Em 2023, nenhuma outra violência contra a mulher cresceu como a psicológica. Entre as atitudes que enfraquecem a saúde mental feminina está o stalking, comportamento abusivo 34,5% mais incidente no último ano
por
Bianca Abreu
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12/11/2024 - 12h

Por Bianca Abreu

 

Reta final do segundo semestre de 2024, sexta-feira, nove e meia da noite. Data e horário propícios para os estudantes de Jornalismo se encontrarem para curtir o final de mais uma semana rumo às férias. Após sair da aula na unidade Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um grupo desce as escadas da saída da universidade que desemboca na rua Ministro Godói. Ali se concentram os bares onde os Puquianos costumam confraternizar - e foi na frente de um deles em que esses universitários pararam e se reuniram.

Alguns bebem, outros comem e todos conversam. Trabalhos finais, estágio (a rotina ou a falta dele), futebol e família são alguns dos assuntos. Conversa vai, conversa vem, em dado momento, entre esse grupo majoritariamente feminino, o papo afunilou em torno da perseguição masculina. Em todas as histórias naquela noite, os algozes eram estudantes do sexo masculino - em alguns momentos, reincidentes, com mais de um relato que os envolvia. O assunto surgiu porque um deles passou próximo delas fazendo menção de se aproximar, fato que as deixaram apreensivas. Elas desviaram seus olhares e viraram o corpo, como que criando um escudo contra a aproximação que foi parcialmente repelida, visto que se aproximaram por instantes mas acabaram se afastando em seguida, indo ao encontro de outras colegas que estavam por ali.

Quando um dos algozes se afastou, Marcela, a primeira estudante a compartilhar a situação que ocorreu consigo, contou que chegou a receber chamadas de vídeo durante a madrugada, via WhatsApp, em que dois estudantes insistiam em falar com ela. Foram recusados e, em dado momento, cessaram as tentativas. Na relação entre ela e a dupla que estava do outro lado da linha nunca houve afinidade, sua intenção era apenas nutrir uma boa convivência. O que, para a estudante, não justificava receber uma ligação deles altas horas da madrugada. Ainda mais por considerar que, provavelmente, eles estariam alcoolizados naquele momento, já que se tratava de um final de semana. Outro fator que a fez, de primeira, desconsiderar atender a ligação foi o fato de que o comportamento de ambos, nos momentos de interação ainda no ambiente acadêmico, a deixava desconfortável - são intrusivos e se aproximam corporalmente de maneira exagerada, sem respeitar seu espaço pessoal e tampouco o afastamento que ela própria provoca em resposta a essas atitudes.

Mas as investidas não pararam nas ligações. Marcela evita ocupar o mesmo espaço que qualquer um dos dois estudantes e, por isso, quando coincide de sair da universidade no mesmo horário que eles, ela retarda sua chegada ao ponto de ônibus para que haja tempo hábil deles terem ido embora. Assim não precisa se preocupar em passar por situações desconfortáveis mais uma vez, principalmente se estiver sozinha. Só que agora, em vez do celular, o caminho para casa se tornou o ambiente em que ela seria novamente abordada. Um dos indivíduos da dupla passou a esperar por ela no ponto de ônibus à noite. Esse comportamento foi percebido pelo fato de que ele a viu saindo ao mesmo tempo que ele, vários coletivos subiram a Rua Cardoso de Almeida e, quando ela chegou para aguardar o transporte, ele ainda estava lá, e fez questão de se juntar a ela durante o caminho, mesmo que Marcela tenha demonstrado desinteresse pela sua companhia. Na estação de Metrô, parada em comum, ela se despediu e desviou seu caminho, a fim de aguardar que ele entrasse na próxima locomotiva para, em seguida, ir sozinha na seguinte, evitando a situação indesejada. Para sua surpresa, quando olhou para a plataforma antes de descer as escadas, ele continuava lá. Outros vagões passaram por aqueles trilhos e ele lá permanecia - aliás, permaneciam, pois Marcela também não se moveu. Após longos minutos naquela situação, ele finalmente embarcou e ela pôde, já tarde da noite, enfim seguir o caminho para casa. Enquanto ela contava o que aconteceu, sua amiga Fernanda confirmava tudo, acenando com a cabeça. Elas estavam juntas quando, uma vez mais, isso aconteceu. Exatamente nos mesmos moldes, com a única diferença de que, desta vez, elas estavam juntas. Fernanda também foi contatada pela amiga quando as ligações na madrugada aconteceram. Com os acontecimentos, a presença de qualquer um dos dois indivíduos causa mal-estar emocional a Marcela.

A perseguição pessoal e virtualmente vivida pela estudante é tipificada pelo Código Penal (CP) brasileiro como stalking. O artigo 147-A explica que essa é a atitude de “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade” - foram 77.083 casos apontados em 2023, representando um crescimento de 34,5% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O documento também expôs que o Brasil registrou aumento de todas as modalidades de violência contra mulheres no ano passado. Mas a que mais cresceu foi a psicológica - onde enquadra-se o stalking. Foram 38.507 registros, 33,8% a mais que em 2022. Por meio do artigo 147-B, o CP define a violência psicológica contra a mulher a atitude de “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. E não é só Marcela, entre o grupo ali reunido, quem está passando pelo desconforto de ser pressionada a tolerar uma presença masculina indesejada. Assim que ela terminou de contar sua história, outra de suas colegas compartilhou que também não vinha se agradando da insistência por atenção que um desses mesmos estudantes cobrava por parte dela.

Com frequência, os mesmos grupos de universitários se reúnem em frente à PUC-SP e curtem a sexta-feira à noite. Todas as vezes que Joana está lá com seus amigos, com quem tem real afinidade, um dos estudantes presente no relato de Marcela se achega junto ao grupo e busca forçar sua inclusão - principalmente, junto à Joana. Ela, assim como a colega, convive com o outro estudante, mas não alimenta nenhuma relação afetuosa que justifique a busca pela proximidade em momentos de descontração fora do ambiente acadêmico. Quando eles se movem e trocam de lugar, ele os segue. Mesmo quando se despedem, ele novamente se aproxima. Certa vez, quando ela estava entrando em um carro por aplicativo para ir para outro lugar com outro grupo de amigos, ele insistiu por longos minutos para ir junto, mesmo não tendo sido convidado - pelo contrário, Joana falou para ele, com todas as letras, que nem ela, nem o restante do grupo, levariam ele junto pois sua presença, por unanimidade, não era desejada junto aquelas pessoas. Ela entrou no carro, fechou a porta e foi embora, deixando-o falando sozinho, pois ele ainda insistia. Quando é confrontado por seu comportamento, ele coloca no álcool a culpa por suas atitudes, mas seu comportamento intrusivo também se manifesta em dias e ambientes onde ninguém está bebendo - como foi com Marcela. E assim como ela, a preocupação e o desconforto se tornaram sentimentos constantes, mesmo em momentos em que o relaxamento deveria ser a lei.

Colocar a culpa de comportamentos abusivos em fatores externos, como a ingestão do álcool, em algum acontecimento pontual ou questionar a reação da vítima ao ser importunada são atitudes comuns entre os homens que praticam essas ações. Sem autocrítica, eles perpetuam a reprodução de comportamentos nocivos que respingam em todo o cotidiano da mulher afetada, pois introduz a aflição, a ansiedade, a angústia, a insegurança e os demais sentimentos de preocupação que possam vir nesse combo. Não sendo respeitada, a mulher se vê na posição de tentar evitar, a todo custo, passar por situações onde seu espaço pessoal seja invadido, seu corpo seja tocado ou sua mente, perturbada. E isso acarreta mudanças no trajeto, no comportamento, nas companhias e em todos os demais detalhes que dizem respeito às suas escolhas individuais - ou seja, opta por tolher sua própria liberdade em nome de resguardar sua integridade física e mental. 

A inquietação diante do desrespeito é um sentimento coletivo entre as mulheres no Brasil. Uma pesquisa nacional realizada em 2023 pelo instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), mostra que 46% das brasileiras acreditam que as mulheres não são respeitadas no Brasil. Em São Paulo, 48% das cidadãs paulistas consideram que as mulheres não são tratadas com respeito no país e 59% delas reforçam que a formação social brasileira é muito machista.

Em uma de suas aulas na universidade, Fabio Fernandes destacou a seus alunos do sexo masculino a importância de que eles, enquanto homens, façam uma leitura séria e comprometida de suas atitudes. Pois a masculinidade é formada a partir de elementos que estão intrínseco ao cotidiano masculino, o que lapida e direciona muitas de suas ações, pensamentos e atitudes. Sem isso, eles estão fadados a reproduzir comportamentos abusivos e nocivos contra as mulheres que encontram no caminho. As histórias contadas por Marcela, Joana e Fernanda reforçam que, enquanto as bases do patriarcado não são atacadas, o gênero masculino encontra caminhos abertos para, despretensiosamente, importunar, assediar, incomodar e atrapalhar o cotidiano das pessoas do sexo feminino em nome das suas vontades - como historicamente sempre fizeram.
 

Manifestação na Avenida Paulista contra o PL da gravidez infantil reúne cerca de 1.100 pessoas
por
Helena Maluf
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17/06/2024 - 12h

A Avenida Paulista foi palco, neste último sábado, 15, de uma das manifestações contra o Projeto de Lei (PL) da Gravidez Infantil. O protesto teve como objetivo principal denunciar os riscos e as implicações negativas do PL para a saúde e os direitos de mulheres, crianças e adolescentes no Brasil.

A concentração, organizada por entidades feministas, começou por volta das 15h, no vão livre do MASP. Participantes de todas as idades se reuniram, empunhando cartazes e gritando palavras de ordem como "Criança não é mãe!Estuprador não é pai". Simone Nascimento, CoDeputada estadual da bancada feminista do PSOL, e uma das líderes do movimento e ativista pelos direitos das mulheres, discursou para a multidão: "Nós estamos aqui para dizer, que contra a bancada do estupro, eles tem as feministas na rua! E nós mulheres, principalmente mulheres negras, estamos cansadas de estupros, de violência, é por isso que estamos protestando".

manifestação
A concentração se estendeu ao longo da avenida mais famosa de São Paulo. Foto: Helena Maluf
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Manifestantes soltam fumaça nas cores que representam a luta pelos direitos reprodutivos. Roxo, tom do movimento feminista, e verde, tom da luta pela legalização do aborto. Foto: Helena Maluf

No Brasil, as mulheres negras são as mais vulneráveis ao aborto devido a uma combinação de fatores sociais, econômicos e raciais que exacerbam suas condições de vida. Para cada 10 mulheres brancas que fizerem aborto, haverá 15 mulheres negras, aproximadamente, de acordo com um estudo realizado por universidades da América Latina e publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva. 

A desigualdade racial no acesso a serviços de saúde de qualidade, somada à precariedade econômica e à discriminação institucional, resulta em um maior risco para essas mulheres. Elas frequentemente enfrentam dificuldades para obter informações e métodos contraceptivos, além de sofrerem violência obstétrica e terem acesso limitado a abortos seguros e legais. Esses obstáculos levam muitas mulheres negras a recorrerem a abortos clandestinos e inseguros, colocando suas vidas em perigo e perpetuando um ciclo de vulnerabilidade e marginalização.

cartaz
Manifestante levantando cartaz escrito “Criança não é mãe!”. Foto: Helena Maluf
cartaz
O grito "Criança não é mãe. Estuprador não é pai" foi entoado pelos manifestantes ao longo de toda a mobilização contra a PL. Foto: Helena Maluf

A mobilização é considerada uma das maiores nos últimos meses na capital paulista e reflete a crescente insatisfação popular com medidas que restringem os direitos reprodutivos. O ato contou com o apoio de várias organizações não-governamentais, entidades de direitos humanos e movimentos feministas. Entre os presentes, destacaram-se representantes da Minha Sampa, Bancada feminista do PSOL, Juntas SP, Rede Feminista de Saúde, Campanha Nem Presa Nem Morta, Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, Anis - Instituto de Bioética, Marcha Mundial de Mulheres e Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep).

Beatriz Almeida, de 26 anos,participou do protesto e afirmou "estou aqui hoje porque não consigo nem imaginar a dor, e o desespero das minhas amigas, e de todas as mulheres que estão prestes a se tornarem, ou já são mães passando por isso. A decisão sobre o nosso corpo deve ser nossa". Já Thais Oliv, mãe de uma menina de 10 anos, destacou a importância de informar e educar: "precisamos de mais educação sexual nas escolas, não de leis que punam nossas meninas".

criança
Dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2020, mais de 400 mil gestantes brasileiras possuíam entre 10 e 14 anos. Foto: Helena Maluf

 

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Militantes também pediram a saída do presidente da Câmara do Congresso. Foto: Helena Maluf

 

Direito ao aborto legal, igualdade de gênero e o fim da guerra em Gaza são algumas das reivindicações.
por
Marcela Rocha
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12/03/2024 - 12h

Nessa sexta-feira, dia 08 de março, centenas de manifestantes estiveram presentes na Avenida Paulista para protestar durante o Dia Internacional da Mulher. A pista sentido Consolação foi tomada por mulheres e apoiadores da causa, segurando cartazes e realizando cantos que reforçam a necessidade da luta da mulher e o reconhecimento de seus direitos.

O protesto teve início às 17h em frente ao MASP, e a diversidade de pessoas presentes chamou a atenção: cidadãos comuns não organizados politicamente se juntavam aos militantes de movimentos sociais de gênero, raça e de luta por moradia. Organizações ligadas à juventude e à defesa de uma educação de qualidade também compunham o ato para além de parlamentares de diferentes partidos políticos.

Entre as bandeiras, um novo chamado aparece, pelo cessar-fogo em Gaza e em apoio às mulheres palestinas. Ao final da tarde ouvia-se cantos como: “mulheres livres, do Brasil à Palestina. Não vai ter morte, vai ter luta!”

 

Legalização do aborto

A ação interseccional dos movimentos sociais presentes foi destaque, desde carcerários femininos, sindicais, pastorais e de estudantes. Isabela Reis, universitária de Relações Internacionais pela PUC-SP, atua no coletivo Juntas!:

“Somos um coletivo feminista antirracista de corrente marxista, fundado por mulheres, como a deputada Sâmia Bomfim. Atuamos pela legalização do aborto, uma luta internacional e que aqui no Brasil vem sendo muito atacada, principalmente no Estado de São Paulo, por conta do Hospital Cachoeirinha. A gente sabe que a luta pela libertação das mulheres inclui a libertação das mulheres palestinas e da população palestina, que sofre com os ataques em Gaza.”

O Hospital Vila Nova Cachoeirinha citado por Isabela, é referência em aborto legal em São Paulo em casos em que a motivação da gestação ocorre por crimes de violência sexual, quando há o diagnóstico de anencefalia (isto é, quando o cérebro do feto é subdesenvolvido), ou quando há risco à vida da mulher.

No ano de 2023 a prefeitura determinou que o atendimento no local para abortos legais fosse suspenso, alegando necessidade de aumentar a capacidade para outros tipos de cirurgias. O hospital era o único a oferecer os serviços de aborto legal após 22 semanas de gestação. Desde então, os serviços correm risco de serem descontinuados.

 

Mulheres em situação de cárcere

A coordenadora da Pastoral Carcerária, Rosilda Ribeiro, explica que a dificuldade das mulheres no sistema prisional ocorre principalmente por motivação de gênero, e que o movimento Pastoral acolhe também mulheres transexuais: “Para provar que está menstruada, por exemplo, o sangue tem que escorrer entre as pernas. As mulheres trans sofrem discriminação. Elas são privadas de sorrir, de cantar, de abraçar… é muito triste. A maior dor delas é a saudade. Então a gente pede isso, que elas sejam livres. Lutamos pelo desencarceramento das mulheres.”

Mulher segurando cartaz contra o sistema carcerário feminino
Rosilda Ribeiro, representante da Pastoral Carcerária de mulheres. Foto: Marcela Rocha.

A manifestação contou ainda com faixas contra a privatização da Sabesp, além do envolvimento de civis não organizados, como o caso de Samuel Santos, de 47 anos, que trabalha em um prédio comercial da Avenida Paulista e que viu a movimentação ainda de dentro da torre: “Vi tudo lá de cima (do prédio) e aí desci. É bom porque está bem pacífico. A Paulista é o centro da diversidade, né, então tudo acontece aqui! Eu acho legal.”

Mulheres manifestantes com faixas contra a privatização de serviços de saneamento
Mulheres seguram faixa contra a privatização dos serviços de saneamento. Foto: Marcela Rocha.

 

A presença de parlamentares em ano eleitoral

A causa das mulheres está presente no planejamento de mandato de muitas vereadoras e deputadas. Gleisi Hoffmann, atual presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, discursou de cima do carro de som pedindo pelo fim dos massacres em Gaza e em defesa da democracia. No caso de Juliana Cardoso, deputada federal também pelo PT, a parlamentar caminhou entre a população e tirou fotos com manifestantes. Em suas falas, Juliana saudou a conquista de direitos das mulheres e denunciou o aumento do número de casos de feminicídio no Brasil e os acontecimento na faixa de Gaza: “somos contra tudo o que tem acontecido contra o povo palestino.”

A deputada federal Sâmia Bomfim também esteve entre a população civil. Sâmia foi a parlamentar de esquerda com maior número de votos no ano de 2022, com leis nas áreas de direito reprodutivo, doméstico e de trabalho e cuidado. Apresentou coautoria no projeto que institui a Política Nacional de Promoção do Parto Humanizado, Digno e Respeitoso (PL 516/2022) e a Lei 14.245/21, baseada no caso Mari Ferrer, que visa o combate à revitimização de mulheres por parte do poder judiciário em crimes de caráter sexual, zelando assim pela integridade física e psicológica da vítima. Sâmia também sugeriu a lei que institui a igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil (PL 111/2023).

Ediane Maria, deputada estadual por São Paulo, fez aparição no ato. Ediane iniciou sua vida política por ser uma mulher preta, periférica e empregada doméstica. A desigualdade racial e de gênero faz parte de sua realidade, e hoje eleita, participa da Comissão de Defesa e dos Direitos das Mulheres na Assembleia Legislativa do Estado, além de continuar atuando no Raiz da Liberdade e no Mulheres em Movimento, coletivos do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O comparecimento de parlamentares de diferentes partidos políticos, em pleno ano de eleição municipal, explica parte das motivações para além das próprias vivências, aproveitando o momento para angariar apoiadores para a campanha de seus pares e colaborar com as propostas de seus próprios mandatos.

Militantes seguram bandeira com frases a favor da legalização do aborto
Militantes seguram bandeira a favor de direitos. Foto: Marcela Rocha.

 

Incômodo

Conflitos internos foram relatados. Um grupo de pessoas que estavam próximas ao carro de som, entre o MASP e a grade da via de ciclistas, relata ter sentido efeitos de gás lacrimogêneo. Enquanto os manifestantes se dispersaram para fugir da inalação do gás, os policiais presentes não se moveram.

Bianca Abreu, de 25 anos, estava no ato para fotografar para um trabalho da faculdade, quando começou a tossir: “Onde há policiamento a truculência pode acontecer, não fiquei surpresa com isso. O que me surpreendeu foi não ter uma justificativa para isso, para a inalação do gás, porque não teve um princípio de confusão, nenhum tipo de situação que pudesse justificar. Foi uma maneira deles causarem incômodo.”

Desfecho

Durante todo o ato, dezenas de viaturas da Polícia Militar fecharam os três quarteirões entre a Alameda Campinas, na esquina do Shopping Cidade, e a Rua Itapeva, até a esquina do MASP. Já a pé, na via de ciclistas, uma corrente de policiais era perceptível.

Policiais militares enfileirados
Policiais Militares na vida de ciclistas. Foto: Marcela Rocha.

Às 18h uma forte chuva atingiu os manifestantes que continuaram com o ato entre cantos, batuques de instrumentos e carros de som, caminhando com as bandeiras até a Praça Roosevelt.

A concentração de pessoas provocou a interrupção da passagem de veículos e o desvio de trajetos das linhas de ônibus da Av. Paulista, Rua Augusta e Consolação, normalizando o trânsito por volta de 21h.

 

Com o slogan “Constituinte Pra Valer Tem Que Ter Palavra De Mulher”, brasileiras se uniram para reivindicar os direitos das mulheres na elaboração da Constituição de 88
por
Giuliana Zanin
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12/03/2024 - 12h

“Lobby do Batom” surgiu em 1986 como uma aliança nacional de 26 mulheres que foram eleitas por voto direto. Elas revolucionaram um espaço masculino e atuaram na Constituição de 1988 com a inserção afirmativa de direitos femininos representativos. Até a década de 1980, o espaço conquistado pelo Lobby era de Carlota Pereira, a única mulher participante da Assembleia Constituinte de 1934.

Até 2022, a parcela ocupada por mulheres na Câmara dos Deputados era de 15% e no Senado, 14%, de acordo com o site do Congresso Nacional. Há 36 anos, a porcentagem era muito menor: 5,3% do corpo parlamentar. Apesar do número inferiorizado, para aquela época, a conquista da participação parlamentar de advogadas, médicas, jornalistas, professoras e outras profissionais dentro do Congresso foi expressiva.

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Mulheres levaram suas reivindicações ao Congresso e se uniam a quem as apoiavam. Foto: Arquivo Nacional

Maria Ruth dos Santos, Comba Marques Porto e Benedita da Silva, que já eram atuantes e estudiosas do movimento feminista no Brasil, foram convidadas a participar de um Congresso patrocinado pela Organização das Nações Unidas (ONU), realizado no Rio de Janeiro, nos anos 1970, uma década antes da criação do Lobby do Batom.

O evento reuniu feministas e militantes da causa para discutirem o papel feminino dentro da sociedade brasileira. O sucesso foi grande e, ao longo dos anos, as intelectuais criaram grupos de estudo para revisar o Código Civil vigente desde os anos 1920 e participaram de sindicatos por todo o país.

 

CRIAÇÃO DO NOME

O “Lobby do Batom” foi idealizado satiricamente por jornalistas homens do Jornal do Brasil, que nomeavam o batom como a única representação respeitada de uma mulher.

As primeiras ondas feministas procuravam se distanciar da feminilidade estruturada pelo salto alto e maquiagem. Por isso, algumas integrantes ainda atuantes não concordaram com o nome do movimento, mesmo que ele tenha revolucionado a participação feminina na política. Isso porque a referência a batom remetia a um símbolo de fragilidade.

“Fui uma feminista contra o sistema, contra uma mentalidade, mas, principalmente, contra uma realidade”, afirma Silvia Pimentel, professora de filosofia do Direito da PUC-SP e integrante do movimento feminista nos anos 1980. A intelectual conta como a experiência de conhecer mulheres de tantas regiões do Brasil permitiu que as reivindicações de cada uma fossem incluídas na Carta Constituinte. “Elas me perguntavam, ‘O que vocês vieram fazer aqui no Sertão da Bahia, querer ouvir da gente?’, e era muito bonita a experiência porque eu dizia que ‘a gente veio ouvir de vocês, o que é que as mulheres brasileiras do Sertão precisam’”, conta a integrante do Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher na ONU durante os anos de 2005 e 2016.

As pautas de 1975, como foram chamadas as reivindicações levantadas naquela época, colocaram em questão, além da resistência pela luta do direito ao voto - defendida pela primeira onda do feminismo -, temas como a violência doméstica, a concepção hierárquica familiar e direitos reprodutivos, inclusive a descriminalização do aborto.

Nas votações diretas de 1986, dos 559 deputados eleitos, 26 cadeiras foram compostas pelo grupo feminino. Após 20 anos de regime autoritário, a Constituição estava em processo de revisão e foi o momento prático em que as ativistas conquistaram espaço na elaboração da nova Carta.

Com o sucesso das lutas e dos congressos ao redor de todo o Brasil, elas conquistaram um Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (CNDM), projeto federal que reforçou o nome feminino na Assembleia Constituinte e serviu de subsídio para mais de mil mulheres no dia 26 de agosto de 1986 elaborarem a Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes.

Dentro e fora do Congresso, o CNDM organizou a campanha “Mulher e Constituinte”, que tinha o slogan “Constituinte Pra Valer Tem Que Ter Palavra De Mulher”. Assim, ao ganhar reconhecimento, o órgão trabalhou junto aos parlamentares constituintes pela reivindicação da eleição de mais mulheres para a elaboração da nova Carta Magna, e incluiu as 26 eleitas no processo, em 1987.

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Silvia Pimentel viajou pelo Brasil ouvindo mulheres. Foto: Claudio Margini Junior

“O que foi notável é que a luta não se limitou a  nós mulheres, não às suas especificidades, elas mostraram que essa conquista nos coloca dentro de um contexto mais amplo das questões gerais da Democracia que interessam a todos, homens e mulheres”, conta Silvia sobre a importância da participação das mulheres no texto jurídico. Ela afirma que essa conquista foi “a mais ampla e profunda articulação reivindicatória feminina brasileira". 

Um marco histórico da política da mulher grandemente influenciada pela teoria e práxis feministas dos 10 anos anteriores a 1986, conduziu a representação  da mulher urbana e a mulher rural; a mulher dos meios acadêmicos, a semi analfabeta e a analfabeta; a branca e a negra; a jovem, a madura e a idosa; a trabalhadora e a dona de casa; patroa e empregada; a casada, a companheira e a mãe solteira; a bem assalariada e a explorada.

 

MUDANÇAS IMEDIATAS

Silvia relembra com muita facilidade de alguns feitos realizados pelas militantes logo após a promulgação da Constituição de 1988: “Nós conseguimos repetir no artigo 226, no caderno matrimonial, que homens e mulheres tivessem igualdade na condição na família. Que mulheres não fossem designadas apenas ao trabalho doméstico. Inserimos no parágrafo oitavo deste artigo, a responsabilidade e obrigação do Estado coibir qualquer tipo de violência doméstica”. Outras também foram relevantes, como a licença-maternidade de 120 dias, ações para combater a violência doméstica, igualdade salarial entre homem e mulher e o direito à posse da terra igual ao homem e à mulher.

Na escritura da Carta, as mulheres apresentaram 3.321 emendas – 5% em relação ao total apresentado por todos os deputados e senadores (62 mil aproximadamente). Entre as conquistas da questão feminina, 80% foram aprovadas.




 

Em 2023, as brasileiras sofreram com a maior ocorrência de feminicídios da história desde a existência da Lei acerca do crime, aponta o FBSP
por
Luísa Ayres
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08/03/2024 - 12h

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.463 mulheres foram assassinadas em 2023 em decorrência, principalmente, de violência doméstica. Em comparação ao ano anterior, no mesmo período, o aumento deste tipo de crime foi de 1,6%.

Desde 2015, quando a Lei foi sancionada, 10.655 mulheres perderam a vida.

Gráfico 1

 

O relatório ainda aponta que o estado mais violento para uma mulher foi o Mato Grosso, enquanto que os com menores índices foram São Paulo e Amapá. O Ceará, apesar de líder das mais baixas taxas do crime de feminicídio do país, passa por uma crise de subnotificações, em que casos estão sendo registrados apenas como homicídio, distorcendo a realidade dos dados. Essa situação agrava o real mapeamento da situação e compromete a eficácia da Lei.

Já em São Paulo, apesar de menores ocorrências em comparação às outras unidades federativas, houve um aumento de 13,3% quando comparado ao ano de 2022. Isso coloca a região sudeste como a que mais avançou negativamente no assunto.

 

gráfico 2

 

O que é feminicídio?

Segundo a legislação, é considerado feminicídio o assassinato de mulheres cis em decorrência de violência doméstica, familiar, menosprezo ou discriminação à condição de ser mulher.

A pena varia entre 12 a 30 anos e é considerado um crime hediondo, isto é, de natureza grave, sem possibilidade de anistia, fiança, graça ou indulto.

Infelizmente, apenas a Lei Maria da Penha compreende as mulheres trans - o que também é um direito conquistado recentemente (em janeiro deste ano).

Estado, substantivo masculino e opressor

Em meio a este cenário, cada vez mais preocupante e aterrorizador, é preciso que medidas efetivas sejam tomadas e que culpados sejam nomeados e responsabilizados. A começar pelo Governo.

Apesar do aumento do número de feminicídios, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, congelou os investimentos destinados ao combate à violência contra a mulher. Essa decisão não só não freou os índices de mortes, como pode ter contribuído ativamente para o aumento de casos de estupro, também em alta nos últimos anos.

Além disso, as delegacias da mulher sofreram para operar com apenas 3% do valor que deveria ter sido entregue conforme a Lei Orçamentária Anual, isto é, R$ 24 milhões. 

Quem somos nós?

Os dados mais recentes que analisam o perfil das vítimas são do ano de 2022. Nele, ficou comprovado que a maioria das mulheres assassinadas tem entre 18 e 44 anos, cerca de 71,9% do total analisado.

Além disso, mulheres pretas e pardas continuam em um lugar de maior vulnerabilidade e constituindo a maioria das vítimas.

Quem são eles?

Os assassinos quase sempre são companheiros atuais ou ex-namorados/esposos. A minoria deles é desconhecida pela mulher, o que nos leva a perceber que em nossos lares, onde mais deveríamos nos sentir seguras, é onde mora o maior perigo - literalmente.

o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, quando mortas por estranhos, quase sempre a vítima veio a óbito após o estupro.

Além disso, é preciso analisar também as armas usadas para que crimes como esses aconteçam com tanta frequência. Apesar de muitos continuarem lutando pela liberação e ampliação do porte de armas, elas continuam sendo os instrumentos mais usados para nos matar.

Em 68,6% dos casos, as mulheres foram mortas à tiros. 

Como se proteger

Na maioria dos casos, feminicídios decorrem de relações abusivas. Por isso, estar atenta aos mínimos sinais é fundamental para garantir sua segurança.

Em entrevista à AGEMT, a psicóloga Marta dos Reis Marioni, especialista em psicologia clínica e mediação de conflitos, explica como atitudes tóxicas e controladoras se manifestam dentro das relações até que cheguem no estopim da violência física.

“Eu me referiria a alguns exemplos, no qual começam de forma sútil e em escalada de mudanças de postura no sentido ações e reações mais agressivas, criação e necessidade da implantação de ideias ou fantasias que tem que ser aceito pela outra pessoa de qualquer forma. Estas situações vão levando ao empoderamento, no sentido negativo, de uma das pessoas envolvidas, e a um desempoderamento de posicionamento da outra”, explica.

Nesta fase, é importante perceber que já existe violência psicológica e que consequências mais duras já podem ser sentidas pela vítima. 

“A pessoa em situação de desempoderamento pode começar a perceber mudanças emocionais, comportamentais , cognitivas, físicas e sexuais que levam a um sofrimento psíquico muitas vezes com um não reconhecimento das causas e origens”, pontua. 

Por isso, ao se sentir dessa forma ou perceber sinais de alerta, procure por ajuda e denuncie.

Onde encontrar suporte 

180

O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública destinado ao enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos. Além disso, ainda é possível se informar sobre os direitos da mulher, sobre a legislação vigente acerca do tema e até mesmo buscar por redes de atendimento e acolhimento.

App SOS Maria da Penha

app 1
Print do app SOS Maria da Penha / Reprodução própria.

O aplicativo SOS Maria da Penha conta com botões de emergência que permitem acionar instantaneamente a polícia além de disponibilizar informações sobre redes de apoio próximas à sua residência, como abrigos seguros e possibilidade de assistência jurídica especializada. 

App S.O.S Mulher

Desenvolvido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, destina-se mais especificamente às mulheres que já possuem medida protetiva, também permitindo o acionamento 24h da polícia.

Delegacia da Mulher

Tratam-se de delegacias especializadas no atendimento de mulheres em situação de vulnerabilidade ou exposição à violência doméstica, familiar e crimes sexuais.  

Apesar da demora frequente para atendimento e, por vezes, a desumanização da vítima, é um espaço preparado para realizar o exame de corpo de delito, solicitar por transporte ou escolta para que possa retirar itens de sua casa sem correr maiores riscos e realizar denúncias. 

Até quando?

Infelizmente, a luta das mulheres na sociedade perpassa por diversas camadas. Equidade, igualdade salarial, direito de tomar decisões acerca de seu próprio corpo, viver em segurança e poder contar com políticas públicas são algumas delas.

Por isso, é importante que o dia 8 de março não seja apenas uma data comemorativa marcada em um calendário, fortemente influenciada pela indústria capitalista para a venda de presentes e flores.

Experimente, neste Dia das Mulheres, repensar atitudes, comportamentos e falas, juntando-se à nossa luta.

 

Argela Laya, a mulher que inspira o feminismo venezuelano
por
Luísa Ayres
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08/03/2024 - 12h

O sangue venezuelano sempre fora derramado em regimes ditatoriais. Ainda assim, é este mesmo sangue que faz pulsar a luta social e a sede de mudanças do país. 

Em uma nação com uma democracia frágil, nasce então uma mulher forte. 

Forte ao ponto de sustentar o peso de ser uma mulher negra, pobre, mãe solteira, militante, deputada, vereadora e sobrevivente de um estupro. 

Argelia Laya
Argelia Laya, as multifacetas da grandeza  / Reprodução: Venezuelanalysis

Argelia Laya nasceu em 1926. E com ela o feminismo latino-americano  deu a luz à consciência de outras milhares de mulheres por décadas no país.

Laya vem de uma família composta por uma mãe militante da Agrupação Cultural Feminina e por um pai integrante de guerrilhas populares. Nesta época, se combateu fortemente a entrada do comunismo no país. Inclusive, o Presidente Juan Bautista Pérez foi acusado pelo Parlamento de permitir a circulação do primeiro Manifesto do recém formado Partido Comunista da Venezuela.

Quando completou 5 anos de idade, Argelia Laya vivenciou a prisão de seu pai. Acabou por isso, migrando para um bairro popular e sofrendo com a pobreza. 

Em sua escola, a Escola Normal, pode provar que de normal mesmo não tinha nada. E que tão pouco aceitaria que a normalidade em seguir padrões lhe guiasse. Passou a fazer parte da União de Mulheres Jovens (organização do Partido Comunista), do jornal da instituição de ensino e tornou-se porta-voz de sua comunidade. 

Ao se formar professora, com 19 anos, é vítima de crime sexual - e para piorar, acaba ficando grávida. Preferiu enfrentar então, mais uma vez, os julgamentos da sociedade, ao viver o resto de sua vida com o estuprador. 

Para muitos, um escândalo. Para Laya, liberdade. E foi pelo anseio desta liberdade que lutou durante toda sua vida. 

Em seus primeiros anos no Partido Comunista da Venezuela (PCV), resistiu ao ditador Marcos Pérez Jiménez, organizando mulheres na Junta Patriótica Feminina, lutando pelo sufrágio e divulgando manifestos. 

E nesta mesma data, 8 de março, há 66 anos atrás, participou da comemoração do Dia Internacional da Mulher de 1958, no Novo Circo de Caracas, integrando a delegação do mesmo evento no ano seguinte. Anos depois, mobilizou junto a outras mulheres a Comissão Bicameral para os Direitos da Mulher no Congresso Nacional, criada para fiscalizar o cumprimento da Convenção Internacional para a Eliminação de toda Forma de Discriminação contra a Mulher. 

Hoje, a Escuela Feminista Del Sur Argelia Laya, extende seu legado, oferecendo planos de parto humanizado, programas de formação, pesquisas de gênero e contribuições ao feminismo socialista. A história de Argela Laya continua viva em cada protesto e organização social venezuelana, transpassando gerações e democratizando o conhecimento.

 

Sua batalha continua e incentiva outras minorias a enfrentarem opressões
por
Júlia Zuin
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07/03/2024 - 12h

Genocídio é uma palavra forte. Não à toa o chanceler de Israel declarou o presidente Lula como “persona non grata” ao seu Estado após a figura brasileira “dar nome aos bois” quando disse a respeito do exterminio que hoje ocorre na faixa de Gaza. Essa afirmação de fato incomoda, já que ser reconhecido desta forma não é das melhores. 

De acordo com o Museu do Holocasto Estadunidense, a expressão “genocídio” não existia antes de 1944; ela foi feita para denominar crimes que frisam eliminar a existência física de grupos. Quem desenvolveu o conceito foi Raphael Lemkin, advogado judeu, que juntou a palavra grega “geno”, que significa “raça”, com a expressão latina “cídio”, cuja tradução é “matar”.

É interessante que na raiz deste substantivo há a presença de uma derivação do latim, uma língua antiga que influenciou tantas românicas na América Latina - isso porque é uma região que sofreu ao extremo com colonizações que resultaram em extermínio de povos originários. 

A Guatemala, na América Central, é um destes exemplos. Colonizada pelos espanhóis desde 1519, o país foi exposto a banhos de sangue e doenças europeias, estas, antes desconhecidas pelos povos ameríndios. Mesmo após sua independência, em 1821, o país segue colhendo frutos de um passado tenebroso.

Em situações de opressão não é incomum a existência de figuras de resistência; neste caso, Rigoberta Menchú é uma delas. Nascida em 9 de janeiro de 1959, a mulher é uma ativista fiel aos direitos humanos, principalmente dos povos indígenas. Descendente do grupo maia quiché, Rigoberta, em sua infância, viveu durante um período político turbulento, uma guerra civil que durou em média 40 anos.

 

Foto de autoria de Joshua Nv
Foto de autoria de Joshua Nv

 

Menchú foi vítima do conflito de diversas maneiras; uma delas, e talvez a mais brutal, tenha sido o assasinato de seus pais e irmãos, que foram perseguidos acusados de envolvimento com a resistência armada contra o regime vigente. 

Aos vinte anos, Rigoberta se filiou ao Comité de Unidad Campesina, CUC, uma organização nascida em 1978 que rejeitava a militarização, a discriminação dos povos indígenas e tinha como objetivo melhores salários agrícolas - ela era formada principalmente por camponeses e trabalhadores da terra.

No início dos anos 80, Rigoberta se juntou à Frente Popular, um ato que chamou a atenção dos governadores da época, estes, que eram subordinados ao general e ex-ditador Efraín Ríos Montt. Em 2013, Efraín foi julgado pelo assassinato de 17.771 indígenas ixiles e maias, e foi condenado a 80 anos de prisão; entretanto, 10 dias depois, o veredito foi suspenso pela Corte de Constitucionalidade. 

A militante se exilou no México e, lá, não se silenciou; muito pelo contrário, Menchú divulgou a situação em que a Guatemala se encontrava e influenciou outros indivíduos em situações precarizadas a lutar pelos seus direitos. 

Durante sua estadia no país vizinho, a escritora venezuelana Elisabeth Burgos-Debray reconheceu sua história e a contou em um livro cujo título é: “Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia”, ou seja, “Me chamo Rigoberta Menchú e assim me nasceu a consciência”.

Rigoberta tentou voltar ao seu território natal pela primeira vez em 1988, mas não foi bem recebida no país; ela teve sua vida ameaçada e foi detida. Entretanto, após o episódio, conseguiu, aos poucos, retornar à Guatemala. 

Em 1992, 500 anos após a chegada dos espanhóis às Américas, Rigoberta Menchú foi ganhadora do Prêmio Nobel da Paz “pela sua luta por justiça social e reconciliação étnico-cultural baseada no respeito aos direitos dos povos indígenas” (FUNDAÇÃO NOBEL, 1992). Já houveram 621 premiações de Nobel. Apenas 65 mulheres o venceram - e Menchú foi uma delas. 

 

Foto de autoria de Daniel Hernández-Salazar
Foto de autoria de Daniel Hernández-Salazar

 

Após o recebimento do prêmio, foi aberta a “Fundación Rigoberta Menchú Tum”, uma organização que tem como função propagar a cultura da paz. De acordo com o site, “É guiado por princípios, valores humanos e cosmogônicos e pela diversidade étnica, cultural e política dos povos do mundo. Trabalhamos pela justiça, pela democracia, pelo pleno respeito pela Mãe Terra e pelos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas.”.

Em 1996 foi assinado um acordo de paz entre o governo e os guerrilheiros, o que pôs fim à maior guerra civil da América Latina. O envolvimento político e social de Menchú continuou mesmo depois do fim do embate. 

Hoje em dia, Rigoberta Menchú é promotora da Década Internacional dos Povos Indígenas, um plano da UNESCO que incentiva a visibilidade para culturas indígenas; além disso, a mulher não parou de propagar seus ideais e luta, sempre com mais força, a favor de boas causas. 

Conheça as lutas e avanços de mulheres latino-americanas fundamentais para a evolução do feminismo ao longo dos séculos.
por
Luísa Ayres Dias de Oliveira
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06/03/2024 - 12h

Não há muito o que comemorar no dia 8 de março. Afinal, as mulheres continuam vivenciando cenários de terror e opressão, dia após dia.  

Em 2023, a Central de Atendimento à Mulher, do governo federal, recebeu quase 75 mil denúncias de violência pelo 180, aponta o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Além disso, no mesmo ano, o número de estupros aumentou em quase 14,9%. Foram 34.000 vítimas em apenas 6 meses, conforme o Fórum de Segurança.  

Ainda assim, a AGEMT luta para que as pautas sobre mulheres não se limitem às tragédias, colocando a população feminina quase sempre como personagem secundário e indefeso de histórias tristes.  

Por isso, vamos falar sobre mulheres latino-americanas que talvez você nem conheça - mas que se apresentaram como lideranças revolucionárias em suas lutas e defesa de seus ideais. 

A primeira delas é Nísia Floresta. 

 

Imagem Nísia Floresta
Nísia Floresta é considerada por muitos estudiosos como "a primeira feminista do Brasil" / Reprodução: Centro de Referências em Educação Integral.

A potiguar Nísia Floresta, pseudônimo para Dionísia Gonçalves Pinto, nasce em 12 de outubro de 1810 – e vem ao mundo como quem já tinha certeza de que poderia mudá-lo.  

Pertencente à elite local, casou-se aos 13 anos de idade com o proprietário de terras Manuel Alexandre Seabra de Melo. Meses depois, decide romper os laços e retornar à casa de seus pais. Uma atitude praticamente impensável em sua época. 

Mais tarde, com apenas 22 anos, escreve a obra "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens", debruçando-se sobre as diferenças e opressões sociais às quais as mulheres são submetidas.  

Nísia sabia que aquela que escreve é a mesma que deseja ensinar algo com o que diz. 

E assim o fez: aos 28 anos, decide abrir uma escola para meninas, numa época em que o ser feminino era destinado apenas aos serviços domésticos, repassados nas instituições de ensino como saberes únicos e fundamentais.  

A jovem, porém, se preocupou com o ensinamento da gramática, da escrita e leitura do português, do francês e italiano, das ciências naturais e sociais, da matemática, da música e até mesmo da dança. 

O "Colégio Augusto", como fora nomeado, estava localizado no Rio de Janeiro, destino escolhido por Nísia Floresta  após a explosão da Guerra dos Farrapos. Naquele momento, a feminista residia em Porto Alegre e teve inclusive a oportunidade de conhecer os revolucionários Anita e Giussepe Garibaldi. 

Vale destacar que os embasamentos de Floresta foram influenciados pelo filósofo Augusto Comte, pai do positivismo. Assim, a autora teve a oportunidade de conviver com essa linha de pensamento, em que era fundamental que as mulheres fossem tidas como figuras sociais imprescindíveis para a evolução e crescimento das sociedades. 

A  imprensa, no entanto, tratou de condená-la fortemente ao longo de sua vida ativista, acusando-a de promíscua e deturpadora. O jornal O Mercantil, de 2 de janeiro de 1847, opinava: 

“… trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos”. 

Afinal, eles sabiam que a jornada de grandes mulheres em universidades e cargos de poder começava ali. Trata-se de um dos primeiros momentos de ruptura estrutural em um Brasil imperial. 

Ainda assim, é importante considerar que, enquanto muitas garotas brancas da alta sociedade tiveram a chance de aprender com Nísia Floresta, outras mulheres negras ainda eram escravizadas no mesmo período. 

A trajetória das mulheres dentro do Jornalismo Esportivo
por
Khauan Wood
Nathalia de Moura
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25/12/2023 - 12h

No Brasil, a mulher sempre foi colocada em posições restritivas em relação ao homem. O preconceito e o machismo ainda estão presentes em nossa sociedade. Isso se reflete em diversas áreas, inclusive no Jornalismo. A pesquisa “Gênero no Jornalismo Brasileiro”, realizada em 2017 pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), revelou que 92,3% das mulheres participantes afirmaram já ter ouvido “piadas” machistas no ambiente de trabalho e quase 66% disseram ter tido sua competência questionada devido ao seu gênero. Além disso, cerca de 70,4% das jornalistas admitiram já terem recebido cantadas que as deixaram desconfortáveis no exercício da profissão

Fazendo um recorte e analisando o Jornalismo Esportivo, essa realidade é ainda mais desafiadora. Apesar de hoje ainda não haver um equilíbrio no número de homens e mulheres falando de esportes nos meios de comunicação e ser uma área dominada por eles, é notório que o cenário teve mudanças e é possível ver mais a presença feminina nesse lugar.

Com o crescimento delas na editoria de Esportes, o interesse em motivar mais jovens a exercer a profissão também aumenta. Grandes nomes como Regiani Ritter, Isabela Scalabrini, Renata Fan e Glenda Kozlowski abriram as portas para que hoje possamos ver os programas esportivos sendo compostos pelas mulheres e falando mais sobre a participação delas em várias modalidades esportivas.

O chute inicial

A primeira mulher a trabalhar com esporte no jornalismo que se tem relatos, foi Maria Helena Rangel. Por volta de 1947, Rangel, que cursava jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, fez participações na Gazeta Esportiva. Além de jornalista, ela era atleta de arremesso de peso e tinha formação em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP).

Alguns anos antes, porém, a carioca Mary Zilda Sereno já se aventurava no fotojornalismo em São Paulo. Suas primeiras fotos já foram ligadas ao futebol. Depois da Copa do Mundo de 1934, ela vendeu para o jornal O Globo uma foto de uma italiana que vivia no Brasil, comemorando o título de seu país natal, mas ela não foi contratada pelo periódico simplesmente por ser mulher. Sereno continuou tirando fotos de todas as editorias, mas sempre com foco no esporte.

Na televisão, Marilene Dabus se destacou após participar de um programa de conhecimentos gerais sobre o Flamengo na TV Tupi. Após sua participação, a jornalista foi contratada para ser setorista do clube no jornal Última Hora.

Mulher adulta sorrindo vestindo a camisa do Flamengo
A jornalista Marilene Dabus - Foto: ge.globo/Reprodução

Marilene ganhou ampla notoriedade na cobertura jornalística do Flamengo e em meados dos anos 1980, deixou as redações para assumir o cargo de Vice-Presidente de Comunicações do clube. Ela teve grande impacto dentro da equipe da Gávea. Partiu de Marilene a ideia de batizar o Centro de Treinamentos (CT) de ‘Ninho do Urubu’.

Outra pioneira na cobertura esportiva foi a apresentadora Claudete Troiano, conhecida por ser a primeira mulher brasileira a narrar uma partida de futebol. Em entrevista ao programa “Sensacional" da RedeTV, Claudete afirma que o trabalho dela foi muito importante naquela época pois a mulher era colocada como objeto decorativo em programas esportivos. Atualmente, a jornalista apresenta programas de televisão voltados ao público feminino.

Mulher loira de costas com microfone usando roupas brancas, entrevistando um homem negro sem camisa
Claudete Troiano entrevistando Pelé - Foto: Museu do Futebol/Reprodução

Porém, uma das maiores desbravadoras do jornalismo esportivo foi Regiani Ritter. Sua trajetória na editoria teve início nos anos 1980 ainda na Rádio Gazeta, cobrindo folgas de repórteres nas partidas de futebol; com o tempo, Ritter foi pegando gosto pela coisa e se tornou comentarista do programa Mesa Redonda na TV Gazeta.

Mulher loira com microfone usando roupas brancas, entrevistando dois homens
Regiani Ritter no vestiário entrevistando jogadores - Foto: Portal Mídia Esporte/Reprodução

Uma das marcas de Ritter era não ter receio de entrar nos vestiários após os jogos para conseguir entrevistas com jogadores. Em entrevista ao Uol, ela afirma: "correu jogador para todo lado. Mas, mais para frente, eles passaram a agir normal. Na quarta vez que entrei eles já estavam acostumados comigo".

Graças ao trabalho de Regiani, diversas outras mulheres ingressaram na cobertura de esportes entre os anos 1980 e 1990, como Kitty Balieiro, Simone Mello, Abigail Costa, Elys Marina, Lia Benthien, Marisa de França, Wania Westphal e Isabel Tanese, por exemplo. Tanese, por sua vez, foi a pioneira na direção de um caderno esportivo de um jornal impresso brasileiro e durante anos foi a titular da seção de esportes do Estado de S. Paulo.

Todas essas abriram espaço para Isabela Scalabrini tornar-se a primeira a apresentar o Globo Esporte - renomado programa esportivo da TV Globo. Mesmo com algumas mulheres nas redações, o preconceito ainda era muito grande. Para Isabela, “naquela época, eu não encarei como um obstáculo a ser superado. Eu simplesmente fui em frente. Eu sabia que entendia de futebol e que amava meu trabalho. Acho que essa atitude pode ter despertado a vontade de muitas mulheres fazerem o mesmo.”

Mulher de cabelos castanhos em frente a um fundo verde que tem impresso as escritas "Globo Esporte"
Isabela Scalabrini na apresentação do Globo Esporte - Foto: X/Isabela Scalabrini/Reprodução

Anos depois, em 1997, foi a vez de Luciana Mariano abrir novas portas para novas meninas. Após vencer um concurso que buscava uma voz feminina para as partidas de futebol, promovido pela Rede Bandeirantes, ela foi a primeira mulher narradora da televisão brasileira. Luciana concedeu uma entrevista ao site Notícias da TV e afirma ter sido muito difícil narrar futebol por conta da falta de oportunidades. Além disso, ela conta que não tinha em quem se espelhar.

A última grande conquista das mulheres na cobertura esportiva veio em 2022, com Renata Silveira. A jornalista tornou-se a primeira voz feminina a narrar uma partida de futebol na história da TV Globo. De lá pra cá, ela foi conquistando ainda mais espaço na TV aberta, narrando partidas de grandes clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, além de ter sido a primeira mulher a narrar um jogo da seleção brasileira.

Driblando os desafios

Apesar de haver muitas referências na área que abriram muitas portas, os obstáculos ainda são desafiadores para as mulheres no Jornalismo Esportivo.

Renata Mendonça, comentarista de futebol do Grupo Globo e co-fundadora do Dibradoras – veículo de comunicação que destaca o protagonismo das mulheres no esporte –, nos conta que a mulher precisa sempre provar que é capaz de conhecer o assunto, exercer sua função e merecer estar ali. “Costumo dizer que quando você faz uma entrevista de emprego para um cargo numa redação esportiva, se você é um homem, você parte da nota 0 e vai pontuando conforme for agradando nas respostas. Se você é uma mulher, você parte do -5”.

Renata, que também atua há quatro anos como colunista de Esportes na Folha de São Paulo, relata que essa cobrança já fez com que ela duvidasse de si mesma no início da carreira, quando ouviu de um chefe que não confiava nela para cobrir os times e jogos, em razão de ela ser mulher. "Esse é o tipo de coisa que cansa, sempre ter que convencer os outros de que você é capaz de desempenhar seu trabalho”, afirma.

Além de enfrentar a pressão imposta por seus superiores e colegas de equipe, as jornalistas precisam lidar com a opinião dos torcedores e telespectadores. Sobre isso, Isabela Scalabrini observa que ao longo de sua trajetória na editoria de Esportes, ela nunca deixou de fazer alguma reportagem por ser mulher e a Rede Globo a colocou como pioneira para cobrir o futebol, mesmo sendo difícil lidar com os comentários vindos das arquibancadas. Ela diz que além de piadas machistas e xingamentos, a pergunta que mais ouvia era: “você entende de futebol?”.

Scalabrini não sabia muito como o público avaliava seu trabalho, pois na época a internet e as redes sociais ainda não estavam presentes como hoje. “A imprensa escrita registrava que a repórter Isabela Scalabrini, que tinha se destacado nas reportagens em campo, agora, também estava ganhando espaço no estúdio. Além disso, era um reconhecimento da Globo de que meu trabalho estava repercutindo e era bem feito”. Logo depois de sua estreia no Globo Esporte, ela foi escalada para apresentar o Esporte Espetacular, outro programa esportivo da grade, mas com uma duração maior e transmitido para todo o país, aumentando a audiência de Isabela.

Ainda não é o apito final

Isabela Scalabrini conta que fica muito feliz ao ver estudantes e jornalistas mais jovens dizerem que se inspiram nela. Hoje, ela reconhece que abriu caminhos para as mulheres nas coberturas esportivas e enfatiza que naquela época não encarava como um obstáculo a ser superado. Ela também cita que no começo de sua carreira, havia poucas mulheres nesse meio, algumas trabalhavam nos jornais impressos e era raro ver e ouvir uma mulher nos treinos de clubes ou nos estádios. A jornalista termina dizendo que em 1986, ano em que cobriu a Copa do México, era rara a presença feminina entre os jornalistas que cobriam o mundial.

Com o intuito de possibilitar a participação das mulheres em um meio que ainda é tão dominado por homens, cinco mulheres fundaram o Dibradoras, em maio de 2015. A jornalista Renata Mendonça foi uma delas. Apaixonadas por esportes, elas sentiam falta de uma cobertura que incluísse a mulher como personagem principal do esporte em diversas frentes: jornalista, atleta, árbitra, treinadora etc. “No começo, a abordagem era voltada ao futebol feminino. 2015 era ano de Copa do Mundo e não se ouvia falar sobre o Mundial das mulheres na imprensa ou redes sociais. [...] Após o Mundial do Canadá vieram os Jogos Pan Americanos e decidimos ampliar a cobertura sobre a presença feminina e passamos a abordar as outras modalidades também”, conta a comentarista.

Três mulheres sorrindo com roupas coloridas em um galpão com fotos coloridas coladas na parede
Renata Mendonça, Roberta Cardoso e Angélica Souza são as fundadoras do canal Dibradoras - Foto: Lívia Villas Boas/Estadão/Reprodução

Hoje, o projeto também é formado pela publicitária Angélica Souza e pela jornalista Roberta Nina Cardoso, carregando o lema “Lugar de mulher é no esporte!”. A partir dessa iniciativa, elas puderam dar mais atenção para questões importantes como a ausência de rostos femininos na cobertura esportiva, a falta de visibilidade para o futebol feminino e a cobertura objetificada que se fazia de esportes femininos. “Já vemos mulheres narrando e comentando futebol em quase todas as emissoras e também nos canais de streaming, há muito mais transmissões de jogos do futebol feminino, e há um olhar mais adequado para cobrir as atletas sem aquela sexualização que sempre sobressaía. Ainda é preciso avançar muito mais e principalmente abrindo espaço para mulheres negras terem também protagonismo, mas seguimos na luta para mais mudanças”, destaca Renata.

O Dibradoras segue mostrando que as meninas podem praticar e gostar de esportes, bem como exercer uma função relacionada a qualquer modalidade. Para isso, Renata relata que os planos futuros visam garantir mais incentivo e visibilidade. A jornalista aponta que a plataforma está focada na cobertura in loco das Olimpíadas de Paris, trazendo notícias do futebol e de outras modalidades disputadas por mulheres.

Cartão vermelho para o preconceito

Scalabrini destaca que foi e tem sido demorada a aceitação feminina nos comentários e na narração de jogos e aponta a estrutura machista da sociedade como um reflexo do pouco espaço da mulher.  “Vocês conhecem alguém que muda de canal quando a narradora é mulher?”, ela questiona. Com isso, Scalabrini traz à tona o fato de que ainda há resistência de alguns homens em relação à participação das mulheres na cobertura de futebol, especialmente nessas funções de destaque.

Renata Mendonça, por sua vez, conta que sua causa de vida é a luta pelo espaço da mulher na área. Ela se orgulha ao dizer que conseguiu juntar em seu trabalho a causa com a paixão por esportes e enfatiza: “meu sonho é poder ver no futuro um mundo onde as meninas sejam tão incentivadas à prática esportiva quanto os meninos são, acho que os benefícios disso seriam imensuráveis”. Ela finaliza dando ênfase à união das mulheres nessa luta e incentiva aquelas que querem seguir seus passos, pois sabe que o caminho é árduo.

É fato que as mulheres estão garantindo seu espaço no Jornalismo Esportivo. Porém, podemos ver que foi algo atrasado e lento. Mas dia a dia essas bravas mulheres vão escrevendo novos capítulos dessa história.

Maria Helena Rangel, Regiani Ritter, Claudete Troiano, Luciana Mariano e tantas outras abriram espaço para que hoje, Natalie Gedra, Gabriela Ribeiro, Estella Gomes, Renata Silveira e outras meninas e mulheres sonhadoras, pudessem ocupar lugares de destaque na TV, rádio, jornais e redes sociais. Que no futuro, mais referências femininas estejam em evidência em diversos âmbitos do esporte.

Com a crescente presença feminina nos veículos de comunicação, a visibilidade das atletas e suas respectivas modalidades tendem a aumentar e consequentemente, despertam o interesse da audiência feminina. Dessa forma, veremos mais jovens querendo seguir carreira tanto praticando esportes, quanto falando deles, além de motivar e abrir mais portas para outras que virão.

Manifestantes se reuniram em busca de garantir direitos reprodutivos e autonomia das mulheres
por
Helena Maluf
Gabriela Jacometto
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04/10/2023 - 12h

Na última quinta-feira (28), uma multidão expressiva tomou as ruas da capital paulista em apoio à descriminalização do aborto. Organizada por grupos de ativistas e apoiadores da causa, a manifestação reuniu pessoas de diferentes idades, gêneros e origens, todas compartilhando o mesmo desejo: garantir o direito à escolha das mulheres sobre seus próprios corpos.

A marcha aconteceu no dia Internacional da luta a favor do aborto nos países latino-americanos e caribenhos, e enfatizou como o  procedimento nesses países também faz parte da desigualdade de classes. “As ricas pagam, e as pobres morrem”, diziam as manifestantes. De acordo com dados do Ministério da Saúde, cerca de 1 milhão de abortos induzidos ocorrem todos os anos no Brasil, sendo quase 500 mil procedimentos feitos de forma clandestina. A maioria das mulheres que realizam o aborto em condições precárias são negras e de baixa renda.

Essa “onda verde”, como é chamado o fenômeno de luta a favor da legalização do aborto nos países vizinhos, é responsável por pressionar os poderes políticos e judiciais pelo direito ao acesso e decisão de abortar. Outros países na América do Sul como Uruguai, Argentina, Guiana, Guiana Francesa, Colômbia e Chile já reconhecem o aborto como prática legal. Segundo as palavras de Alberto Fernández, presidente da Argentina, “a legalização do aborto salva a vida de mulheres e preserva suas capacidades reprodutivas, muitas vezes afetadas por esses abortos inseguros.”.

manifestantes
Bateria do bloco de carnaval "Ay que alivio" com bandanas personalizadas em homenagem a onda verde. Foto: Helena Maluf                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 
cartaz
Bandeira em homenagem a onda verde escrito "Aborto legal já". Foto: Helena Maluf                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

Muitos especialistas que defendem a legalização no Brasil explicam que a mesma deve ser entendida como uma questão de saúde pública, e não moral ou religiosa. “As políticas públicas não podem sofrer influência das ideologias religiosas ou até mesmo morais. As mulheres precisam ter o direito de escolha, precisam ser livres para decidir”, explica Tabata, 29, do movimento Católicas Pelo Direito de Decidir. 

A concentração teve início na Avenida Paulista, um dos principais pontos da cidade, e rapidamente se espalhou por ruas adjacentes. Os participantes exibiam cartazes, bandeiras e faixas com mensagens pró-escolha, destacando a importância de garantir o acesso seguro e legal ao aborto. Muitos usavam camisetas e adereços verdes, cor que se tornou símbolo da luta pela legalização em diversos países.

manifestantes
Manifestantes da rede Divam com bandeira e cartaz personalizados. Foto: Helena Maluf                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

Entre os manifestantes, havia uma ampla diversidade de discursos e argumentos.”Só quem morre no Brasil e no mundo são as mulheres que não podem pagar o aborto seguro. Nenhum lugar onde o abortou deixou de ser crime, aumentaram os números de aborto mas diminuiu os números das mortes. Elas vão continuar abortando, mas a diferença é que a nossa classe não vai morrer”, expôs Fabiana (52), de São José dos Campos.

Martins (16), estudante do Colégio Objetivo em São Paulo, também se mobilizou. “Como homem, reconheço a importância, a gente tem que unir como coletivo para lutar pelos ideais certos”.

A manifestação ocorreu de forma pacífica e as autoridades locais acompanharam o evento para garantir a segurança dos participantes e transeuntes. Estavam presentes até mães e pais com crianças, como no caso de Luana (42), que levou seu filho João (8), “É para eles já começarem a entender a importância de participação em manifestações políticas, a importância do feminismo, dos direitos das mulheres é importante demais” afirmou.

placa
Cartaz escrito "Juntas somos mais fortes" feito por manifestante. Foto: Helena Maluf                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             
cartaz
Bandeira produzida por um grupo de manifestantes com os dizeres "Feministas na rua". Foto: Helena Maluf                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

A medida que noite caiu, a multidão se dispersou, mas a mensagem da manifestação ficou clara: a busca pela igualdade de gênero e pelo direito das mulheres se decidirem sobre seus corpos permanece um tema crucial na sociedade brasileira, com esperanças de mudanças futuras na legislação em relação ao aborto.