Por Lucas Rossi
Em 2020, o mundo foi afetado pela COVID-19. O que parecia ser uma simples gripe, se tornou uma doença de fácil transmissão e que levou cerca de 700 mil pessoas a óbito, apenas no Brasil. Devido ao coronavírus, a sociedade brasileira teve que mudar seus hábitos e se adaptar ao vírus.
Durante a paralisação, a maioria das escolas e trabalhos foram paralisados, e posteriormente transformados em home-office. No entanto, as instituições de ensino e o mercado de trabalho foram “pegos de surpresa” pelo vírus, portanto não estavam preparados para a mudança, do presencial para o virtual.
Nesse momento, diversas plataformas tecnológicas que eram pouco utilizadas até então, foram peça fundamental em auxiliar e facilitar as atividades on-line. Permitindo fazer reuniões, aulas, entregas de trabalhos e formulários, provas etc., apenas com o uso de um computador. Dessa maneira, é possível dizer que sistemas como Teams, Google Meet, Zoom, Discord, Moodle, entre outras, facilitaram em grandes aspectos a transição para o online.
Mesmo com o fim da quarentena, e a volta da vida cotidiana, diversas escolas e empresas, permanecem utilizando essas plataformas, mesclando o presencial com o home-office.
Na visão de Carolina Nabarro (50), juíza cível, essas plataformas não apenas facilitaram, mas foi o que possibilitou que o trabalho fosse feito à distância. Já que que as audiências não poderiam ser feitas presencialmente. Na opinião de Carolina, o poder Judiciário era muito refratário em relação ao trabalho em casa. Antes da pandemia todos os funcionários deveriam estar no fórum durante o horário do trabalho, mas a necessidade da paralisação permitiu que se percebesse que o trabalho de casa rendia mais do que o presencial. Além dos mais, os gastos com aluguel de espaços para os fóruns puderam ser reduzidos.
Com o retorno às atividades no fórum, ocorreram algumas mudanças, mas os funcionários continuam autorizados a trabalhar parte da semana em casa, com um revezamento entre todos os juízes para que todos os dias tenha algum juiz no fórum. Além disso, as audiências e atendimentos tem permissão para permanecerem virtuais, afirma a juíza.
Já na visão de Denise Luciana (49), professora universitária, a pandemia impactou fortemente na forma que ela realizava seu trabalho. Já que as aulas passaram a ser ministradas por meio de plataformas de videoconferências o que demandou novo aprendizado por parte do corpo docente sobre essas tecnologias, de como elas funcionam e como explorá-las para ministrar as aulas em ambiente virtual. Denise complementou que as estratégias de ensino, principalmente as de aprendizagem ativa, tiveram que ser repensadas e adaptadas para se adequarem e serem atrativas nesse novo ambiente.
A professora afirma, que após a volta das aulas presenciais, essas tecnologias continuam tendo grande importância, levando-se em conta que tais plataformas foram indispensáveis para que o ensino universitário (e o escolar) não fosse interrompido durante a pandemia.
Além do mais, muitas reuniões de colegiado (professores), reuniões de orientações a grupos de aluno, orientação de TCC´s, gravação de explicações ou resoluções de exercícios em forma de vídeo são realizadas de forma virtual após a Covid-19. Essas plataformas passaram a ser hubs digitais entre coordenadores, professores e alunos, facilitando a comunicação e o fluxo do trabalho no ambiente acadêmico e escolar, afirma Denise.
Durante a pandemia, uma geração de pessoas se formou no ensino médio, e adentraram nas universidades de maneira remota, em alguns casos inclusive, alunos ficaram entre 1 e 2 anos sem ter aulas presenciais em suas graduações. Dessa forma, muitos estudantes demoraram para conhecer seus colegas, e até mesmo o campus de suas faculdades.
Esse foi o caso de João Victor Tiusso, estudante de jornalismo e estagiário de uma empresa de comunicação. No momento, João possui aulas presenciais na universidade, mas trabalha “de casa” no seu emprego. Na visão do universitário, existem grandes diferenças entre as duas formas. João afirma que no estudo presencial, existe uma troca de ideias e experiências muito maior, o que não existe em mesmo grau no home-office. Além disso, consegue aprender mais nas aulas presenciais e ser mais ativo no ambiente universitário.
Questionado sobre a sua preferência, entre o sistema remoto e o físico, Tiusso afirmou que prefere o home-office, pois trabalha em um ambiente mais confortável (sua casa) e consegue otimizar melhor o seu tempo, principalmente por não precisar se deslocar. Além do mais, quando a demanda do trabalho está baixa, pode se dedicar a outras atividades do dia a dia, como fazer cursos, por exemplo.
Por outro lado, ter uma experiência de trabalho presencial é muito importante para o desenvolvimento da carreira, pois é uma oportunidade de conhecer melhor outras pessoas do seu meio e alinhar as ideias ao longo da jornada de trabalho. Além do fato de que cobrança é maior, a dinâmica entre a equipe é mais intensa e o trabalho em equipe é muito mais significativo, afirma João Victor.
Por Laura Melo
O que parecia mais uma compra de orgânicos no armazém do campo, com aquela movimentação rotineira de uma feira, era na verdade uma concentração histórica de muita luta, democratização dos espaços e garantia dos direitos humanos. O que no momento parecia só uma escolha mais saudável e sustentável do dia a dia era na realidade um posicionamento político camuflado e um apoio a um movimento que nasceu com muito custo, mas com muita força no país. Afinal, a resistência camponesa se manifesta em diversas ações e, nessa marcha, participa do processo de transformação da civilização.
Com o avanço da sociedade, a agricultura e pecuária passam de uma cultura de subsistência para um âmbito comercial e econômico. A modernização do mundo leva o alimento a deixar de ser direito básico para virar monopólio, commodity e até sinônimo de poder aquisitivo, em épocas de crise mundial. O avanço industrial da sociedade e da escala de produção mundial desencadeia a necessidade da aceleração dos processos naturais e a baratear o custo, o que traz à tona o uso de tecnologias não sustentáveis e saudáveis para nossa mesa.
O uso dos agrotóxicos se inicia como arma química nas grandes guerras mundiais e passa a ser ingerido pela sociedade na revolução verde quando usado como pesticida para as plantações. Atualmente, seu prejuízo na saúde humana e ambiental é comprovado, mas sendo comandado pelo grande poder aquisitivo do país e do mundo, a sociedade está vendida à grande produção agrária. Então, com a revolta do descaso atribuído ao uso dos pesticidas, seja no âmbito político ou dos direitos humanos, as produções de orgânicos têm tomado força no Brasil, através principalmente da agricultura familiar dos pequenos produtores e do MST- Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, baseado na matriz da agro-ecologia.
A agro-ecologia é muito maior do que fazer uma produção sem agro-tóxicos ou um selo orgânico, pesquisada por Anna Primavesi, é uma alternativa sustentável que enxerga o ser humano como parte da natureza e busca esse equilíbrio entre os dois. Como explica Guto, do coletivo de saúde do MST, “ nossa pauta política é justamente o Estado ser indutor de uma agro-ecologia e sair dessa matriz do pacote do veneno, do pacote da semente, do controle que vem da produção e da comercialização até o consumo, para uma lógica de produção agro-ecológica, que vai garantir um alimento barato, orgânico e saudável para a população brasileira. Nosso projeto de agricultura não é um projeto que pensa em comidas orgânicas para determinados nichos, e sim, queremos que todos os brasileiros tenham acesso a comidas sem transgênicos, agro-tóxicos e agro-ecológicos”.
Pautado dentro dos movimentos sociais, o Movimento Sem Terra nasce no cenário da ditadura e, diferente do discurso da direita, busca a regulamentarização das distribuições de terras, até então historicamente concentradas nas mãos dos grandes proprietários. Como acrescenta Guto, “se nós pudéssemos dar um rosto para o movimento sem terra, traduzir a cara de um sem terra, ele seria de uma mulher negra, que é negado o acesso à posse e o trabalho na terra do Brasil. A gente consegue falar da ausência de reforma agrária a partir inclusive do movimento da escravidão que ocorreu no Brasil”.
E reforça, “se pegarmos marcos legais que foram, a lei de terras no Brasil a lei que vai falar como o País organiza a posse e usa o fruto da terra, ela é anterior a lei de abolição da escravidão no nosso pais. Isso não é por acaso, foi feita anteriormente justamente para dar os benefícios para os grandes produtores, grandes colonizadores, os parceiros das sesmarias”. E assim segue até hoje, com o movimento do agro-negócio não existe uma distribuição de terras, mas sim uma concentração e até a violação das terras dos povos originários.
Repleta de tecnologia e ciência, a produção de orgânicos do MST, vai além de uma produção sem veneno, “A produção orgânica luta por outro modelo de agricultura, uma agricultura que não seja voltada para a monocultura para exportação, com um degradamento e um sequestro de água enorme, como acontece no agro-negócio. Não há como o agro-negócio ser orgânico, não degradar, pois a lógica de produção dele está relacionado a isso, é sua gênese de funcionamento desde a revolução verde”, ressalta Guto.
O MST, independente do cenário político atual e futuro, é uma alternativa consciente e necessária para a manutenção do desmatamento brasileiro, o agro-negócio tem seu papel importante no PIB brasileiro, mas é degradador e excludente. Há de existir um equilíbrio agro-ecológico entre as ações do ser humano e do meio ambiente, por isso é um movimento que pode mover o futuro do País, desde o âmbito ecológico até dos direitos humanos, com as legislações trabalhistas e a luta pelo trabalho digno dos camponeses.
Por Lucca Andreoli
Inúmeros estudos são frequentemente realizados para identificar as mudanças que a tecnologia causou na humanidade. Toda a área profissional tem mudado em torno disso, sempre tendo que se adaptar às suas alterações, assim como o meio educacional. Diversos jovens são formados no ambiente tecnológico e, recentemente, tornou-se possível enxergar as consequências das mudanças no quadro da informática no final da década de 90 e início dos anos 2000.
Na vida de Marcelo Oliveira, a tecnologia sempre foi presente. Desde a infância, o hábito de jogar vídeo games está presente. Faça chuva, faça sol, sozinho ou acompanhado, costumava recorrer aos consoles, computadores e televisões para passar o tempo. Como morou com os avós por alguns anos, numa rua não tão segura, não tinha muitas oportunidades para sair e brincar fora de casa. Quando suas irmãs estavam muito ocupadas para lhe fazer companhia, aguardava ansiosamente pelo regresso de seu pai, que passava horas incontáveis no trabalho e acabava não tendo tanto tempo para seu filho. Claro que em algum momento, se acomodou a seu isolamento, e mais atividades passaram a ser feitas nas telas. O hobby passou a ser levado mais a sério, e cursos e estudos virtuais se encaixaram mais adequadamente a sua agenda. Não demorou muito para começar a trabalhar nesse meio também.
Tudo isso o levou onde está hoje, mas não se perguntar a respeito das vantagens e desvantagens disso parece algo inevitável. Não que seja necessário afirmar que passar muito tempo nos computadores fez bem ou mal, mas entender um pouco mais dessa jornada pode acrescentar bastante. Marcelo se lembra desses momentos com certo afeto, uma nostalgia. Entende que talvez tenha perdido algumas experiências de grande importância, mas não há arrependimento em seus olhos simpáticos. Reconhece que tudo o que faz hoje se deve a isso.
O exagero é o que o incomoda. É nítido em sua face que gostaria de ter tido uma infância mais “antiquada” de vez em quando. Alguns problemas já o acometeram, e dificuldade social foi uma preocupação por bastante tempo. Uma preocupação já superada, mas originada do contato excessivo com as máquinas, enquanto o contato humano ficou para segundo plano.
Quando questionado a respeito das futuras gerações e seu contato com novas tecnologias, pareceu bem otimista! Agitado, e com alguma identificação, elogia as crianças dessas últimas gerações. Não parece surpreso, e pouco divaga em seus pensamentos. Tem muito claro para si que as crianças aprendem rápido. Mais rápido do que as gerações anteriores, além de serem extremamente ligeiras. Nota seu interesse extremo em atividades e coisas que as agradam, assim como a velocidade em que se desinteressam (também mais rapidamente do que as gerações anteriores). Cada vez as coisas ficam mais rápidas, as crianças, menos pacientes e mais imediatistas. Isso parece ser perigoso o suficiente para assustá-lo e fazê-lo sugerir mais controle por parte dos pais, pois “tem grande perigo aí.”
Por Rafaela Dionello
A "Inteligência artificial" (IA) se refere amplamente a qualquer comportamento semelhante ao do humano apresentado por uma máquina ou sistema. Na forma mais básica da IA, os computadores são programados para “imitar” o comportamento humano usando dados extensivos de exemplos anteriores de comportamento similar. A inteligência artificial não para de evoluir, se tornando cada vez mais eficiente em potencializar o trabalho das pessoas e na medicina isso não vem sendo diferente. Seu funcionamento se baseia na combinação de grandes volumes de dados digitais e algoritmos inteligentes. Respectivamente, eles permitem ao sistema ler e interpretar padrões e informações para aprender automaticamente, esse sistema precisa ser alimentado com novos dados constantemente e para que esse processo aconteça é necessário combinar diferentes tecnologias possibilitando à máquina a capacidade de imitar o raciocínio lógico de um humano.
Na medicina, ela tem sido celebrada pela sua alta capacidade de analisar dados e auxiliar no diagnóstico de doenças e na recomendação de tratamentos, com a ajuda da inteligência artificial, os pacientes e os médicos podem ser alertados sobre possíveis mudanças na saúde de pacientes meses ou até anos antes que os sintomas apareçam. Através de seu uso o diagnóstico precoce passa a ser uma realidade, aumentando a chance de cura, evitando tratamentos agressivos e aumentando a qualidade de vida do paciente, isso também permite a redução do custo do tratamento, aliviando o já sobrecarregado sistema de saúde.
O escritor futurista australiano Ross Dawson presume que conforme a modernização dessa tecnologia a medicina que atualmente foca em tratar a doença passará a ser focada na prevenção de tais para que as mesmas nem se desenvolvam, "A explosão de novas tecnologias e algoritmos desta década aprofundou o aprendizado sobre a inteligência artificial (IA), tornando-a mais eficiente que os humanos no reconhecimento de padrões", declarou em entrevista à BBC Brasil. Seguindo esse pensamento, pode-se perceber o crescimento de empresas focadas na área da prevenção. Uma dessas é a PreviNeo, uma empresa Brasileira localizada em Curitiba especializada na prevenção, diagnóstico e redução de riscos de incidência dos principais tipos de câncer que ocorrem no Brasil.
Para Rinaldo Luiz Guazzelli, um dos sócios da empresa, o que impulsionou a desenvolver o sistema foi a quantidade de diagnósticos tardios, que causam alta taxa de mortalidade, bem como a falta de acesso a serviços de atenção primária focados na prevenção de doenças. O objetivo é prevenir a mortalidade das doenças mais prevalentes e reduzir o custo do tratamento de saúde, através da prevenção e do diagnóstico precoce, conseguindo melhores desfechos clínicos e otimizando os recursos finitos da saúde no Brasil e no mundo.
“Utilizamos algoritmos de inteligência artificial para estratificar o risco de desenvolvimento das principais doenças crônicas não transmissíveis (câncer de mama, próstata, cólon, pulmão e colo de útero, doenças cardiovasculares e problemas de saúde mental), através de um sistema web-based (cloud). Após a realização da anamnese online nosso sistema gera estratégias personalizadas para redução de risco (seja através da prevenção primária ou secundária), rigorosamente pautadas por rigor científico e, além disso, através de um sistema de Chatbot, navega o cliente para dentro do sistema de saúde para que se torne efetivamente uma pessoa saudável (com mudanças de hábito, realização de exames personalizados pelo seu risco e realização de consultas específicas quando necessário)”, explica.
Cada paciente responde a um questionário com perguntas sobre seu histórico médico, hábitos e costumes. O sistema da PreviNeo aplica algoritmos com inteligência artificial para estratificar os riscos associados a este paciente, A empresa conta com dezenas de artigos científicos que embasam nossos resultados. “É importante mencionar que nossa ferramenta não apresenta um diagnóstico médico, mas sim uma forma de estimar probabilidades e atuar de forma preventiva. O resultado é fundamentado nos chamados “fatores de risco conhecidos” e que, uma vez existentes, aumentam a estimativa de risco de desenvolvimento da doença.”, ressalta Rinaldo.
Ao terminar de utilizar o sistema, o paciente recebe um resumo personalizado que inclui os níveis de riscos, os exames recomendados e outras informações pertinentes, incluindo um plano de ação. Ainda, apresentamos uma escala (de 1 a 10) que indica o nível de atenção que o paciente deve dedicar ao plano de ação apresentado. O que a PreviNeo busca é induzir comportamento, a adoção de hábitos saudáveis, consultas médicas periódicas e a realização de exames preventivos são os passos que devem ser seguidos por todos os pacientes.
Por Eshlyn Cañete
Entre o Brasil e o Paraguai, há um muambeiro. Por definição, é o indivíduo que, por profissão ou para equilibrar suas finanças, se dedica ao comércio de bens, contrabandeados ou não, sem pagar impostos. Mas, quando perguntam para Rose Luz de 50 anos o que ela ‘’faz da vida’’, ela sempre responde que é vendedora de importados. Já são mais de 25 anos nessa profissão instável e, segundo Luz, ela já foi do luxo ao lixo.
Tudo começa com contatos. Um muambeiro sempre tem o celular cheio de clientes, geralmente donos de loja de eletrônicos na Santa Ifigênia, procurando por fornecedores. Um depende do outro, o empresário quer mercadoria sem imposto e o muambeiro precisa da comissão, geralmente de 15%, para sobreviver. Uma lista é feita com tudo que o comerciante deseja, celulares, notebooks e pen-drives são os mais pedidos. E, logo, fecham negócio, muitas vezes a compra é enorme e custa milhares de dólares.
No início, um muambeiro precisa investir. Muitos começam com 2 a 5 mil reais e arranjam contatos com conhecidos. Quando o ‘’vendedor de importados’’ não mora em Foz do Iguaçu, ele tem que viajar até a cidade para poder atravessar a fronteira. No caso de Rose Luz, são 3 horas de viagem de carro. O dinheiro da gasolina é dividido entre outros muambeiros de Ubiratã-PR. A ida é a parte mais tranquila. Sem ansiedade, porém sempre em contato com o cliente para não comprar algo errado.
Chegando em Foz, eles almoçam em um restaurante barato na Vila Portes, bairro mais perto da fronteira. Nesse tipo de trabalho, não há horário de almoço, muito menos vale-refeição. E, logo depois, já atravessam a Ponte da Amizade a pé. O caminho dura cerca de 20 minutos e já estão no Paraguai. Chegando lá, vão procurar a casa de câmbio mais barata para trocar o real em dólar. A cotação do dólar não preocupa só os investidores da Bolsa de Valores, todos os dias os compradores de eletrônicos no PY monitoram cada centavo e rezam pela queda da moeda estadunidense.
Há várias lojas de tecnologias, mas umas são mais procuradas que outras. No caso dos muambeiros, a possibilidade de comprar mais barato em atacado chama bastante atenção. É o caso das lojas que ficam no Shopping LaiLai, dominada por donos árabes. Eles compram iPhones, iPads, Notebooks de última geração para seus clientes, coisas que dificilmente conseguem comprar para si mesmos. Depois de completarem todos os pedidos dos clientes, a separação é feita para levarem no máximo 500 dólares de cada vez. E, assim, vão e voltam de Kombi de Ciudad de Leste à Foz do Iguaçu. Separam os eletrônicos, escondem na Kombi em sacolas escuras, atravessam a ponte torcendo para nenhuma fiscalização parar. Na tentativa de esconder objetos pequenos, Jeferson Cabrel, 30, conta que já escondeu cartão de memória dentro da calça.
Quando toda essa mercadoria chega no Brasil, eles vão guardando uma por uma em carros velhos, porque, caso a polícia pare, o prejuízo do carro não será tão grande. O esconderijo mais famoso é atrás do banco de passageiro e um verdadeiro jogo de quebra-cabeça é feito para tudo caber dentro de um Monza. A viagem é feita cheia de agonia e 3 horas até Ubiratã parecem demorar dias.
Chegam no interior e já compram a passagem até São Paulo com o motorista camarada para colocar tudo dentro no bagageiro do transporte. São mais de 14 horas de viagem, e muito tempo na estrada é sinal de perigo. O inimigo continua sendo o policial, que ao fazer seu trabalho de acabar com o contrabando, tira o ganha pão de muitas famílias.
Rose Luz é uma mulher, mãe de dois filhos e ser muambeira é a única coisa que conseguiu fazer. Nascida no interior do Paraná, foi criada no meio rural. Não chegou a terminar o Ensino Fundamental, aprendeu o suficiente para saber ler, escrever e fazer cálculos básicos. ‘’Para ser muambeira, precisa ser boa em matemática, porque os donos de loja são bem espertinhos, estão sempre tentando dar calote na gente’’, afirma ela.
A família Luz costuma dizer que a muamba está no sangue. Rose é a irmã mais velha de 6 irmãos, e todos, sem exceção, possuem a mesma profissão. E, atualmente, mais da metade dos filhos estão nesse mesmo meio.
A história de Rose Luz já passou por altos e baixos. Em seus melhores anos, conseguiu construir a casa própria, tinha uma camionete vermelha e se vestia somente com roupas das melhores boutiques. Entretanto, em seu período mais complicado, ela foi presa, perdeu mais de 5 mil dólares e o carro que ela comprou para levar as mercadorias do Paraguay até sua cidade foi confiscado pela polícia. ‘’ Foi difícil ver minha mãe no jornal como uma criminosa’’, conta a filha de Rose, chamada Natália Luz de 24 anos, que na época tinha 14.
Estampada no jornal impresso junto com bandidos, Rose afirma que se sentiu muito envergonhada. ‘’Me chamaram de contrabandista, não gosto desse termo, disseram que eu podia ficar muito tempo na cadeia. Sempre soube do risco, mas imaginei que isso só acontecia com quem levava cigarro’’, afirma. Porém, logo no dia seguinte, já foi liberada porque a família toda ajudou a pagar a fiança.
Uma mãe ou um pai que sustenta sua família através do dinheiro que o contrabando permite é, consequentemente, um responsável ausente. Isso porque são horas de viagens por semana e os filhos acabam vendo os pais apenas nos intervalos de cada ida ao Paraguai. ‘’Lembro de passar minha infância com minha irmã mais velha. Quando minha mãe não estava no Paraguai, ela estava em São Paulo. Chorava de saudade e sentia muito medo de ela ser presa ou sofrer algum acidente na estrada’’, diz Natália Luz.
O contrabando continua sendo um dos mercados mais lucrativos do país, conseguindo faturar bilhões por anos. No primeiro semestre de 2021, foram apreendidas mais de R$ 2,4 bilhões em mercadoria, ou seja, 64% maior que o ano de 2020. As práticas criminosas nocivas estão cada vez mais ganhando espaço no Brasil e um dos principais motivos também é o alto índice de desemprego.