Por Lucas Rossi
Smartphones, tablets, computadores, inteligências artificiais, Google, sites, redes sociais, mídias alternativas, equipamentos eletrônicos, entre outros, fazem parte do dia a dia da nossa sociedade, estando presentes na maioria de nossas atividades, e ditando o ritmo e a vida das pessoas. Para um jovem, que a partir do ano 2000, nasceu, cresceu e se desenvolveu simultaneamente ao avanço de novas tecnologias, é praticamente impossível imaginar como era a vida sem as tecnologias de comunicação em rede.
Elas estão tão impregnadas em nosso cotidiano, que é difícil imaginar que existam pessoas que ainda não utilizam ou ainda não se acostumaram com esses avanços. No entanto, esse é o caso da maioria dos idosos ao redor do mundo. Nascidos em um período em que as coisas eram mais simples, em que as pessoas se importavam em trabalhar desde cedo, com a educação pouco valorizada, baixas expectativas de vida e inúmeras guerras vivenciadas. Para algumas dessas pessoas, a Internet pode ser vista apenas como mais uma “fase”, para outras como um desserviço para a humanidade, já que na visão de muitos acaba afastando as pessoas.
Porém, muitos idosos enxergam pontos positivos e tentam fazer parte da Internet e das redes sociais. Como é o caso da Vicentina Nabarro, 72 anos, mãe de três filhos e avó de 7 netos. Mesmo com tantas experiências de vida e tantos anos de vida, Vicentina tenta estar sempre atualizada e buscando aprender essas novas “ferramentas”. Nabarro afirma que as novas tecnologias "são difíceis para a minha geração pois não fez parte do nosso cotidiano, como acontece com as gerações atuais. Uma criança tem mais facilidade de lidar com as novas tecnologias e muitas vezes nos ensinam como lidar com elas. Ainda Tenho algumas dificuldades, como por exemplo fazer compra pela Internet etc., precisando que meus filhos façam por mim.”
Ela afirmar poder fazer o básico para se comunicar e usufruir do avanço tecnológico, como usar o app do banco, app do plano de saúde, marcando consultas, recebendo resultado de exames, fazendo reclamações, enviando documentos para aprovação de exames, compras, delivery e aplicativos de viagem. Sua comunicação com as pessoas tornou-se imediata pois através do WhatsApp ela consegue resolver problemas, contratar serviços, acompanhar o cotidiano de amigos e familiares. Através do Facebook ela toma ciência do que está acontecendo no Brasil e no mundo. "Converso com amigos presentes em nossa vida e com os distantes até em outros países", disse.
Mesmo sendo defensora dos novos instrumentos tecnológicos, Tina, como gosta de ser chamada, aponta alguns riscos da Internet: “O mundo está muito melhor com a Internet, mas ao mesmo tempo estamos cada vez mais dependentes dela, nos privando do contato presencial, com um bom papo olhando nos olhos e aproveitando nossa presença. Além do mais, é preciso muito cuidado com os golpes de internet, principalmente contra nós idosos, que não temos tanta familiaridade com essas tecnologias”, avalia.
Sérgio Luis Munhoz, ex-professor universitário de 74 anos, acredita que os avanços tecnológicos têm importante papel nos dias atuais, mas confessa ainda ter algumas dificuldades em utilizar todas essas ferramentas. Para Sérgio, “Essas novas ferramentas são extremamente úteis e importantes, e facilitam muito a vida de todos, embora a velocidade das inovações está em descompasso, com a capacidade dos idosos, como eu, fazendo com q tenhamos que nos socorrer com filhos, netos, funcionários mais jovens etc.”, afirma. “Entendo que as facilidades dessas novas tecnologias aumentam nossas possibilidades de contacto, melhoram nossa comunicação com o mundo, com parentes e amigos, mesmo que estejam distantes, auxiliando muito nossas vidas, embora seja um pouco viciante e às vezes podem nos desviar da possibilidade de melhores contatos pessoais”, completa.
A Internet e as redes sociais são elementos positivos para a humanidade é uma questão de opinião particular de cada cidadão, no entanto tudo indica que só é o início dessa nova fase, então é importante se atualizar e ter alguma familiaridade com o assunto. Da mesma forma, que é importante manter um equilíbrio e não deixar que sua vida “virtual” se torne mais importante do que sua vida real.
Por Clara Maia
O tão especulado “padrão de beleza” sempre foi esperado e cobrado para toda mulher. Seja imposto através do machismo estrutural, de nível de status econômico e social ou até mesmo, do grande mercado capitalista. Porém, algo que nunca mudou foi quem o dita: homens héteros, cisgênero e de grande influência social. Como a tecnologia criada por esses homens afeta a saúde mental de muitos jovens é preocupante; transtornos alimentares e a dismorfia corporal nunca foram tão expostas como hoje. Porém, para compreender essa influência é necessário entender onde e como a pressão estética foi criada.
Pensando historicamente, os registros sociais que marcam essa narrativa começam na Renascença - compreendido entre os séculos XIV e o fim do século XVI -. Nesse período, a beleza era sinônimo de riqueza e fertilidade. Logo, ser curvilínea e gorda representava o poder de posse para uma boa alimentação e, consequentemente, um bom corpo para gerar filhos. É possível enxergar essas marcas em pinturas clássicas como “O nascimento de vênus”, de Boticelli.
Obra do artista renascentista Sandro Botticelli (1445-1510).
Este conceito de beleza filiado ao corpo gordo perpetuou durante um longo período na história, já que a fome sempre foi presente durante boa parte da industrialização mundial.
Dando um salto para o século XX, a conquista dos direitos feministas como voto, o trabalho e a independência financeira fez com que o mercado capitalista deparasse com o desafio: “como manter o controle sobre as mulheres?”.
Protesto feminista em São Paulo na década de 1960.
Entra a fase da mercantilização do que é feminino. A mídia comercial começa a ditar o que seria a mulher perfeita com a influência do cinema, das propagandas, da indústria da moda e beleza. Ser magra é agora é sinônimo de controle e autocuidado. Porém o ideal da beleza atrelado ao poder financeiro nunca mudou, já que só a mulher com possibilidade de gastar em maquiagem, cirurgias plásticas, academia é vista e associada como bela.
Entender a influência da tecnologia e do mercado é essencial para que se questione o processo de dominação feminina. Hoje, as redes sociais têm um papel claro na saúde mental de grande parcela da sociedade, já que o ser humano é movido pela aprovação do outro. Redes como Tiktok, Instagram, Facebook e Twitter ganham milhões em cima desse desejo insano de aprovação - likes, comentários, retuítes - instigam esse pensamento de comparação de forma voraz. Quando só o corpo magro e jovem é lido como belo, todos aqueles que não se encaixam nesse quadro, tem propensão a gerar transtornos alimentares e mentais.
O psicólogo Cláudio Paixão, graduado pela UFMG, comenta: "Na medida que o jovem se expõe cada vez mais nas redes sociais, mais ele está submetido ao olhar do outro, se tornando também dependente desse olhar” logo, é natural que as pessoas queiram adaptar-se para captar essa atenção para si. É nessas tentativas que os procedimentos estéticos entram, na esperança de ficar mais próximo ao que é desejado e buscado como belo.
Prova dessa busca alarmante pela aprovação estética são os números de cirurgias plásticas feitas no Brasil. De acordo com dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o País está em primeiro lugar no ranking mundial (aproximadamente 1.5 milhões de cirurgias ao ano, ultrapassando os Estados Unidos e o México, em segunda e terceira posição, respectivamente).
Paixão alerta, “É importante ressaltar o limite entre o prejudicial e o uso das redes e filtros que alteram sua imagem” e acrescenta: “Quando a pessoa começa a trocar a visão realista de si mesma pelas versões dos filtros e se sentir desconfortável com a sua real aparência, é um grande motivo de preocupação”. Se faz então importante a rede de apoio familiar e social desse jovem, para que ele se sinta acolhido e valorizado em si próprio, impedindo o avanço de doenças como depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de imagem como resultado desse tipo de cobrança feminina.
Por Laura Naito
No início de 2022, a Europa se deparou com uma crise energética causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, isso porque 43% do gás natural consumido pela União Europeia vêm da Rússia, que têm restringindo o acesso de energia pelo apoio do bloco econômico à Ucrânia. Refém das políticas russas, a Europa se encontrou obrigada a avançar nos projetos de busca por alternativas renováveis de energia. Segundo a Agência Europeia do Ambiente, 77% das necessidades energéticas do europeu médio são supridas com os recursos do petróleo, gás natural e do carvão. Enquanto a energia nuclear supre 14% dessas necessidades, os restantes, 9%, são supridos por fontes renováveis. Agora, a UE busca diminuir a importação de gás russo em dois terços e transformar sua matriz energética.
O professor de química Mauritz De Vries, explicou que hoje em dia há tecnologia para conseguir obter energia a partir de fontes renováveis, "mas é necessário um grande investimento para que haja uma mudança na matriz energética e que seria possível, mas pelas questões políticas e econômicas isso não acontece, o que ajudaria também a segurança energética e existe uma pressão para que os países não sejam auto suficientes (para manter as relações do mercado internacional)". Devido ao efeito estufa e ao aquecimento global, não é mais viável se voltar aos combustíveis fósseis, como era feito antigamente. Para isso, a Europa e o resto do mundo precisam encontrar uma forma para encontrar segurança energética de forma sustentável e econômica. Ter energia barata é uma parte fundamental do processo considerando que o preço dela é um dos fatores mais relevantes na economia de um país. O valor pago por esse produto vai afetar os preços de toda a nação em questões básicas como transportes e na produção de alimentos.
Sobre isso, De Vries disse que energia elétrica não pode ser armazenada em grande quantidade porque precisa de bateria, que são caras. Para ele, a grande problemática para a popularização da energia limpa é a necessidade de grandes investimentos em tecnologias para seu armazenamento. Como ainda não existem sistemas avançados e de grande escala para isso, quando há a produção de energia por fontes renováveis, a energia que não é utilizada é perdida. O professor aponta a solução encontrada pelos países nórdicos: "Como já possuem uma grande produção de energia sustentável, o excedente tem sido usado para fazer a eletrólise da água e produzir gás hidrogênio."
Ainda estamos em um momento de evolução das tecnologias de armazenamento, que é a forma que os países poderão se tornar independentes energeticamente e tornar esse mercado estável, já que é falta de estabilidade do mercado que traz flutuações de preços, dependendo da produção e da demanda. A relação entre armazenamento e dependência é inversamente proporcional. Com mais países conseguindo armazenar sua energia, a dinâmica internacional do comércio vai se tornar mais democrática. A diversificação do mercado será responsável pelo seu aumento e as potências energéticas que conhecemos hoje irão mudar.
Uma mudança na matriz energética mundial não seria boa apenas para o meio ambiente, mas também ajudaria a construir um mundo mais democrático e liberal, com as nações sendo auto suficientes. Com esse processo de substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis, os países exportadores de petróleo e gás natural perderão poder econômico e influência geopolítica. Enquanto os países consumidores poderão alcançar a independência dos exportadores, com a energia limpa e barata que fortaleceria a economia e instituições públicas. Ao mesmo tempo enfraqueceria muitos governos autoritários pelo globo, já que a grande maioria desses países exportadores de combustíveis fósseis são governados por autocratas, como por exemplo, a Arábia Saudita.
No entanto, a instabilidade da produção impede a sua massificação, isso porque dependemos de fontes naturais, principalmente o Sol, o vento e as marés. As novas tecnologias de armazenamento de energia surgem para solucionar esse problema, podendo popularizar a produção limpa em alta escala, mas ainda são muito caras.
O hidrogênio como combustível é entendido como uma peça chave para o futuro sem carbono, mas sua aquisição demanda uma grande quantidade de energia que é adquirida de forma limpa pela eletrólise. Esse processo químico consiste em retirar as moléculas de hidrogênio do oxigênio da água por meio de uma corrente elétrica ligada a eletrolisadores que separam as moléculas de hidrogênio (2H2) e oxigênio (O2), nos pólos negativo e positivo respectivamente, resultando num produto final chamado de hidrogênio verde. Durante todas as etapas, não há emissão de gases poluentes, apenas água.
Mas, para o professor Mauritz, o método usado pelos países nórdicos como uma alternativa para o excedente de energia não será uma solução para a crise. "A matriz energética precisa ser diversificada, o hidrogênio verde uma das possibilidades, mas para o uso urbano e industrial é interessante possuir a energia solar, por exemplo, que não precisa ser convertida.", afirmou.

O potencial energético dessa fonte é cerca de três vezes maior que a do petróleo e sua produção é mais eficiente e mais sustentável que as de combustíveis fósseis. No momento, mais de 30 países têm o projeto para aderir ao hidrogênio verde como sua principal fonte de energia, mas o custo de sua infraestrutura é o maior problema dessa técnica. Ele deve fazer parte das mudanças estruturais da matriz energética nos próximos anos.
Por Isabela Mendes
As criptomoedas se construíram como um fenômeno tecnológico característico do século XXI, que tem como peça-chave o pós-modernismo. Por conta da rapidez e a volatilidade com as quais as coisas estão fadadas a se moldarem nos dias de hoje, o mundo cripto surgiu como uma alternativa imediatista e tomada de celebracionismo tecnológico para uma problematização neoliberal do papel do Estado na economia pós crise de 2008.
Os criptoativos, como o Bitcoin, por exemplo, possuem uma relação de retroalimentação com o sistema neoliberal, pois seguem a lógica do mercado para definir seu valor, sem a regulação de um Banco Central. Por isso, não se caracterizam como moedas fiduciárias, isto é, moedas de curso forçado, que possuem valor assegurado por decreto governamental e que são reconhecidas pela população. Para que haja esse reconhecimento popular, é necessário capital político e econômico expressivos, que não estão atualmente mobilizados em torno do universo cripto como um todo.
No entanto, muitos defendem a utilização das moedas digitais como saída para a inflação, já que elas possuem um sistema de mineração (processo de confecção das criptomoedas) limitado, ou seja, existe uma quantidade específica de transações permitidas em blockchain, tecnologia exclusiva desse segmento. Nesse sentido, se fossem adotadas como moeda oficial, poderiam, em teoria, ajudar a frear os índices inflacionários através da desaceleração da emissão do dinheiro em espécie que, se em alta circulação, tenderia a derrubar o valor da moeda vigente, de acordo com a ótica liberal.
Para o professor e pesquisador Edemilson Paraná, autor do livro “Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico”, as criptomoedas foram desenvolvidas com o propósito de tirar das mãos do Estado, bancos e instituições financeiras a gestão monetária, contando com um arranjo tecnológico avançado criado exatamente para isso.
Porém, o mercado cripto não é estável o suficiente para ancorar a economia de uma nação, visto que é dominado pela alta especulação promovida por grandes empresários em benefício próprio numa espécie de esquema de pirâmide, tornando-o volátil e manipulável. Além disso, a crença de que é um nicho financeiro “descentralizado” e de que os processos tecnológicos em si são livres de ideologias é leviana, visto que dada a ausência do Estado como ponto central, a presença do mercado se faz intrínseca, carregando sua própria lógica tanto na idealização do mundo dos criptoativos como na sua execução que, como toda tecnologia, tem as mãos e mentes humanas por trás e, portanto, dispõe da ideologia liberal para a qual foi criada para servir.
Sendo assim, Edemilson caracteriza o Bitcoin como “o filho rebelde do neoliberalismo” e diz que ele “visa tratar o dinheiro, por meio do aparato tecnológico, como uma coisa neutra e apolítica, puramente técnica”. “Essa ideia de neutralidade técnica muito rapidamente nega a si mesma, já que está a serviço de uma forma particular, tecnocrática, de política”, acrescenta.
De acordo com ele, ainda, o perfil majoritário dos indivíduos que utilizam o Bitcoin consiste em um sujeito do gênero masculino com idade de 25 a 44 anos, representando 88% do total. Ele lembra que as transações feitas em Bitcoins dispõem de uma criptografia robusta que, via de regra, dificulta a identificação daqueles que as realizam. Nesse sentido, também cabe mencionar as portas que esse mecanismo abre para esquemas de corrupção como lavagem de dinheiro, por exemplo, visto que seus negociadores praticamente “inexistem” no ambiente cripto, como dito acima, e tampouco deixam rastros no que diz respeito à origem do dinheiro que está em jogo.
Por Rafaela Eid Lucio de Lima
O Jornalismo, profissão que investiga, discute, expõe fatos, ideias e argumentos, sempre é alvo da discussão sobre a imparcialidade: É neutro ou não é? Por mais que a sociedade queira acreditar na neutralidade das coisas, como na da tecnologia e do próprio Jornalismo, é fato que tudo tem estímulos ideológicos. Assim como um jornalista - com suas escolhas de palavras e argumentos - coloca seus pensamentos naquilo que escreve, os mecanismos tecnológicos também replicam aquilo que “pensam”, ou seja, o que aprenderam. Os robôs no Jornalismo podem ser vistos, por alguns, como uma saída para parcialidade humana, mas os algoritmos também são capazes de reproduzir preconceitos e estereótipos.
Segundo um levantamento feito pelo coletivo Pretalab - projeto que estimula a inclusão de mulheres negras na tecnologia e na inovação - juntamente com a consultoria ThoughtWorks, homens brancos, héteros e de classes sociais média ou alta são a maioria dos funcionários do setor de tecnologia. Nesse sentido, quando produzem os algoritmos, esses cientistas alojam seus preconceitos, mesmo que inconscientemente, já que vivem em uma sociedade estruturalmente racista e machista. Consequentemente, há casos como quando o Google Fotos rotulou, em 2015, um casal de pessoas negras como gorilas e quando, em 2020, o Twitter priorizava exibir rostos brancos nas imagens que também continham rostos negros, entre tantos outros.
Além disso, outro elemento importante, que colabora para que a discussão sobre a falta de parcialidade ou excesso dela no Jornalismo exista, é a narrativa, produzida pelos próprios veículos, de que os meios de comunicação jornalísticos são imparciais. Entretanto, essa é uma maneira de controlar e enganar reiteradamente os leitores. O viés encontra-se nas entrelinhas, na linha editorial, nas escolhas de posicionamentos, no que é publicado e, principalmente, no que não é publicado.
Como colocado pela autora Clarissa Peixoto, no texto Jornalismo, hegemonia e reações contra-hegemônicas: “A imparcialidade pregada pelos veículos de jornalismo hegemônico cai por terra diante das evidências de desequilíbrio entre versões do fato ou do acontecimento. Falsas equivalências buscam dar a mesma dimensão para temas situados em horizontes diferentes. A exemplo disso, podemos atribuir ao jornalismo tradicional uma parte importante do incentivo a narrativas da extrema direita. Não à toa, teve papel fundamental na promoção de Bolsonaro nos anos anteriores à eleição de 2018, apresentando seus posicionamentos como válidos na discussão entre contraditórios, sem realizar um debate crítico e aberto com a sociedade sobre o que significavam. Outra forma de enquadramento recorrente na imprensa hegemônica consiste em tratar sem equidade as relações de poder. Os contraditórios não são mediados para garantir um equilíbrio entre as narrativas quando não lhes convém. O discurso da imparcialidade valida posições de poder na compreensão do que é público e do que é privado (MIGUEL; BIROLI, 2010), sintetizando a realidade em versões polarizadas e estanques”. Essas e outras maneiras são utilizadas pela grande mídia para colocar sua opinião sem que seja tão explícita.
Sendo assim, tudo tem um viés, seja ele por interesses políticos, econômicos, sociais, privados, públicos, entre outros. No caso da grande mídia, o interesse econômico é o que dita o que será veiculado. A linha editorial dos jornais, como o Estadão e a Folha de S. Paulo, publica o que não vai de encontro com as vontades dos anunciantes. Nesse sentido, faz-se necessário questionar as tecnologias que compactuam com o discurso hegemônico da sociedade, em qualquer âmbito, até mesmo no Jornalismo, a fim de entender as tendências ideológicas dos algoritmos, como impactam a vida da sociedade pelos meios de comunicação e os próprios meios de comunicação.
COMO FUNCIONAM OS ROBÔS
Pensando nisso, então, mesmo que fossem robôs escrevendo notícias, eles teriam que continuar mantendo o padrão de quando são escritas por humanos. Em 2014, por exemplo, o El País Brasil publicou uma matéria com o título “O jornalismo enfrenta o desafio dos robôs que produzem notícias", dizendo que a agência Associated Press começava, naquele ano, a usar robôs para produzir notícias automaticamente. Cristina Pereda, jornalista que a escreveu, cita no texto que: “Os robôs são na verdade programas de computador que já conquistaram outros setores, como o de atendimento ao cliente, serviços de venda online ou os buscadores de informação. Mas seu uso nas redações é o último desafio ao qual o jornalismo deve enfrentar no trabalho dos meios de comunicação depois do surgimento da Internet, o que mudou para sempre a distribuição das notícias e esvaziou os modelos de negócio baseados na publicidade.” Pereda ainda cita outros veículos, para além da Associated Press, que já utilizavam os robôs: The New York Times e Los Angeles Times, por exemplo.
Vale ressaltar que o uso dessa tecnologia não é uma novidade nas redações, elas datam a década de 70, segundo o artigo O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. Eles eram utilizados na redação de previsões do tempo já naquela época. Mas o debate se intensificou depois que grandes veículos como os citados acima e outros, como The Washington Post, Le Monde, Forbes, Metropolis Daily, começaram a usar os robôs que utilizam softwares de Natural Language Generation (NLG), que consiste no uso de Inteligência Artificial (AI) programada para produzir narrativas escritas e faladas a partir de um dataset - conjunto de dados. A NLG produz conteúdos com “natural-sounding language”, ou seja, com uma linguagem que soa natural, de acordo com o site Tech Target. Além disso, ela funciona em 6 estágios: análise de conteúdos; entendimento de dados; estruturamento de documentos; junção de frases; estruturamento gramatical; apresentação de linguagem. Quando se fala, então, de robôs no jornalismo, “não estamos falando de robôs humanoides que trabalharão, lado a lado, com repórteres nas redações. Estamos sim falando de computadores, softwares, algoritmos, tabelas e bancos de dados”, trecho do artigo O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. Vale ressaltar que, no Brasil, também existem veículos que usam robôs como “jornalistas”: Aos Fatos, G1, Jota, entre outros.
Dessa maneira, os dados coletados pelos robôs, a fim de escrever notícias, são algoritmos que podem ser ensinados e que podem conter preconceitos. O racismo algorítmico, por exemplo, é uma das discussões mais atuais quando se fala do uso de IAs em diversos campos da nossa vida: redes sociais, aplicativos, reconhecimento facial, entre outros. Como fala o pesquisador Tarcízio Silva, autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais, em entrevista para o programa Bem Viver da Rádio Brasil de Fato:
“Racismo algorítmico é um termo [que está] sendo utilizado globalmente por estudiosos e ativistas que tentam entender como tecnologias digitais podem intensificar práticas racistas e manifestações do racismo estrutural em diversas tecnologias digitais que temos no nosso dia a dia. E essas tecnologias digitais, hoje, são impulsionadas, de certa forma, pela lógica e pela ideologia da Inteligência Artificial e do aprendizado de máquina. E, para além disso, as plataformas que utilizam essas tecnologias dominam praticamente todas as esferas da vida. São as plataformas de comunicação, mas também são as plataformas de trabalho, de comércio, até as plataformas de serviço. Então, os aplicativos de transporte, de entrega, são exemplos disso. Além disso, para falar um pouco mais dessa pervasividade das tecnologias em todas as esferas, a gente ainda pode pensar em aplicativos de paquera e aplicativos de saúde. E, nos últimos 10 anos, muitos estudos descobriram que algumas tecnologias podem esconder práticas racistas e outros tipos de práticas discriminatórias - também relacionadas a gênero, ou região, ou capacitismo, e assim por diante. Não que os algoritmos sejam racistas, porque a questão não é pensar que um software tem vontade própria, mas sim o inverso, algoritmo como um qualificador do racismo. Então, as práticas racistas e discriminatórias hoje [se] utilizam das tecnologias, ou seja, [se] utilizam também dos algoritmos para intensificar a exploração, que está ligada a exploração financeira também, exploração do trabalho, em várias esferas diferentes. E isso é um risco enorme porque pode infringir diversos direitos que envolvem minorias raciais, mas a população como um todo também”.
Diante do que foi exposto por Tarcízio, surge a pergunta: Como poderiam ser imparciais os robôs que atuam no Jornalismo? A resposta é que eles não conseguem ser neutros, já que podem replicar práticas discriminatórias, pois a Inteligência Artificial que os opera é tendenciosa. Então, a utilização desses mecanismos tem como objetivo automatizar as redações, precarizar o trabalho e agilizar os processos de elaboração de notícias, jamais tornar o Jornalismo e seus veículos mais imparciais. Nesse sentido, o debate sobre a neutralidade torna-se infrutífero. O Jornalismo é parcial e não há como, nem por meio de robôs, torná-lo um pouco mais neutro. O que a sociedade vivencia, atualmente, é uma tentativa lucrativa de espalhar por toda a parte o uso dos algoritmos e, portanto, bem-sucedida, já que a tecnologia é, por muitas vezes, bem aceita sem nenhum questionamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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