Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 1.463 mulheres foram assassinadas em 2023 em decorrência, principalmente, de violência doméstica. Em comparação ao ano anterior, no mesmo período, o aumento deste tipo de crime foi de 1,6%.
Desde 2015, quando a Lei foi sancionada, 10.655 mulheres perderam a vida.

O relatório ainda aponta que o estado mais violento para uma mulher foi o Mato Grosso, enquanto que os com menores índices foram São Paulo e Amapá. O Ceará, apesar de líder das mais baixas taxas do crime de feminicídio do país, passa por uma crise de subnotificações, em que casos estão sendo registrados apenas como homicídio, distorcendo a realidade dos dados. Essa situação agrava o real mapeamento da situação e compromete a eficácia da Lei.
Já em São Paulo, apesar de menores ocorrências em comparação às outras unidades federativas, houve um aumento de 13,3% quando comparado ao ano de 2022. Isso coloca a região sudeste como a que mais avançou negativamente no assunto.

O que é feminicídio?
Segundo a legislação, é considerado feminicídio o assassinato de mulheres cis em decorrência de violência doméstica, familiar, menosprezo ou discriminação à condição de ser mulher.
A pena varia entre 12 a 30 anos e é considerado um crime hediondo, isto é, de natureza grave, sem possibilidade de anistia, fiança, graça ou indulto.
Infelizmente, apenas a Lei Maria da Penha compreende as mulheres trans - o que também é um direito conquistado recentemente (em janeiro deste ano).
Estado, substantivo masculino e opressor
Em meio a este cenário, cada vez mais preocupante e aterrorizador, é preciso que medidas efetivas sejam tomadas e que culpados sejam nomeados e responsabilizados. A começar pelo Governo.
Apesar do aumento do número de feminicídios, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas, congelou os investimentos destinados ao combate à violência contra a mulher. Essa decisão não só não freou os índices de mortes, como pode ter contribuído ativamente para o aumento de casos de estupro, também em alta nos últimos anos.
Além disso, as delegacias da mulher sofreram para operar com apenas 3% do valor que deveria ter sido entregue conforme a Lei Orçamentária Anual, isto é, R$ 24 milhões.
Quem somos nós?
Os dados mais recentes que analisam o perfil das vítimas são do ano de 2022. Nele, ficou comprovado que a maioria das mulheres assassinadas tem entre 18 e 44 anos, cerca de 71,9% do total analisado.
Além disso, mulheres pretas e pardas continuam em um lugar de maior vulnerabilidade e constituindo a maioria das vítimas.
Quem são eles?
Os assassinos quase sempre são companheiros atuais ou ex-namorados/esposos. A minoria deles é desconhecida pela mulher, o que nos leva a perceber que em nossos lares, onde mais deveríamos nos sentir seguras, é onde mora o maior perigo - literalmente.
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta que, quando mortas por estranhos, quase sempre a vítima veio a óbito após o estupro.
Além disso, é preciso analisar também as armas usadas para que crimes como esses aconteçam com tanta frequência. Apesar de muitos continuarem lutando pela liberação e ampliação do porte de armas, elas continuam sendo os instrumentos mais usados para nos matar.
Em 68,6% dos casos, as mulheres foram mortas à tiros.
Como se proteger
Na maioria dos casos, feminicídios decorrem de relações abusivas. Por isso, estar atenta aos mínimos sinais é fundamental para garantir sua segurança.
Em entrevista à AGEMT, a psicóloga Marta dos Reis Marioni, especialista em psicologia clínica e mediação de conflitos, explica como atitudes tóxicas e controladoras se manifestam dentro das relações até que cheguem no estopim da violência física.
“Eu me referiria a alguns exemplos, no qual começam de forma sútil e em escalada de mudanças de postura no sentido ações e reações mais agressivas, criação e necessidade da implantação de ideias ou fantasias que tem que ser aceito pela outra pessoa de qualquer forma. Estas situações vão levando ao empoderamento, no sentido negativo, de uma das pessoas envolvidas, e a um desempoderamento de posicionamento da outra”, explica.
Nesta fase, é importante perceber que já existe violência psicológica e que consequências mais duras já podem ser sentidas pela vítima.
“A pessoa em situação de desempoderamento pode começar a perceber mudanças emocionais, comportamentais , cognitivas, físicas e sexuais que levam a um sofrimento psíquico muitas vezes com um não reconhecimento das causas e origens”, pontua.
Por isso, ao se sentir dessa forma ou perceber sinais de alerta, procure por ajuda e denuncie.
Onde encontrar suporte
180
O Ligue 180 é um serviço de utilidade pública destinado ao enfrentamento à violência contra a mulher. Além de receber denúncias de violações contra as mulheres, a central encaminha o conteúdo dos relatos aos órgãos competentes e monitora o andamento dos processos. Além disso, ainda é possível se informar sobre os direitos da mulher, sobre a legislação vigente acerca do tema e até mesmo buscar por redes de atendimento e acolhimento.
App SOS Maria da Penha

O aplicativo SOS Maria da Penha conta com botões de emergência que permitem acionar instantaneamente a polícia além de disponibilizar informações sobre redes de apoio próximas à sua residência, como abrigos seguros e possibilidade de assistência jurídica especializada.
App S.O.S Mulher
Desenvolvido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, destina-se mais especificamente às mulheres que já possuem medida protetiva, também permitindo o acionamento 24h da polícia.
Delegacia da Mulher
Tratam-se de delegacias especializadas no atendimento de mulheres em situação de vulnerabilidade ou exposição à violência doméstica, familiar e crimes sexuais.
Apesar da demora frequente para atendimento e, por vezes, a desumanização da vítima, é um espaço preparado para realizar o exame de corpo de delito, solicitar por transporte ou escolta para que possa retirar itens de sua casa sem correr maiores riscos e realizar denúncias.
Até quando?
Infelizmente, a luta das mulheres na sociedade perpassa por diversas camadas. Equidade, igualdade salarial, direito de tomar decisões acerca de seu próprio corpo, viver em segurança e poder contar com políticas públicas são algumas delas.
Por isso, é importante que o dia 8 de março não seja apenas uma data comemorativa marcada em um calendário, fortemente influenciada pela indústria capitalista para a venda de presentes e flores.
Experimente, neste Dia das Mulheres, repensar atitudes, comportamentos e falas, juntando-se à nossa luta.
O sangue venezuelano sempre fora derramado em regimes ditatoriais. Ainda assim, é este mesmo sangue que faz pulsar a luta social e a sede de mudanças do país.
Em uma nação com uma democracia frágil, nasce então uma mulher forte.
Forte ao ponto de sustentar o peso de ser uma mulher negra, pobre, mãe solteira, militante, deputada, vereadora e sobrevivente de um estupro.

Argelia Laya nasceu em 1926. E com ela o feminismo latino-americano deu a luz à consciência de outras milhares de mulheres por décadas no país.
Laya vem de uma família composta por uma mãe militante da Agrupação Cultural Feminina e por um pai integrante de guerrilhas populares. Nesta época, se combateu fortemente a entrada do comunismo no país. Inclusive, o Presidente Juan Bautista Pérez foi acusado pelo Parlamento de permitir a circulação do primeiro Manifesto do recém formado Partido Comunista da Venezuela.
Quando completou 5 anos de idade, Argelia Laya vivenciou a prisão de seu pai. Acabou por isso, migrando para um bairro popular e sofrendo com a pobreza.
Em sua escola, a Escola Normal, pode provar que de normal mesmo não tinha nada. E que tão pouco aceitaria que a normalidade em seguir padrões lhe guiasse. Passou a fazer parte da União de Mulheres Jovens (organização do Partido Comunista), do jornal da instituição de ensino e tornou-se porta-voz de sua comunidade.
Ao se formar professora, com 19 anos, é vítima de crime sexual - e para piorar, acaba ficando grávida. Preferiu enfrentar então, mais uma vez, os julgamentos da sociedade, ao viver o resto de sua vida com o estuprador.
Para muitos, um escândalo. Para Laya, liberdade. E foi pelo anseio desta liberdade que lutou durante toda sua vida.
Em seus primeiros anos no Partido Comunista da Venezuela (PCV), resistiu ao ditador Marcos Pérez Jiménez, organizando mulheres na Junta Patriótica Feminina, lutando pelo sufrágio e divulgando manifestos.
E nesta mesma data, 8 de março, há 66 anos atrás, participou da comemoração do Dia Internacional da Mulher de 1958, no Novo Circo de Caracas, integrando a delegação do mesmo evento no ano seguinte. Anos depois, mobilizou junto a outras mulheres a Comissão Bicameral para os Direitos da Mulher no Congresso Nacional, criada para fiscalizar o cumprimento da Convenção Internacional para a Eliminação de toda Forma de Discriminação contra a Mulher.
Hoje, a Escuela Feminista Del Sur Argelia Laya, extende seu legado, oferecendo planos de parto humanizado, programas de formação, pesquisas de gênero e contribuições ao feminismo socialista. A história de Argela Laya continua viva em cada protesto e organização social venezuelana, transpassando gerações e democratizando o conhecimento.
Genocídio é uma palavra forte. Não à toa o chanceler de Israel declarou o presidente Lula como “persona non grata” ao seu Estado após a figura brasileira “dar nome aos bois” quando disse a respeito do exterminio que hoje ocorre na faixa de Gaza. Essa afirmação de fato incomoda, já que ser reconhecido desta forma não é das melhores.
De acordo com o Museu do Holocasto Estadunidense, a expressão “genocídio” não existia antes de 1944; ela foi feita para denominar crimes que frisam eliminar a existência física de grupos. Quem desenvolveu o conceito foi Raphael Lemkin, advogado judeu, que juntou a palavra grega “geno”, que significa “raça”, com a expressão latina “cídio”, cuja tradução é “matar”.
É interessante que na raiz deste substantivo há a presença de uma derivação do latim, uma língua antiga que influenciou tantas românicas na América Latina - isso porque é uma região que sofreu ao extremo com colonizações que resultaram em extermínio de povos originários.
A Guatemala, na América Central, é um destes exemplos. Colonizada pelos espanhóis desde 1519, o país foi exposto a banhos de sangue e doenças europeias, estas, antes desconhecidas pelos povos ameríndios. Mesmo após sua independência, em 1821, o país segue colhendo frutos de um passado tenebroso.
Em situações de opressão não é incomum a existência de figuras de resistência; neste caso, Rigoberta Menchú é uma delas. Nascida em 9 de janeiro de 1959, a mulher é uma ativista fiel aos direitos humanos, principalmente dos povos indígenas. Descendente do grupo maia quiché, Rigoberta, em sua infância, viveu durante um período político turbulento, uma guerra civil que durou em média 40 anos.

Menchú foi vítima do conflito de diversas maneiras; uma delas, e talvez a mais brutal, tenha sido o assasinato de seus pais e irmãos, que foram perseguidos acusados de envolvimento com a resistência armada contra o regime vigente.
Aos vinte anos, Rigoberta se filiou ao Comité de Unidad Campesina, CUC, uma organização nascida em 1978 que rejeitava a militarização, a discriminação dos povos indígenas e tinha como objetivo melhores salários agrícolas - ela era formada principalmente por camponeses e trabalhadores da terra.
No início dos anos 80, Rigoberta se juntou à Frente Popular, um ato que chamou a atenção dos governadores da época, estes, que eram subordinados ao general e ex-ditador Efraín Ríos Montt. Em 2013, Efraín foi julgado pelo assassinato de 17.771 indígenas ixiles e maias, e foi condenado a 80 anos de prisão; entretanto, 10 dias depois, o veredito foi suspenso pela Corte de Constitucionalidade.
A militante se exilou no México e, lá, não se silenciou; muito pelo contrário, Menchú divulgou a situação em que a Guatemala se encontrava e influenciou outros indivíduos em situações precarizadas a lutar pelos seus direitos.
Durante sua estadia no país vizinho, a escritora venezuelana Elisabeth Burgos-Debray reconheceu sua história e a contou em um livro cujo título é: “Me llamo Rigoberta Menchú y así me nació la conciencia”, ou seja, “Me chamo Rigoberta Menchú e assim me nasceu a consciência”.
Rigoberta tentou voltar ao seu território natal pela primeira vez em 1988, mas não foi bem recebida no país; ela teve sua vida ameaçada e foi detida. Entretanto, após o episódio, conseguiu, aos poucos, retornar à Guatemala.
Em 1992, 500 anos após a chegada dos espanhóis às Américas, Rigoberta Menchú foi ganhadora do Prêmio Nobel da Paz “pela sua luta por justiça social e reconciliação étnico-cultural baseada no respeito aos direitos dos povos indígenas” (FUNDAÇÃO NOBEL, 1992). Já houveram 621 premiações de Nobel. Apenas 65 mulheres o venceram - e Menchú foi uma delas.

Após o recebimento do prêmio, foi aberta a “Fundación Rigoberta Menchú Tum”, uma organização que tem como função propagar a cultura da paz. De acordo com o site, “É guiado por princípios, valores humanos e cosmogônicos e pela diversidade étnica, cultural e política dos povos do mundo. Trabalhamos pela justiça, pela democracia, pelo pleno respeito pela Mãe Terra e pelos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas.”.
Em 1996 foi assinado um acordo de paz entre o governo e os guerrilheiros, o que pôs fim à maior guerra civil da América Latina. O envolvimento político e social de Menchú continuou mesmo depois do fim do embate.
Hoje em dia, Rigoberta Menchú é promotora da Década Internacional dos Povos Indígenas, um plano da UNESCO que incentiva a visibilidade para culturas indígenas; além disso, a mulher não parou de propagar seus ideais e luta, sempre com mais força, a favor de boas causas.
Não há muito o que comemorar no dia 8 de março. Afinal, as mulheres continuam vivenciando cenários de terror e opressão, dia após dia.
Em 2023, a Central de Atendimento à Mulher, do governo federal, recebeu quase 75 mil denúncias de violência pelo 180, aponta o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Além disso, no mesmo ano, o número de estupros aumentou em quase 14,9%. Foram 34.000 vítimas em apenas 6 meses, conforme o Fórum de Segurança.
Ainda assim, a AGEMT luta para que as pautas sobre mulheres não se limitem às tragédias, colocando a população feminina quase sempre como personagem secundário e indefeso de histórias tristes.
Por isso, vamos falar sobre mulheres latino-americanas que talvez você nem conheça - mas que se apresentaram como lideranças revolucionárias em suas lutas e defesa de seus ideais.
A primeira delas é Nísia Floresta.

A potiguar Nísia Floresta, pseudônimo para Dionísia Gonçalves Pinto, nasce em 12 de outubro de 1810 – e vem ao mundo como quem já tinha certeza de que poderia mudá-lo.
Pertencente à elite local, casou-se aos 13 anos de idade com o proprietário de terras Manuel Alexandre Seabra de Melo. Meses depois, decide romper os laços e retornar à casa de seus pais. Uma atitude praticamente impensável em sua época.
Mais tarde, com apenas 22 anos, escreve a obra "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens", debruçando-se sobre as diferenças e opressões sociais às quais as mulheres são submetidas.
Nísia sabia que aquela que escreve é a mesma que deseja ensinar algo com o que diz.
E assim o fez: aos 28 anos, decide abrir uma escola para meninas, numa época em que o ser feminino era destinado apenas aos serviços domésticos, repassados nas instituições de ensino como saberes únicos e fundamentais.
A jovem, porém, se preocupou com o ensinamento da gramática, da escrita e leitura do português, do francês e italiano, das ciências naturais e sociais, da matemática, da música e até mesmo da dança.
O "Colégio Augusto", como fora nomeado, estava localizado no Rio de Janeiro, destino escolhido por Nísia Floresta após a explosão da Guerra dos Farrapos. Naquele momento, a feminista residia em Porto Alegre e teve inclusive a oportunidade de conhecer os revolucionários Anita e Giussepe Garibaldi.
Vale destacar que os embasamentos de Floresta foram influenciados pelo filósofo Augusto Comte, pai do positivismo. Assim, a autora teve a oportunidade de conviver com essa linha de pensamento, em que era fundamental que as mulheres fossem tidas como figuras sociais imprescindíveis para a evolução e crescimento das sociedades.
A imprensa, no entanto, tratou de condená-la fortemente ao longo de sua vida ativista, acusando-a de promíscua e deturpadora. O jornal O Mercantil, de 2 de janeiro de 1847, opinava:
“… trabalhos de língua não faltaram; os de agulha ficaram no escuro. Os maridos precisam de mulher que trabalhe mais e fale menos”.
Afinal, eles sabiam que a jornada de grandes mulheres em universidades e cargos de poder começava ali. Trata-se de um dos primeiros momentos de ruptura estrutural em um Brasil imperial.
Ainda assim, é importante considerar que, enquanto muitas garotas brancas da alta sociedade tiveram a chance de aprender com Nísia Floresta, outras mulheres negras ainda eram escravizadas no mesmo período.
Fazendo um recorte e analisando o Jornalismo Esportivo, essa realidade é ainda mais desafiadora. Apesar de hoje ainda não haver um equilíbrio no número de homens e mulheres falando de esportes nos meios de comunicação e ser uma área dominada por eles, é notório que o cenário teve mudanças e é possível ver mais a presença feminina nesse lugar.
Com o crescimento delas na editoria de Esportes, o interesse em motivar mais jovens a exercer a profissão também aumenta. Grandes nomes como Regiani Ritter, Isabela Scalabrini, Renata Fan e Glenda Kozlowski abriram as portas para que hoje possamos ver os programas esportivos sendo compostos pelas mulheres e falando mais sobre a participação delas em várias modalidades esportivas.
O chute inicial
A primeira mulher a trabalhar com esporte no jornalismo que se tem relatos, foi Maria Helena Rangel. Por volta de 1947, Rangel, que cursava jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, fez participações na Gazeta Esportiva. Além de jornalista, ela era atleta de arremesso de peso e tinha formação em Educação Física pela Universidade de São Paulo (USP).
Alguns anos antes, porém, a carioca Mary Zilda Sereno já se aventurava no fotojornalismo em São Paulo. Suas primeiras fotos já foram ligadas ao futebol. Depois da Copa do Mundo de 1934, ela vendeu para o jornal O Globo uma foto de uma italiana que vivia no Brasil, comemorando o título de seu país natal, mas ela não foi contratada pelo periódico simplesmente por ser mulher. Sereno continuou tirando fotos de todas as editorias, mas sempre com foco no esporte.
Na televisão, Marilene Dabus se destacou após participar de um programa de conhecimentos gerais sobre o Flamengo na TV Tupi. Após sua participação, a jornalista foi contratada para ser setorista do clube no jornal Última Hora.

Marilene ganhou ampla notoriedade na cobertura jornalística do Flamengo e em meados dos anos 1980, deixou as redações para assumir o cargo de Vice-Presidente de Comunicações do clube. Ela teve grande impacto dentro da equipe da Gávea. Partiu de Marilene a ideia de batizar o Centro de Treinamentos (CT) de ‘Ninho do Urubu’.
Outra pioneira na cobertura esportiva foi a apresentadora Claudete Troiano, conhecida por ser a primeira mulher brasileira a narrar uma partida de futebol. Em entrevista ao programa “Sensacional" da RedeTV, Claudete afirma que o trabalho dela foi muito importante naquela época pois a mulher era colocada como objeto decorativo em programas esportivos. Atualmente, a jornalista apresenta programas de televisão voltados ao público feminino.

Porém, uma das maiores desbravadoras do jornalismo esportivo foi Regiani Ritter. Sua trajetória na editoria teve início nos anos 1980 ainda na Rádio Gazeta, cobrindo folgas de repórteres nas partidas de futebol; com o tempo, Ritter foi pegando gosto pela coisa e se tornou comentarista do programa Mesa Redonda na TV Gazeta.

Uma das marcas de Ritter era não ter receio de entrar nos vestiários após os jogos para conseguir entrevistas com jogadores. Em entrevista ao Uol, ela afirma: "correu jogador para todo lado. Mas, mais para frente, eles passaram a agir normal. Na quarta vez que entrei eles já estavam acostumados comigo".
Graças ao trabalho de Regiani, diversas outras mulheres ingressaram na cobertura de esportes entre os anos 1980 e 1990, como Kitty Balieiro, Simone Mello, Abigail Costa, Elys Marina, Lia Benthien, Marisa de França, Wania Westphal e Isabel Tanese, por exemplo. Tanese, por sua vez, foi a pioneira na direção de um caderno esportivo de um jornal impresso brasileiro e durante anos foi a titular da seção de esportes do Estado de S. Paulo.
Todas essas abriram espaço para Isabela Scalabrini tornar-se a primeira a apresentar o Globo Esporte - renomado programa esportivo da TV Globo. Mesmo com algumas mulheres nas redações, o preconceito ainda era muito grande. Para Isabela, “naquela época, eu não encarei como um obstáculo a ser superado. Eu simplesmente fui em frente. Eu sabia que entendia de futebol e que amava meu trabalho. Acho que essa atitude pode ter despertado a vontade de muitas mulheres fazerem o mesmo.”

Anos depois, em 1997, foi a vez de Luciana Mariano abrir novas portas para novas meninas. Após vencer um concurso que buscava uma voz feminina para as partidas de futebol, promovido pela Rede Bandeirantes, ela foi a primeira mulher narradora da televisão brasileira. Luciana concedeu uma entrevista ao site Notícias da TV e afirma ter sido muito difícil narrar futebol por conta da falta de oportunidades. Além disso, ela conta que não tinha em quem se espelhar.
A última grande conquista das mulheres na cobertura esportiva veio em 2022, com Renata Silveira. A jornalista tornou-se a primeira voz feminina a narrar uma partida de futebol na história da TV Globo. De lá pra cá, ela foi conquistando ainda mais espaço na TV aberta, narrando partidas de grandes clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, além de ter sido a primeira mulher a narrar um jogo da seleção brasileira.
Driblando os desafios
Apesar de haver muitas referências na área que abriram muitas portas, os obstáculos ainda são desafiadores para as mulheres no Jornalismo Esportivo.
Renata Mendonça, comentarista de futebol do Grupo Globo e co-fundadora do Dibradoras – veículo de comunicação que destaca o protagonismo das mulheres no esporte –, nos conta que a mulher precisa sempre provar que é capaz de conhecer o assunto, exercer sua função e merecer estar ali. “Costumo dizer que quando você faz uma entrevista de emprego para um cargo numa redação esportiva, se você é um homem, você parte da nota 0 e vai pontuando conforme for agradando nas respostas. Se você é uma mulher, você parte do -5”.
Renata, que também atua há quatro anos como colunista de Esportes na Folha de São Paulo, relata que essa cobrança já fez com que ela duvidasse de si mesma no início da carreira, quando ouviu de um chefe que não confiava nela para cobrir os times e jogos, em razão de ela ser mulher. "Esse é o tipo de coisa que cansa, sempre ter que convencer os outros de que você é capaz de desempenhar seu trabalho”, afirma.
Além de enfrentar a pressão imposta por seus superiores e colegas de equipe, as jornalistas precisam lidar com a opinião dos torcedores e telespectadores. Sobre isso, Isabela Scalabrini observa que ao longo de sua trajetória na editoria de Esportes, ela nunca deixou de fazer alguma reportagem por ser mulher e a Rede Globo a colocou como pioneira para cobrir o futebol, mesmo sendo difícil lidar com os comentários vindos das arquibancadas. Ela diz que além de piadas machistas e xingamentos, a pergunta que mais ouvia era: “você entende de futebol?”.
Scalabrini não sabia muito como o público avaliava seu trabalho, pois na época a internet e as redes sociais ainda não estavam presentes como hoje. “A imprensa escrita registrava que a repórter Isabela Scalabrini, que tinha se destacado nas reportagens em campo, agora, também estava ganhando espaço no estúdio. Além disso, era um reconhecimento da Globo de que meu trabalho estava repercutindo e era bem feito”. Logo depois de sua estreia no Globo Esporte, ela foi escalada para apresentar o Esporte Espetacular, outro programa esportivo da grade, mas com uma duração maior e transmitido para todo o país, aumentando a audiência de Isabela.
Ainda não é o apito final
Isabela Scalabrini conta que fica muito feliz ao ver estudantes e jornalistas mais jovens dizerem que se inspiram nela. Hoje, ela reconhece que abriu caminhos para as mulheres nas coberturas esportivas e enfatiza que naquela época não encarava como um obstáculo a ser superado. Ela também cita que no começo de sua carreira, havia poucas mulheres nesse meio, algumas trabalhavam nos jornais impressos e era raro ver e ouvir uma mulher nos treinos de clubes ou nos estádios. A jornalista termina dizendo que em 1986, ano em que cobriu a Copa do México, era rara a presença feminina entre os jornalistas que cobriam o mundial.
Com o intuito de possibilitar a participação das mulheres em um meio que ainda é tão dominado por homens, cinco mulheres fundaram o Dibradoras, em maio de 2015. A jornalista Renata Mendonça foi uma delas. Apaixonadas por esportes, elas sentiam falta de uma cobertura que incluísse a mulher como personagem principal do esporte em diversas frentes: jornalista, atleta, árbitra, treinadora etc. “No começo, a abordagem era voltada ao futebol feminino. 2015 era ano de Copa do Mundo e não se ouvia falar sobre o Mundial das mulheres na imprensa ou redes sociais. [...] Após o Mundial do Canadá vieram os Jogos Pan Americanos e decidimos ampliar a cobertura sobre a presença feminina e passamos a abordar as outras modalidades também”, conta a comentarista.

Hoje, o projeto também é formado pela publicitária Angélica Souza e pela jornalista Roberta Nina Cardoso, carregando o lema “Lugar de mulher é no esporte!”. A partir dessa iniciativa, elas puderam dar mais atenção para questões importantes como a ausência de rostos femininos na cobertura esportiva, a falta de visibilidade para o futebol feminino e a cobertura objetificada que se fazia de esportes femininos. “Já vemos mulheres narrando e comentando futebol em quase todas as emissoras e também nos canais de streaming, há muito mais transmissões de jogos do futebol feminino, e há um olhar mais adequado para cobrir as atletas sem aquela sexualização que sempre sobressaía. Ainda é preciso avançar muito mais e principalmente abrindo espaço para mulheres negras terem também protagonismo, mas seguimos na luta para mais mudanças”, destaca Renata.
O Dibradoras segue mostrando que as meninas podem praticar e gostar de esportes, bem como exercer uma função relacionada a qualquer modalidade. Para isso, Renata relata que os planos futuros visam garantir mais incentivo e visibilidade. A jornalista aponta que a plataforma está focada na cobertura in loco das Olimpíadas de Paris, trazendo notícias do futebol e de outras modalidades disputadas por mulheres.
Cartão vermelho para o preconceito
Scalabrini destaca que foi e tem sido demorada a aceitação feminina nos comentários e na narração de jogos e aponta a estrutura machista da sociedade como um reflexo do pouco espaço da mulher. “Vocês conhecem alguém que muda de canal quando a narradora é mulher?”, ela questiona. Com isso, Scalabrini traz à tona o fato de que ainda há resistência de alguns homens em relação à participação das mulheres na cobertura de futebol, especialmente nessas funções de destaque.
Renata Mendonça, por sua vez, conta que sua causa de vida é a luta pelo espaço da mulher na área. Ela se orgulha ao dizer que conseguiu juntar em seu trabalho a causa com a paixão por esportes e enfatiza: “meu sonho é poder ver no futuro um mundo onde as meninas sejam tão incentivadas à prática esportiva quanto os meninos são, acho que os benefícios disso seriam imensuráveis”. Ela finaliza dando ênfase à união das mulheres nessa luta e incentiva aquelas que querem seguir seus passos, pois sabe que o caminho é árduo.
É fato que as mulheres estão garantindo seu espaço no Jornalismo Esportivo. Porém, podemos ver que foi algo atrasado e lento. Mas dia a dia essas bravas mulheres vão escrevendo novos capítulos dessa história.
Maria Helena Rangel, Regiani Ritter, Claudete Troiano, Luciana Mariano e tantas outras abriram espaço para que hoje, Natalie Gedra, Gabriela Ribeiro, Estella Gomes, Renata Silveira e outras meninas e mulheres sonhadoras, pudessem ocupar lugares de destaque na TV, rádio, jornais e redes sociais. Que no futuro, mais referências femininas estejam em evidência em diversos âmbitos do esporte.
Com a crescente presença feminina nos veículos de comunicação, a visibilidade das atletas e suas respectivas modalidades tendem a aumentar e consequentemente, despertam o interesse da audiência feminina. Dessa forma, veremos mais jovens querendo seguir carreira tanto praticando esportes, quanto falando deles, além de motivar e abrir mais portas para outras que virão.