Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Plataformas digitais facilitaram a transição das atividades, de presenciais para virtuais
por
Lucas Munhoz Rossi
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12/11/2022 - 12h

Por Lucas Rossi

Em 2020, o mundo foi afetado pela COVID-19. O que parecia ser uma simples gripe, se tornou uma doença de fácil transmissão e que levou cerca de 700 mil pessoas a óbito, apenas no Brasil. Devido ao coronavírus, a sociedade brasileira teve que mudar seus hábitos e se adaptar ao vírus.

Durante a paralisação, a maioria das escolas e trabalhos foram paralisados, e posteriormente transformados em home-office. No entanto, as instituições de ensino e o mercado de trabalho foram “pegos de surpresa” pelo vírus, portanto não estavam preparados para a mudança, do presencial para o virtual.

Nesse momento, diversas plataformas tecnológicas que eram pouco utilizadas até então, foram peça fundamental em auxiliar e facilitar as atividades on-line. Permitindo fazer reuniões, aulas, entregas de trabalhos e formulários, provas etc., apenas com o uso de um computador. Dessa maneira, é possível dizer que sistemas como Teams, Google Meet, Zoom, Discord, Moodle, entre outras, facilitaram em grandes aspectos a transição para o online.

Mesmo com o fim da quarentena, e a volta da vida cotidiana, diversas escolas e empresas, permanecem utilizando essas plataformas, mesclando o presencial com o home-office.

Na visão de Carolina Nabarro (50), juíza cível, essas plataformas não apenas facilitaram, mas foi o que possibilitou que o trabalho fosse feito à distância. Já que que as audiências não poderiam ser feitas presencialmente. Na opinião de Carolina, o poder Judiciário era muito refratário em relação ao trabalho em casa. Antes da pandemia todos os funcionários deveriam estar no fórum durante o horário do trabalho, mas a necessidade da paralisação permitiu que se percebesse que o trabalho de casa rendia mais do que o presencial. Além dos mais, os gastos com aluguel de espaços para os fóruns puderam ser reduzidos.

Com o retorno às atividades no fórum, ocorreram algumas mudanças, mas os funcionários continuam autorizados a trabalhar parte da semana em casa, com um revezamento entre todos os juízes para que todos os dias tenha algum juiz no fórum. Além disso, as audiências e atendimentos tem permissão para permanecerem virtuais, afirma a juíza.

Já na visão de Denise Luciana (49), professora universitária, a pandemia impactou fortemente na forma que ela realizava seu trabalho. Já que as aulas passaram a ser ministradas por meio de plataformas de videoconferências o que demandou novo aprendizado por parte do corpo docente sobre essas tecnologias, de como elas funcionam e como explorá-las para ministrar as aulas em ambiente virtual. Denise complementou que as estratégias de ensino, principalmente as de aprendizagem ativa, tiveram que ser repensadas e adaptadas para se adequarem e serem atrativas nesse novo ambiente.

A professora afirma, que após a volta das aulas presenciais, essas tecnologias continuam tendo grande importância, levando-se em conta que tais plataformas foram indispensáveis para que o ensino universitário (e o escolar) não fosse interrompido durante a pandemia.

Além do mais, muitas reuniões de colegiado (professores), reuniões de orientações a grupos de aluno, orientação de TCC´s, gravação de explicações ou resoluções de exercícios em forma de vídeo são realizadas de forma virtual após a Covid-19. Essas plataformas passaram a ser hubs digitais entre coordenadores, professores e alunos, facilitando a comunicação e o fluxo do trabalho no ambiente acadêmico e escolar, afirma Denise.

Durante a pandemia, uma geração de pessoas se formou no ensino médio, e adentraram nas universidades de maneira remota, em alguns casos inclusive, alunos ficaram entre 1 e 2 anos sem ter aulas presenciais em suas graduações. Dessa forma, muitos estudantes demoraram para conhecer seus colegas, e até mesmo o campus de suas faculdades.

Esse foi o caso de João Victor Tiusso, estudante de jornalismo e estagiário de uma empresa de comunicação. No momento, João possui aulas presenciais na universidade, mas trabalha “de casa” no seu emprego. Na visão do universitário, existem grandes diferenças entre as duas formas. João afirma que no estudo presencial, existe uma troca de ideias e experiências muito maior, o que não existe em mesmo grau no home-office. Além disso, consegue aprender mais nas aulas presenciais e ser mais ativo no ambiente universitário.

Questionado sobre a sua preferência, entre o sistema remoto e o físico, Tiusso afirmou que prefere o home-office, pois trabalha em um ambiente mais confortável (sua casa) e consegue otimizar melhor o seu tempo, principalmente por não precisar se deslocar. Além do mais, quando a demanda do trabalho está baixa, pode se dedicar a outras atividades do dia a dia, como fazer cursos, por exemplo.

Por outro lado, ter uma experiência de trabalho presencial é muito importante para o desenvolvimento da carreira, pois é uma oportunidade de conhecer melhor outras pessoas do seu meio e alinhar as ideias ao longo da jornada de trabalho. Além do fato de que cobrança é maior, a dinâmica entre a equipe é mais intensa e o trabalho em equipe é muito mais significativo, afirma João Victor.

Entenda o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, sua base ideológica e o futuro das políticas da produção de alimentos orgânicos do País.
por
Laura Melo de Carvalho
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17/11/2022 - 12h

Por Laura Melo

O que parecia mais uma compra de orgânicos no armazém do campo, com aquela movimentação rotineira de uma feira, era na verdade uma concentração histórica de muita luta, democratização dos espaços e garantia dos direitos humanos. O que no momento parecia só uma escolha mais saudável e sustentável do dia a dia era na realidade um posicionamento político camuflado e um apoio a um movimento que nasceu com muito custo, mas com muita força no país. Afinal, a resistência camponesa se manifesta em diversas ações e, nessa marcha, participa do processo de transformação da civilização.

Com o avanço da sociedade, a agricultura e pecuária passam de uma cultura de subsistência para um âmbito comercial e econômico. A modernização do mundo leva o alimento a deixar de ser direito básico para virar monopólio, commodity e até sinônimo de poder aquisitivo, em épocas de crise mundial. O avanço industrial da sociedade e da escala de produção mundial desencadeia a necessidade da aceleração dos processos naturais e a baratear o custo, o que traz à tona o uso de tecnologias não sustentáveis e saudáveis para nossa mesa. 

O uso dos agrotóxicos se inicia como arma química nas grandes guerras mundiais e passa a ser ingerido pela sociedade na revolução verde quando usado como pesticida para as plantações. Atualmente, seu prejuízo na saúde humana e ambiental é comprovado, mas sendo comandado pelo grande poder aquisitivo do país e do mundo, a sociedade está vendida à grande produção agrária. Então, com a revolta do descaso atribuído ao uso dos pesticidas, seja no âmbito político ou dos direitos humanos, as produções de orgânicos têm tomado força no Brasil, através principalmente da agricultura familiar dos pequenos produtores e do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, baseado na matriz da agro-ecologia.

A agro-ecologia é muito maior do que fazer uma produção sem agro-tóxicos ou um  selo orgânico, pesquisada por Anna Primavesi, é uma alternativa sustentável que enxerga o ser humano como parte da natureza e busca esse equilíbrio entre os dois. Como explica Guto, do coletivo de saúde do MST,  “ nossa pauta política é justamente o Estado ser indutor de uma agro-ecologia e sair dessa matriz do pacote do veneno, do pacote da semente, do controle que vem da produção e da comercialização até o consumo, para uma lógica de produção agro-ecológica, que vai garantir um alimento barato, orgânico e saudável  para  a população brasileira. Nosso projeto de agricultura não é um projeto que pensa em comidas orgânicas para determinados nichos, e sim, queremos que todos os brasileiros tenham acesso a comidas sem transgênicos, agro-tóxicos e agro-ecológicos”. 

Pautado dentro dos movimentos sociais, o Movimento Sem Terra nasce no cenário da ditadura e, diferente do discurso da direita, busca a regulamentarização das distribuições de terras, até então historicamente concentradas nas mãos dos grandes proprietários. Como acrescenta Guto, “se nós pudéssemos dar um rosto para o movimento sem terra, traduzir a cara de um sem terra, ele seria de uma mulher negra, que é negado o acesso à posse e o trabalho na terra do Brasil. A gente consegue falar da ausência de reforma agrária a partir inclusive do movimento da escravidão que ocorreu no Brasil”. 

E reforça, “se pegarmos marcos legais que foram, a lei de terras no Brasil a lei que vai falar como o País  organiza a posse e usa o fruto da terra, ela é anterior a lei de abolição da escravidão no nosso pais. Isso não é por acaso, foi feita anteriormente justamente para dar os benefícios para os grandes produtores, grandes colonizadores, os parceiros das sesmarias”. E assim segue até hoje, com o movimento do agro-negócio não existe uma distribuição de terras, mas sim uma concentração e até a violação das terras dos povos originários. 

Repleta de tecnologia e ciência, a produção de orgânicos do MST, vai além de uma produção sem veneno, “A produção orgânica luta por outro modelo de agricultura, uma agricultura que não seja voltada para a monocultura para exportação, com um degradamento e um sequestro de água enorme, como acontece no agro-negócio. Não há como o agro-negócio ser orgânico,  não degradar, pois a lógica de produção  dele está relacionado a isso, é sua gênese de funcionamento desde a revolução verde”, ressalta Guto.

O MST, independente do cenário político atual e futuro, é uma alternativa consciente e necessária para a manutenção do desmatamento brasileiro,  o agro-negócio tem seu papel importante no PIB brasileiro, mas é degradador e  excludente. Há de existir um equilíbrio agro-ecológico entre as ações do ser humano e do meio ambiente, por isso é um movimento que pode mover o futuro do País, desde o âmbito ecológico até dos direitos humanos, com as legislações trabalhistas e a luta pelo trabalho digno dos camponeses. 


 

 










 

Ainda resta a dúvida sobre os benefícios da imersão total em ambientes digitais
por
Lucca Andreoli
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13/11/2022 - 12h

Por Lucca Andreoli


Inúmeros estudos são frequentemente realizados para identificar as mudanças que a tecnologia causou na humanidade. Toda a área profissional tem mudado em torno disso, sempre tendo que se adaptar às suas alterações, assim como o meio educacional. Diversos jovens são formados no ambiente tecnológico e, recentemente, tornou-se possível enxergar as consequências das mudanças no quadro da informática no final da década de 90 e início dos anos 2000.

Na vida de Marcelo Oliveira, a tecnologia sempre foi presente. Desde a infância, o hábito de jogar vídeo games está presente. Faça chuva, faça sol, sozinho ou acompanhado, costumava recorrer aos consoles, computadores e televisões para passar o tempo. Como morou com os avós por alguns anos, numa rua não tão segura, não tinha muitas oportunidades para sair e brincar fora de casa. Quando suas irmãs estavam muito ocupadas para lhe fazer companhia, aguardava ansiosamente pelo regresso de seu pai, que passava horas incontáveis no trabalho e acabava não tendo tanto tempo para seu filho. Claro que em algum momento, se acomodou a seu isolamento, e mais atividades passaram a ser feitas nas telas. O hobby passou a ser levado mais a sério, e cursos e estudos virtuais se encaixaram mais adequadamente a sua agenda. Não demorou muito para começar a trabalhar nesse meio também. 

Tudo isso o levou onde está hoje, mas não se perguntar a respeito das vantagens e desvantagens disso parece algo inevitável. Não que seja necessário afirmar que passar muito tempo nos computadores fez bem ou mal, mas entender um pouco mais dessa jornada pode acrescentar bastante. Marcelo se lembra desses momentos com certo afeto, uma nostalgia. Entende que talvez tenha perdido algumas experiências de grande importância, mas não há arrependimento em seus olhos simpáticos. Reconhece que tudo o que faz hoje se deve a isso.

O exagero é o que o incomoda. É nítido em sua face que gostaria de ter tido uma infância mais “antiquada” de vez em quando. Alguns problemas já o acometeram, e dificuldade social foi uma preocupação por bastante tempo. Uma preocupação já superada, mas originada do contato excessivo com as máquinas, enquanto o contato humano ficou para segundo plano.

Quando questionado a respeito das futuras gerações e seu contato com novas tecnologias, pareceu bem otimista! Agitado, e com alguma identificação, elogia as crianças dessas últimas gerações. Não parece surpreso, e pouco divaga em seus pensamentos. Tem muito claro para si que as crianças aprendem rápido. Mais rápido do que as gerações anteriores, além de serem extremamente ligeiras. Nota seu interesse extremo em atividades e coisas que as agradam, assim como a velocidade em que se desinteressam (também mais rapidamente do que as gerações anteriores). Cada vez as coisas ficam mais rápidas, as crianças, menos pacientes e mais imediatistas. Isso parece ser perigoso o suficiente para assustá-lo e fazê-lo sugerir mais controle por parte dos pais, pois “tem grande perigo aí.”
 

A tecnologia ajuda a identificar sinais de doenças que humanos não podem enxergar são detectados com facilidade
por
Rafaela Dionello
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04/10/2022 - 12h

Por Rafaela Dionello

 

A "Inteligência artificial" (IA) se refere amplamente a qualquer comportamento semelhante ao do humano apresentado por uma máquina ou sistema. Na forma mais básica da IA, os computadores são programados para “imitar” o comportamento humano usando dados extensivos de exemplos anteriores de comportamento similar. A inteligência artificial não para de evoluir, se tornando cada vez mais eficiente em potencializar o trabalho das pessoas e na medicina isso não vem sendo diferente. Seu funcionamento se baseia na combinação de grandes volumes de dados digitais e algoritmos inteligentes. Respectivamente, eles permitem ao sistema ler e interpretar padrões e informações para aprender automaticamente, esse sistema precisa ser alimentado com novos dados constantemente e para que esse processo aconteça é necessário  combinar diferentes tecnologias possibilitando à máquina a capacidade de imitar o raciocínio lógico de um humano.

Na medicina, ela tem sido celebrada pela sua alta capacidade de analisar dados e auxiliar no diagnóstico de doenças e na recomendação de tratamentos, com a ajuda da inteligência artificial, os pacientes e os médicos podem ser alertados sobre possíveis mudanças na saúde de pacientes meses ou até anos antes que os sintomas apareçam. Através de seu uso o diagnóstico precoce passa a ser uma realidade, aumentando a chance de cura, evitando tratamentos agressivos e aumentando a qualidade de vida do paciente, isso  também permite a redução do custo do tratamento, aliviando o já sobrecarregado sistema de saúde.

O escritor futurista australiano Ross Dawson presume que conforme a modernização dessa tecnologia a medicina que atualmente foca em tratar a doença passará a ser focada na prevenção de tais para que as mesmas nem se desenvolvam,  "A explosão de novas tecnologias e algoritmos desta década aprofundou o aprendizado sobre a inteligência artificial (IA), tornando-a mais eficiente que os humanos no reconhecimento de padrões", declarou em entrevista à BBC Brasil. Seguindo esse pensamento, pode-se perceber o crescimento de empresas focadas na área da prevenção. Uma dessas é a PreviNeo, uma empresa Brasileira localizada em Curitiba especializada na prevenção, diagnóstico e redução de riscos de incidência dos principais tipos de câncer que ocorrem no Brasil.

Para Rinaldo Luiz Guazzelli, um dos sócios da empresa, o que impulsionou a desenvolver o sistema foi a quantidade de diagnósticos tardios, que causam alta taxa de mortalidade, bem como a falta de acesso a serviços de atenção primária focados na prevenção de doenças. O objetivo é prevenir a mortalidade das doenças mais prevalentes e reduzir o custo do tratamento de saúde, através da prevenção e do diagnóstico precoce, conseguindo melhores desfechos clínicos e otimizando os recursos finitos da saúde no Brasil e no mundo.

 “Utilizamos algoritmos de inteligência artificial para estratificar o risco de desenvolvimento das principais doenças crônicas não transmissíveis (câncer de mama, próstata, cólon, pulmão e colo de útero, doenças cardiovasculares e problemas de saúde mental), através de um sistema web-based (cloud). Após a realização da anamnese online nosso sistema gera estratégias personalizadas para redução de risco (seja através da prevenção primária ou secundária), rigorosamente pautadas por rigor científico e, além disso, através de um sistema de Chatbot, navega o cliente para dentro do sistema de saúde para que se torne efetivamente uma pessoa saudável (com mudanças de hábito, realização de exames personalizados pelo seu risco e realização de consultas específicas quando necessário)”, explica.  

Cada paciente responde a um questionário com perguntas sobre seu histórico médico, hábitos e costumes. O sistema da PreviNeo aplica algoritmos com inteligência artificial para estratificar os riscos associados a este paciente, A empresa conta com dezenas de artigos científicos que embasam nossos resultados. “É importante mencionar que nossa ferramenta não apresenta um diagnóstico médico, mas sim uma forma de estimar probabilidades e atuar de forma preventiva. O resultado é fundamentado nos chamados “fatores de risco conhecidos” e que, uma vez existentes, aumentam a estimativa de risco de desenvolvimento da doença.”, ressalta Rinaldo. 

Ao terminar de utilizar o sistema, o paciente recebe um resumo personalizado que inclui os níveis de riscos, os exames recomendados e outras informações pertinentes, incluindo um plano de ação. Ainda, apresentamos uma escala (de 1 a 10) que indica o nível de atenção que o paciente deve dedicar ao plano de ação apresentado. O que a PreviNeo busca é induzir comportamento, a adoção de hábitos saudáveis, consultas médicas periódicas e a realização de exames preventivos são os passos que devem ser seguidos por todos os pacientes.

O mercado bilionário e ilegal que sustenta famílias ao redor do Brasil
por
Eshlyn Cañete
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29/09/2022 - 12h

Por Eshlyn Cañete

Entre o Brasil e o Paraguai, há um muambeiro. Por definição, é o indivíduo que, por profissão ou para equilibrar suas finanças, se dedica ao comércio de bens, contrabandeados ou não, sem pagar impostos. Mas, quando perguntam para Rose Luz de 50 anos o que ela ‘’faz da vida’’, ela sempre responde que é vendedora de importados. Já são mais de 25 anos nessa profissão instável e, segundo Luz, ela já foi do luxo ao lixo.

              Tudo começa com contatos. Um muambeiro sempre tem o celular cheio de clientes, geralmente donos de loja de eletrônicos na Santa Ifigênia, procurando por fornecedores. Um depende do outro, o empresário quer mercadoria sem imposto e o muambeiro precisa da comissão, geralmente de 15%, para sobreviver. Uma lista é feita com tudo que o comerciante deseja, celulares, notebooks e pen-drives são os mais pedidos. E, logo, fecham negócio, muitas vezes a compra é enorme e custa milhares de dólares.

               No início, um muambeiro precisa investir. Muitos começam com 2 a 5 mil reais e arranjam contatos com conhecidos. Quando o ‘’vendedor de importados’’ não mora em Foz do Iguaçu, ele tem que viajar até a cidade para poder atravessar a fronteira. No caso de Rose Luz, são 3 horas de viagem de carro. O dinheiro da gasolina é dividido entre outros muambeiros de Ubiratã-PR. A ida é a parte mais tranquila. Sem ansiedade, porém sempre em contato com o cliente para não comprar algo errado.

              Chegando em Foz, eles almoçam em um restaurante barato na Vila Portes, bairro mais perto da fronteira. Nesse tipo de trabalho, não há horário de almoço, muito menos vale-refeição. E, logo depois, já atravessam a Ponte da Amizade a pé. O caminho dura cerca de 20 minutos e já estão no Paraguai. Chegando lá, vão procurar a casa de câmbio mais barata para trocar o real em dólar. A cotação do dólar não preocupa só os investidores da Bolsa de Valores, todos os dias os compradores de eletrônicos no PY monitoram cada centavo e rezam pela queda da moeda estadunidense.

              Há várias lojas de tecnologias, mas umas são mais procuradas que outras. No caso dos muambeiros, a possibilidade de comprar mais barato em atacado chama bastante atenção. É o caso das lojas que ficam no Shopping LaiLai, dominada por donos árabes. Eles compram iPhones, iPads, Notebooks de última geração para seus clientes, coisas que dificilmente conseguem comprar para si mesmos. Depois de completarem todos os pedidos dos clientes, a separação é feita para levarem no máximo 500 dólares de cada vez. E, assim, vão e voltam de Kombi de Ciudad de Leste à Foz do Iguaçu. Separam os eletrônicos, escondem na Kombi em sacolas escuras, atravessam a ponte torcendo para nenhuma fiscalização parar. Na tentativa de esconder objetos pequenos, Jeferson Cabrel, 30, conta que já escondeu cartão de memória dentro da calça.

              Quando toda essa mercadoria chega no Brasil, eles vão guardando uma por uma em carros velhos, porque, caso a polícia pare, o prejuízo do carro não será tão grande. O esconderijo mais famoso é atrás do banco de passageiro e um verdadeiro jogo de quebra-cabeça é feito para tudo caber dentro de um Monza. A viagem é feita cheia de agonia e 3 horas até Ubiratã parecem demorar dias.

              Chegam no interior e já compram a passagem até São Paulo com o motorista camarada para colocar tudo dentro no bagageiro do transporte. São mais de 14 horas de viagem, e muito tempo na estrada é sinal de perigo. O inimigo continua sendo o policial, que ao fazer seu trabalho de acabar com o contrabando, tira o ganha pão de muitas famílias.

              Rose Luz é uma mulher, mãe de dois filhos e ser muambeira é a única coisa que conseguiu fazer. Nascida no interior do Paraná, foi criada no meio rural. Não chegou a terminar o Ensino Fundamental, aprendeu o suficiente para saber ler, escrever e fazer cálculos básicos. ‘’Para ser muambeira, precisa ser boa em matemática, porque os donos de loja são bem espertinhos, estão sempre tentando dar calote na gente’’, afirma ela.

              A família Luz costuma dizer que a muamba está no sangue. Rose é a irmã mais velha de 6 irmãos, e todos, sem exceção, possuem a mesma profissão. E, atualmente, mais da metade dos filhos estão nesse mesmo meio.

              A história de Rose Luz já passou por altos e baixos. Em seus melhores anos, conseguiu construir a casa própria, tinha uma camionete vermelha e se vestia somente com roupas das melhores boutiques. Entretanto, em seu período mais complicado, ela foi presa, perdeu mais de 5 mil dólares e o carro que ela comprou para levar as mercadorias do Paraguay até sua cidade foi confiscado pela polícia. ‘’ Foi difícil ver minha mãe no jornal como uma criminosa’’, conta a filha de Rose, chamada Natália Luz de 24 anos, que na época tinha 14.

              Estampada no jornal impresso junto com bandidos, Rose afirma que se sentiu muito envergonhada. ‘’Me chamaram de contrabandista, não gosto desse termo, disseram que eu podia ficar muito tempo na cadeia. Sempre soube do risco, mas imaginei que isso só acontecia com quem levava cigarro’’, afirma. Porém, logo no dia seguinte, já foi liberada porque a família toda ajudou a pagar a fiança.

              Uma mãe ou um pai que sustenta sua família através do dinheiro que o contrabando permite é, consequentemente, um responsável ausente. Isso porque são horas de viagens por semana e os filhos acabam vendo os pais apenas nos intervalos de cada ida ao Paraguai. ‘’Lembro de passar minha infância com minha irmã mais velha. Quando minha mãe não estava no Paraguai, ela estava em São Paulo. Chorava de saudade e sentia muito medo de ela ser presa ou sofrer algum acidente na estrada’’, diz Natália Luz.

              O contrabando continua sendo um dos mercados mais lucrativos do país, conseguindo faturar bilhões por anos. No primeiro semestre de 2021, foram apreendidas mais de R$ 2,4 bilhões em mercadoria, ou seja, 64% maior que o ano de 2020. As práticas criminosas nocivas estão cada vez mais ganhando espaço no Brasil e um dos principais motivos também é o alto índice de desemprego.