Consumo consciente e busca por saúde impulsionam a produção nacional
por
Chloé Dana
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30/09/2025 - 12h

Por Chloé Dana

 

Em meados de 2025, pesquisas agronômicas da Embrapa e da Organis, apontam que a produção de orgânicos no País aumentaram em 12%, visando um consumo mais saudável e consciente. O crescimento aponta à prioridade por produtos sem agrotóxicos e ao fortalecimento de políticas públicas voltadas à agricultura ecológica. 

Porém, é preciso entender como esse aumento surge, en que se diferencia de outras nações por suas profundas raízes em movimentos sociais e agroecológicos, em vez de ser impulsionada exclusivamente por lógicas de mercado. Mais do que apenas um método de cultivo, a agricultura orgânica é definida por um sistema de produção agropecuária que utiliza técnicas particulares com a finalidade de aprimorar a utilização dos recursos naturais e socioeconômicos à disposição, preservando a integridade cultural das comunidades do campo. Seus fundamentos incluem a sustentabilidade econômica e ambiental, a maximização de vantagens sociais, a redução da dependência de fontes de energia não-renováveis e a adoção de métodos biológicos e mecânicos em lugar de organismos que foram geneticamente alterados.

O surgimento da agricultura orgânica no Brasil remonta a meados da década de 1970, impulsionado por uma reação ao avanço da Revolução Verde, que propunha uma modernização da agricultura em prol do melhoramento genético, uso de insumos e agrotóxicos. Nessa época, a comercialização de produtos ocorria de maneira direta, baseado em um simples sistema de confiança entre quem produzia e quem comprava. 

O mercado inicial consistia em um "segmento natural" oferecendo entregas semanais de cestas contendo frutas, verduras e legumes na casa dos clientes. A presença de lagartas e bichinhos no alimento, era percebida pelos primeiros clientes como uma sinalização de qualidade, indicando que os alimentos tinham sido cultivados sem o uso de produtos químicos. A valorização dos produtos orgânicos não se baseava em certificações formais, mas sim na confiança entre as partes e na evidência concreta da falta de químicos, o que destaca que as origens do movimento no Brasil são fundamentadas em princípios agroecológicos e filosóficos, e não apenas comerciais. 

O produtor de orgânicos e feirante na Vila Madalena Carlos Nascimento explica alguns motivos de porque optou pelo orgânico ao invés do convencional. Nascimento afirma que sua decisão surgiu de um desejo de produzir de maneira mais consciente pois ao observar a prática convencional, notou os efeitos negativos do uso incessante de pesticidas e fertilizantes químicos. O solo se tornava exaurido, a biodiversidade se perdia e a saúde das pessoas que lidavam frequentemente com esses produtos era comprometida. 

Outro fator que influenciou sua escolha foi a valorização crescente do mercado de produtos orgânicos. O agricultor percebe que esse segmento possui um grande potencial de crescimento, impulsionado por consumidores mais conscientes e prontos para apoiar práticas sustentáveis. Apesar do notável crescimento e das conquistas legislativas, o setor orgânico no Brasil enfrenta desafios estruturais que representam obstáculos significativos ao seu desenvolvimento pleno, e isso implica em tempo e políticas públicas para o setor.

Quando discute o amanhã, o produtor demonstra uma visão otimista, porém fundamentada na realidade. Ele enxerga um grande potencial para o crescimento da agricultura orgânica no Brasil, especialmente devido à mudança na conscientização dos consumidores. Cada vez mais, famílias estão em busca de alimentos que não contenham agrotóxicos, valorizando a origem dos produtos que adquirem e desejando apoiar práticas sustentáveis. Para ele, esse movimento representa não uma moda passageira, mas uma tendência crescente que deve se intensificar nos anos vindouros, alinhando-se à preocupação global com a saúde e o meio ambiente.

Outro aspecto que ele enfatiza é a urgência de aumentar o acesso. Atualmente, os produtos orgânicos ainda alcançam uma fração reduzida da população, frequentemente restrita às grandes áreas urbanas e a consumidores com maior capacidade financeira. Para o futuro, ele aspirar por um cenário em que os orgânicos se tornem mais disponíveis, integrando-se a feiras comunitárias, merendas escolares e até programas de abastecimento público, garantindo que alimentos saudáveis deixem de ser um privilégio e se tornem um direito.

O mercado de orgânicos no Brasil encontra-se em uma fase de crescimento explosivo, impulsionado por uma mudança no perfil do consumidor e políticas de fomento. No entanto, o setor enfrenta desafios estruturais significativos, como o desequilíbrio entre oferta e demanda, a fragmentação dos dados oficiais e as barreiras de entrada para os pequenos produtores. A superação desses gargalos, especialmente a questão da certificação e o fortalecimento da logística e da cadeia de valor, é crucial. Ao abordar essas questões de forma estratégica, o Brasil tem a oportunidade de não apenas manter sua liderança na América Latina, mas de se consolidar como um dos principais players globais, alinhando seu potencial de produção com o vigor de seu mercado consumidor.

Maior evento europeu do setor continua na rota por novidades eletricas e mais concorrência a cada ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/09/2025 - 12h

Ocorrido entre os dias 9 e 14 de setembro, o IAA Mobility recebeu mais de 500 mil visitantes, superando a sua última edição em 2023. Estiveram presentes as germânicas Audi, BMW, Mercedes, Opel, Porsche e Volkswagen, mas Fiat, Peugeot e nenhuma japonesa compareceu. Com isso, mais uma vez uma grande parte de Munique foi palco para as chinesas se consolidarem e expandirem.

Com o lema “It’s all About Mobility”, em tradução livre, “É Tudo Sobre Mobilidade”, o foco da mostra se manteve em soluções inteligentes e inovadoras. Startups como a Linktour com  seus micro carros elétricos, e marcas de bicicletas e motocicletas elétricas estavam por todos os lados do München Expo Center. E repetindo o formato aplicado desde 2021, com o chamado “Open Space”, uma área de experiências interativas gratuitas ao ar livre, os visitantes podiam experimentar tudo isso.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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 Além disso, a inovação tecnológica foi tema de muitos debates e coletivas de imprensa com representantes da indústria. Fornecedoras como a Bosch, Aisin e Revolt, além de empresas de carregadores como a Charge X e E-Mobilio e a gigante de baterias CATL foram só alguns dos mais de 750 expositores presentes. 

Setor premium atento

Falando em eletricidade, ela estava no centro das atenções de todas as marcas, apesar das vendas de carros elétricos (BEV) terem sido prejudicada na Europa no ano passado. O fim ou diminuição de subsídios governamentais e metas de descarbonização estagnadas na União Europeia foram os principais motivos segundo o Global EV Outlook 2025 da International Energy Agency (IEA). No entanto, as projeções para esse ano e os próximos são de crescimento.

De olho nisso a BMW lançou o novo iX3, modelo mais importante em anos ao inaugurar uma nova era para a alemã. A segunda geração do modelo estreia uma plataforma sob medida e exclusiva para elétricos de nova geração, chamada de Neue Klasse. O destaque fica com a nova bateria de 108.7kWh de capacidade integrada ao chassi, compatível com carregamento ultrarrápido de até 800V - ganha 372km em apenas dez minutos - e autonomia de 805km em uma carga segundo o ciclo WLTP. 

No quesito design a ruptura com o passado é ainda mais evidente, com uma nova linguagem visual, inspirado nos modelos da BMW dos anos 80. No interior foi inaugurado o Panoramic iDrive, com o painel de instrumentos correndo ao longo de todo o para-brisa, um novo volante de quatro raios e um multimídia com inteligência artificial de 17,5 polegadas. “A Neue Klasse é o nosso maior projeto futuro e marca um grande salto em termos de tecnologias, experiência de condução e design”, frisou o presidente do conselho de administração da marca, Oliver Zipse.

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Alemã aproveitou o evento para apresentar o futuro Sedan i3, que seguirá o capítulo iniciado pelo SUV iX3,  irmão de plataforma. Foto: BMW Group / Divulgação 

Do outro lado do pavilhão, a Mercedes-Benz fez um movimento parecido, lançando a segunda geração do GLC elétrico. O modelo foi o primeiro elétrico da marca, ainda em 2018 como EQC. Mas pelas vendas baixas havia sido descontinuado no ano passado, e agora retorna com o nome “GLC With EQ Technology”, para evidenciar as mudanças. Rival direto do iX3, segue a linguagem de design inaugurada no novo CLA no ano passado, aqui com uma grade iluminada e enormemente proeminente.

Construído sob a inédita plataforma elétrica MB.EA Medium, independente do GLC, a combustão portanto, possui carregamento de até 800V e uma bateria de 94kWh, traduzidos em 713 km de autonomia. No interior, o SUV inaugura o “Hyperscreen”, transformando o painel inteiro em uma tela de 39.1 polegadas. O interior pode ser todo vegano e certificado, e a comunicação Car-to-X - que coleta e envia dados para comunicar outros veículos - se destaca no quesito segurança. O preço inicial deve girar em €60 mil quando chegar às lojas ainda esse ano, tal qual o rival.

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Faróis possuem tecnologia Matrix, e sob o capô há um espaço de 128 litros para bagagens. Foto: Mercedes-Benz / Reprodução

Mas nem só de SUVs o mercado premium é formado, e a Polestar compareceu a Munique para o lançamento mundial do seu novo modelo de topo, o sedã 5. A marca do grupo Geely, divisão de performance da Volvo até 2017, aposta em sustentabilidade e alta performance, estreando a nova plataforma PPA do grupo. São 872 cavalos, tração integral, aceleração de 0 a 100 em 3,2 segundos e ausência de janela traseira, tal qual no crossover 4.

Um presente e futuro elétrico

Nas duas últimas edições do Salão de Munique, ambientalistas protestaram em frente ao evento em defesa de uma mudança sistêmica da indústria, o que se repetiu. As ONGs Extinction Rebellion e Attac levaram placas pedindo por mais investimento em transporte público e justiça social, jogando atenção para uma mentalidade individualista e o preço dos elétricos. 

Em relação a essa questão, um estudo da empresa de consultoria, Gartner, mostra que até 2027 os BEVs serão mais baratos de produzir que os carros a combustão (ICEVs), e o Grupo Volkswagen promete preços competitivos para sua nova geração de elétricos. 

Foram revelados no evento quatro modelos para o segmento B baseados na plataforma MEB Entry do conglomerado. O principal deles foi o ID.Polo da Volkswagen, com previsão de início de vendas em maio na casa dos € 25 mil. Como o seu nome sugere, é a versão elétrica do hatch Polo, e contará com baterias de 38 e 56 kWh, com uma autonomia de 350 e 450 km respectivamente. Uma versão GTI do modelo será também comercializada, com 223 cavalos.

Continuando o apelo esportivo que a versão encurtada da plataforma em que os modelos do segmento C, ID.3 e ID.4, são construídos, a espanhola Cupra mostrou a versão de produção do Raval. Com dimensões e motorizações basicamente iguais às do ID.Polo, promete continuar a expansão da nova marca do grupo, antigamente uma divisão de performance da Seat.

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Cupra Raval, ID.Polo e ID.Polo GTI  (direita) serão lançados em março do ano que vem, enquanto os SUVs Epiq e ID.Cross (esquerda) chegarão no segundo semestre. Foto: Volkswagen AG / Divulgação

Como era de se esperar pela relação do Polo com o T-Cross, sua versão SUV, o conceito ID.Cross foi mostrado. Com o mesmo tamanho do modelo que substituirá em 2026, integra o segmento disputado dos B-SUV elétricos, formado por nomes como Peugeot e-2008, Renault 4 e Volvo EX30. Focando em espaço e ergonomia, marca a volta de botões físicos no volante e do ar condicionado, além de um maior uso de materiais reciclados. 

Por fim, a Skoda apresentou a sua versão do SUV, denominada Epiq. Tal qual os irmãos de plataforma, será construído em Pamplona, na Espanha, e contará com a capacidade de carregar dispositivos externos como eletrodomésticos (V2L). A velocidade de carregamento é de até 125 kW, indo de 10% a 80% em 20 minutos, e o modelo estreará uma nova identidade visual para a tcheca no ano que vem.

Ascensão chinesa continua 

Aprofundando essa questão dos preços, são as marcas chinesas que se destacam globalmente, como destaca a IEA. Com grandes reservas dos minérios utilizados nas baterias, as fábricas para construí-las e anos de investimento estatal na tecnologia, seguiram com sua expansão em solo alemão. 

A BYD, maior marca chinesa em números, marcou presença com o recém lançado Dolphin Surf - a versão europeia do Dolphin Mini. Avaliado com cinco estrelas pelo Euro NCAP, é um dos BEVs mais baratos hoje à venda na Europa, custando cerca de € 20 mil. No campo dos híbridos plug-in (PHEV) a Station Wagon do segmento D, Sealion 06, foi lançada, focada em conforto e tecnologia com até 1.092 km de autonomia combinada.

Outra marca com novidades foi a Leapmotor, que já vende o hatch subcompacto T03 e o D-SUV C10 no continente, de lançamento marcado para o Brasil ainda em 2025. Pertencendo 20% à Stellantis, que controla a sua operação internacional, apresentou o inédito hatch B05, rival de Volkswagen ID.3 e BYD Dolphin. Sob a mesma plataforma do C-SUV B10, terá cerca de 400 km de autonomia e início de vendas para o ano que vem por cerca de € 30 mil.

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"O B05 (direita) reflete nosso compromisso com a inovação, acessibilidade e a capacitação da próxima geração de motoristas em toda a Europa e além", declarou o CEO global da marca, Zhu Jiangming. Foto: Leapmotor / Divulgação

Munique foi para além de um lugar de novos modelos, mais uma vez o palco de marcas inteiras debutando em solo europeu. A marca AITO, do grupo Seres, que usa a tecnologia da Huawei, se lançou no mercado internacional com os SUVs 9, 7 e 5. Mirando as marcas premium alemãs nos segmentos E e D, podem ser tanto BEVs ou elétricos com extensor de autonomia (REEV), repetindo a abordagem da Leapmotor com o C10.

O grupo Changan Auto iniciou as operações da sua marca Deepal com os SUVs de apelo jovem e esportivo S05 e S07, ambos com opções de serem elétricos ou PHEVs. No campo de luxo, a marca Avatr da gigante chinesa mostrou seu primeiro concept car, o Xpectra, além dos modelos 06, 07 e 12, já comercializados em alguns países europeus e com planos de chegarem a 50 mercados em breve.

A premium Hongqi esteve presente e revelou o C-SUV elétrico EHS5, além de anunciar planos de expansão com 15 modelos e 200 pontos de venda pela Europa nos próximos anos. E aumentando a sua aposta no evento, a Xpeng teve um stand dentro do pavilhão e apresentou a nova geração do P7, sedã que começou a ser comercializado na Europa no IAA Mobility 2023.

Além disso, a recém chegada ao Brasil, GAC, estreou no velho continente levando cinco modelos para a mostra. Seguindo com o “European Plan Market” anunciado no ano passado, lançou como modelos de topo o novo GS7, um SUV grande híbrido plug-in, e a MPV híbrida (HEV) E9. Mas os destaques da marca foram o hatch AION UT, rival de BYD Dolphin, e o D-SUV rival de Tesla Model Y, o AION V.

O primeiro possui bateria de 60 kW/h com 430 km de autonomia e previsão de início da comercialização em 2026 na casa dos € 30 mil. Já para o segundo, comercializado no Brasil por R$214.990, o preço de € 35.990 foi anunciado, muito competitivo para o segmento. Com 510km de autonomia e cinco estrelas no teste do Euro NCAP - com mais ADAS que o brasileiro - será o primeiro a chegar às lojas, já em setembro em mercados como Portugal, Finlândia e Polônia. O plano é que a marca venda em todos os países europeus até 2028.

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Estava ainda em Munique o carro elétrico voador GOVI AirCab (ao fundo) buscando mostrar os avanços da indústria chinesa, segundo a empresa. Foto: GAC Group / Divulgação

Eletrificação em todos os níveis 

Para além das novatas, ícones do mercado aproveitaram os holofotes da feira para se renovarem completamente. Esse foi o caso da única francesa presente, a Renault, que lançou a sexta geração do hatch Clio, o segundo carro mais vendido no continente em 2024.

Construído sob a mesma plataforma que o seu predecessor, mantém o motor 1.2 TCe e uma opção movida a GPL, mas as semelhanças acabam por aqui. No powertrain, estreia um novo sistema full-hybrid (HEV) formado por um motor 1.8 e dois elétricos, resultando em 160 cavalos e modo de condução elétrico na cidade. Conforme a estratégia da marca, o Clio não terá versão elétrica, papel delegado ao hatch de estilo retrô, o 5.

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Hatch cresceu 6 centímetros em comprimento, evocando uma silhueta mais esportiva e afilada. Foto: Renault Group / Divulgação

No quesito design, o carro rompe por inteiro com a geração anterior, o oposto do que havia acontecido com a quinta geração em relação à quarta. A frente ostenta uma nova assinatura em DRL, que forma o símbolo da Renault, e a traseira possui lanternas duplas, nunca vistas em um Clio. O interior é todo novo também em relação ao antecessor, mas com o mesmo layout e sistema operacional do Google do irmão elétrico 5.

A Volkswagen foi outra que debutou no IAA uma nova geração de um best-seller, o T-Roc. Em sua segunda encarnação, também não terá versões elétricas, sendo o último novo carro a combustão desenvolvido pela marca. Haverão pela primeira vez no SUV opções micro-híbridas (MHEV), já conhecidas dos irmãos de plataforma como o Golf e A3, além de um novo sistema HEV, com 134 e 168 cavalos. Não haverá, pelo menos por ora, versões PHEV, sendo o único modelo sob a MEB Evo sem essa possibilidade, no entanto.

Seu exterior é uma evolução da primeira geração, mantendo linhas semelhantes e o seu apelo descolado, descrito pela marca. As dimensões aumentaram, 12 centímetros em comprimento, chegando a 4.37 metros, o colocando alinhado a rivais como o Toyota CH-R e Mazda CX-30. Por dentro a abordagem continua, com telas maiores e mais itens de conectividade e segurança assistida, mas com uma disposição de elementos clássica, vista nos últimos Golf e Tiguan.

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Modelo construído em Portugal foi o quinto carro mais vendido na Europa no ano passado. Foto: Volkswagen Group / Divulgação

Concorrência de todos os lados

Além das chinesas em franca expansão nos últimos anos no continente, outras concorrentes vêm se destacando na corrida pelos elétricos principalmente. A coreana Kia compareceu ao evento e mostrou ao público os novos integrantes da família EV, o EV4 e o EV5. 

O primeiro é um hatch do segmento C, acompanhado de uma variante sedã. Já o último se trata de um modelo lançado em 2023 - inclusive a venda no Brasil desde o ano passado - mas que chega só agora à União Europeia como a versão elétrica do Sportage. Sua conterrânea e marca irmã também esteve em Munique com o Concept 3, prevendo o futuro Hyundai Ioniq 3, equivalente do EV4.

Mas nem só da Ásia as novidades chegam, com a primeira marca turca de automóveis elétricos, a Togg, debutando em solo alemão a sua ofensiva no continente europeu. Fundada em 2018 e com a primeira fábrica inaugurada em 2022, apresentou o C-SUV T10X e o sedã T10F ao público. A pré-venda dos modelos começará em 29 de setembro na Alemanha, e no ano que vem a empresa pretende iniciar seus trabalhos na França e Itália, com meta de ter até 2030 um milhão de veículos em toda a Europa.

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Preços ainda não foram divulgados, mas devem ficar em torno de € 40 mil tomando como base as cifras no mercado turco. Foto: Togg / Divulgação

Construídos sob uma plataforma elétrica, ambos receberam nota máxima no Euro NCAP recentemente, com mais de 9% de proteção para adultos e 80% nos ADAS. A respeito do desempenho, a bateria possui 88.5 kWh de capacidade, e autonomias de até 500 e 600 km para o SUV e o sedã respectivamente. 

“Nossos modelos proporcionam uma experiência de mobilidade voltada para o usuário e voltada para o futuro”, comentou Gürcan Karakaş, CEO da marca durante o evento. A marca anunciou ainda que trabalha no terceiro de cinco modelos que irá lançar até o fim da década, o B-SUV T8X. Karakaş finalizou destacando que prepara para introduzir baterias de pirofosfato de lítio (LFP), e que a indústria deve estar preparada para as mudanças e maior concorrência.

Evento continua sua evolução com mais atrações e marcas patrocinadoras, mesmo com menos montadoras
por
Vítor Nhoatto
|
18/06/2025 - 12h

 

Em sua quarta edição, ocorrida entre os dias 12 e 15 de junho, o Festival Interlagos Edição Carros se consolidou no setor. Realizada no autódromo de mesmo nome, na zona sul de São Paulo, contou com lançamentos de Ford, Honda e GWM. Além disso, nomes como IZA e Ferrugem animaram os amantes das quatro rodas.

Ao todo, estiveram presentes 18 marcas de automóveis, contando Omoda e Jaecoo como marcas separadas. A quantia diminuiu em relação à edição de 2024, que teve 19. Este ano, marcas como Chevrolet e Renault não compareceram. Mas ao andar pelos boxes da pista e no gramado que recebe os festivais Lollapalooza e The Town, a diferença é imperceptível. 

Se por um lado havia uma fabricante a menos, o número de stands de marcas patrocinadoras aumentou e chamava bastante a atenção. Desde casas de apostas até plataformas de venda de produtos online, com direito a uma estátua de leão que atraia as câmeras dos celulares. Completava o cenário a roda gigante popular nos eventos musicais que ali ocorrem, mas que não estava disponível para passeio.

No quesito alimentação, havia um número grande de opções, com uma dezena de food trucks e quiosques para petiscos e um restaurante com buffet também. Ponto importante é a falta de bebedouros pelo complexo, obrigando a todos a comprarem água, mesmo com os shows musicais que pedem por estações de hidratação.

Já em relação à organização do evento, mesmo com as obras aparentemente incessantes em Interlagos, com tapumes e entulhos em alguns locais, estavam menos intrusivas no campo de visão do espectador que as edições passadas. A sinalização continuou precária, com muitas pessoas perguntando para seguranças como descer para a área dos boxes e para o meio da pista, onde as grandes marcas ficavam.

Baseado no conceito de experiência automotor, o formato das edições anteriores foi mantido. Diferente de um Salão do Automóvel tradicional, os interessados poderiam andar na pista por R$593 com o ingresso Drive Pass, e também negociar com representantes de concessionárias a compra dos carros expostos e testados.

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Era possível ainda se sujar na lama, e nem precisava pagar mais pelo Drive Pass, com o Street Pass de R$107 já era suficiente. Foto: Vítor Nhoatto

Tudo isso faz do festival um exemplo atraente financeiramente para as marcas e emocionalmente para o público. Em Portugal, isso acontece de forma parecida com o ECAR Show e, na Espanha, com o Automobile Barcelona, por exemplo. Mas é só no Brasil que uma pista de corridas todo pode ser explorada. Além disso, para diminuir os custos, a edição Carros aconteceu apenas duas semanas depois da edição Motos, reaproveitando a estrutura e agilizando o processo para as montadoras, segundo a organização do evento. 

Palco de lançamentos 

Mesmo sem Volkswagen e o novo Tera, e a Chevrolet tendo optado por lançar os facelift de Onix e Tracker em julho em evento fechado, grandes revelações tomaram Interlagos. No quesito modelo inédito não houve nenhum caso por parte das montadoras tradicionais, limitadas a reestilizações e apresentações ao público de carros já mostrados em solo brasileiro.

Dessa vez presente somente com a Abarth, o conglomerado Stellantis aproveitou o ambiente de corrida que a marca do escorpião evoca e mostrou o renovado Pulse. Seguindo as atualizações da versão não envenenada da Fiat, ganhou nova grade frontal e teto panorâmico, além de banco do motorista com ajuste elétrico para o esportivo. Ficaram de fora, no entanto, novos assistentes de condução como leitor de placas de trânsito e piloto automático adaptativo, disponíveis em veículos mais baratos que os R$157.990 anunciados.

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Por trás do Pulse de hoje, o Abarth 600 dos anos 1960, exposto também pela marca em Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Ainda em relação às europeias, a Volvo esteve presente novamente, inclusive reaproveitando muitos dos EX30 amarelos da edição passada. Falando nele, que não oferece mais a cor citada, ganhou uma nova versão em território brasileiro, a Cross Country. Apresentada em fevereiro na Europa, chega aqui como topo da gama por R$314.950. Se diferencia das demais pelas caixas de roda e proteções na frente e atrás em plástico preto, além de estrear um novo sistema de propulsão, com  tração integral e 428 cavalos, e indo de 0 a 100km/h em apenas 3,7 segundos.

Também foram mostrados ao público o XC90 atualizado, lançado em 2015, que ganhou sobrevida após a decisão da sueca de prolongar o ciclo dos seus modelos a combustão até uma maior maturação do mercado de elétricos. E ao lado dele estava também o recém lançado no Brasil, o novo EX90, antes tido como sucessor do irmão e agora como complemento e modelo topo de gama da marca. 

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De alguma forma a eletrificação chega para o cliente Volvo, seja com o elétrico EX30 ao fundo ou com o híbrido plug-in XC90 dourado à direita. Foto: Vítor Nhoatto

Mudando de continente, a Honda aproveitou a ocasião para apresentar o facelift do Civic e do HR-V. Ambos receberam mudanças sutis na grade dianteira e parachoques, além de novas lanternas traseiras e desenho de rodas para o segundo. No interior, o sistema multimídia do sedã ganhou novas funcionalidades e o console central do SUV foi alterado levemente para facilitar o acesso ao carregador por indução. Os preços não foram divulgados, no entanto. 

A conterrânea Mitsubishi estava presente novamente, mas diferente da edição 2024 trouxe modelos realmente novos em sua linha, apesar de nenhuma revelação no evento. Lançado no país há poucos meses, a nova geração da picape Triton estava presente e o destaque do stand foi o novo Outlander, anunciado no mês passado. Agora híbrido plug-in, se coloca como modelo mais tecnológico da marca no Brasil, mas custa quase R$400 mil. 

Novidade este ano no festival, a Hyundai também não trouxe novidades, mas aproveitou para mostrar para os consumidores o recém-lançado Kona, o SUV de oito lugares Palisade e o eletrônico Ioniq 5. Os modelos marcam uma nova fase da divisão de importados da coreana no país, administrada pela CAOA e separada da HMB que fabrica os modelos HB20 e Creta. 

Por fim, a estadunidense Ford levou a Interlagos a linha Tremor de suas picapes Maverick, Ranger e F-150, reforçando o apelo off-road da marca com direito a um segundo stand só para elas próxima à pista off-road. Já dentro dos boxes, a reestilização do seu segundo modelo mais importante no país hoje, o Territory, foi revelada.

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Além da mudança estética que tenta alinhar o Territory a linguagem visual da marca, também conta com novo design para as rodas.Foto: Vítor Nhoatto

Atrás apenas da Ranger em vendas e popularidade, é rival de modelos best-sellers como os Jeep Compass e Toyota Corolla Cross, SUVs médios. Com uma frente toda remodelada, mais arredondada e passível de julgamentos, mudou a cor dos estofados internos mas manteve o seu preço de R$215 mil. Importado da China, pretende crescer na categoria com a estratégia, custando menos que os dois concorrentes citados em versões equivalentes.

Ascensão chinesa continua 

Falando mais sobre a potência asiática, se nenhuma surpresa veio por parte das montadoras já estabelecidas, mais uma vez as chinesas ocuparam em todos os sentidos Interlagos, e tiveram destaque. Com revelações importantes e presentes na pista e no barro, elas focaram em mostrar qualidade e potencial tecnológico irreverente.  

Veteranas do Festival, BYD e GWM foram desta vez por caminhos distintos, com a primeira sem lançamentos no mercado de fato, mas trabalhando fortemente o imaginário da marca no Brasil. No stand o ato principal foi o supercarro elétrico YangWang U9, chamando todas as atenções com o seu vermelho vivo e asa traseira enorme. Além disso, era impossível não reparar o carro “dançando”, demonstrando a suspensão independente sofisticada do modelo que consegue saltar e andar somente com três rodas.

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Ao lado de Dolphin Mini e King, U9 roubava os olhares com seus 1.300 cavalos elétricos. Foto: Vítor Nhoatto

Do lado de fora quem brilhava era o também elétrico YangWang U8, agora sob o formato SUV. Capaz de girar no próprio eixo e flutuar, corria pela pista e chamava atenção pelo porte de cerca de cinco metros de comprimento e design singular. Nada foi falado sobre a possível comercialização de ambos no Brasil, o que não era esperado, mas sim as onomatopeias e expressões de surpresa que eles provocam.

Já em relação ao rival GWM, a estratégia foi repetir o que fez em 2024: apresentar novos modelos. A picape híbrida Poer e o SUV Tank 9 foram as estrelas da vez, com a primeira já tendo aparecido em evento com o vice-presidente Geraldo Alckmin na futura fábrica da empresa no Brasil. No caso do segundo, promete complementar a linha Tank após a chegada do Tank 300, na edição passada revelado, e agora ocupando a pista off-road e as ruas também. 

Cenário similar ocorreu no stand da Omoda & Jaecoo, marcas do grupo Chery que em 2024 debutaram em Interlagos e agora já contam com cerca de 50 lojas pelo país. Foram apresentados a versão híbrida do Omoda 5, vendido aqui até então somente como elétrico sob o nome E5, e o inédito Omoda 7, um híbrido plug-in para rivalizar com BYD Song Plus e o GWM Haval H6. Ambos tem previsão de lançamento até final do ano.

Porém, o destaque da mostra foi a novata GAC, que chegou ao mercado brasileiro oficialmente no mês passado já com 33 lojas e cinco modelos. Estilizada sob o slogan Go and Change, vá e mude em português, é o acrônimo para Guangzhou Automobile Group, e se pronuncia “gê á cê”. 

Com um dos maiores estandes da edição, o mesmo que a também estreante chinesa Neta usou no ano passado, era um dos mais movimentados também. O centro das atenções era o elétrico Hyptec  HT com suas portas traseiras “asa de gaivota”, ao estilo do rival Tesla Model X. Custando a partir de R$299.990, é o modelo topo de gama da marca à venda aqui, e promete agitar o mercado dos SUVs elétricos grandes, com uma cabine extremamente luxuosa.

Mais ao fundo estava o também elétrico e SUV, Aion V, com uma pegada mais quadrada e prática. Com porte de GWM Haval H6, tela para o ajuste do ar condicionado no banco de trás, massagem nos dianteiros e até 602 km de autonomia segundo o ciclo chinês NDEC, custa a partir de R$214.990, mesmo preço que o rival híbrido. A MPV (Multi Purpose Vehicle) Aion Y e o sedã Aion ES completavam a linha elétrica.

E apostando também nos híbridos, o SUV GS4 marcou presença, rival direto do supracitado H6 e do recém atualizado BYD Song Plus. A partir de R$189.990 é tido pela marca como o modelo com maior potencial de vendas, e aposta em um design ousado cheio de vincos e quinas, além de qualidade, conforto e tecnologia por um preço mais acessível que modelos menores como o Toyota Corolla Cross inclusive.

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Espaço da GAC remetia a conforto, natureza e um estilo de vida novo, como proposto pela marca. Foto: Vítor Nhoatto

Vale notar, no entanto, que apesar de todo o apelo high tech, nenhum dos modelos conta com leitor de placas de trânsito e detector de fadiga, presentes nos rivais da GWM e BYD. Além disso, o sedã Aion ES, com a mira para o BYD King, não possui nenhum assistente de condução e acabamento digno de Fiat Mobi por R$170 mil. Só o tempo dirá se a estratégia será efetiva ou desaparecerá em um ano como a Neta.

Museu a céu aberto

Ao lado da imersão chinesa a nostalgia tomava conta no segundo espaço da Honda no evento. Entrando era possível admirar o Civic Type-R, o mais potente já feito e vendido por quase meio milhão no Brasil. De frente a ele estava o primeiro Civic fabricado no Brasil, parecendo que havia saído da loja em 1997.  

E como um espaço de memória da japonesa pedia, um tributo a parceria de Ayrton Senna e a marca levou ao festival itens exclusivos do ídolo brasileiro. Acompanhado do capacete usado por ele estava exposto um exemplar 1992 do Honda NSX, esportivo que contou com a participação do piloto no desenvolvimento e que é lembrado pelos fãs por isso. Os entusiastas das pistas ainda puderam ver de perto o primeiro Honda que ganhou na Fórmula Indy.

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História não se compra e contra isso as chinesas não podem lutar. Foto: Vítor Nhoatto

Não necessariamente só de antiguidades que se faz um museu, mas também obras de arte, como abrigava um pavilhão mais adiante. Nele os interessados podiam fazer tatuagens no estúdio presente enquanto admiravam os dois carros mais caros do Brasil. 

No seu tom azul vibrante de lançamento, o superesportivo Bugatti Chiron estava sempre rodeado de câmeras, queixos caídos e pessoas de todas as idades. Com 1.500 cavalos, estima-se que custe cerca de R$40 milhões e é o único exemplar em solo brasileiro. E acompanhando o francês estava o Pagani Utopia, feito artesanalmente e em apenas 99 unidades. O único exemplar no país é branco e possui faixas azuis e vermelhas, importado por cerca de R$60 milhões.  

Estavam mais ao fundo ainda uma Porsche Taycan e uma Mercedes G-Class, que torcem pelos pescoços pelas ruas, mas se contentavam em ser apenas os figurantes do espaço desta vez. Falando na alemã, pela primeira vez esteve no evento, com um stand discreto no gramado e apenas quatro modelos, mas que estavam quase sempre rodeados de interessados. Ao lado também estavam as novatas no evento, BMW e Mini, com seus últimos modelos, mas sem novidades.

De volta ao prédio, Lexus e Toyota repetiam a estratégia das alemãs, sem alardes, e para completar o mundo das exclusividades, um cercado contava com um Rolls Royce Ghost, um McLaren GT, alguns Mitsubishi Lancer Evolution e até mesmo uma Tesla Cybertruck. Se não fosse o suficiente, no andar de cima empresas de acessórios e produtos automotivos em geral trouxeram Nissan GT-R, Ford Mustang e mesmo Ferrari. Lembrando que se fosse de desejo, por  R$1.970 à R$3.950 era possível pilotar máquinas como essas com o ingresso Sport Pass.

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Seja criança ou não, entusiasta ou leigo, muitos modelos chamavam atenção de todo mundo que passava por Interlagos. Foto: Vítor Nhoatto

Para completar a experiência no fim da noite, ainda aconteceram shows de cantores a lá Lollapalooza em pleno mês de junho. No dia 13 se apresentaram Seu Jorge e IZA, seguidos da dupla Maiara e Maraisa no dia seguinte, e Diogo Nogueira e Ferrugem no domingo (15). 

A Prefeitura de São Paulo anunciou em abril deste ano que renovou o contrato com a organização do evento para edições anuais até 2028, comprovando o sucesso do formato. Mesmo que o Salão do Automóvel de São Paulo volte depois de sete anos em novembro, como foi anunciado, o espaço do Festival Interlagos é só dele, e parece mais que nunca robusto e consolidado pelas marcas, governo e também pelo público. 

Para Mércia Cristina, a ausência do celular trará um aproveitamento melhor dos conteúdos educacionais
por
Laila Santos
Tamara Ferreira
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09/06/2025 - 12h

Em 13 de janeiro deste ano, foi sancionada a lei nº 15.100/2025 pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que limita o uso de celulares em escolas das redes pública e privada. O objetivo é diminuir os impactos negativos deste aparelho, como o vício em tecnologia, a falta de concentração e os prejuízos à saúde mental dos jovens. Não está proibido portar os dispositivos eletrônicos nas classes, mas sua utilização é apenas para emergências, necessidades de saúde e atividades pedagógicas que necessitam deles. Tudo fica sempre sob supervisão do professor. Essa 'brecha' tem levado muitos alunos a tentar burlar as regras, afirma Mércia Cristina de Freitas Andrade, inspetora de alunos em uma escola da rede pública, em entrevista à AGEMT. 

Com foco em diminuir o cyberbullying, que causa dificuldades nas relações interpessoais e no desempenho escolar, além dos problemas de sono e das questões psicológicas, as instituições de ensino tiveram que definir as estratégias de implementação da lei, inclusive em recreios e intervalos entre as aulas.   

Estudante com um celular em sala de aula
Estudante com um celular em sala de aula. Foto/Agência de Notícias Yonhap

Com a dependência em inteligências artificiais (IAs) atualmente, a funcionária do Educandário comentou se notou alguma diferença na aprendizagem dos alunos com a utilização desenfreada da internet e o acesso à inteligência artificial: "O uso de celulares e a utilização da IA, de certa forma, fez com que os alunos fizessem o uso demasiado de respostas e pesquisas prontas. Dessa forma, a aprendizagem e o aprimoramento da bagagem cultural foram seriamente comprometidos", ressalta. 

São Paulo foi o primeiro estado a adotar a medida, antes mesmo da criação da lei federal. Os regulamentos mais detalhados da implementação da legislação ficaram ao cargo do CNE (Conselho Nacional de Educação), órgão consultivo do Ministério da Educação (MEC), que decidiu dar autonomia aos colégios na maneira de armazenar e lidar com os aparelhos. Para Mércia, a proibição foi uma medida tardia, mas necessária e, com isso, os estudantes poderão fazer melhor uso do tempo e se concentrar melhor nos estudos. Ela cita: “Notei uma ligeira melhora nas relações humanas. Uma atenção mais direcionada às disciplinas, mas ainda uma resistência à proibição…" 

A entrevistada: Mércia Cristina
A entrevistada: Mércia Cristina de Freitas Andrade. Foto/Arquivo Pessoal

Essa atitude reflete um relacionamento não saudável com um dispositivo que era, praticamente, parte do material escolar e que está cada vez mais presente na vida social. Quando foi proibido, causou uma onda de irritação nos jovens, relata a inspetora.   

A partir de 2018, a Organização Mundial da Saúde (OMS) começou a reconhecer a dependência do celular e em outros meios digitais como um transtorno chamado nomofobia. Um estudo da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) diz que cerca de 25% dos adolescentes brasileiros são viciados na internet. Além disso, a Opinion Box traz os dados de que 95% das crianças do país, entre 10 e 12 anos, têm acesso a pelo menos um smartphone.  Com essa medida, espera-se que a escola volte a ser um ambiente de interação, que os estudantes voltem a ter uma aprendizagem mais fluida e que desenvolvam uma relação mais equilibrada com a tecnologia. 

Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

A falta do compromisso com a ética dos profissionais da saúde e os prejuízos sociais e políticos nos indivíduos
por
Patrícia Mamede
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27/09/2022 - 12h

Por Patrícia Almeida Mamede

‘’Boneca. Eu costumava brincar de boneca.  E casinha, também brincava de casinha’’. Maria Neuza, uma senhora beirando os noventa anos, se lembra bem das brincadeiras de menina. Maria, apesar da memória gasta pela idade, não hesita em responder às perguntas relacionadas à sua infância, como quais eram os brinquedos que seus parentes costumavam lhe dar em aniversários ou natais, ‘’muita boneca, muita coisa de casa e muita roupa’’. Além de brincadeiras, Neuza se recorda de algumas frases que costumava ouvir como, ‘’seja educada’’ e ‘’fica quieta, menina!’’.

Para essa senhora, ser mulher é ‘’ser carinhosa, prestativa, amar seus familiares e ter opinião própria’’, enquanto ser homem equivale a ser ‘’trabalhador, carinhoso e um bom amigo’’. Mesmo pontuando essa disparidade entre os sexos, Maria concorda com a afirmação de que não existem diferenças cerebrais entre homem e mulher. Ou seja, ela concorda que a ideia de um cérebro masculino e um cérebro feminino é um mito.

Uma matéria publicada pela BBC em julho de 2021 afirma o seguinte, ‘’ A ideia de que as mulheres eram intelectualmente inferiores aos homens era considerada um fato há vários séculos. A ciência tentou por muito tempo encontrar as diferenças subjacentes a essa suposição. Aos poucos, vários estudos foram contestando muitas dessas diferenças propostas e, ainda assim, nosso mundo continua teimosamente marcado por esse viés’’.

A Neurogenderings é uma rede formada por mulheres pesquisadoras das mais variadas áreas, atuando em diferentes países, que se intitulam enquanto ‘’neurofeministas’’. Essas mulheres buscam discutir as relações entre sexo, gênero e cérebro, juntamente às relações entre feminismo e ciência. A rede tem como principal objetivo examinar, através de uma perspectiva crítica, a produção do conhecimento neurocientífico, visando combater o que chamam de ‘’neurossexismo’’ (estereótipos em relação à feminilidade e masculinidade que estão presentes em grande parte da produção neurocientífica). A rede defende o fazer ciência por mulheres, justamente por acreditar que nenhum conhecimento pode ser desvinculado do contexto social, tempo e lugar em que foi produzido. Segundo essas mulheres, não há ciência apolítica. Donna Haeaway, uma das mulheres que compõe a rede, diz que ‘’a ciência feminista, portanto, é uma ciência que possui um posicionamento crítico’’.

A produção de artigos e estudos encarregados a esclarecer as mentiras perpetradas por milênios de que exista um cérebro masculino e um cérebro feminino é escassa não só no Brasil, mas globalmente. A premissa de que mulheres eram inferiores foi sustentada ao longo dos anos através da ideia do ‘’essencialismo’’, que defende a ideia de que exista uma essência em ambos os sexos, cuja estrutura e funções cerebrais são fixas e inatas. Apesar de vários estudiosos terem erradicado tal possibilidade através de pesquisas acadêmicas da então nova ciência, o assunto não parece se dar por encerrado até os dias de hoje. Tanto dentro da neurociência, como no pensamento de massa do senso comum, a ideia do ‘’essencialismo’’ permeia disseminada na sociedade, inclusive nos artigos e no seio maior da neurociência. Mas por que o consenso neste assunto parece ser tão difícil de se estabelecer?

 

Século XIX

No século dezenove, com o movimento feminista em ascensão, os cientistas, assim como os demais profissionais das mais variadas áreas de atuação, trabalharam para reforçar os estereótipos que reforçavam a noção de inferioridade da mulher. A premissa do essencialismo ignora o fato de o gênero ser um conceito antropoceno, ou seja, socialmente construído.

Gerda Lerner, uma historiadora que dedicou vinte e cinco anos para estudar a origem da opressão das mulheres escreveu em seu livro A Criação do Patriarcado, "quero enfatizar que a minha aceitação de uma ‘explicação biológica’ só é aplicável aos primeiros estágios do desenvolvimento humano e não significa que a divisão sexual do trabalho ocorrida depois, com base na maternidade, seja ’natural’. Pelo contrário, mostrarei que a dominância masculina é um fenômeno histórico porque surgiu de um fato biologicamente determinado e tornou-se uma estrutura criada e reforçada em termos culturais ao longo do tempo’’, descreve.

Cecilia Carter, uma brasileira que atualmente mora na Inglaterra, agora aposentada, foi professora de alunos do jardim da infância e fez uma observação a respeito do que envolvia ser um homem e ser uma mulher, ‘’ai que tá, na verdade, pensando bem, eu acho que é tudo a mesma coisa. É o ser humano, eu vejo assim. Acho que são as pessoas que colocam em caixinhas’’. No entanto, ela acrescenta, ‘’acho que todos nós temos um lado feminino e um lado masculino’’.

As pesquisas neurocientíficas costumam usar a mesma linguagem que Cecília quando dizem respeito às características femininas e masculinas. Um estudo levantado pela Universidade de São Paulo (USP), realizado pelo departamento de Ginecologia e Obstétrica fez a seguinte afirmação, ‘’A. APO é rica em aromatase e em receptores dos esteroides sexuais, possibilitando assim a conversão da testosterona em estrogênio, sendo este crucial para o processo de masculinização do cérebro masculino. No cérebro masculino, o estrogênio promove a desfeminização, o que leva à supressão das funções cerebrais femininas no homem, induzindo-o a assumir atitudes e exercer funções tipicamente masculinas’’. O estudo, no entanto, parece ignorar que tais características são desenvolvidas através da cultura, tendo impacto nos primeiros anos de vida do indivíduo.

Ao perguntar às pessoas - em sua grande maioria, estudantes - quais características elas entendiam enquanto femininas, obteve-se respostas como, ‘’vaidade, falar de forma delicada, gostar de nenês’’, ‘’sensibilidade’’, ‘’características delicadas’’. Para características masculinas teve-se outro polo, ‘’seco, reto, frígido, instável’’, ‘’sentar de pernas abertas’’ e ‘’agressividade’’. De trezentas pessoas, 32 acreditam que essas características não são inatas, 5 creditam que são inatas e o restante não respondeu.

Nota-se, segundo o que dizem as feministas da rede Neurogendering  há uma importância em estabelecer uma relação interdisciplinar para que se possa estudar de maneira ética e crítica o que, de fato, são características femininas e masculinas e como por que são separadas assim. Muitas mulheres feministas que estudam o gênero enquanto um conceito socialmente construído explicam que tais características, na verdade, são desenvolvidas através do processo de socialização e educação que cada sexo irá desenvolver nos dos primeiros estágios da infância.

Gênero

Apesar dos estudos e debates sobre a questão de gênero estarem sendo cada vez mais discutidos dentro da academia e pautados em assuntos políticos, o conceito de ‘’gênero’’ em si, ainda é colocado enquanto uma característica inata e imutável, e que, apesar de significar um grande passo – principalmente em relação à luta da libertação das mulheres – a discussão permanece supérflua segundo algumas mulheres que se posicionam enquanto críticas de gênero.

Kelly Cristina, uma jovem de 24 anos, crítica de gênero e feminista diz que suas brincadeiras quando criança não eram diferentes das brincadeiras de Neuza, por exemplo, ‘’minha mãe sempre brincou comigo de boneca e de casinha dentro de casa’’, recorda Kelly. Cristina também fala a respeito dos brinquedos que costumava ganhar, ‘’ boneca, casa de boneca, vassoura... apenas brinquedos socialmente ditos para meninas, que socializam e influenciam a ideia de que a mulher cuida da casa’’.

Curiosamente, a disparidade de gerações entre Neuza, Carter e Kelly não parece ter erradicado a ideia de que pessoas do sexo feminino ganhassem certos tipos de brinquedos como bonecas ou apetrechos de casa. Diversas mulheres feministas, mais conhecidas enquanto feministas materialistas, estão produzindo conhecimento enquanto críticas do modelo de gênero. A ideia predominante dessas mulheres é mostrar como o processo de socialização do indivíduo – tendo influência nos primeiros anos de vida na formação dos indivíduos – impacta decisivamente na construção da psique na vida adulta, moldando homens para dominância e mulheres para a subserviência.

No livro O Complexo de Cinderela, Colette Dowling irá abordar o conceito do medo inconsciente da independência nas mulheres enquanto um fenômeno sociocultural que será desencadeado pelo processo de uma educação superprotetora cujas pessoas do sexo feminino receberão de forma diferente das pessoas do sexo masculino. ‘’A menina passiva nos três primeiros anos de vida seguramente (ou quase) persistirá sendo passiva no início da adolescência; da mesma forma, pode esperar da adolescente passiva um comportamento dependente de seus pais também quando atingir a vida adulta’’.

Kelly, enquanto crítica de gênero, relata sua visão a respeito do processo de socialização enquanto uma violência, ‘’a socialização naturaliza violências. Ensina mulheres a ficarem quietas e caladas, e depois culpabilizam elas pela violência que sofrem por permanecerem em silêncio. Sem contar nos apetrechos físicos da feminilidade como; unhas grandes, salto alto, roupas sempre muito coladas que impossibilitam mulheres de se defender da violência, colocando-nos enquanto indefesas e frágeis. Tenho 25 anos e mesmo entendendo e tendo consciência que posso ser mais do que aquilo que me ensinaram, ainda sinto a socialização quando tenho medo de ocupar espaços e falar por mim mesma, já que cresci aprendendo que lugar de mulher é em casa, quieta e calada, na posição de servir".

A ideia de tentar atribuir determinadas características enquanto masculinas ou femininas enquanto algo inato tem trazido complicações sociais, políticas e no âmbito da saúde tanto para mulheres quanto para as crianças que sofrem com disforia de gênero. Devido a uma escassa produção de conhecimento a respeito do gênero, crianças com disforia estão sendo incentivadas a tomar hormônios e fazer cirurgias com a finalidade de transacionar de gênero.

Psicólogos, a indústria farmacêutica e a indústria cirúrgica, sem compromisso com a ética, têm tratado o gênero enquanto um fenômeno essencialista, o que tem prejudicado a vida de inúmeras pessoas que sofrem com a disforia de gênero de maneira permanente e sem obter um resultado benéfico e sem promessa de erradicar com os problemas psicológicos que essas pessoas vêm sofrendo.

Nos Estados Unidos há uma grande porcentagem de pessoas que começaram o tratamento com hormônios e não conseguiram se libertar dos problemas que costumavam se queixar. Cari Stella, uma mulher de 22 anos, começou a tomar hormônios aos 17 anos e começou o processo de destransição recentemente. Cari postou um vídeo em uma de suas redes sociais relatando o processo, ‘’a transição não é o único caminho nem o melhor caminho para tratar a disforia de gênero’’.

Stella relata que decidiu parar de tomar hormônios como testosterona por razões de saúde mental, ‘’é muito difícil descobrir que o tratamento que te disseram que iria te ajudar na verdade deixou sua saúde mental ainda pior’’.

Chloe Cole, mulher de 18 anos, conta que iniciou sua transição aos 15, ‘’começando por volta dos 12 anos eu comecei a acreditar que eu era transgênero. Essa crença não era orgânica. Toda a mídia que eu consumi quando criança mostrou como era estúpido e vulnerável ser uma garota. Todas as imagens sexualizadas de mulheres davam-me uma expectativa irreal de feminilidade. Eu estava obcecada em me tornar um menino.’’ Chole relata achar que sua ansiedade desapareceria uma vez que realizasse a transição, no entanto ela diz, ‘’ninguém explorou porque eu não queria ser uma garota’’, e complementa, ‘’mais e mais crianças estão caindo na falsa promessa de felicidade se fizerem a transição’’.

Os conceitos mal estabelecidos de feminilidade, masculinidade e gênero promovem uma desinformação massificada, acarretando problemas políticos e sociais cada vez mais graves. O processo de socialização dos indivíduos tem pouca, se não nenhuma, importância dentro da academia. Mulheres feministas e críticas de gênero vêm tentando alertar os profissionais e os demais a respeito desta problemática, no entanto, a mídia parece semear um desinteresse na hora de articular matérias sobre isso.

Kelly relata sobre seu processo a respeito do conhecimento feminista, ‘’ informação salva. Entender sobre socialização apesar de ser dolorido é também acolhedor. Você entende que feminilidade não é escolha porque quando você abre mão dela, a violência fica muito mais visível. Mas quando aceitei que não gostava de ser feminina e que isso não me fazia ser menos mulher, que eu podia usar roupas largas e não usar maquiagem, que eu podia cortar meu cabelo, que eu não só podia como também deveria ocupar espaços, falar por mim mesma, e não mais aceitar aquilo que me desagrada, foi libertador.’’

Na era digital, os escravos modernos são aqueles que trabalham excessivamente sem direito a um atendimento humanizado
por
Nathalia Teixeira
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18/10/2022 - 12h

Por Nathalia Cristina Teixeira Bezerra

Aplicativos como Uber, Ifood, 99 táxi, Rappi e semelhantes começaram a surgir em meados de 2014 e hoje são mais usados que qualquer outro serviço do mesmo cunho que antecede a era dos smartphones. Acontece que, com a popularização destes, a demanda de trabalhadores informais aumentou e houve também um crescimento da precarização das condições de trabalho e do uso da mão de obra barata. Os prestadores de serviços dessas plataformas vêm se queixando dos baixos salários que recebem e da falta de humanização para atendê-los, problema que se agravou ainda mais na pandemia da Covid-19. Além de não ter acesso a um suporte de segurança decente, os motoristas e entregadores são trabalhadores informais, precisamente pela falta de regulamentação envolvendo esses aplicativos. Por esses e outros fatores que essa é considerada a era da terceira fase da escravidão moderna.

Tanto os servidores como os clientes que utilizam esses apps têm uma queixa em comum: a falta de um suporte decente para atendê-los. Se antes utilizávamos o SAC para tirar dúvidas e fazer reclamações, hoje somos respondidos com mensagens automáticas e programadas que, na maioria das vezes, não ajudam na resolução do problema. Essa falta de profissionais humanos para o atendimento faz com que os funcionários percam ainda mais seus direitos, que não são muitos. A ausência do registro assinado na carteira de trabalho torna a situação ainda mais delicada. Essa falta de um chefe por detrás da logística dos atendimentos  consiste em fazer com que os entregadores tenham que realizar mais entregas do que os limites do corpo permitiriam. A quantidade excessiva de corridas em tempo recorde que eles precisam cumprir para garantir um salário mínimo é o que os leva ao cansaço extremo e, consequentemente, ao adoecimento. 

Durante a pandemia, já era esperado que aumentasse a demanda de pedidos do Ifood e outros aplicativos de entrega de comida. Com a maioria das pessoas cumprindo o isolamento social em casa, houve um boom no consumo desse tipo de serviço e várias questões foram levantadas. A principal era a da saúde: se os colaboradores estavam colocando a própria saúde em risco, precisando aumentar o número de horas trabalhadas para atender o público crescente, por que o salário ainda era o mesmo? A queixa do grupo também era sobre as porcentagens altas que essas empresas recebem (até os dias de hoje) comparado ao que eles mesmos ganham no final do dia. Na quarentena, a mão de obra foi ainda mais precarizada justamente pelo fato de que, em meio a uma pandemia global de um vírus até então desconhecido, eles precisaram trabalhar com maiores chances de adoecer e não houve nenhuma mudança significativa na comissão. Essa série de problemas resultou na mobilização dos prestadores de serviços dos apps, que tentou ser impedida pelos donos dessas empresas, mas sem sucesso. Depois da greve de 2021, o Ifood entrou em um acordo com seus servidores para definir uma taxa mínima de entrega. Apesar de ter sido uma pequena vitória, ainda não é suficiente e muito menos proporcional ao que deveria.

Alan Moreira tem 47 anos e começou a trabalhar como entregador depois de perder o emprego na pandemia. Ele trabalhou durante 24 anos em uma multinacional, mas em 2020 foi um dos diversos colegas afetados pelo corte de funcionários da empresa. Atualmente ele está em busca de um novo trabalho com carteira assinada, entretanto, enquanto não consegue oportunidade para uma entrevista, faz entregas para duas dessas empresas de entregas de delivery. A rotina de Alan é extremamente “exaustiva e pesada”, como ele mesmo disse. Sua jornada de trabalho começa ao meio dia, com entregas no horário do almoço e termina por volta das 11 da noite, podendo se estender até meia noite. “De fim de semana então, piorou. Não tem horário para acabar. Já finalizei uma entrega às 6 da manhã”, contou. 

Ao questionar Alan sobre como foi atuar na pandemia, ele disse que “foi desafiador [...]. Meu maior medo era transmitir o vírus para meus filhos. Mas não tinha o que fazer, eu precisei colocar comida na mesa”, lamentou. Pai de dois filhos, de 9 e 14 anos, respectivamente, ele seguiu à risca todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde para se prevenir contra o coronavírus. Porém, em outubro de 2021 foi infectado e teve que ficar em isolamento por 15 dias: “Não tive nenhum direito. Fiquei sem receber durante a quarentena. Sorte que minha irmã me ajudou com as despesas, se não, não sei o que teria sido”. “Queremos somente o mínimo. Seguro de vida, condições básicas de trabalho, como por exemplo banheiros para usarmos no intervalo das corridas [...]. Nem um copo de água a gente pode ter. É para isso que fizemos e vamos continuar fazendo barulho. Por condições dignas, estamos aqui para sobreviver”, afirmou Alan, sobre as maiores reivindicações dos entregadores nos protestos. 

 

Reinvenção da escravidão no capitalismo

O capitalismo tem a capacidade de se reinventar a cada novidade na era tecnológica. No mundo digital, a publicidade foi um dos maiores pilares que proporcionou o aumento do consumismo a partir de ferramentas básicas, como os celulares que hoje são acessíveis a toda a população. O surgimento dos aplicativos de serviços como Ifood e Uber não foi à toa: dentro desse sistema, o trabalhador informal sempre foi colocado à margem da sociedade. Um exemplo básico disso são as terceirizações. Empresas como Vivo, Claro e outras operadoras de telefone usam funcionários terceirizados tanto para o telemarketing, quanto para serviços técnicos, justamente para não gastar com o registro dessas pessoas. Atualmente, a terceirização conseguiu ser informalizada pelos apps, justamente porque essas empresas não precisam contratar outra empresa, apenas colocar pessoas que, no desespero de um país com alta taxa de desemprego como o Brasil, se inscreveram voluntariamente para trabalhar com eles. 

Mas por que comparar o trabalho assalariado com a escravidão? Bem, apesar de ser remunerado, a falta dos direitos trabalhistas e os baixos valores que eles recebem por entrega, torna a condição de trabalho análoga a escravidão. O próprio Alan pontuou que “nossa situação se assemelha com a dos escravos. Acho que esse termo define muito bem o que somos, escravos modernos [...]. Só quem trabalhou anos com contrato CLT e diversos benefícios consegue enxergar a diferença de um emprego digno com o que passamos com esses aplicativos”. Não só entregadores de Ifood como Alan, como também motoristas de aplicativos estão sujeitos a trabalhar por diversas horas para ganhar o mínimo e não ter direito ao autocuidado. O fato de não existir uma regulamentação eficiente que atenda a esse grupo e a demanda ser disponibilizada por ferramentas robotizadas faz com que os servidores fiquem sem tempo para se profissionalizar em áreas que garantem condições melhores, para ganhar uma baixa comissão que será usada apenas para a sobrevivência, como custos com aluguel e despesas da casa. Em suma, eles são obrigados a estarem à disposição dos aplicativos para, no fim, conseguir a moeda de troca que garante um teto, tal qual a escravidão.

 

O método que garante a exploração

Dentro das estatísticas, o trabalho informal tem raça e classe: a grande maioria dos motoristas e entregadores de aplicativos são negros e periféricos. A exploração da mão de obra barata é o que faz a manutenção do capitalismo e o fato só condiz com a realidade do Brasil, porém agora dentro dos trâmites da era digital. Em média, um servidor do Ifood ganha 4 reais por corrida feita. Considerando o preço atual da gasolina e a velocidade que esse servidor precisa atingir para conseguir realizar a entrega a tempo, o valor é abusivo e não condiz com o proporcional para o tipo de trabalho.

Acontece que o padrão acontece da seguinte maneira: existem dois tipos de trabalhador no Ifood e semelhantes. O Nuvem e o OL (operador de logística). O primeiro é o mais comum e consiste no modelo adotado por Alan Moreira. Basicamente, ele recebe por entrega realizada, se não entregar, não recebe nada. Aqui, em tese, ele trabalha nos dias, horários e tempo que quiser, mas na prática não é assim que funciona, pois ele fica escravo do programa. Já o OL tem tudo acertado com seu operador logístico. Geralmente esse operador é um restaurante ou um mercado e ele trabalha somente para esse. Ainda que tenha um combinado mais “seguro”, os entregadores optam pela Nuvem porque podem trabalhar a hora que quiserem e ganhar um pouco mais de dinheiro. No final, ambas as formas abusam da força de trabalho deles, o que só confirma as falas de Alan sobre suas condições de vida. 

É errado dizer que a escravidão moderna é causada pela tecnologia. A tecnologia que amplifica a escravidão moderna. O que sustenta esses meios é justamente o controle das classes dominantes no poder econômico, que precisa explorar as camadas mais pobres da sociedade para se manter no poder. Quanto mais funcionários perderem os empregos com carteira assinada para trabalhar ganhando 4 reais para uma plataforma milionária, mais os empresários e associados dessa plataforma estarão lucrando com ela. A invenção desse tipo de troca é vendida aos clientes como uma “solução justa”, já que eles pagam pequenos valores para receberem os pratos em casa. Apesar de não ser culpa de nós, fregueses, precisamos entender essas questões e refletir sobre a maneira como consumimos esse tipo de serviço. A principal forma de reverter esse cenário de forma eficiente, considerando as condições atuais, é apoiar a luta dos entregadores e motoristas e entender as reivindicações, para contribuir diretamente com eles. 

 

Com a promessa de mais um avanço digital, o metaverso evidencia ainda mais as paredes que separam os alheios à Internet do resto da população
por
Ana Beatriz Assis
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18/10/2022 - 12h

Por Ana Beatriz de Souza Assis

 

Quem são os excluídos 

“Ah, eu sei as horas porque vejo nas tvs das padarias e nos relógios na avenida, mas, isso não preocupa não, não tenho nenhum compromisso hoje.” Sabrina Reis de 36 anos dá uma risada triste após a resposta. Ela vive nas ruas há cerca de 5 anos. Foi expulsa de casa pelos familiares após problemas com drogas e preferiu guardar para si os detalhes do "exílio social". “Metaverso? Nunca ouvi falar não. É uma descoberta nova da ciência? ” Após explicado o conceito da palavra, faz cara de surpresa e diz rindo: “Não entendi nada. ”

Sabrina vive dentro do túnel José Roberto Franganiello Melhem caminho para a avenida Paulista, lá, mora dentro de uma barraca pequena que cuida com cuidado. “Não, não tenho celular e nem quero para falar a verdade, celular só traz desgraça na nossa vida” Ao ser questionada o motivo, ela faz uma careta e aumenta o tom de voz: “Minha filha, isso daí é ouro nas mãos daqueles” apontando com a cabeça para outro grupo de moradores do lado oposto do túnel “Quase morri na mão deles por causa de um”, conta. Sabrina explica o episódio que após achar um celular na rua (ela frisa diversas vezes que realmente achou o celular em suas caminhadas e que nunca roubou) dois caras  bateram nela para pegá-lo: “ Eles vendem as peças para comprar droga, se eu fosse você não ia perguntar nada pra eles não tá?.”

- E se não fosse “eles” e a situação que se encontrava, você teria um celular?

“Com certeza fia, eu tinha um celular, mas vendi ele, era bom demais saber das coisas, falar com a família” Após falar da família Sabrina não quis se abrir a mais perguntas. “Não, não tô triste não, é que não sei o que falar mais não” Ela ri e diz que não saberia responder perguntas sobre como era sua relação com a internet quando tinha o aparelho. “Me sinto excluída sim, mas fazer o que né? Minha vida agora é essa aqui”.

Os sons de buzinas e carros passando é a trilha sonora de cada dia de Sabrina e de mais dezenas de pessoas que ali moram, não foi perguntado nada ao outro grupo que ela apontara, bem como recomendado. “Eu tinha um tevezinha antes sabe? Via as coisas por lá. Eu só entendia que passava pelo ar e pegava no pulmão dos idosos. Eu via as pessoas andando com máscaras pra cima e pra baixo e ficava com medo, se pegava só nos velhinhos porque todo mundo usava máscara?” Sabrina reflete sobre como descobriu sobre a pandemia sem nenhum acesso a internet ou informação(..) “A falta de informação mata a pessoa de angústia.  O que passei não desejo pra ninguém não, ficava horas na frente da farmácia pedindo que comprassem máscara pra mim, agora imagina as pessoas que não tinha tevê nem nada? Morreram aí sem nem saber com o que. ”

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cabana de Sabrina localizada no túnel josé Roberto Franganilello Melhem - foto: Ana Beatriz 
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Visão do túnel - foto: Ana Beatriz 

“Entenda o que é o metaverso e por que ele pode não estar tão distante de você”; “Metaverso: O futuro nos investimentos”; “O que é o metaverso e por que você já vive nele mais do que imagina” Essas são umas das manchetes de matérias sobre a mais nova promessa do futuro: O metaverso. É reforçado o discurso que a novidade irá revolucionar o mercado tecnológico e a perspectiva de um novo mundo ao qual o usuário será submerso, uma realidade em que tudo será possível, mas, quem poderá ter esse mundo de possibilidades na palma da mão?

Com a chegada da Internet, uma nova realidade foi exposta as pessoas. No início, apenas uma parcela da população tinha acesso a esse mundo: “Internet era coisa de rico, meus patrões falavam sobre os programas, os aplicativos né? Eu não entendia nada” diz Malba Rejane (50), ao relembrar da década de 90: “Hoje tenho Internet e nem imagino minha vida sem” completa a aposentada. A tecnologia se disseminou em menos de meio século e se popularizou a nível de criar uma nova atmosfera de dados e informações. Hoje, ainda existe indivíduos que encaram um dia-a-dia de trinta anos atrás, porém, agora enfrentam a exclusão de estarem alheios a realidade digital.

 

 

 

 

 

 

 

 

As paredes invisíveis que nos separam 

A Paulista é uma das mais importantes vias de São Paulo, sendo um grande conglomerando de centros financeiros e tecnológicos, porém, infelizmente foi uma tarefa muito fácil encontrar pessoas alheias a essa tecnologia nas ruas da avenida. Fabiana Ferreira de 28 anos, fica sentada em um pano estendido pelo chão a pouco menos de 10 metros da estação Consolação do metrô, ela e seu filho Davi Lucca de 4 anos, disputam lugar no asfalto da calçada com sapatos de marca e passos corriqueiros: “Fui mandada embora do meu serviço na pandemia” A moça responde as perguntas em meio a suplicas aos pedestres: “Moço me vê um trocado pro meu filho almoçar? ” Ao não receber nenhuma reposta, volta de onde parou: “Não consegui pagar meu aluguel, então fui para uma invasão lá em São Matheus. Quando a prefeitura tomou tive que ficar cinco dias na rua, ai vindo pra cá (são Paulo) consegui arranjar 500 reais e aluguei uma casa, ai tô pagando aluguel e tô aqui pra pegar dinheiro pra continuar pagando. ” Fabiana arruma a roupa abarrotada do filho enquanto fala que não conseguiu o auxílio, mas que pela rua, consegue pelo menos uma refeição para alimentá-lo.  Ela ainda conta que tem outra filha de nove anos e tinha outro filho que faleceu por complicações em uma cirurgia no pulmão, a broncospia, cirurgia que foi paga com dinheiro de vaquinha online, ele morreu com 1 ano e 6 meses.

28,2 milhões de pessoas no Brasil não têm acesso à Rede de Dados global segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) parcela que corresponde a um pouco mais do dobro da população do Paraguai. Sabe aquele vídeo engraçado que rodou na Internet essa semana? Essas pessoas não fazem a mínima ideia do que se trata. Ou aquela notícia que foi tema da sua rodinha de amigos? Eles não podem conversar sobre isso com você. E até mesmo o medo de uma nova doença disseminado pelas mídias sociais? Eles não compartilham esse sentimento com você. Com o metaverso a vista do horizonte, eles irão ficar mais uma vez a margem de um mundo.

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Mark Zuckerberg apresenta o metaverso - Via: O globo 

“Não tenho nada amiga, não tenho nada, para me encontrar é aqui, nesse ponto” Diz Fabiana ao ser questionada sobre se tinha algum contato com a Internet ‘Vendi meu celular para pagar meu aluguel” Fabiana diz que tem televisão em casa, onde sabe dos principais acontecimentos, cita também, que seus filhos estudam, mas ás vezes faltam para ajudá-la na coleta de trocados. “Eles voltam pra casa falando de tal jogo que o coleguinha falou e eu fico sem saber o que falar né? Dói não poder dar e nem saber como dar o que seu filho pede” Foi perguntado a ela sobre o metaverso e outros apetrechos da tecnologia:  “Sei o que é porque já ouvi falar na tv”, responde, Mas afirma não ter nenhum problema de estar excluída do mundo tecnológico. " meus filhos tendo comida e um teto, já é o suficiente” Ela ainda completa citando que diversão e entretenimento são um luxo que por enquanto ela não pode bancar.

 

Entretenimento: luxo que muitos não podem bancar

Enquanto milhares de Sabrinas, Fabianas e Davis Luccas temem pela falta de um teto, no metaverso, os chamados avatares de influencers já possuem até apartamento no mundo real. Foi o que aconteceu com Satiko, a influencer virtual da artista Sabrina Sato, que em maio deste ano ganhou seu próprio apartamento real em São Paulo, o imóvel será utilizado para gravações das chamadas “publis” e outros eventos envolvendo o mundo digital, a noticia foi alvo de criticas. Já em agosto, a boneca virtual lançou um restaurante no jogo “cidade alta” sendo possível que os jogadores comprem comida para alimentar seu avatar, jogadores esses talvez, que não disponham de centavos para Davi lucca ter o que almoçar.

“Tô aqui desde 9h00min e só ganhei 10 reais e um resto de marmita fria” Fabiana denuncia em tom de tristeza. Já passava do 12h30min e a Paulista estava abarrotada de engravatados indo ou voltando de seu horário de almoço. é difícil para ela sentir os cheiros de comida e perfumes caros enquanto seu filho reclama de fome. Para Fabiana, pouco importa o metaverso e qualquer outros engenhos tecnológicos, sua desilusão a esse lado do mundo é tão concreta que ela nem cogita um dia usufruir dessas, segundo ela, regalias. 

Ainda não se sabe se o metaverso será de fato o futuro da internet, ainda em forma primitiva, é utilizado com viés de entretenimento e recreação, mas já germina grande renda para marcas e famosos. Além disso, a sua aparição evidencia que as diferenças socais são bem mais profundas do que se pode vê. As pessoas lidam duas vezes com a exclusão: excluídas da Internet e da sociedade como um todo.

Ao procurar por evidências de criaturas míticas, a criptozoologia revela a relação do ser humano com a mitologia
por
Alexa Reichmann
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18/10/2022 - 12h

Por Alexa Reichmann

 

Nas florestas úmidas da África Central, o missionário e cientista Thomas Savage procurava por provas materiais das histórias que ouvia. Os residentes da República de Gabão lhe contaram repetidas vezes sobre um “monstro negro” que haviam visto, similar a um “macaco gigante” e que poderia ser até um “homem-símio”. Em 1847, o fisiologista americano - que após uma década de incessantes buscas pela criatura encontrou apenas alguns ossos e dentes suspeitos -, publicou o primeiro artigo sobre tal animal, até então desconhecido na comunidade científica: o gorila. O que o texto de Savage e todos os outros estudos sucessivos tinham em comum eram os testemunhos orais dos gaboneses como argumento. Pois, na verdade, nenhum cientista jamais havia visto um gorila.

Muito antes dos relatos africanos do século XIX, a figura do gorila já havia sido tema de narrativas. O livro romano Historia Naturalis, escrito em 77 D.C, conta a jornada de seu autor, Plínio, o Velho, pela Índia e leste da África. A obra relata diversos animais até então desconhecidos para os romanos, como leopardos, moscas tsé-tsé e, é claro, gorilas. Além disso, Plínio descreveu espécies que até hoje não foram encontradas nem reconhecidas pela ciência, como o Cinocéfalo, um ser humano com cabeça de cachorro. 

A curiosidade expressa em Historia Naturalis pelo o que existe ou pode vir a existir além dos limites de nossa geografia e visão é um dos primeiros registros escritos do que move a chamada criptozoologia. Reunindo saberes da antropologia, biologia e zoologia, ela se dedica a estudar animais não reconhecidos pela ciência formal. Toda criatura descrita em lendas, mitos ou folclore é denominada criptídeo, um animal de existência desconhecida.

 

A "ciência" 

Apesar do interesse milenar pelo fauna oculta, o termo “criptozoologia” foi criado apenas em 1959, pelos cientistas Bernard Heuvelmans e Ivan Sanderson. Este último fora um prolífico autor escocês, cujo principal interesse eram os animais misteriosos. Em um de seus textos, “Talvez haja dinossauros”, Sanderson descreveu animais gigantes das florestas tropicais africanas. O texto despertou o interesse pelo assunto no francês Heuvelmans, com a ideia de existirem, ainda, animais não descobertos. Ambos os pesquisadores defendiam que a criptozoologia deve ter uma abordagem interdisciplinar, porém exigir um rigor científico.

E por falar em rigor cientifico, a criptozoologia é uma ciência? Seus adeptos defendem que sim; enquanto zoologistas, biólogos e afins a rebaixam a pseudociência. É preciso antes definir estes termos. A ciência é um método de estudo que coleta dados rigorosamente inspecionados e que, a partir destes, propõe explicações lógicas e justificadas sobre algo. Já uma pseudociência se utiliza de dados com pouco escrutínio, que muitas vezes tentam justificar as crenças e opiniões pessoais dos pesquisadores. 

Pode-se dizer que, na teoria, a criptozoologia é uma ciência. Afinal, ela coleciona informações de relatos orais e as examina por métodos sustentáveis. Embora a criptozoologia tenha em comum com a ciência a possibilidade de levantar hipóteses, as quais podem acabar sendo verdadeiras ou falsas, o tipo de dados coletados pela área em questão são extremamente duvidosos. 

Um ser desconhecido pode ser um fruto da imaginação, um delírio, o resultado de uma visão turva, ou até mesmo uma mentira proposital. Por mais que a base da criptozoologia seja cética e autocrítica, a sua principal fonte de dados, os humanos, não são testemunhas confiáveis. Todavia, é necessário relembrar que diversos animais que conhecemos na atualidade foram considerados criptídeos em outras eras, como na época de Plínio, o Velho.  

 

O ser humano

Bianca Simoni é estudante de medicina e fã da criptozoologia. A jovem de 22 anos conta que desde criança gostava de ver desenhos de anatomia e tentar reproduzi-los, fossem eles de pessoas ou animais. Até que um dia, já pré-adolescente, ela se deparou com uma gravura de um esqueleto de sereia e se assustou. “De início, senti medo, mas aquilo despertou minha curiosidade. Comecei a pesquisar na Internet sobre sereias, o que me levou a conhecer outras figuras míticas e extremamente intrigantes”, contou Bianca.

Entre estes seres, estavam o Pé-Grande, de origem estadunidense; o Monstro do Lago Ness, da Escócia; o Chupacabra, comum a todo o continente americano; e o Lobisomen, com primeiro registro na Grécia Antiga. “Esses são, em geral, os criptídeos ‘porta de entrada’ para o assunto. Apesar de popularizarem o tema, o que é fantástico, essas figuras de destaque ficam banalizadas por ‘notícias’ sensacionalistas”, disse a estudante.  “A criptozoologia 'pura' é a junção de relatos folclóricos com dados científicos. Ela não se resume a pessoas alucinadas tentando achar o Pé-Grande em bosques, ou procurando por evidências de vampiros em cemitérios macabros. Isso é apenas espetáculo da imprensa.” 

Com muitos livros lidos sobre o assunto e mais de 20 ilustrações autorais que retratam como seria a anatomia destes seres, Bianca explicou que a área está cada vez mais distante da zoologia, e tende a se voltar para seu viés antropológico. "A cultura e psicologia do ser humano estão com maior peso nos estudos ultimamente". Bianca, que prefere estudar os criptídeos nacionais - como o Boi Tatá, a Mula Sem Cabeça e o Saci Pererê -, disse que conhecer a criptozoologia brasileira a fez entender melhor sobre sua terra. “Estas lendas não são aleatórias. Todas traduzem traços marcantes da cultura nacional. A Mula Sem Cabeça, por exemplo, é de um moralismo machista gritante. A lenda fala da violação da castidade das mulheres. Qualquer uma que se apaixonasse ou tivesse relações com um padre viraria esta criatura perturbadora. Mas, é claro, nada acontece com o padre.”

 

A curiosidade

Precedente à Teoria da Evolução de 1859, de Charles Darwin, a divulgação das pesquisas sobre o gorila despertaram enorme interesse na comunidade científica. O desejo de ver este animal por inteiro não apenas resultou em finalmente achar esta nova espécie e catalogá-la, como também reancendeu as discussões sobre o parentesco dos primatas em sociedades ocidentais com imaginário fértil e incessante curiosidade.

A criptozoologia, talvez, realmente, não seja uma ciência. Mas ela, à sua maneira, impulsiona as ciências formais à própria evolução. 

 

“A importância do mito, das situações e dos seres criados pela imaginação humana, na proporção em que, ao se dirigirem diretamente ao nosso corpo, à nossa sensibilidade, podem nos propiciar melhores condições para sentir interpretar e compreender este mundo no qual existimos.” - Jean-Jacques Rousseau

 

Idosos abordam suas relações com a Internet, e apontam os pontos positivos e negativos das novas teologias
por
Lucas Munhoz Rossi
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04/10/2022 - 12h

Por Lucas Rossi

Smartphones, tablets, computadores, inteligências artificiais, Google, sites, redes sociais, mídias alternativas, equipamentos eletrônicos, entre outros, fazem parte do dia a dia da nossa sociedade, estando presentes na maioria de nossas atividades, e ditando o ritmo e a vida das pessoas. Para um jovem, que a partir do ano 2000, nasceu, cresceu e se desenvolveu simultaneamente ao avanço de novas tecnologias, é praticamente impossível imaginar como era a vida sem as tecnologias de comunicação em rede.

Elas estão tão impregnadas em nosso cotidiano, que é difícil imaginar que existam pessoas que ainda não utilizam ou ainda não se acostumaram com esses avanços. No entanto, esse é o caso da maioria dos idosos ao redor do mundo. Nascidos em um período em que as coisas eram mais simples, em que as pessoas se importavam em trabalhar desde cedo, com a educação pouco valorizada, baixas expectativas de vida e inúmeras guerras vivenciadas. Para algumas dessas pessoas, a Internet pode ser vista apenas como mais uma “fase”, para outras como um desserviço para a humanidade, já que na visão de muitos acaba afastando as pessoas.

Porém, muitos idosos enxergam pontos positivos e tentam fazer parte da Internet e das redes sociais. Como é o caso da Vicentina Nabarro, 72 anos, mãe de três filhos e avó de 7 netos. Mesmo com tantas experiências de vida e tantos anos de vida, Vicentina tenta estar sempre atualizada e buscando aprender essas novas “ferramentas”. Nabarro afirma que as novas tecnologias "são difíceis para a minha geração pois não fez parte do nosso cotidiano, como acontece com as gerações atuais. Uma criança tem mais facilidade de lidar com as novas tecnologias e muitas vezes nos ensinam como lidar com elas. Ainda Tenho algumas dificuldades, como por exemplo fazer compra pela Internet etc., precisando que meus filhos façam por mim.”

Ela afirmar poder fazer o básico para se comunicar e usufruir do avanço tecnológico, como usar o app do banco, app do plano de saúde, marcando consultas, recebendo resultado de exames, fazendo reclamações, enviando documentos para aprovação de exames, compras, delivery e aplicativos de viagem. Sua comunicação com as pessoas tornou-se imediata pois através do WhatsApp ela consegue resolver problemas, contratar serviços, acompanhar o cotidiano de amigos e familiares. Através do Facebook ela toma ciência do que está acontecendo no Brasil e no mundo. "Converso com amigos presentes em nossa vida e com os distantes até em outros países", disse.

Mesmo sendo defensora dos novos instrumentos tecnológicos, Tina, como gosta de ser chamada, aponta alguns riscos da Internet: “O mundo está muito melhor com a Internet, mas ao mesmo tempo estamos cada vez mais dependentes dela, nos privando do contato presencial, com um bom papo olhando nos olhos e aproveitando nossa presença. Além do mais, é preciso muito cuidado com os golpes de internet, principalmente contra nós idosos, que não temos tanta familiaridade com essas tecnologias”, avalia.

Sérgio Luis Munhoz, ex-professor universitário de 74 anos, acredita que os avanços tecnológicos têm importante papel nos dias atuais, mas confessa ainda ter algumas dificuldades em utilizar todas essas ferramentas. Para Sérgio, “Essas novas ferramentas são extremamente úteis e importantes, e facilitam muito a vida de todos, embora a velocidade das inovações está em descompasso, com a capacidade dos idosos, como eu, fazendo com q tenhamos que nos socorrer com filhos, netos, funcionários mais jovens etc.”, afirma. “Entendo que as facilidades dessas novas tecnologias aumentam nossas possibilidades de contacto, melhoram nossa comunicação com o mundo, com parentes e amigos, mesmo que estejam distantes, auxiliando muito nossas vidas, embora seja um pouco viciante e às vezes podem nos desviar da possibilidade de melhores contatos pessoais”, completa. 

A Internet e as redes sociais são elementos positivos para a humanidade é uma questão de opinião particular de cada cidadão, no entanto tudo indica que só é o início dessa nova fase, então é importante se atualizar e ter alguma familiaridade com o assunto. Da mesma forma, que é importante manter um equilíbrio e não deixar que sua vida “virtual” se torne mais importante do que sua vida real.