Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
|
19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
|
12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
|
11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Entre ícones do passado, referências do presente e caminhos para o futuro, veja como foi a edição deste ano
por
Vítor Nhoatto
|
22/10/2024 - 12h

Ocorrido entre os dias 14 e 20 de outubro na capital francesa, o Mondial de l'Auto contou com mais de 500 mil visitantes, além de recados importantes para a indústria automobilística. As donas da casa — Alpine, Peugeot, Renault e Citroen — estiveram presentes, mas, mesmo assim, a presença chinesa continuou e chamou a atenção do público, das autoridades e das rivais. A DS, da Stellantis, foi a única francesa que não compareceu ao evento. 

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e segurança no trânsito foram amplamente abordados nas coletivas de imprensa, e traduzidos em parte nos lançamentos. Ao todo, 41 fabricantes de automóveis participaram do evento, o qual trouxe o brilho de volta à Bienal, tal qual como no Salão de Munique, em 2023.

Eletrificação em diferentes níveis

Antenado às ânsias do público e da indústria, houveram lançamentos de vários modelos eletrificados, em diferentes níveis e formatos. Nos últimos meses, as vendas de elétricos oscilaram negativamente na Europa, por conta de uma série de fatores, como altos custos de aquisição e o fim de incentivos governamentais. 

Com isso, marcas como Volkswagen, Ford e mesmo Volvo, reviram seus planos de eletrificação total — apesar da meta da União Europeia de banir os modelos movidos a combustão, já em 2035. O conglomerado Stellantis, por exemplo, investe em plataformas multi-energéticas, capazes de produzirem tanto híbridos, quanto elétricos, e apresentou seus últimos modelos em Paris. 

Construído sobre a e-CMP, — mesma base dos recém lançados no Brasil, Peugeot 2008 e 208 — o Alfa Romeo Junior Ibrida fez sua estreia ao público. Com a mesma motorização dos irmãos, motor 1.2 PureTech em conjunto a uma bateria de 48V, gerando 136 cavalos, o modelo complementa a linha do SUV urbano, disponível como 100% elétrico desde o começo do ano. 

Na Peugeot, as novidades foram maiores, apesar de nenhum modelo totalmente novo, diferente das compatriotas Alpine, Citroen e Renault. Em Paris, foi lançado o novo E-408, versão 100% elétrica do crossover baseado no 308. Sob a plataforma EMP2, compartilha o conjunto mecânico com o hatch, tanto nas versões a combustão quanto na novidade elétrica, e não muda visualmente. Além disso, foram apresentadas as versões Long Range dos E-3008 e E-5008. As autonomias passam de cerca de 500 km para 700 km, segundo o ciclo WLTP.

Em uma abordagem diferente, focada em modelos elétricos separados dos seus semelhantes a combustão, a Volkswagen apresentou o novo Tayron. Com expectativa de ser vendido no Brasil, é a versão Allspace do novo Tiguan, mas agora com nome próprio. O SUV de sete lugares estará disponível em duas versões diesel, gasolina, e híbridas plug-in, além de uma híbrida leve.

Volkswagen Tyron de frente branco ao lado de um Tayron de trás roxo
O Tayron é o sexto SUV a combustão da Volkswagen na Europa, entre Tiguan e Touareg. Foto: Divulgação/Volkswagen

As motorizações são as mesmas do Tiguan de nova geração, construído sobre a MQB evo. Isso se reflete em uma autonomia combinada de até 850 km nas versões plug-in, além de uma autonomia em modo 100% elétrico de cerca de 100 km, graças a uma bateria de 19.7 kWh.

Em uma abordagem semelhante em alguns aspectos a Volks, a britânica de coração, mas de propriedade alemã, a Mini, apresentou os seus novos JCW elétricos. Os primeiros modelos da divisão de desempenho da marca serão o Cooper, um hatch de três portas, e o crossover Aceman. Ambos são construídos sobre a plataforma desenvolvida em conjunto com a chinesa GWM, e prometem a emoção de um esportivo com seus mais de 250 cavalos, mas sem emissão de CO2.  

Mais uma ofensiva chinesa 

Sobre as construtoras chinesas, o Paris Expo Porte de Versailles foi novamente o palco para a estreia de modelos do país asiático, e até marcas inteiras. A GWM não compareceu desta vez, como era de se esperar após o anúncio de reestruturação europeia e fechamento do escritório na Alemanha em agosto deste ano. 

No entanto, a sua principal rival, a Build Your Dreams, brilhou, repetindo a estratégia de 2022. Seu estande contava, desta vez, com modelos já conhecidos do público, como Dolphin e Seal, mas também com o totalmente novo, Sealion 7, apresentado ao mercado europeu, e com um vislumbre da versão que será vendida no Brasil em breve.

Segundo a vice-presidente da marca, Stella Li, o novo SUV cupê do segmento D, reflete em como a BYD reage e escuta às demandas dos seus consumidores europeus, prometendo design, performance e autonomia de ponta.

E com uma estratégia ousada, que busca rapidamente conquistar o mundo, a Leapmotor debutou em Versailles. Com o amparo da Stellantis, — com quem fechou uma parceria bilionária pela administração global da marca — apresentou quatro elétricos. Carlos Tavares, CEO do conglomerado até 2026, esteve no evento e comentou que as montadoras têm mais a ganhar com a estratégia de se aliar às chinesas, ao invés de brigar com elas. Antes disso, ele visitou o estande da BYD, chamando a atenção da imprensa.  

O primeiro deles é um hatch subcompacto vendido por menos de 20 mil euros, o T03, o segundo é o C10, um SUV médio, por cerca de 36 mil euros. Ambos modelos com condução semi autônoma de nível 2 e confirmados para o Brasil. A versão de sete lugares, C16 também esteve no evento, ao lado do inédito B10, revelado no evento. O SUV do segmento C tem como rivais BYD Atto 3 (Yuan Plus no Brasil) e Volvo EX40, e estará disponível já no próximo ano na Europa.

Estande da Leapmotor rodeado de pessoas
Os modelos C16 (roxo), B10 (azul), C10 (verde) e T03 (turquesa) prometem agitar o mercado. Foto: Divulgação/LeapMotor

Para além das duas marcas, a Seres (com operações paralisadas no Brasil até então), a Xpeng, o grupo GAC e a Hongqi ocuparam o complexo de exposições francês. A última chamou a atenção com a estreia do sedã de luxo Guoya, rival dos alemães Classe S, Série 7 e A8. Enquanto isso, a GAC optou por uma abordagem mais demonstrativa de suas tecnologias, sem pretensões diretas de venda no continente. 

A história não se compra

Frente à concorrência cada vez maior das chinesas, eis o contra-ataque europeu, baseado amplamente no legado das marcas, algo com o qual as novatas não podem competir. No último Salão de Munique, o CEO do Grupo Volkswagen, Oliver Blume, destacou que o histórico estilístico das marcas é algo que não pode ser adquirido nem comprado, e será a principal chave para o público comprar os modelos europeus. 

Dito isso, nomes como BMW e Renault também vêm investindo em uma abordagem retrô futurista. Em relação à alemã premium, os conceitos Neue Klasse sedã e SUV foram apresentados pela primeira vez juntos. Com designs que remetem aos modelos dos anos 80, preveem a nova geração de elétricos da marca, esperados para 2025 e 2026.

Porém, foi no estande da Renault que a vibe passado e futuro, misturado com o charme e a funcionalidade, atraiu mais os olhares. Após o lançamento do aguardado R5, um hatch elétrico inspirado no icônico R5 dos anos 90, foi a vez do novo R4 voltar à vida.

Novo Renault 4 E-Tech azul em um fundo colorido
O novo Renault 4 E-Tech continua investido no passado da marca como diferencial. Foto: Divulgação/Renault

Construído sob a plataforma AmpR Small, é a versão SUV do R5, com quem compartilha a motorização e equipamentos. Com 4.14 metros de comprimento, funcionará como a versão 100% elétrica do Captur, contando com uma autonomia de mais de 400km no ciclo WLTP, carregamento rápido, todos os assistentes à condução modernos e muitas referências ao R4 dos anos 70. 

Construído na França, atraiu até mesmo os olhares do presidente francês, Emmanuel Macron. O político esteve no evento no dia de abertura ao público (15), e causou um leve tumulto ao fechar o estande em que visitava. Ele cumprimentou os executivos da marca e entrou no novo modelo, esse com expectativas de custar na casa dos 30 mil euros. 

Na ideia da ofensiva irreverente e estilosa, bem ao estilo francês, o protótipo do novo Renault Twingo esteve no evento. Agendado para ser lançado em 2026 (possivelmente no próximo Salão de Paris), promete tornar a mobilidade elétrica realmente acessível, com um preço na casa dos 20 mil euros no formato de um subcompacto, uma espécie em extinção.

Uma mobilidade de fato acessível?

Mas, ao se tratar de acessibilidade e democratização da eletricidade, outras marcas têm mais a dizer e entregar. Dentro do Grupo Renault, é a romena Dacia a representante de baixo custo. Se o nome da empresa não é conhecido aos brasileiros, com certeza seus modelos são. A fabricante de Sandero, Logan e Duster, vendidos sob o nome da Renault na América Latina e Turquia, apresentou em Paris o mais novo Bigster.  

O SUV é a aposta da marca para conquistar o segmento C, com 4.57 metros de comprimento e preços menores de 30 mil euros, cifra que hatches do segmento B atualmente custam. Baseado na mesma plataforma de Clio e Duster, a CMF-B, contará com opções a micro-híbridas de 48V, híbridas convencionais com baterias de 1.4 kWh, e versões movidas a GPL, populares em países como Espanha e Itália. 

Do outro lado do muro, a resposta da Stellantis ao sucesso da Dacia, — dona do modelo mais vendido da Europa em Julho deste ano na Europa, o Sandero — é a Citroën. A marca que já passou por muitas fases, desde o luxo e conforto do DS original, até a originalidade do Xsara e C4 Cactus, por exemplo, agora investirá no mercado de acesso. 

Estiveram no evento os novos C3 e C3 Aircross, bem diferentes das versões vendidas no Brasil, mas ainda na casa dos 20 mil euros. A reestilização do quadriciclo Ami foi apresentada, uma opção de locomoção elétrica por menos de 8 mil euros. E fechando os facelifts, os remodelados C4 e C4X (versão sedã do hatch compacto) foram lançados em Paris, agora com a nova identidade visual da marca.

Estande da Citroën rodeado de pessoas
A Citroën se reinventou com novos C3, C3 Aircross, C4, C4X e o protótipo verde do C5 Aircross 2026. Foto: Divulgação/Citroën

Além disso, o protótipo da nova geração do Citroën C5 Aircross foi revelado. Segundo a empresa, o modelo de produção será 95% igual ao conceito. No quesito motorização, será construído sobre a nova plataforma STLA Medium, que estreou com o novo 3008, e servirá de base para o novo Compass também. Suas principais vantagens incluem a possibilidade de versões híbridas e elétricas, com maior eficiência e autonomia de até 700 km, além de menores custos de produção pela sua modularidade.

Atendendo às demandas do mercado

Uma das principais ânsias da indústria é a diminuição dos custos na fabricação de elétricos, principalmente após a chegada das chinesas. No entanto, nem só de  grandes grupos é formado o setor, e parcerias são mais bem vindas que nunca. A Ford, por exemplo, se uniu à Volkswagen para produzir seus elétricos para a Europa, se prevenindo da taxação que Tesla, Volvo e Mini tentam evitar  com a fabricação dos seus modelos na China.

A americana/britânica apresentou ao público pela primeira vez o novo Capri, um SUV coupe construído sobre a plataforma MEB dos Volkswagen ID.3 e ID.4. O modelo continua o resgate de nomenclaturas clássicas da marca, como Puma e Mustang Mach-E, além da transmutação desses em SUVs, o que agrada ao mercado em geral, mas não tem a mesma reação aos mais saudosistas.

Do outro lado do globo, a sul-coreana Kia também busca conquistar o mercado europeu dos elétricos, sem dividir os custos com várias marcas. O mais novo lançamento do grupo Hyundai-Kia é o SUV urbano EV3, rival do Jeep Avenger, Peugeot e-2008 e Renault 4. 

Novo Kia EV3 verde de frente em um fundo branco
O EV3 é a aposta elétrica da Kia para o segmento B, o maior em vendas na Europa. Foto: Reprodução/InsideEVs

Os preços devem começar na casa dos 30 mil euros, o que não é barato para um carro do segmento B, mas é compatível aos rivais citados. O chamariz da marca, para além dos sete anos de garantia, é a tecnologia, refinamento e comodidade do modelo, quase como uma versão menor do SUV grande EV9, indicado ao prêmio Carro do Ano Europeu em 2024.

E em um segmento acima, mas em uma faixa de preço parecida, a checa Skoda, — essa sim de um grande conglomerado, a Volkswagen — apresentou o novo Elroq. Rival de modelos como BMW iX1 e Ford Explorer, começara na casa dos 33 mil euros, com uma autonomia de 560 km no ciclo WLTP.

Tentativas e erros

Paris ainda foi o palco para marcas menores, ou com menor relevância na Europa. No primeiro caso, a francesa Alpine que tomou os holofotes com o concept car A390 Beta, que antecipa o segundo modelo independente da Renault. 

Com um design agressivo, inspirado nos alpes, e com referências aos modelos de competição da empresa, será um crossover 100% elétrico construído sobre a plataforma do Nissan Aryia. Mesmo assim, a dinamicidade e performance única da marca, que hoje vende apenas o cupê A110, será mantida no carro de produção, anunciado para o ano que vem. 

Em meio aos europeus e chineses, ainda houve espaço para as estadunidenses Tesla e Cadillac. A empresa de Elon Musk deixou a desejar, sem um estande propriamente dito, ou sequer um tapete e divisórias entre seus modelos. Já no quesito novidade, nada de concreto. A picape Cybertruck foi apresentada oficialmente em solo europeu, mas nenhuma conformação de sua comercialização, ou lançamento do esperado Model Y remodelado e do táxi autônomo Cybercab, revelado três dias antes.

Já em relação a Cadillac, que tentou engatar nas vendas na União Europeia algumas vezes, as coisas foram diferentes. Desta vez focada na eletrificação, a empresa do Grupo General Motors trouxe o SUV de luxo Lyriq, além de lançar o Optiq, um pouco menor e com design menos extravagante na traseira. 

Novo Cadillac Optiq vermelho de frente no estamde da marca
Cadillac mira o Tesla Model Y com o novo Optiq, um SUV do segmento D com 4.82 metros. Foto: Reprodução/GM Authority

O Paris Motor Show 2024 certamente ficará para a história centenária do evento como um recálculo necessário e exitoso de rota. Marcas voltaram à mostra, lançamentos importantes ocorreram e o público compareceu. Além disso, mais uma vez o rumo que a indústria se encaminha foi destacado, um cenário crítico de reinvenção e reajustes.

O professor da PUC-SP, Claudir Segura, explica como o metaverso pode ser utilizado para diferentes áreas em evento promovido pela TOTVS
por
Maria Luiza Oliveira
|
18/06/2022 - 12h

 

Nos dias 14 e 15 de junho aconteceu em São Paulo, no Expo Center Norte, o Universo Totvs 2022 e contou com a participação do professor da PUC-SP, Claudir Segura para falar sobre o metaverso. O objetivo do evento foi trazer maiores informações para profissionais de TI, Administrativo/Financeiro, Startups, Operações, RH, Marketing e Vendas sobre tecnologias no mercado.

A participação do professor ocorreu no segundo dia e o tema da palestra foi no espaço “Beer for Devs: No Metaverso da Loucura”. Com apresentação André Noel e ao lado de Marcel Saraiva, Executivo de Contas da NVIDIA Entreprise e de Caio Jahara, Co-Founder e Growth Converge Metaverse, Claudir falou sobre as possibilidades de aplicação do metaverso em diferentes cenários, seja ele no mercado ou na academia.

Da esquerda para a direita: Caio Jahara, Marcel Saraiva, Claudir Segura e André Noel
Da esquerda para a direita: Caio Jahara, Marcel Saraiva, Claudir Segura e André Noel

“Esse tipo de evento é importante para criar a sinergia entre universidade e empresa para assuntos da vanguarda. E é muito importante ter um professor da universidade conversando e articulando com o mercado para avaliar e entender a consequência da tecnologia.” - relata Daniel Gatti, Diretor Adjunto da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP.

Daniel Gatti, Diretor Adjunto da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP
Daniel Gatti, Diretor Adjunto da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologia da PUC-SP

 

O Metaverso tem o propósito de quebrar as barreiras do espaço virtual e do físico, onde pessoas irão interagir através de avatares tanto via Realidade Virtual, Aumentada ou ainda estendida e que funciona como reflexo do mundo no qual a sociedade está inserida. Como dito no encontro pelos palestrantes, o metaverso já é uma realidade vista nos vídeos games, lançamento de produtos, e que o desenvolvimento deste "além" universo abre espaços e oportunidades nos mais diversos campos, como moda, design, educação, programação, entretenimento, comunicação, entre outros.

 

Aplicação do metaverso nos dias atuais

O Second Life é um ambiente 3D criado em 2003 por Philip Rosedele e se constituía em uma vida virtual, e que levava os jogadores a desenvolver atividades lucrativas. O jogo tem a sua própria moeda, o Lidall Dollar (L$) e tem a possibilidade de ser convertido em dólar.

Os palestrantes explicam que um dos motivos para a Second Life não ter dado certo é devido a falta de tecnologia e profissionais capacitados da época. Contudo, esse cenário é diferente para os dias atuais, uma vez que ambos os fatores já estão disponíveis no mercado e cada vez mais a tecnologia está sendo atualizada para proporcionar uma melhor experiência no metaverso para seus usuários.

Palestra “Beer for Devs: No Metaverso da Loucura” no evento Universo Totvs 2022
Palestra “Beer for Devs: No Metaverso da Loucura” no evento Universo Totvs 2022

“Temos tecnologia disponível, profissionais e desenvolvedores altamente capacitados para acompanhar o metaverso” - diz Segura. Apesar disso, o professor faz uma ressalva da falta de valorização no âmbito nacional desses profissionais e da demora para implementar novas tecnologias no país, como o recurso 5G, que será fundamental para o funcionamento e ampliação desse conjunto de tecnologias. 

Para aqueles que acreditam que o metaverso é uma realidade muito distante, e dificilmente fará parte dela, o professor afirma que hoje podemos considerar o metaverso como o início da Internet “Ninguém conseguia definir exatamente o que era, e como funcionava, mas quando percebemos, já estávamos lá dentro e fazíamos parte dela”. Não se trata do futuro. Falamos do presente. Bem vindo ao mundo dos universos incontáveis…

 

 

 

 

 

 

País tem muitas mentes criatividas, mas quem não está numa startup ainda enfrenta dificuldades
por
Vinicius Vilas Boas
Marcelo Zanardo Penna
|
07/06/2022 - 12h

As invenções fazem parte da nossa história e sua importância passa pela evolução da sociedade, seja por sua praticidade, entretenimento ou prazer. No Brasil, inúmeros inventores brasileiros já produziram invenções que ajudaram a população e foram comercializadas no mercado nacional e internacional. Como por exemplo, o avião de Dumont e o rádio de Landell.

Porém, mesmo que isso aconteça, esses profissionais que não trabalham para empresas, sofrem com a falta de incentivo governamental e a burocracia para patentear suas ideias, pelos valores que precisam ser pagos aos advogados, para comprovação de sua originalidade. Além de alguns inventores sentirem dificuldades em vender os seus produtos, por não possuírem a desenvoltura de ser um vendedor.

Daniela Mazzei, diretora executiva da ANI
Daniela Mazzei, diretora executiva da Associação Nacional dos Inventores (ANI). Foto: Acervo pessoal

A Associação Nacional dos Inventores (ANI), intermediadora entre os inventores e empresas, ajuda-os a vender os seus produtos e facilitar as burocracias de patentear um projeto. A diretora executiva da entidade, Daniela Mazzei, conta que a ideia da criação da associação surgiu há 30 anos, quando um casal de irmãos inventores com experiência no registro de marcas viajou a uma feira de inventores no exterior e descobriu que existiam diversas associações no mundo para reunir essas mentes criativas que tinham as mesmas necessidades. Mas no Brasil ainda não havia nada parecido.

A diretora executiva afirma que, hoje, a ANI faz um trabalho bem completo, auxiliando e ajudando quem tem alguma ideia ou quem não sabe o que fazer com o projeto. “A empresa auxilia no processo de marketing, de patente, e na parte de negociação desses projetos”, comentou Daniela. Ela ainda reafirmou que o trabalho da associação é justamente esse: orientar e auxiliar empreendedores, inventores e até empresários em todos os ramos voltados a propriedade intelectual, ou, propriedade industrial, registro de marca, patente e direitos autorais, isso tanto no Brasil quanto no exterior.

Além disso, há muitos inventores que não sabem por onde começar para colocar suas ideias em prática, e a diretora cita que em alguns casos precisam de investidores. Para isso, a empresa procura gerar ao produto do inventor um impacto surreal no mercado, como exemplo, as invenções do “macarrão” para piscinas, de Adriano Sabino, que hoje é um fenômeno no mercado para quem tem piscina em casa, pela diversão e auxílio a um possível afogamento.

Daniela garante que tem boas expectativa quanto ao mercado de inventores: “acho que esse número tende a aumentar, porém, a grande questão hoje é que muitas vezes as pessoas não se enxergam como inventores, mas sim como empreendedores, mas que seus produtos não deixam de ser uma invenção”.

A diretora executiva nos traz um dado interessante, onde pesquisas mostram que mais de 60% do que foi inventado foi pensado por uma pessoa física e não uma empresa, alertando que isso deve ser valorizado e que aqui no Brasil, não temos um incentivo para que os inventores levem suas ideias adiante, diferentemente dos países mais desenvolvidos, onde cada pessoa tem um direito a fazer uma patente sem gastar muito.

Daniela crê que a partir do momento em que existirem incentivos e o próprio governo falar sobre isso, acaba por florescer um pouco mais o conhecimento. A falta de informação de muitos professores, tanto de escola quanto de faculdades, sem explicação de como funciona uma negociação de patente, empobrece a cultura da invenção. Então, a diretora da ANI afirma que este é um tema que precisa ser levado a sério.

Paulo Gannam e sua invenção H2X, voltada para a prevenção de acidentes no trânsito
Paulo Gannam e sua invenção H2X, voltada para a prevenção de acidentes no trânsito.        Foto: Acervo pessoal

De acordo com Paulo Gannam, um profissional autônomo dessa área de invenção, há outro possível problema, como do empresariado ser cauteloso ao risco, não querendo investir e, muitas vezes, apenas entrar em contato com o inventor aparentando ter interesse na invenção, pedindo detalhes, mas só para verificar como poderia copiar sua ideia sem ser legalmente punido.

Bem como, para o inventor, o auxílio governamental é essencial. “O governo precisa criar uma cultura de valorização à criatividade e à propriedade intelectual produzida por inventores brasileiros, que, embora anônimos, são responsáveis por mais de 50% de toda a produção de patentes no Brasil, sejam elas patentes de invenção ou patentes de modelo de utilidade.”, comentou Paulo.

“Necessita também criar programas e editais de fomento à inovação que atendam às demandas de inventores independentes, pessoas físicas, para que estes possam acelerar seus projetos, partindo-se do princípio de que inovação nasce em toda esquina, e não há motivo justo para que ela fique restrita a grandes centros de pesquisa de empresas e universidades.”, concluiu o inventor.

Desta forma, é necessário obrigar os órgãos responsáveis de Inovação a darem o real suporte a projetos de inventores independentes, para que eles atinjam um amadurecimento suficiente, ao ponto de conseguirem negociar seus projetos. Para assim, os inventores com o devido suporte, resultarem em mais empregos, mais concorrência entre empresas – de forma saudável, e mais arrecadação de impostos. Adquirindo uma melhora na economia e na sociedade, que passa a ter acesso a novos produtos e serviços que poderiam fazer toda a diferença em suas vidas.

Muitos tratam a invenção como um hobbie, como inventar um brinquedo com uma garrafa PET para seu filho ou então algo para facilitar em alguma tarefa doméstica. Também há aqueles em que o prazer por inventar pulsa, em uma busca insaciável para criar algo único, que revoluciona o mundo. Com isso, no dia 04/11, comemora-se o dia do inventor e a sua importância cultural e educacional é essencial para o crescimento da sociedade.

Trajetória das mulheres no academicismo é marcada por obstáculos
por
Isabela Mendes
|
19/05/2022 - 12h

Por Isabela Mendes

Ser mulher é, por si só, ato de bravura. Ao longo da vida, a trajetória da figura feminina está quase sempre, inevitavelmente, atrelada ao rebaixamento. O esforço máximo de uma mulher equivale, por via de regra, ao mediano de um homem, nos mais diversos contextos. No meio acadêmico não teria como ser diferente: as raízes do patriarcado, sempre tão profundas, se mostram e dominam o conhecimento e a produção científica, apagando sistematicamente o olhar feminino do mundo, da natureza e da ciência. 

Segundo relatório da Unesco divulgado em 2018, temos entre 45,1% a 55% de pesquisadoras no Brasil. No entanto, a Academia Brasileira de Ciência diz que apenas 14% das pessoas são mulheres, sendo que 8,9% atuam na área de engenharia, exatas e ciências da terra; 20,4% nas ciências da vida e 18,2% nas humanidades e ciências sociais aplicadas. Ainda, a distribuição de bolsas de fomento à produção científica também é desigual. Nas ciências da vida, as mulheres têm 41,3% das bolsas. Na área de exatas, engenharias e ciências da terra, em contrapartida, têm apenas 20,1%. Por fim, nas humanidades, as mulheres têm 49,7%. 

Dados da Unesco complementam: estima-se que apenas 30% dos cientistas de todo o mundo sejam mulheres. Portanto, indubitavelmente, somos minoria. Não bastando a dificuldade em penetrar com efetividade o campo científico, as mulheres também passam por incontáveis processos de apagamento, descredibilização e desencorajamento ao longo de suas trilhas acadêmicas. Esses episódios não ocorrem, evidentemente, de forma isolada e nem como uma exceção. Na realidade, compõem a regra.

Um fenômeno muito comum praticado pelos acadêmicos e pesquisadores do meio é o chamado “gaslighting”, termo da psicologia para designar um comportamento abusivo que envolve distorção, manipulação e omissão de informações visando prejudicar a vítima e fazê-la duvidar de sua própria memória, sanidade e percepção dos fatos. A psicóloga Livia Sacramento viveu essa experiência na pele em 2018. Um homem, seu então parceiro amoroso, plagiou o projeto de um curso de pós-graduação que ela desenvolveu enquanto estavam juntos e, sem dar os devidos créditos a Livia, apresentou o projeto em uma universidade como sendo de sua autoria. De acordo com ela, foi descoberto porque uma colega que estava na reunião de apresentação do projeto a conhecia e imaginou que aquilo não fosse competência do indivíduo, e então decidiu procurá-la para comunicar o que havia acontecido. 

Quanto à punição, Livia diz não ter sido levada a sério, e que o que a deixou muito chateada foi que na sindicância ele não foi recriminado nem foi punido por nada. Após um tempo, ele foi demitido, mas Lívia afirma que sua sindicância, em si, não gerou punição. O argumento usado pelo ex-companheiro da psicóloga foi de que ela estaria apaixonada e por isso teria tomado aquela atitude. Lívia rebateu, dizendo que o que estava sendo questionado ali era que ele tinha usado um projeto que era dela e, se eles tinham um relacionamento ou não, não interessaria ali, pois a questão era técnica.

Casos como o de Lívia são cada vez mais comumente divulgados através das redes sociais. No Instagram, a psicóloga e professora da UnB Valeska Zanello compartilhou um caso que ocorreu com ela no ano passado. O estudante de psicologia e influencer João Luiz Marques plagiou o conteúdo autoral que Valeska produzia deliberadamente sobre questões de gênero e masculinidade e, surfando na repercussão, conseguiu atrair engajamento para si sem muito esforço, conquistando mais de 200 mil seguidores na mesma rede social. Após Valeska ter levado a público, João admitiu o caso e disse ter bloqueado tanto a psicóloga quanto pessoas que o procuravam para tratar a respeito dos plágios constantes por suposto medo e vergonha de suas próprias atitudes. Na Internet, alguns seguidores do estudante se disseram decepcionados com as descobertas à época do ocorrido, enquanto outros demonstraram empatia com o rapaz, dizendo admirar o fato dele ter 'reconhecido seu erro'. Em seu perfil, João se descrevia como "academicista". Após o ocorrido, o termo foi alterado para "estudante". Procurada pela reportagem para contar seu relato, Valeska não retornou o contato.
 

 

 

Como dispositivos algorítmicos afetam a vida cotidiana e reforçam estigmas sociais
por
Sophia Razel
|
29/06/2022 - 12h

Por Sophia Razel

https://lh3.googleusercontent.com/PU2Z5hmpvltUd2tmMGaw3w9CTvw35oh5n24oN164gMFZeGhunSRo5pDeuNb7OxNdaFNlZ3pt-J9YlAhCefqsjZ4BuHUBzHJuFLYCxCnINMnreMEJxTQZN2Gs8MM7GnfmD9T_H3ToGAJhw8pLxA

                                         Foto: Getty Images

 

24 de dezembro de 2021, véspera de natal. O dia marcado por celebrações tornou-se uma data atravessada pela frustração e preconceito vividos por Diego Benjamin. Alvo do racismo algorítmico, Benjamin relata sua experiência em um pequeno vídeo na plataforma TikTok, que ganhou grande repercussão. Ao receber uma notificação para cadastrar sua biometria facial no aplicativo de seu banco, C6, o usuário não conseguia obter sucesso na solicitação. Com o rosto sem qualquer tipo de adereços e com uma boa iluminação, o sistema de reconhecimento facial do aplicativo não era capaz de identificá-lo.

Após algumas tentativas, sem sucesso, o rapaz resolveu testar o sistema com uma foto da internet, mostrando um homem branco. Quase instantaneamente, sua câmera o reconheceu. Sendo um homem negro, Diego compartilha através de sua experiência mais uma prova da estrutura racista do país, assim como dito por ele.     

@sociedadepretadospoetas Nao consegui passar da foto. Muita melanina pra um banco só 😂. #c6bank #thor😂 #preto #preta #acoisatapreta ♬ som original - Benjamin

 

Em uma sociedade cada vez mais imersa no mundo digital, o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas de alta habilidade torna-se constante. Entretanto, o funcionamento desses mecanismos não é conhecido a fundo pela maioria da população, mesmo estando inseridos em diversos espaços do cotidiano.   

Com o desenvolvimento tecnocientífico, foram desenvolvidas inúmeras ferramentas que auxiliam na execução de tarefas. É o caso da Inteligência Artificial e, consequentemente, dos Algoritmos. Por definição, esse último pode ser entendido como um conjunto de instruções feitas para solucionar um problema. Contudo, as falhas destes mecanismos artificiais - que tomam decisões de visibilidade, acesso, classificação e processamento de materiais digitais - são frequentes, e muitas vezes estão ligadas a vieses de raça, gênero e classe.

Algoritmos e Inteligência artificial ganham cada vez mais destaque no debate sobre comunicação e sociedade, já que administram cada vez mais esferas da vida. Atividades corriqueiras como solicitar uma corrida de aplicativo, verificações faciais de segurança nas redes e bancos já utilizam os mecanismos da IA há muito tempo. Raissa Tonon, mestranda e pesquisadora em Tecnologia da Inteligencia e Design Digital, reflete sobre quais as problemáticas acerca de empresas deterem tantas informações dos usuários, segurança e também sobre os benefícios inegáveis dessas tecnologias. 

Por mais adaptadas que estejam no cotidiano, muitas vezes não sendo sequer percebida pela maioria dos indivíduos, essas tecnologias traçam intensamente os perfis das pessoas ao absorver dados para estimular o consumo, e coletar informações de sistemas de segurança pública.

O racismo sistêmico adentra a tecnologia cotidiana e, através das mais diversas formas, seja em filtros de selfie ou pelo policiamento preditivo (que afirma antecipadamente), evidenciam um sistema de práticas contra grupos racializados.   

A realidade de muitos pode ser afetada por tais mecanismos, que se tornam réus do preconceito automatizado. Segundo pesquisa realizada pela Rede de Observatórios da Segurança, em 2019, cerca de 90,5% dos presos por monitoramento facial no Brasil foram negros. Em muitos casos, as prisões arbitrárias alcançam os alvos errados, causando constrangimento aos acusados.

Cada vez mais, o reconhecimento facial tem sido implementado nos estados e cidades do Brasil, não como uma ferramenta de segurança em prol dos interesses da sociedade, mas sim como um meio de manutenção de controle, justificando sua rápida ascensão.

O grande público da folia carnavalesca da Bahia, em 2019, ficou marcado pela tecnologia de câmeras implantada na cidade. Sendo noticiada e exaltada, a ação – que visava combater o crime ao localizar criminosos – coletou, indiretamente, dados de mais de novecentas pessoas identificadas como possíveis criminosos com mandados de prisão abertos. Porém, somente 18 mandados foram cumpridos e 15 pessoas foram presas, assim representando mais de 96% de falsos positivos (casos em que pessoas são identificadas de forma errada, confundidas umas com as outras pela inteligência artificial.

Esses resultados demonstram como as tecnologias podem ter vieses discriminatórios muito marcantes, que afetam diretamente pessoas de certos grupos demográficos. Dessa forma, o reconhecimento facial, quando aplicado em massa por um órgão público, escancara a inserção dos sujeitos em uma sociedade de vigilância.

Sobre o software (conjunto de componentes lógicos de um computador ou sistema de processamento de dados) de reconhecimento facial, Jefferson de Oliveira, Doutor em Ciências da Computação, diz que o mesmo funciona criando uma espécie de assinatura do nosso rosto e salva a distância entre os nossos olhos, nariz e a boca, das bochechas ao nariz, etc. Para ele, quando bem feita, a ferramenta pode funcionar de uma forma eficaz, mas confessa que existem dois problemas principais: o primeiro deles, os falsos positivos. O professor não acredita que é possível confiar no resultado gerado do mesmo modo como confiamos na identificação de uma digital, por exemplo.

O outro ponto é que seu uso pelo Estado pode dar muito poder, sem termos os freios contra os abusos produzidos. Oliveira aponta que o Estado pode usar essas informações para coibir manifestações contrárias, suprimir opositores, coagir cidadãos, e que ainda não existem boas formas de frear esse tipo de movimento por parte do Estado.

Um futuro onde esses mecanismos serão capazes de escolhas livres de julgamentos e preconceitos não é algo previsto, como afirma o Doutor em Ciências da Computação. Para ele, o que podemos ter é um desenvolvimento responsável, que permita que os ofendidos possam protestar e ter suas reclamações ouvidas. Complementa ainda que isso só será possível com o envolvimento de muitas partes, incluindo filósofos, advogados, engenheiros de software, cientistas de dados, anotadores etc., mas isso não significa que a tecnologia terá menos valor. Só será preciso usá-la com responsabilidade e equidade, considerando que todos devem ser igualmente beneficiados por ela.

A reprodução de padrões traçados como negativos são embutidos nas orientações de algoritmos, e assim, a estigmatização social racial que o viés algorítmico desenvolve ajuda a propagar implicita e explicitamente estereótipos e exclusão social.

Por direito, há - assim como tem de ser com todas as atividades públicas - a necessidade de se ter transparência e respeito aos direitos e dados dos cidadãos gerados por inteligência artificial. No ambiente legal, certas medidas vêm sendo tomadas e discutidas a fim de tentar minimizar tais impactos e regularizar essas tecnologias, como é o caso da Lei Geral de Proteção de Dados.

 A LGPD (13.709/2018) tem como principal objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Também tem como foco a criação de um cenário de segurança jurídica, com a padronização de regulamentos e práticas para promover a proteção aos dados pessoais de todo. Sérgio Amadeu, pesquisador e professor da UFABC comenta.

 Além de leis como essa, outras medidas também podem ser tomadas, buscando evitar a propagação de preconceitos por parte dos aparatos tecnológicos, como ter equipes de desenvolvimento diversas e um grande critério no treinamento das IA’s. Para a pesquisadora Raíssa Tanon, essas regulamentações precisam ser amplamente discutidas, uma vez que quem as decide são advogados, políticos e jurístas que não entendem de tecnologia.

 

 

https://lh6.googleusercontent.com/T0bo2gWsQ6EWgItn3S_-0Rbnh-GLb9XwMqkJXLn6r_FMzcWpSSDNuPUtRkJurdbcRwtJ_vEvzhOrrUirFsKdvMBLzvplcpPX2AdDkv93efK1BRjCKI8ueIHffo49jBffAbfOLKTpvNhkvlFK5A

(Reprodução: SERPRO - Serviço Federal de Processamento de Dados)

 

A ciência da informação trouxe inúmeros avanços, de modo a estabelecer uma conexão muito próxima entre o funcionamento das máquinas com o pensamento humano. A similaridade entre ambos é reforçada quando se observa tais aparatos reproduzindo julgamentos e outras ações do ser humano. Embora determinados serviços sejam otimizados, a implantação de sistemas algorítmicos, programados por instruções humanas, pode representar riscos significativos para grupos marginalizados na sociedade. As semelhanças com o mundo real são consideráveis, mas a maneira como as mesmas estão sendo reproduzidas e afetando a vida dos indivíduos também precisa avançar.

Pessoas assintomáticas podem passar pela triagem, aponta especialista
por
Esther Ursulino
|
26/05/2022 - 12h

Por Esther Ursulino

Durante a pandemia da covid-19 diversos estabelecimentos adotaram a medição de temperatura como uma das principais formas de tentar controlar a disseminação do vírus. Entretanto, especialistas apontam que esse protocolo de segurança é falho, visto que quando os termômetros são utilizados de forma incorreta apresentam resultados imprecisos. Além disso, alguns contaminados podem passar pela triagem, pois nem todos os infectados têm febre.

Os termômetros infravermelhos, também conhecidos como pirômetros ganharam popularidade durante a crise sanitária ocasionada pelo novo coronavírus. Isso se deve, em parte, pela vantagem que esses aparelhos têm sobre outros métodos de medição de temperatura: não precisam ter contato direto com o corpo da pessoa aferida – característica importante em um contexto de distanciamento social.

Mesmo fazendo a leitura à distância, esses aparelhos viraram alvo de notícias falsas. Uma delas dizia que o laser emitido por eles seria capaz de atingir a glândula pineal e trazer prejuízos à saúde. Por isso, os pirômetros não deveriam ser apontados para a testa, e sim para o pulso. Fernando Lang, que é professor de física da UFRGS, desmente a peça de desinformação. Segundo o docente, o laser dos termômetros infravermelhos não tem poder de penetrar nos objetos. Ele funciona apenas como uma mira para indicar a área que se deseja medir a temperatura, podendo ser desligado sem afetar o resultado da aferição. Portanto, não prejudica a saúde. 

Lang também explica que os pirômetros nada emitem, pelo contrário, são receptores. Quando apontados na direção de uma superfície, apenas fazem uma análise da radiação infravermelha que é emitida pelo corpo humano – e por qualquer objeto do cotidiano, sem exceção – resultando em uma medida de temperatura. Ou seja, o laser não é o responsável por fazer a leitura, e sim o sensor desse tipo de aparelho.  

A circulação de fake news relacionadas ao funcionamento dos pirômetros fez com que muitas pessoas passassem a apontá-los para o pulso em vez da testa, o que de acordo com o físico da UFRGS provoca uma leitura imprecisa: “A testa é um dos lugares corretos (o interior da boca, o reto, embaixo das axilas são outros) para se detectar o estado febril, pois ali a temperatura é mais elevada que em outras partes expostas do corpo. (...) O pulso apresenta temperatura cerca de 2°C inferior à temperatura de outras partes do corpo utilizadas para estabelecer se uma pessoa está em estado febril. Portanto, é completamente sem sentido apontar o termômetro para o pulso.”

Além disso, os manuais desses aparelhos indicam explicitamente que a medição deve ser feita pela testa, como pode ser lido na página 7 do Termômetro Incoterm: https://www.incoterm.com.br/media/2013/10/manual-tci1000.pdf. Na mesma página há um alerta: “Tentar realizar uma medição em qualquer outro local no corpo poderá resultar em uma leitura imprecisa”. 

Outros fatores devem ser observados para que não haja interferências no resultado da aferição: 

  1. A triagem deve ser feita em um local livre de correntes de ar, em que a temperatura ambiente não seja inferior a 25°C. 

  2. O pirômetro utilizado deve ser de uso clínico, projetado para medir a temperatura do corpo humano. Os termômetros infravermelhos utilizados pela indústria não servem para este fim. 

  3. O pirômetro deve estar posicionado a uma distância de 4 a 6 centímetros em relação a testa da pessoa que terá a temperatura aferida. 

  4. A pele da testa deve estar seca e sem obstáculos

  5. A lente frontal do termômetro deve estar seca e limpa 

  6. Se o termômetro for híbrido, ou seja, que mede a temperatura de objetos e pessoas, é preciso configurá-lo para o modo “body” (corpo)

  7. As medidas de temperatura devem ser feitas em no mínimo três minutos após a prática de exercícios físicos

Tendo em vista a quantidade de cuidados necessários para que o resultado mostrado pelo pirômetro seja preciso, o médico infectologista Marcelo Otsuka diz que, comparado aos termômetros clássicos, os termômetros infravermelhos não tem uma acurácia tão boa. 

Otsuka salienta que, mesmo se tivessem uma boa capacidade de aferição, ainda seria questionável adotar a medição de temperatura como único protocolo de segurança. "Muitas pessoas podem ter o vírus, podem estar transmitindo, e não ter sintomas, inclusive não ter febre. (...) Ter a temperatura como parâmetro é uma possibilidade, mas isso nunca deve ser considerado como parâmetro único.” Por isso, para o médico infectologista, é importante que esta medida seja somada a outros protocolos de segurança, como os inquéritos epidemiológicos, a testagem, a higiene das mãos e o uso de máscaras – em especial por pessoas com comorbidades.

Segundo Rosana Richtmann, infectologista do instituto Emílio Ribas, o vírus está circulando menos, mas ainda  circula. Por isso, é importante que a população esteja com a vacinação contra a covid-19 em dia.  A médica ainda ressalta que pessoas vacinadas também podem transmitir o vírus. Portanto, é importante que a imunização seja adotada junto a outras medidas de segurança. 

 

termômetro infravermelho