Por Rafaela Eid Lucio de Lima
O Jornalismo, profissão que investiga, discute, expõe fatos, ideias e argumentos, sempre é alvo da discussão sobre a imparcialidade: É neutro ou não é? Por mais que a sociedade queira acreditar na neutralidade das coisas, como na da tecnologia e do próprio Jornalismo, é fato que tudo tem estímulos ideológicos. Assim como um jornalista - com suas escolhas de palavras e argumentos - coloca seus pensamentos naquilo que escreve, os mecanismos tecnológicos também replicam aquilo que “pensam”, ou seja, o que aprenderam. Os robôs no Jornalismo podem ser vistos, por alguns, como uma saída para parcialidade humana, mas os algoritmos também são capazes de reproduzir preconceitos e estereótipos.
Segundo um levantamento feito pelo coletivo Pretalab - projeto que estimula a inclusão de mulheres negras na tecnologia e na inovação - juntamente com a consultoria ThoughtWorks, homens brancos, héteros e de classes sociais média ou alta são a maioria dos funcionários do setor de tecnologia. Nesse sentido, quando produzem os algoritmos, esses cientistas alojam seus preconceitos, mesmo que inconscientemente, já que vivem em uma sociedade estruturalmente racista e machista. Consequentemente, há casos como quando o Google Fotos rotulou, em 2015, um casal de pessoas negras como gorilas e quando, em 2020, o Twitter priorizava exibir rostos brancos nas imagens que também continham rostos negros, entre tantos outros.
Além disso, outro elemento importante, que colabora para que a discussão sobre a falta de parcialidade ou excesso dela no Jornalismo exista, é a narrativa, produzida pelos próprios veículos, de que os meios de comunicação jornalísticos são imparciais. Entretanto, essa é uma maneira de controlar e enganar reiteradamente os leitores. O viés encontra-se nas entrelinhas, na linha editorial, nas escolhas de posicionamentos, no que é publicado e, principalmente, no que não é publicado.
Como colocado pela autora Clarissa Peixoto, no texto Jornalismo, hegemonia e reações contra-hegemônicas: “A imparcialidade pregada pelos veículos de jornalismo hegemônico cai por terra diante das evidências de desequilíbrio entre versões do fato ou do acontecimento. Falsas equivalências buscam dar a mesma dimensão para temas situados em horizontes diferentes. A exemplo disso, podemos atribuir ao jornalismo tradicional uma parte importante do incentivo a narrativas da extrema direita. Não à toa, teve papel fundamental na promoção de Bolsonaro nos anos anteriores à eleição de 2018, apresentando seus posicionamentos como válidos na discussão entre contraditórios, sem realizar um debate crítico e aberto com a sociedade sobre o que significavam. Outra forma de enquadramento recorrente na imprensa hegemônica consiste em tratar sem equidade as relações de poder. Os contraditórios não são mediados para garantir um equilíbrio entre as narrativas quando não lhes convém. O discurso da imparcialidade valida posições de poder na compreensão do que é público e do que é privado (MIGUEL; BIROLI, 2010), sintetizando a realidade em versões polarizadas e estanques”. Essas e outras maneiras são utilizadas pela grande mídia para colocar sua opinião sem que seja tão explícita.
Sendo assim, tudo tem um viés, seja ele por interesses políticos, econômicos, sociais, privados, públicos, entre outros. No caso da grande mídia, o interesse econômico é o que dita o que será veiculado. A linha editorial dos jornais, como o Estadão e a Folha de S. Paulo, publica o que não vai de encontro com as vontades dos anunciantes. Nesse sentido, faz-se necessário questionar as tecnologias que compactuam com o discurso hegemônico da sociedade, em qualquer âmbito, até mesmo no Jornalismo, a fim de entender as tendências ideológicas dos algoritmos, como impactam a vida da sociedade pelos meios de comunicação e os próprios meios de comunicação.
COMO FUNCIONAM OS ROBÔS
Pensando nisso, então, mesmo que fossem robôs escrevendo notícias, eles teriam que continuar mantendo o padrão de quando são escritas por humanos. Em 2014, por exemplo, o El País Brasil publicou uma matéria com o título “O jornalismo enfrenta o desafio dos robôs que produzem notícias", dizendo que a agência Associated Press começava, naquele ano, a usar robôs para produzir notícias automaticamente. Cristina Pereda, jornalista que a escreveu, cita no texto que: “Os robôs são na verdade programas de computador que já conquistaram outros setores, como o de atendimento ao cliente, serviços de venda online ou os buscadores de informação. Mas seu uso nas redações é o último desafio ao qual o jornalismo deve enfrentar no trabalho dos meios de comunicação depois do surgimento da Internet, o que mudou para sempre a distribuição das notícias e esvaziou os modelos de negócio baseados na publicidade.” Pereda ainda cita outros veículos, para além da Associated Press, que já utilizavam os robôs: The New York Times e Los Angeles Times, por exemplo.
Vale ressaltar que o uso dessa tecnologia não é uma novidade nas redações, elas datam a década de 70, segundo o artigo O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. Eles eram utilizados na redação de previsões do tempo já naquela época. Mas o debate se intensificou depois que grandes veículos como os citados acima e outros, como The Washington Post, Le Monde, Forbes, Metropolis Daily, começaram a usar os robôs que utilizam softwares de Natural Language Generation (NLG), que consiste no uso de Inteligência Artificial (AI) programada para produzir narrativas escritas e faladas a partir de um dataset - conjunto de dados. A NLG produz conteúdos com “natural-sounding language”, ou seja, com uma linguagem que soa natural, de acordo com o site Tech Target. Além disso, ela funciona em 6 estágios: análise de conteúdos; entendimento de dados; estruturamento de documentos; junção de frases; estruturamento gramatical; apresentação de linguagem. Quando se fala, então, de robôs no jornalismo, “não estamos falando de robôs humanoides que trabalharão, lado a lado, com repórteres nas redações. Estamos sim falando de computadores, softwares, algoritmos, tabelas e bancos de dados”, trecho do artigo O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. Vale ressaltar que, no Brasil, também existem veículos que usam robôs como “jornalistas”: Aos Fatos, G1, Jota, entre outros.
Dessa maneira, os dados coletados pelos robôs, a fim de escrever notícias, são algoritmos que podem ser ensinados e que podem conter preconceitos. O racismo algorítmico, por exemplo, é uma das discussões mais atuais quando se fala do uso de IAs em diversos campos da nossa vida: redes sociais, aplicativos, reconhecimento facial, entre outros. Como fala o pesquisador Tarcízio Silva, autor do livro Racismo Algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais, em entrevista para o programa Bem Viver da Rádio Brasil de Fato:
“Racismo algorítmico é um termo [que está] sendo utilizado globalmente por estudiosos e ativistas que tentam entender como tecnologias digitais podem intensificar práticas racistas e manifestações do racismo estrutural em diversas tecnologias digitais que temos no nosso dia a dia. E essas tecnologias digitais, hoje, são impulsionadas, de certa forma, pela lógica e pela ideologia da Inteligência Artificial e do aprendizado de máquina. E, para além disso, as plataformas que utilizam essas tecnologias dominam praticamente todas as esferas da vida. São as plataformas de comunicação, mas também são as plataformas de trabalho, de comércio, até as plataformas de serviço. Então, os aplicativos de transporte, de entrega, são exemplos disso. Além disso, para falar um pouco mais dessa pervasividade das tecnologias em todas as esferas, a gente ainda pode pensar em aplicativos de paquera e aplicativos de saúde. E, nos últimos 10 anos, muitos estudos descobriram que algumas tecnologias podem esconder práticas racistas e outros tipos de práticas discriminatórias - também relacionadas a gênero, ou região, ou capacitismo, e assim por diante. Não que os algoritmos sejam racistas, porque a questão não é pensar que um software tem vontade própria, mas sim o inverso, algoritmo como um qualificador do racismo. Então, as práticas racistas e discriminatórias hoje [se] utilizam das tecnologias, ou seja, [se] utilizam também dos algoritmos para intensificar a exploração, que está ligada a exploração financeira também, exploração do trabalho, em várias esferas diferentes. E isso é um risco enorme porque pode infringir diversos direitos que envolvem minorias raciais, mas a população como um todo também”.
Diante do que foi exposto por Tarcízio, surge a pergunta: Como poderiam ser imparciais os robôs que atuam no Jornalismo? A resposta é que eles não conseguem ser neutros, já que podem replicar práticas discriminatórias, pois a Inteligência Artificial que os opera é tendenciosa. Então, a utilização desses mecanismos tem como objetivo automatizar as redações, precarizar o trabalho e agilizar os processos de elaboração de notícias, jamais tornar o Jornalismo e seus veículos mais imparciais. Nesse sentido, o debate sobre a neutralidade torna-se infrutífero. O Jornalismo é parcial e não há como, nem por meio de robôs, torná-lo um pouco mais neutro. O que a sociedade vivencia, atualmente, é uma tentativa lucrativa de espalhar por toda a parte o uso dos algoritmos e, portanto, bem-sucedida, já que a tecnologia é, por muitas vezes, bem aceita sem nenhum questionamento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARVALHO, Denise. Racismo Calculado. Uol, 2021. Disponível em: <httpws://www.uol.com.br/tilt/reportagens-especiais/como-os-algoritmos-espalham-racismo/>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
DALBEN, Silvia. O uso de robôs no jornalismo brasileiro: três estudos de caso. VI Seminário de Pesquisa em Jornalismo Investigativo. Universidade Anhembi-Morumbi, 26 de junho a 29 de junho de 2019. Disponível em: <https://projetos.abraji.org.br/seminario/PDF/6/SILVIA_DALBEN-O_uso_de_robos_no_jornalismo_brasileiro_tres_estudos_de_caso.pdf>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
JUNIOR, Juracy Braga Soares. Jornalistas robôs substituem seres humanos no G1 a partir de 1 de janeiro de 2021. Unieducar, 2021. Disponível em: <https://unieducar.org.br/blog/jornalistas-robos-substituem-seres-humanos-no-g1-desde-1o-de-janeiro-de-2021>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
LACERDA, Nara. Racismo digitalizado: como funciona o preconceito impresso nos algoritmos?. Brasil de Fato, 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/02/28/racismo-digitalizado-como-funciona-o-preconceito-impresso-nos-algoritmos>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
MACIEL, Camila. Algoritmos: pesquisadores explicam tecnologia que intensifica racismo. Agência Brasil, 2021. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2021-03/algoritmos-pesquisadores-explicam-tecnologia-que-intensifica-racismo>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
MEDEIROS, Davi. Robôs já escrevem ‘sozinhos’, mas podem ser melhores que humanos?. Olhar Digital, 2020. Disponível em: <https://olhardigital.com.br/2020/09/11/noticias/robos-ja-escrevem-sozinhos-mas-podem-ser-melhores-que-humanos/>. Acesso em: 24 de jun. de 2022.
PEIXOTO, Clarissa. Jornalismo, hegemonia e reações contra-hegemônicas. Observatório da Imprensa, 2020. Disponível em: <https://www.observatoriodaimprensa.com.br/objethos/jornalismo-hegemonia-e-reacoes-contra-hegemonicas/>. Acesso em: 24 de jun. de 2022.
PIERRO, Bruno de. O mundo mediado por algoritmos. Revista Pesquisa FAPESP, edição 266, Abr, 2018. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/o-mundo-mediado-por-algoritmos/>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
SILVA, Tarcízio. Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais. São Paulo: Edições Sesc SP, 2022.
SILVA, Tarcízio. Linha do Tempo do Racismo Algorítmico. Blog do Tarcízio Silva, 2019. Disponível em: <https://tarciziosilva.com.br/blog/destaques/posts/racismo-algoritmico-linha-do-tempo/>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
WIGMORE, Ivy. Natural Language Generation (NLG). Tech Target, 2021. Disponível em: <https://www.techtarget.com/searchenterpriseai/definition/natural-language-generation-NLG>. Acesso em: 29 de jun. de 2022.
Por Esther Ursulino
O TSE está se inserindo no mundo da tecnologia e das redes sociais para combater as notícias falsas que desestabilizam a democracia brasileira. A iniciativa também busca reforçar a confiança na Justiça Eleitoral, nas eleições e na urna eletrônica, que vêm sendo alvos constantes de campanhas difamatórias.
Em agosto de 2021 o Tribunal Superior Eleitoral instituiu o Programa Permanente de Combate à Desinformação, que tem como objetivo reduzir os efeitos negativos das notícias falsas relacionadas, especialmente, à Justiça Eleitoral e seus integrantes, às urnas eletrônicas e às diferentes fases do processo eleitoral. As ações do programa estão baseadas em três eixos: Informar, Capacitar e Responder. O primeiro eixo promove o consumo de informações oficiais, confiáveis e de qualidade; o segundo é destinado à alfabetização midiática dos brasileiros; e o terceiro busca identificar casos de desinformação e respondê-los, de forma preventiva ou repressiva, para que seus efeitos negativos sejam contidos. Atualmente, a iniciativa mobiliza mais de 70 instituições, entre partidos políticos e entidades públicas e privadas.
Visando a efetividade do Programa Permanente de Combate à Desinformação, a Justiça Eleitoral viu a necessidade de se adaptar às plataformas digitais, que se tornaram o principal meio de informação no país. Segundo o estudo Digital News Report 2022 do Instituto Reuters, 64% dos brasileiros dizem receber notícias pelas redes sociais. As principais são Youtube (43%), seguido pelo WhatsApp (41%) e Facebook (40%). O relatório também mostra a tendência dos mais jovens em privilegiar informações em formato de áudio e vídeo, características de redes como Instagram, Tik Tok e Spotify. Tendo em vista este cenário, o TSE realizou parcerias com as plataformas citadas na pesquisa, além do Google, Kwai e Telegram. Vale ressaltar que o Tribunal é o primeiro órgão eleitoral no mundo a firmar parceria com este último aplicativo.
Além de ser parceiro das plataformas, o TSE também se insere nelas. Em sua conta do instagram @tsejus é possível encontrar publicações relacionadas à educação midiática, às eleições e à importância do voto – tudo isso feito de forma leve, informativa e até mesmo bem humorada. E por falar em humor, o órgão não poderia ficar de fora do Tik Tok. No app desde 2020, o perfil TSEjus posta conteúdos institucionais e informativos em formato de vídeos curtos, muitas vezes utilizando memes e elementos da cultura pop para se comunicar melhor com a população mais jovem – principal público do aplicativo. Em maio deste ano, o perfil oficial do Tribunal publicou uma paródia de uma das cenas da novela Pantanal, edição exibida pela TV Globo, em que Juma Marruá entrega um bilhete a Jove, seu par romântico na trama. Quando o moço abre o bilhete encontra a frase: “Não deixe de votar. Todo voto importa.”. https://www.tiktok.com/@tsejus/video/7103528900742958342?is_from_webapp=1&sender_device=pc&web_id=7131855846342395397 Em outros vídeos, podemos encontrar referências aos Vingadores, Star Wars, Irmão do Jorel etc.
No YouTube, há o canal da Justiça Eleitoral. Nele, dentre outros conteúdos, há o quadro “Então é Isso!”, com vinheta que lembra a identidade visual dos games. O programa apresenta, toda sexta-feira, uma decisão da Justiça Eleitoral de forma simples e acessível. A presença do Tribunal Superior Eleitoral no WhatsApp se dá através do chatbot – assistente virtual – criado em parceria com o próprio aplicativo de mensagens. O robô virtual, como também é conhecido, foi criado para esclarecer dúvidas relacionadas às Eleições Gerais de 2022 e fornecer informações confiáveis aos usuários. As alianças não se limitam às plataformas. O Tribunal também se uniu a nove agências de checagem: AFP, Agência Lupa, Aos Fatos, Boatos.org, Comprova, E-Farsas, Estadão Verifica, Fato ou Fake e UOL Confere. As notícias checadas pela coalizão são publicadas na página “Fato ou Boato”, disponível no Portal da Justiça Eleitoral.
Claudir Segura, doutor na área de Processos Cognitivos em Ambientes Digitais, e professor dos cursos de multimeios e comunicação da PUC-SP, diz que os propagadores de fake news conseguem entender as maneiras pelas quais as pessoas compreendem algo, e por isso sabem como utilizar as plataformas digitais para influenciá-las de maneira errada. “A informação é uma arma, e infelizmente pode ser utilizada para o lado negativo.”, diz. Entretanto, Segura ressalta que a tecnologia pode ser uma aliada no combate à desinformação, e cita a música “Nos Bailes da Vida”, de Milton Nascimento, para explicar a importância da inserção de um órgão governamental nas novas mídias: “‘Todo artista tem que ir onde o povo está’. O artista é o TSE e onde o povo está ele tem que estar junto. (...) O importante é não deixar faltar informação.”.
Por Catharina Morais
Giancarlo Pancioli, funcionário da Empresa Farfetch, uma das plataformas líderes mundiais no mercado online de moda de luxo, diz que a tendência é um subproduto da moda, mas que reflete no tempo e suas influências. Para Gian, o que é usado vai muito além do que simples vestimentas, já que dentro desse ato contém reflexos de efervescências sociais que criam a sensação de pertencimento e que ao se disseminar, torna-se a cultura do consumo; logo sendo a moda também um mecanismo de semelhança e atrativo social. É possível notar isto na prática, em como por via de regra, pessoas que frequentam determinados ambientes vestem-se de forma parecida, ainda que existam algumas exceções, tal observação é extremamente comum. Mais um exemplo disto, são as empresas, que atualmente em casos cada vez mais frequentes possuem dress code, a ser seguido por seus funcionários, desta forma padronizando seus contratados.
Na era da contemporaneidade, vemos surgir um novo consumidor: com valores mais enfraquecidos e desesperados para submeter-se às demandas do mercado. Colocando uma lupa maior na situação, é possível enxergar no Brasil, país que enfrenta uma intensa desigualdade de concentração de renda, um fenômeno cultural globalizado.
A política e a industrialização moldaram então as normas da sociedade, se utilizando de uma lógica de isolamento e individualização do ser em relação ao seu meio. O período de crescimento demográfico mundial da modernidade causou uma eclosão de ideologias de poder e progresso que deram uma ilusão maior de autonomia de consumo. Como consequência desse desenfreamento, problemas ambientais como a intensificação de produção de lixo, intoxicação de rios e lençóis freáticos e desmatamento, se proliferaram. A exploração exacerbada da natureza para suprir as demandas populacionais, também a fez passar por um processo de transformação: a de mercantilização, sendo então vista somente como uma ferramenta de exploração humana.
Contudo, não foi só a nossa relação com o meio ambiente que mudou. A cadeia produtiva industrial humana e ética, se enfraqueceu no meio da era da ‘racionalização’ pós-moderna. Na proliferação dessa nova cultura globalizada, é possível traçar mudanças entre períodos: o do século XX até o término da Guerra Fria, que como um dos seus principais destaques, teve lutas de reivindicações de um proletariado explorado pela intensificação da cultura industrial, atrelada a uma constante tentativa de derrubar o sistema capitalista vigente; e a do após a Guerra Fria, onde a vitória capitalista, junto com a proliferação dos aparelhos eletrônicos nos anos 2000, provocaram uma era de fluidez e inconstância nos valores e reformas em diversas lutas sociais.
A moda se insere no mundo e se associa com a liquidez do momento. Ela têm a capacidade dicótoma de individualizar mas também agrupar. A primeira forma surge no momento da escolhas do que usar, agindo de forma para realizar suas vontades e gostos; e a segunda na inserção da sua aparência para num meio social, então, como sua escolha pode ser influenciada por uma imposição do mercado, de forma com que você se vista num mesmo "estilo" com outros. Mas a inconsciência das mãos do mercado nas escolhas individuais é onde mora o perigo.
A frase de Zygmunt Bauman que Mara Sant’ana usa em seu livro, Vida para consumo: Transformação das pessoas em mercadoria, de “Quanto mais escolhas parecem ter os ricos, tanto mais a vida sem escolha parece insuportável para todos”, demonstra como o consumismo se tornou uma forma de integração dentro da sociedade estratificada pós moderna.
As tendências se alterando a cada mês dentro de redes sociais, impulsionadas por grandes marcas e figuras públicas, provocou uma nova forma entre a relação do mercado e consumidor e essa necessidade, com base no desejo, foi o resultado dessa transição. A busca incessante pela felicidade e pertencimento são projetadas em produtos que, assim que pararem de ser a tendência, se tornam descartáveis. Pancioli também contempla que:
O fast fashion se inseriu dentro desse contexto e conquistou um grande público que cresce a cada dia. Esses são os mesmos indivíduos inseridos na mentalidade pós moderna. As empresas de fast fashion proporcionam um mar de opções de tendências para o cliente caminhar livremente, com uma liberdade de escolha e com um menor compromisso de escolha. As tendências e novidades nos sites dessas empresas são atrativas pelos preços baixos e a vasta quantidade. As tendências criam um fenômeno de imitação, criando uma multidão homogênea ocidental. Com sua popularização, o setor se tornou uma grande fonte de tendências, sem distinções de classes, passou a ser consumido por predominantemente a classe média. Essa mistura pode ser explicada pelo boom do consumo das lojas rápidas, e o desejo pelos produtos que todos querem consumir. Com preço acessível e o consumo impulsionado pelo desejo e não necessidade, facilita o desapego e a superprodução de peças.
Observa-se, então, uma indústria marcada pela efemeridade, onde o sistema apresenta materiais com um ciclo de vida curto. Seguir tendências acarretam num ciclo de vida programado, que impõe o descarte precoce dos produtos, que podem estar ou não em bom estado, por que deixam de “estar na moda”. A exploração laboral e a insustentabilidade presentes nas fábricas produtoras, são impactos diretos da modernidade nos tempos atuais. Passando então por muitas etapas que envolvem o gasto e desgaste de pessoas que trabalham na linha de produção até o meio ambiente, há uma deterioração dos valores de muitas empresas. Paula Bortz, formada em moda na faculdade Santa Marcelina, contempla sobre esse tipo de desenvolvimento.
Um movimento contrário a essa forma é o slow fashion, que se baseia na sustentabilidade ética das mais diversas áreas, desacelerando esses impactos negativos. Ganhando notoriedade a partir de 2008, como uma alternativa para a crise que se instalou, ela se tornou uma forma de conscientização que junta princípios éticos conscientes. Os questionamentos sobre a origem e a produção dessas mercadorias, junto com a desaceleração, é o objetivo dessa forma de enxergar a moda.
Esse processo de transição, porém não é instantâneo, uma vez que a sociedade de maneira geral, por viver sob um sistema capitalista frenético, o qual induz ao consumo desenfreado e nada consciente, muitas vezes apresenta resistência ao novo, além disso o consumo, não só relacionada a moda mas a tudo, está fortemente ligado às propagadas e a mídia que pouco se importa com demandas sociais e sustentáveis, atentando-se apenas ao lucro, objetivando produzir e vender cada vez mais, para tal feito apropriando-se então dos padrões de comportamento humano, para induzir e padronizar, os anseios de consumo, tendo como porta voz as mídias ( sociais, digitais, televisivas etc.) que moldam seus espectadores para ansiar não só pelos objetos apresentados mas pela sensação imagética que a indústria vende através dos mesmos.
Quantas vezes é possível notar em filmes, séries e afins um padrão de marcas de roupa; a moda em especial exerce uma pressão significativa na vida das pessoas, os trajes tornam-se mais que apenas objetivos simples de vestimenta, passando por uma personificação, sendo o ser humano julgado por aquilo que veste, o amplo uso dos aplicativos digitais, especialmente na era do instagram e do Tik Tok agravam este cenário já que as ditas “blogueiras de moda”, ditam regras daquilo que será almejado, exercendo um controle sobre a moda, especialmente sob um público mais jovem. O slow fashion então, passa por grandes desafios, no enfrentamento de um mercado selvagem e já consolidado, por isso deve ser pauta mais presente no dia a dia da população, que muitas vezes nem sequer o conhecem, servindo não só como uma alternativa, mas como uma prioridade consciente para com o produtor, o consumidor e meio ambiente.
Por Letícia Alcântara
No dia 16 de agosto de 2021, Bárbara Caroline, moradora de São José dos Campos, município do interior do estado de São Paulo, sofre um acidente de moto que mudaria sua vida. Pilotando na via Cambuí, de máscara e capacete fechado, Bárbara perdeu a consciência, devido a uma hipóxia, condição médica caracterizada pela falta de oxigênio no corpo; a mesma narra que sentiu que iria desmaiar, porém não teve tempo de parar a moto.
Após ser socorrida, já no hospital realizou todos os exames necessários, Um dos vários ortopedistas que a atenderam explicou que, de seu joelho para baixo, encontrava-se tudo destroçado incluindo todos seus ligamentos e o próprio joelho, restando apenas 20% de tecido da sua perna direita. Após a queda, a moto bateu no meio fio, seu corpo escorregou pela grama, e sua perna colidiu com uma placa de sinalização de trânsito. Caso não houvesse a placa, teria tido apenas arranhões leves. No mesmo dia de seu acidente, ela então passa por uma amputação.
Bárbara conta que atualmente está no processo de fisioterapia para poder então utilizar uma prótese, a mesma pontua que todo seu tratamento é realizado através do SUS, dizendo ainda que enxerga na prótese que utilizará, a esperança da volta de sua independência, sendo possibilitada novamente de realizar o simples gesto de poder abraçar seu filho, de 6 anos, em pé, podendo caminhar e segura-lo pela mão na rua. A protetização trará novamente a segurança de andar livremente, chegando mais perto daquilo que fazia antes, como correr, pular dançar… Atividades que eram presentes, antes do ocorrido, em sua rotina.
Por definição, próteses ortopédicas são aparelhos que desempenham funções motoras semelhantes às do membro amputado. Seu uso traz inúmeros benefícios, para aqueles que nasceram sem, ou que de alguma maneira perderam um de seus membros, a tecnologia das próteses não só representa funcionalidade para estas pessoas, bem como devolve e eleva a autoestima, entregando esperança e uma nova perspectiva aos usuários.
As próteses ortopédicas, não são uma invenção nova do século XIX e XXI, desde a antiguidade os egípcios desenvolveram e faziam uso do mecanismo de membros artificiais para suprir a necessidade dos amputados. A diferença dos dias atuais, encontra-se no uso da tecnologia a favor destas demandas. Ao contrário do passado, em que esses membros eram desenvolvidos diante de condições rudimentares, hoje, a tecnologia se une a medicina e a engenharia para estabelecer melhores condições, as quais são mais funcionais e com uma gama mais vasta de utilidades.
De fato hoje em dia a tecnologia é um elemento determinante para essas invenções, nos primeiros relatos relacionados ao assunto como mencionado, ainda que nem tão tecnológicos, estas descobertas sem sombra de dúvidas já faziam uma diferença imensurável na vida dos seres humanos. Nesta época as próteses geralmente eram feitas utilizando madeira, e o couro sendo utilizado para fornecer a sustentação necessária. Durante a primeira e a segunda guerra mundial, ocorrem avanços significativos neste campo, devido ao elevado número de soldados que sofreram amputações, logo uma maior demanda proporciona maiores avanços e descobertas.
No ano de 1969, o médico cirurgião holandês Pieter Verduyn desenvolveu a primeira prótese transtibial articular sem travas, isto significa que, diferente das antigas, esta permitia algum grau de movimento e flexão para o usuário. A tecnologia não só promoveu uma melhora significativa nos materiais e funcionalidades das próteses, para além disso o passar dos anos e a modernização, da engenharia em conjunto com a medicina, baratearam os custos, de modo que as mesmas tornaram-se acessíveis a um maior número de pessoas.
Hoje em dia, existem diferentes tecnologias para a confecção e funcionamento das próteses. O Engenheiro de automação e controle Leandro Jussek, conta um pouco mais da prótese mioelétrica que desenvolveu. A mesma funciona através de estímulos elétricos, captados pelo músculo do antebraço, por sensores acoplados no coto do paciente. Leandro explica ainda que, a cada contração de um músculo se produz uma tensão elétrica, que pode ser medida através da pele. Estes sinais são captados e amplificados, enviados a um microprocessador, acionando então os servomotores contidos na prótese. No caso de pacientes amputados dos membros superiores, as próteses mioelétricas trazem maior independência e funcionalismo.
O engenheiro comenta que pessoas com deficiência física apresentam grandes problemas de integração na sociedade, em função da dificuldade de executarem tarefas consideradas simples do dia a dia. Com o avanço da tecnologia, hoje é possível desenvolver próteses eletrônicas, leves, resistentes e de baixo custo, para pessoas com deficiência física, melhorando sua qualidade de vida.
Infelizmente as próteses mioelétricas disponíveis no mercado, apresentam valor de compra relativamente alto, e muitas vezes envolvem custos adicionais, tais como, importação, custos de troca de peças e manutenção. No Brasil, não existe fabricante nacional que ofereça esse dispositivo para o mercado interno. Diferente destas, a prótese de Leandro é um produto de baixo custo, e com pouco investimento. Ele ainda lamenta que no País não haja incentivos do governo para o desenvolvimento das próteses, para membros superiores e pesquisas. Sendo suas alternativas procurar empresas privadas que manifestem interesse em investir nos projetos.
Ainda em relação às dificuldades de acesso às próteses através do governo, Plínio Francisco, amputado do joelho para baixo narra as dificuldades que teve para ter acesso a sua prótese, que demorou cerca de dois anos até chegar a ele, e que muitas vezes ela não dura muito, devido ao material utilizado na confecção. Que as próteses mudam a vida das pessoas, devolvendo, autonomia e dignidade, não existem dúvidas, então quais são os impasses que circundam a falta de investimento e interesse por parte do Estado nesta área. Atualmente vivemos tempos obscuros, onde saúde, inclusão e educação, parecem não ser pautas prioritárias, a tecnologia tem o poder de reescrever histórias, executando aquilo, que antes parecia impossível, de modo que deveria mais do que nunca ser uma primazia social, em especial por parte dos líderes e governantes.
Por Guilherme Tirelli
Era praticamente impensável, alguns anos atrás, crer que a tecnologia se desenvolveria tanto em um espaço de tempo tão curto. Muitos fracassos aconteceram até que o Raio-X, enfim fosse descoberto por Wilhelm Roentgen no fim do século 19. Várias décadas se passaram até que Felix Bloch e Edward Purcell conseguissem desenvolver a primeira máquina de ressonância magnética, a partir do estudo dos íons, em meados da década de 1960. Todos esses avanços mudaram a história da medicina, e consequentemente, fizeram total diferença na vida na vida das pessoas.
Uma delas é Marco Aurélio Peres. O auditor fiscal do trabalho dedicava-se de segunda a segunda até que uma notícia o fez perder o chão. Quando fazia exames de rotina solicitados pelo cardiologista, um deles mostrou elevação repentina do PSA (Antígeno Prostático Específico), um marcador de câncer de próstata. Após ser encaminhado ao urologista e realizar outros vários exames, incluindo biópsia, veio o laudo definitivo do câncer. Na época, ele tinha 53 anos e nunca havia tido uma doença mais grave, ou precisado passar por qualquer tipo de intervenção cirúrgica.
Muito assustado, Marco leu bastante sobre a doença e a respeito da prostatectomia radical, tendo em mente relatos de pessoas próximas à ele que, após a cirurgia, perderam definitivamente a ereção e/ou passaram a sofrer com elevados graus de incontinência urinária. Homens com idade semelhante à dele que precisavam usar fralda geriátrica diariamente. Para piorar o cenário, dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), indicavam que anualmente cerca de 14 mil óbitos eram registrados.
Esse número fez com que o servidor público federal repensasse o sentido da vida. Todos os seus objetivos e sonhos, agora seriam pautados pela esperança de sobreviver. O câncer de próstata é o segundo tipo mais comum da doença em homens, sendo que em 2020, 65 mil casos foram detectados. Na tecnologia, entretanto, reside a esperança de alguns, já que nos últimos anos, uma série de inovações tecnológicas surgiram tanto para tornar mais eficiente o tratamento, quanto para diagnosticar o tumor o mais rápido possível. Atualmente existem diferentes formas de retirar o órgão, que variam desde modalidades abertas até a cirurgia robótica. Pela prostatectomia aberta, é feito um corte na parede abdominal, abaixo do umbigo para ter acesso ao órgão que será removido. Porém, o risco de incontinência e disfunção erétil é elevado.
Já a prostatectomia videolaparoscópica é realizada através de trocateres que são colocados em toda parede abdominal. Nesse procedimento, o cirurgião opera olhando para o vídeo que traz imagens da cavidade. As mãos manipulam os instrumentos de fora do organismo. A técnica apresenta bem mais vantagens do que a cirurgia aberta, mas os movimentos são efetuados em um ambiente bidimensional, de maneira que, para sua perfeita execução, é necessária maior destreza do médico. Além disso, o assistente deve dirigir a câmera em sincronia com os movimentos do cirurgião, caso contrário o procedimento pode se tornar ainda mais desafiador.
Por fim, na modalidade robótica, as vantagens da videolaparoscopia (menos dor e sangramento) são ampliadas pela precisão do robô. Ele permite visualização tridimensional e com proporções aumentadas, além de otimizar a dissecção dos feixes nervosos e na junção da bexiga com a uretra. Como consequência disso, o tempo de recuperação da continência urinária e da função erétil é menor. Já o controle dos instrumentos é realizado através do console no qual o cirurgião fica sentado, seja no painel ao alcance do comando digital ou nos pés que controlam a câmera.
O sistema dispõe de inúmeras vantagens para facilitar sua execução. A câmera fica presa e o centro remoto dos trocateres também são fixos e portanto causam menos dano a parede abdominal. Ademais, não há tremores, uma vez que tudo é controlado pelo cirurgião em seu console. As mãos robóticas realizam movimentos de giro de até 560 graus, o que seria impossível para um ser humano. Na maior parte do tempo operatório, o médico se encontra de 3 a 4 centímetros do que se está operando, com uma visão aumentada em 10 vezes, com acomodação visual 3D. Portanto, a profundidade da imagem permite que uma maior eficiência da intervenção, sem que o sangue prejudique a visibilidade.
Com todos esses dados em mão, Marco e sua esposa foram ao urologista que o acompanhava há tempos. Ele realizava apenas os procedimentos aberto e videolaparoscópico, mas se prontificou a realizá-los, mencionando que o resultado destas técnicas poderia ser muito próximo ao da cirurgia robótica. No entanto, ao ser indagado pelo casal sobre qual procedimento escolheria, caso fosse acometido por câncer de próstata, o médico não titubeou e, de forma contundente, afirmou que se submeteria à modalidade robótica. Por ser um tratamento relativamente novo e caro, no Estado de São Paulo o procedimento estava disponível apenas na capital. A pedido do paciente, o doutor indicou outros três profissionais, dentre eles o cirurgião Carlo Passerotti, o primeiro a trazer a técnica robótica ao País e um dos clínicos que mais realiza esse tipo de cirurgia no Brasil. O funcionário público então acabou decidindo fazer a intervenção com aquele que possuía mais experiência no ramo.
A cirurgia, realizada no dia 1º de abril de 2019, durou aproximadamente 3 horas e 30 minutos e foi um sucesso. A doença não havia atingido tecidos ao redor e, ao retirar a próstata, nenhum nervo foi danificado durante o processo. A recuperação de Marco não poderia ter sido melhor. Passados mais de dois anos da prostatectomia, o servidor público tem uma vida absolutamente normal.
Entretanto, a realidade do auditor fiscal não é a mesma da grande maioria da população brasileira. Somente o procedimento robótico custa, em média, 20 mil reais. Com a taxa de internação inclusa, esse valor cresce exponencialmente. Embora alguns planos de saúde se comprometam a cobrir parte desse montante, a verdade é que apenas 24,5% dos brasileiros tem acesso a convênios, segundo levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Portanto, é utopia acreditar que todos teriam acesso a um procedimento como esse, como relata Marco.
A pandemia
Num piscar de olhos voltamos um século no tempo. De repente, estamos de volta ao ano de 1918. À época, sofríamos com a destruição que desmantelou o planeta. A Primeira Guerra Mundial foi cruel, mas não foi a única responsável pelo caos. A Gripe Espanhola assolou a Europa e, posteriormente, o mundo inteiro, deixando mais de 50 milhões de mortos. Já naquele período, nem todos tinham acesso a assistência e a saúde como um todo, era muito precária.
Mais de 100 anos se passaram e aquele cenário pandêmico tornou-se novamente realidade. A Covid-19 se alastrou pelo mundo como um foguete saindo de órbita. O reflexo da pandemia vai muito além das mais de 6 milhões de mortes, até o momento. No Brasil, a enorme quantidade de infectados fez com que outras doenças fossem deixadas de lado. Os corredores dos hospitais nunca estiveram tão cheios. A realidade, porém, é ainda mais crítica, já que o SUS não tem condições de comportar tantas pessoas e o serviço público de saúde jamais foi capaz de lidar com tamanha demanda.
Não é possível tratar das pessoas da forma como se deveria. Nem mesmo com o advento da tecnologia isso seria possível. Notoriamente, ela foi uma das aliadas dos cientistas na busca por minimizar os efeitos da doença. De fato, ela que forneceu os meios necessários para o desenvolvimento das vacinas. No entanto, em um cenário mundial no qual 1% dos mais ricos detém quase 40% de toda economia global, a desigualdade social é o que prevalece. Dentro desse contexto, nada deve ser tão doloroso quanto perder um familiar por negligência, nos corredores dos hospital. O vírus não tinha cor, não possuía gênero, não tinha religião e não carregava preconceitos. Todos estavam sujeitos a transmissão.
Entretanto, as semelhanças param por aí. As elites, sempre tiveram acesso aos melhores profissionais, mais chances de serem atendidas e, por fim, não ficaram reféns da falta de oxigênio. De volta ao exemplo do câncer é irônico pensar que a tecnologia é capaz de desenvolver métodos e tratamentos super avançados que a maior parcela da população nunca se beneficiará. No fim da história, as tecnologias, sim, ajudaram a salvar milhões de vidas, mas também realçaram a gigantesca distância entre classes. Talvez, por conta disso, a medicina é um dos maiores indicadores da desigualdade social no Brasil e no mundo.