos. Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro e, em seu primeiro dia de mandato, revogou 78 ordens executivas do governo anterior, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do acordo de Paris. Durante os três meses seguintes, as ações tomadas pelo governo se intensificaram, principalmente no setor econômico.  

Donald Trump segurando decreto no salão oval da casa branca
Donald Trump exibe decreto assinado no dia 20 de janeiro. Foto: Anna Moneymaker/Getty Images 

No dia 2 de abril, intitulado pelos republicanos como o “dia da libertação”, iniciou-se uma guerra comercial entre os EUA e o mundo. Com a meta de corrigir o déficit comercial internacional do país, o governo norte-americano impôs taxas a 185 países. As altas porcentagens geraram respostas das nações, principalmente por parte da China que revidou com um grande pacote de alíquotas sobre as commodities americanas. Mas as medidas não pararam somente no setor econômico. Dentro das universidades do país, o temor do corte de financiamento e da fiscalização do conteúdo dos cursos aumentou.

A tensão entre o governo Trump e as instituições de ensino superior se elevou a partir do mês de março. Investigações de programas de diversidade e inclusão foram abertas em 45 universidades, com exigências sobre a auditoria de conteúdos e as condutas de alunos em favor da Palestina. Em resposta a esse cenário, instituições e países ao redor do mundo começaram a se movimentar para atrair os cientistas que se encontram nos EUA. A Universidade de Aix-Marselha, localizada na França, lançou uma iniciativa chamada Safe Place for Science, que investirá 15 milhões de euros para apoiar 15 pesquisadores. A União Europeia lançou a campanha Choose Europe for Science, como um refúgio para a liberdade acadêmica. Bélgica, Holanda e países nórdicos vêm oferecendo bolsas e infraestrutura de ponta para pesquisadores norte-americanos. 

Além das universidades europeias, China e Índia se consolidam como potenciais concorrentes dos pesquisadores estadunidenses. “Eu destacaria a China como uma potencial concorrente, até porque basta lembrar que todos estes outros países, principalmente a França tem problemas com forças políticas conservadoras anticiência. Além dela, mencionaria igualmente a Índia, que tem investido pesadamente em ciência e tecnologia”, completa Pecequilo. 

Nos últimos anos, a China despontou como a líder mundial em número de artigos científicos publicados. Segundo Ministério de Ciência e Tecnologia da China, em 2024, o país destinou mais de US$ 496 bilhões para pesquisa e desenvolvimento. Esse valor corresponde a 2,68% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês, sendo o segundo maior investidor mundial em pesquisas, atrás apenas dos Estados Unidos. 

A Índia também tem se destacado como uma potência emergente em ciência e tecnologia, apesar de ainda apresentar desafios estruturais. O país investe 0,64% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, esse investimento tem crescido de forma constante, dobrando na última década. O governo indiano é o principal financiador, respondendo por mais da metade do total, com destaque para agências como o DRDO (Defesa), o Departamento de Espaço e o Departamento de Energia Atômica. 

Apesar das incertezas internas e das ameaças que pairam sobre o sistema científico dos Estados Unidos, a ciência mundial está encontrando novos centros. Essa reconfiguração global do conhecimento pode redefinir o papel dos EUA como epicentro da inovação e da produção científica.

Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Idosos abordam suas relações com a Internet, e apontam os pontos positivos e negativos das novas teologias
por
Lucas Munhoz Rossi
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04/10/2022 - 12h

Por Lucas Rossi

Smartphones, tablets, computadores, inteligências artificiais, Google, sites, redes sociais, mídias alternativas, equipamentos eletrônicos, entre outros, fazem parte do dia a dia da nossa sociedade, estando presentes na maioria de nossas atividades, e ditando o ritmo e a vida das pessoas. Para um jovem, que a partir do ano 2000, nasceu, cresceu e se desenvolveu simultaneamente ao avanço de novas tecnologias, é praticamente impossível imaginar como era a vida sem as tecnologias de comunicação em rede.

Elas estão tão impregnadas em nosso cotidiano, que é difícil imaginar que existam pessoas que ainda não utilizam ou ainda não se acostumaram com esses avanços. No entanto, esse é o caso da maioria dos idosos ao redor do mundo. Nascidos em um período em que as coisas eram mais simples, em que as pessoas se importavam em trabalhar desde cedo, com a educação pouco valorizada, baixas expectativas de vida e inúmeras guerras vivenciadas. Para algumas dessas pessoas, a Internet pode ser vista apenas como mais uma “fase”, para outras como um desserviço para a humanidade, já que na visão de muitos acaba afastando as pessoas.

Porém, muitos idosos enxergam pontos positivos e tentam fazer parte da Internet e das redes sociais. Como é o caso da Vicentina Nabarro, 72 anos, mãe de três filhos e avó de 7 netos. Mesmo com tantas experiências de vida e tantos anos de vida, Vicentina tenta estar sempre atualizada e buscando aprender essas novas “ferramentas”. Nabarro afirma que as novas tecnologias "são difíceis para a minha geração pois não fez parte do nosso cotidiano, como acontece com as gerações atuais. Uma criança tem mais facilidade de lidar com as novas tecnologias e muitas vezes nos ensinam como lidar com elas. Ainda Tenho algumas dificuldades, como por exemplo fazer compra pela Internet etc., precisando que meus filhos façam por mim.”

Ela afirmar poder fazer o básico para se comunicar e usufruir do avanço tecnológico, como usar o app do banco, app do plano de saúde, marcando consultas, recebendo resultado de exames, fazendo reclamações, enviando documentos para aprovação de exames, compras, delivery e aplicativos de viagem. Sua comunicação com as pessoas tornou-se imediata pois através do WhatsApp ela consegue resolver problemas, contratar serviços, acompanhar o cotidiano de amigos e familiares. Através do Facebook ela toma ciência do que está acontecendo no Brasil e no mundo. "Converso com amigos presentes em nossa vida e com os distantes até em outros países", disse.

Mesmo sendo defensora dos novos instrumentos tecnológicos, Tina, como gosta de ser chamada, aponta alguns riscos da Internet: “O mundo está muito melhor com a Internet, mas ao mesmo tempo estamos cada vez mais dependentes dela, nos privando do contato presencial, com um bom papo olhando nos olhos e aproveitando nossa presença. Além do mais, é preciso muito cuidado com os golpes de internet, principalmente contra nós idosos, que não temos tanta familiaridade com essas tecnologias”, avalia.

Sérgio Luis Munhoz, ex-professor universitário de 74 anos, acredita que os avanços tecnológicos têm importante papel nos dias atuais, mas confessa ainda ter algumas dificuldades em utilizar todas essas ferramentas. Para Sérgio, “Essas novas ferramentas são extremamente úteis e importantes, e facilitam muito a vida de todos, embora a velocidade das inovações está em descompasso, com a capacidade dos idosos, como eu, fazendo com q tenhamos que nos socorrer com filhos, netos, funcionários mais jovens etc.”, afirma. “Entendo que as facilidades dessas novas tecnologias aumentam nossas possibilidades de contacto, melhoram nossa comunicação com o mundo, com parentes e amigos, mesmo que estejam distantes, auxiliando muito nossas vidas, embora seja um pouco viciante e às vezes podem nos desviar da possibilidade de melhores contatos pessoais”, completa. 

A Internet e as redes sociais são elementos positivos para a humanidade é uma questão de opinião particular de cada cidadão, no entanto tudo indica que só é o início dessa nova fase, então é importante se atualizar e ter alguma familiaridade com o assunto. Da mesma forma, que é importante manter um equilíbrio e não deixar que sua vida “virtual” se torne mais importante do que sua vida real.

“O jovem se expõe cada vez mais nas redes sociais, sendo submetido ao olhar do outro e tornando-se dependente dele”
por
Clara Maia de Castro Ribeiro
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04/10/2022 - 12h

Por Clara Maia

 

O tão especulado “padrão de beleza” sempre foi esperado e cobrado para toda mulher. Seja imposto através do machismo estrutural, de nível de status econômico e social ou até mesmo, do grande mercado capitalista. Porém, algo que nunca mudou foi quem o dita: homens héteros, cisgênero e de grande influência social. Como a tecnologia criada por esses homens afeta a saúde mental de muitos jovens é preocupante; transtornos alimentares e a dismorfia corporal nunca foram tão expostas como hoje. Porém, para compreender essa influência é necessário entender onde e como a pressão estética foi criada. 

Pensando historicamente, os registros sociais que marcam essa narrativa começam na Renascença - compreendido entre os séculos XIV e o fim do século XVI -. Nesse período, a beleza era sinônimo de riqueza e fertilidade. Logo, ser curvilínea e gorda representava o poder de posse para uma boa alimentação e, consequentemente, um bom corpo para gerar filhos. É possível enxergar essas marcas em pinturas clássicas como “O nascimento de vênus”, de Boticelli. 

Obra do artista renascentista Sandro Botticelli (1445-1510).

 

Este conceito de beleza filiado ao corpo gordo perpetuou durante um longo período na história, já que a fome sempre foi presente durante boa parte da industrialização mundial. 

Dando um salto para o século XX, a conquista dos direitos feministas como voto, o trabalho e a independência financeira fez com que o mercado capitalista deparasse com o desafio: “como manter o controle sobre as mulheres?”.

Protesto feminista em São Paulo na década de 1960.

 

Entra a fase da mercantilização do que é feminino. A mídia comercial começa a ditar o que seria a mulher perfeita com a influência do cinema, das propagandas, da indústria da moda e beleza. Ser magra é agora é sinônimo de controle e autocuidado. Porém o ideal da beleza atrelado ao poder financeiro nunca mudou, já que só a mulher com possibilidade de gastar em maquiagem, cirurgias plásticas, academia é vista e associada como bela. 

Entender a influência da tecnologia e do mercado é essencial para que se questione o processo de dominação feminina. Hoje, as redes sociais têm um papel claro na saúde mental de grande parcela da sociedade, já que o ser humano é movido pela aprovação do outro. Redes como Tiktok, Instagram, Facebook e Twitter ganham milhões em cima desse desejo insano de aprovação - likes, comentários, retuítes - instigam esse pensamento de comparação de forma voraz. Quando só o corpo magro e jovem é lido como belo, todos aqueles que não se encaixam nesse quadro, tem propensão a gerar transtornos alimentares e mentais. 

O psicólogo Cláudio Paixão, graduado pela UFMG, comenta: "Na medida que o jovem se expõe cada vez mais nas redes sociais, mais ele está submetido ao olhar do outro, se tornando também dependente desse olhar” logo, é natural que as pessoas queiram adaptar-se para captar essa atenção para si. É nessas tentativas que os procedimentos estéticos entram, na esperança de ficar mais próximo ao que é desejado e buscado como belo.

Prova dessa busca alarmante pela aprovação estética são os números de cirurgias plásticas feitas no Brasil. De acordo com dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o País está em primeiro lugar no ranking mundial (aproximadamente 1.5 milhões de cirurgias ao ano, ultrapassando os Estados Unidos e o México, em segunda e terceira posição, respectivamente).

Paixão alerta, “É importante ressaltar o limite entre o prejudicial e o uso das redes e filtros que alteram sua imagem” e acrescenta: “Quando a pessoa começa a trocar a visão realista de si mesma pelas versões dos filtros e se sentir desconfortável com a sua real aparência, é um grande motivo de preocupação”. Se faz então importante a rede de apoio familiar e social desse jovem, para que ele se sinta acolhido e valorizado em si próprio, impedindo o avanço de doenças como depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de imagem como resultado desse tipo de cobrança feminina.  

A crise energética da Europa e a busca por soluções mais sustentáveis
por |
04/10/2022 - 12h

Por Laura Naito

 

No início de 2022, a Europa se deparou com uma crise energética causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, isso porque 43% do gás natural consumido pela União Europeia vêm da Rússia, que têm restringindo o acesso de energia pelo apoio do bloco econômico à Ucrânia. Refém das políticas russas, a Europa se encontrou obrigada a avançar nos projetos de busca por alternativas renováveis de energia.  Segundo a Agência Europeia do Ambiente, 77% das necessidades energéticas do europeu médio são supridas com os recursos do petróleo, gás natural e do carvão. Enquanto a  energia nuclear supre 14% dessas necessidades, os restantes, 9%, são supridos por fontes renováveis. Agora, a UE busca diminuir a importação de gás russo em dois terços e transformar sua matriz energética.

 

O professor de química Mauritz De Vries, explicou que hoje em dia há tecnologia para conseguir obter energia a partir de fontes renováveis, "mas é necessário um grande investimento para que haja uma mudança na matriz energética e que seria possível, mas pelas questões políticas e econômicas isso não acontece, o que ajudaria também a segurança energética e existe uma pressão para que os países não sejam auto suficientes (para manter as relações do mercado internacional)". Devido ao efeito estufa e ao aquecimento global, não é mais viável se voltar aos combustíveis fósseis, como era feito antigamente. Para isso, a Europa e o resto do mundo precisam encontrar uma forma para encontrar segurança energética de forma sustentável e econômica. Ter energia barata é uma parte fundamental do processo considerando que o preço dela é um dos fatores mais relevantes na economia de um país. O valor pago por esse produto vai afetar os preços de toda a nação em questões básicas como transportes e na produção de alimentos. 

 

Sobre isso, De Vries disse que energia elétrica não pode ser armazenada em grande quantidade porque precisa de bateria, que são caras. Para ele, a grande problemática para a popularização da energia limpa é a necessidade de grandes investimentos em tecnologias para seu armazenamento. Como ainda não existem sistemas avançados e de grande escala para isso, quando há a produção de energia por fontes renováveis, a energia que não é utilizada é perdida. O professor aponta a solução encontrada pelos países nórdicos: "Como já possuem uma grande produção de energia sustentável, o excedente tem sido usado para fazer a eletrólise da água e produzir gás hidrogênio." 

 

    Ainda estamos em um momento de evolução das tecnologias de armazenamento, que é a forma que os países poderão se tornar independentes energeticamente e tornar esse mercado estável, já que é falta de estabilidade do mercado que traz flutuações de preços, dependendo da produção e da demanda.  A relação entre armazenamento e dependência é inversamente proporcional. Com mais países conseguindo armazenar sua energia, a dinâmica internacional do comércio vai se tornar mais democrática. A diversificação do mercado será responsável pelo seu aumento e as potências energéticas que conhecemos hoje irão mudar. 

 

Uma mudança na matriz energética mundial não seria boa apenas para o meio ambiente, mas também ajudaria a construir um mundo mais democrático e liberal, com as nações sendo auto suficientes. Com esse processo de substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis, os países exportadores de petróleo e gás natural perderão poder econômico e influência geopolítica. Enquanto os países consumidores poderão alcançar a independência dos exportadores, com a energia limpa e barata que fortaleceria a economia e instituições públicas. Ao mesmo tempo enfraqueceria muitos governos autoritários pelo globo, já que a grande maioria desses países exportadores de combustíveis fósseis são governados por autocratas, como por exemplo, a Arábia Saudita. 

 

No entanto, a instabilidade da produção impede a sua massificação, isso porque dependemos de fontes naturais, principalmente o Sol, o vento e as marés. As novas tecnologias de armazenamento de energia surgem para solucionar esse problema, podendo popularizar a produção limpa em alta escala, mas ainda são muito caras.

 

O hidrogênio como combustível é entendido como uma peça chave para o futuro sem carbono, mas sua aquisição demanda uma grande quantidade de energia que é adquirida de forma limpa pela eletrólise. Esse processo químico consiste em retirar as moléculas de hidrogênio do oxigênio da água por meio de uma corrente elétrica ligada a eletrolisadores que separam as moléculas de hidrogênio (2H2) e oxigênio (O2), nos pólos negativo e positivo respectivamente, resultando num produto final chamado de hidrogênio verde. Durante todas as etapas, não há emissão de gases poluentes, apenas água.

 

Mas, para o professor Mauritz, o método usado pelos países nórdicos como uma alternativa para o excedente de energia não será uma solução para a crise. "A matriz energética precisa ser diversificada, o hidrogênio verde uma das possibilidades, mas para o uso urbano e industrial é interessante possuir a energia solar, por exemplo, que não precisa ser convertida.", afirmou. 

Processo para obter o hidrogênio verde

O potencial energético dessa fonte é cerca de três vezes maior que a do petróleo e sua produção é mais eficiente e mais sustentável que as de combustíveis fósseis. No momento, mais de 30 países têm o projeto para aderir ao hidrogênio verde como sua principal fonte de energia, mas o custo de sua infraestrutura é o maior problema dessa técnica. Ele deve fazer parte das mudanças estruturais da matriz energética nos próximos anos.

A tecnologia 'apolítica' mostra suas facetas entrelaçadas diretamente com o sistema
por
Isabela Mendes
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30/06/2022 - 12h

Por Isabela Mendes

As criptomoedas se construíram como um fenômeno tecnológico característico do século XXI, que tem como peça-chave o pós-modernismo. Por conta da rapidez e a volatilidade com as quais as coisas estão fadadas a se moldarem nos dias de hoje, o mundo cripto surgiu como uma alternativa imediatista e tomada de celebracionismo tecnológico para uma problematização neoliberal do papel do Estado na economia pós crise de 2008. 

Os criptoativos, como o Bitcoin, por exemplo, possuem uma relação de retroalimentação com o sistema neoliberal, pois seguem a lógica do mercado para definir seu valor, sem a regulação de um Banco Central. Por isso, não se caracterizam como moedas fiduciárias, isto é, moedas de curso forçado, que possuem valor assegurado por decreto governamental e que são reconhecidas pela população. Para que haja esse reconhecimento popular, é necessário capital político e econômico expressivos, que não estão atualmente mobilizados em torno do universo cripto como um todo.

No entanto, muitos defendem a utilização das moedas digitais como saída para a inflação, já que elas possuem um sistema de mineração (processo de confecção das criptomoedas) limitado, ou seja, existe uma quantidade específica de transações permitidas em blockchain, tecnologia exclusiva desse segmento. Nesse sentido, se fossem adotadas como moeda oficial, poderiam, em teoria, ajudar a frear os índices inflacionários através da desaceleração da emissão do dinheiro em espécie que, se em alta circulação, tenderia a derrubar o valor da moeda vigente, de acordo com a ótica liberal. 

Para o professor e pesquisador Edemilson Paraná, autor do livro “Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico”, as criptomoedas foram desenvolvidas com o propósito de tirar das mãos do Estado, bancos e instituições financeiras a gestão monetária, contando com um arranjo tecnológico avançado criado exatamente para isso.

Porém, o mercado cripto não é estável o suficiente para ancorar a economia de uma nação, visto que é dominado pela alta especulação promovida por grandes empresários em benefício próprio numa espécie de esquema de pirâmide, tornando-o volátil e manipulável. Além disso, a crença de que é um nicho financeiro “descentralizado” e de que os processos tecnológicos em si são livres de ideologias é leviana, visto que dada a ausência do Estado como ponto central, a presença do mercado se faz intrínseca, carregando sua própria lógica tanto na idealização do mundo dos criptoativos como na sua execução que, como toda tecnologia, tem as mãos e mentes humanas por trás e, portanto, dispõe da ideologia liberal para a qual foi criada para servir.

Sendo assim, Edemilson caracteriza o Bitcoin como “o filho rebelde do neoliberalismo” e diz que ele “visa tratar o dinheiro, por meio do aparato tecnológico, como uma coisa neutra e apolítica, puramente técnica”. “Essa ideia de neutralidade técnica muito rapidamente nega a si mesma, já que está a serviço de uma forma particular, tecnocrática, de política”, acrescenta.

De acordo com ele, ainda, o perfil majoritário dos indivíduos que utilizam o Bitcoin consiste em um sujeito do gênero masculino com idade de 25 a 44 anos, representando 88% do total. Ele lembra que as transações feitas em Bitcoins dispõem de uma criptografia robusta que, via de regra, dificulta a identificação daqueles que as realizam. Nesse sentido, também cabe mencionar as portas que esse mecanismo abre para esquemas de corrupção como lavagem de dinheiro, por exemplo, visto que seus negociadores praticamente “inexistem” no ambiente cripto, como dito acima, e tampouco deixam rastros no que diz respeito à origem do dinheiro que está em jogo.
 

Uma discussão sobre a não neutralidade da tecnologia e suas implicações no Jornalismo.
por
Rafaela Eid Lucio de Lima
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30/06/2022 - 12h

Por Rafaela Eid Lucio de Lima

O Jornalismo, profissão que investiga, discute, expõe fatos, ideias e argumentos, sempre é alvo da discussão sobre a imparcialidade: É neutro ou não é? Por mais que a sociedade queira acreditar na neutralidade das coisas, como na da tecnologia e do próprio Jornalismo, é fato que tudo tem estímulos ideológicos. Assim como um jornalista - com suas escolhas de palavras e argumentos - coloca seus pensamentos naquilo que escreve, os mecanismos tecnológicos também replicam aquilo que “pensam”, ou seja, o que aprenderam. Os robôs no Jornalismo podem ser vistos, por alguns, como uma saída para parcialidade humana, mas os algoritmos também são capazes de reproduzir preconceitos e estereótipos.

Segundo um levantamento feito pelo coletivo Pretalab - projeto que estimula a inclusão de mulheres negras na tecnologia e na inovação - juntamente com a consultoria ThoughtWorks, homens brancos, héteros e de classes sociais média ou alta são a maioria dos funcionários do setor de tecnologia. Nesse sentido, quando produzem os algoritmos, esses cientistas alojam seus preconceitos, mesmo que inconscientemente, já que vivem em uma sociedade estruturalmente racista e machista. Consequentemente, há casos como quando o Google Fotos rotulou, em 2015, um casal de pessoas negras como gorilas e quando, em 2020, o Twitter priorizava exibir rostos brancos nas imagens que também continham rostos negros, entre tantos outros.

Além disso, outro elemento importante, que colabora para que a discussão sobre a falta de parcialidade ou excesso dela no Jornalismo exista, é a narrativa, produzida pelos próprios veículos, de que os meios de comunicação jornalísticos são imparciais. Entretanto, essa é uma maneira de controlar e enganar reiteradamente os leitores. O viés encontra-se nas entrelinhas, na linha editorial, nas escolhas de posicionamentos, no que é publicado e, principalmente, no que não é publicado.

Como colocado pela autora Clarissa Peixoto, no texto Jornalismo, hegemonia e reações contra-hegemônicas: “A imparcialidade pregada pelos veículos de jornalismo hegemônico cai por terra diante das evidências de desequilíbrio entre versões do fato ou do acontecimento. Falsas equivalências buscam dar a mesma dimensão para temas situados em horizontes diferentes. A exemplo disso, podemos atribuir ao jornalismo tradicional uma parte importante do incentivo a narrativas da extrema direita. Não à toa, teve papel fundamental na promoção de Bolsonaro nos anos anteriores à eleição de 2018, apresentando seus posicionamentos como válidos na discussão entre contraditórios, sem realizar um debate crítico e aberto com a sociedade sobre o que significavam. Outra forma de enquadramento recorrente na imprensa hegemônica consiste em tratar sem equidade as relações de poder. Os contraditórios não são mediados para garantir um equilíbrio entre as narrativas quando não lhes convém. O discurso da imparcialidade valida posições de poder na compreensão do que é público e do que é privado (MIGUEL; BIROLI, 2010), sintetizando a realidade em versões polarizadas e estanques”. Essas e outras maneiras são utilizadas pela grande mídia para colocar sua opinião sem que seja tão explícita.

Sendo assim, tudo tem um viés, seja ele por interesses políticos, econômicos, sociais, privados, públicos, entre outros. No caso da grande mídia, o interesse econômico é o que dita o que será veiculado. A linha editorial dos jornais, como o Estadão e a Folha de S. Paulo, publica o que não vai de encontro com as vontades dos anunciantes. Nesse sentido, faz-se necessário questionar as tecnologias que compactuam com o discurso hegemônico da sociedade, em qualquer âmbito, até mesmo no Jornalismo, a fim de entender as tendências ideológicas dos algoritmos, como impactam a vida da sociedade pelos meios de comunicação e os próprios meios de comunicação.

COMO FUNCIONAM OS ROBÔS

Pensando nisso, então, mesmo que fossem robôs escrevendo notícias, eles teriam que continuar mantendo o padrão de quando são escritas por humanos. Em 2014, por exemplo, o El País Brasil publicou uma matéria com o título “O jornalismo enfrenta o desafio dos robôs que produzem notícias", dizendo que a agência Associated Press começava, naquele ano, a usar robôs para produzir notícias automaticamente. Cristina Pereda, jornalista que a escreveu, cita no texto que: “Os robôs são na verdade programas de computador que já conquistaram outros setores, como o de atendimento ao cliente, serviços de venda online ou os buscadores de informação. Mas seu uso nas redações é o último desafio ao qual o jornalismo deve enfrentar no trabalho dos meios de comunicação depois do surgimento da Internet, o que mudou para sempre a distribuição das notícias e esvaziou os modelos de negócio baseados na publicidade.” Pereda ainda cita outros veículos, para além da Associated Press, que já utilizavam os robôs: The New York Times e Los Angeles Times, por exemplo.

Vale ressaltar que o uso dessa tecnologia não é uma novidade nas redações, elas datam a década de 70, segundo o artigo O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. Eles eram utilizados na redação de previsões do tempo já naquela época. Mas o debate se intensificou depois que grandes veículos como os citados acima e outros, como The Washington Post, Le Monde, Forbes, Metropolis Daily, começaram a usar os robôs que utilizam softwares de Natural Language Generation (NLG), que consiste no uso de Inteligência Artificial (AI) programada para produzir narrativas escritas e faladas a partir de um dataset - conjunto de dados. A NLG produz conteúdos com “natural-sounding language”, ou seja, com uma linguagem que soa natural, de acordo com o site Tech Target. Além disso, ela funciona em 6 estágios: análise de conteúdos; entendimento de dados; estruturamento de documentos; junção de frases; estruturamento gramatical; apresentação de linguagem. Quando se fala, então, de robôs no jornalismo, “não estamos falando de robôs humanoides que trabalharão, lado a lado, com repórteres nas redações. Estamos sim falando de computadores, softwares, algoritmos, tabelas e bancos de dados”, trecho do artigo O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. Vale ressaltar que, no Brasil, também existem veículos que usam robôs como “jornalistas”: Aos Fatos, G1, Jota, entre outros. 

Dessa maneira, os dados coletados pelos robôs, a fim de escrever notícias, são algoritmos que podem ser ensinados e que podem conter preconceitos. O racismo algorítmico, por exemplo, é uma das discussões mais atuais quando se fala do uso de IAs em diversos campos da nossa vida: redes sociais, aplicativos, reconhecimento facial, entre outros. Como fala o pesquisador Tarcízio Silva, autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais, em entrevista para o programa Bem Viver da Rádio Brasil de Fato:

 

“Racismo algorítmico é um termo [que está] sendo utilizado globalmente por estudiosos e ativistas que tentam entender como tecnologias digitais podem intensificar práticas racistas e manifestações do racismo estrutural em diversas tecnologias digitais que temos no nosso dia a dia. E essas tecnologias digitais, hoje, são impulsionadas, de certa forma, pela lógica e pela ideologia da Inteligência Artificial e do aprendizado de máquina. E, para além disso, as plataformas que utilizam essas tecnologias dominam praticamente todas as esferas da vida. São as plataformas de comunicação, mas também são as plataformas de trabalho, de comércio, até as plataformas de serviço. Então, os aplicativos de transporte, de entrega, são exemplos disso. Além disso, para falar um pouco mais dessa pervasividade das tecnologias em todas as esferas, a gente ainda pode pensar em aplicativos de paquera e aplicativos de saúde. E, nos últimos 10 anos, muitos estudos descobriram que algumas tecnologias podem esconder práticas racistas e outros tipos de práticas discriminatórias - também relacionadas a gênero, ou região, ou capacitismo, e assim por diante. Não que os algoritmos sejam racistas, porque a questão não é pensar que um software tem vontade própria, mas sim o inverso, algoritmo como um qualificador do racismo. Então, as práticas racistas e discriminatórias hoje [se] utilizam das tecnologias, ou seja, [se] utilizam também dos algoritmos para intensificar a exploração, que está ligada a exploração financeira também, exploração do trabalho, em várias esferas diferentes. E isso é um risco enorme porque pode infringir diversos direitos que envolvem minorias raciais, mas a população como um todo também”.

Diante do que foi exposto por Tarcízio, surge a pergunta: Como poderiam ser imparciais os robôs que atuam no Jornalismo? A resposta é que eles não conseguem ser neutros, já que podem replicar práticas discriminatórias, pois a Inteligência Artificial que os opera é tendenciosa. Então, a utilização desses mecanismos tem como objetivo automatizar as redações, precarizar o trabalho e agilizar os processos de elaboração de notícias, jamais tornar o Jornalismo e seus veículos mais imparciais. Nesse sentido, o debate sobre a neutralidade torna-se infrutífero. O Jornalismo é parcial e não há como, nem por meio de robôs, torná-lo um pouco mais neutro. O que a sociedade vivencia, atualmente, é uma tentativa lucrativa de espalhar por toda a parte o uso dos algoritmos e, portanto, bem-sucedida, já que a tecnologia é, por muitas vezes, bem aceita sem nenhum questionamento. 

 

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CARVALHO, Denise. Racismo Calculado. Uol, 2021. Disponível em: <httpws://www.uol.com.br/tilt/reportagens-especiais/como-os-algoritmos-espalham-racismo/>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.

 

DALBEN, Silvia. O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. VI Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo. Universidade Anhembi-Morumbi, 26 de junho a 29 de junho de 2019. Disponível em: <https://projetos.abraji.org.br/seminario/PDF/6/SILVIA_DALBEN-O_uso_de_robos_no_jornalismo_brasileiro_tres_estudos_de_caso.pdf>.  Acesso em: 29 de jun. de 2022.

 

JUNIOR, Juracy Braga Soares. Jornalistas robôs substituem seres humanos no G1 a partir de 1 de janeiro de 2021. Unieducar, 2021. Disponível em: <https://unieducar.org.br/blog/jornalistas-robos-substituem-seres-humanos-no-g1-desde-1o-de-janeiro-de-2021>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.

 

LACERDA, Nara. Racismo digitalizado: como funciona o preconceito impresso nos algoritmos?. Brasil de Fato, 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/02/28/racismo-digitalizado-como-funciona-o-preconceito-impresso-nos-algoritmos>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.

 

MACIEL, Camila. Algoritmos: pesquisadores explicam tecnologia que intensifica racismo. Agência Brasil, 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/algoritmos-pesquisadores-explicam-tecnologia-que-intensifica-racismo>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.

 

MEDEIROS, Davi. Robôs já escrevem ‘sozinhos’, mas podem ser melhores que humanos?. Olhar Digital, 2020. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/2020/09/11/noticias/robos-ja-escrevem-sozinhos-mas-podem-ser-melhores-que-humanos/>. Acesso em: 24 de jun. de 2022.

 

PEIXOTO, Clarissa. Jornalismo, hegemonia e reações contra-hegemônicas. Observatório da Imprensa, 2020. Disponível em: <https://www.observatoriodaimprensa.com.br/objethos/jornalismo-hegemonia-e-reacoes-contra-hegemonicas/>. Acesso em: 24 de jun. de 2022.

 

PIERRO, Bruno de. O mundo mediado por algoritmos. Revista Pesquisa FAPESP, edição 266, Abr, 2018. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/o-mundo-mediado-por-algoritmos/>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.

 

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