por
Rafael Pessoa
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29/10/2025 - 12h
Charge dO presidente Donald Trump desejando feliz aniversario a Lula enquanto dois balões, representando Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro reagem a cena

 

Coletivos estudantis, sindicatos e civis se organizam para impedir que o projeto de lei avance
por
Iasmim Silva
Maria Luiza Reining
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23/10/2025 - 12h

No dia 21 de setembro, as principais capitais do país amanheceram tomadas por cartazes, faixas e gritos de protesto. Em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outras cidades, milhares de pessoas se reúnem contra a chamada PEC da Blindagem, proposta de emenda constitucional que restringe investigações e punições a parlamentares, exigindo autorização prévia das Casas Legislativas para o avanço de ações penais. A medida, vista como um retrocesso por juristas e movimentos civis, é o estopim de uma mobilização que, embora diversa, encontra na defesa da transparência um ponto em comum.

Na Avenida Paulista, o asfalto volta a se transformar em um grande espaço de convergência política. Bastam alguns minutos observando a saída da estação Trianon-Masp para visualizar que ali estavam diversos grupos reunidos, como estudantes, professores, aposentados, artistas, advogados, sindicalistas e civis misturados entre bandeiras coloridas e faixas com dizeres diretos: “Quem é inocente pede justiça, não anistia” e “A justiça é igual para todos, PEC da Blindagem não”. Entre os rostos pintados e cartazes improvisados, a foto do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, estampa o rótulo de “inimigo do povo”.

O clima é de cansaço e indignação, não apenas com o texto da PEC, mas com a percepção de que a proposta amplia privilégios e dificulta a responsabilização de agentes públicos. Luiz Biella Jr., advogado de 63 anos, e Andrea Amaral Biella, educadora museal de 53, participam do ato e afirmam que vieram por indignação com o projeto. “Outras pautas horrorosas até vinham passando, mas essa é o limite. É preciso dar um grito para ver se sensibiliza os deputados. Na próxima eleição, é fundamental lembrar disso. Esse retrocesso é horroroso”, dizem.

Homem de vermelho
Manifestante em frente ao MASP. Foto: Iasmim Silva/AGEMT.

Grupos de jovens ligados a coletivos estudantis distribuem panfletos que explicam os impactos da proposta. Se aprovada, a PEC impediria que investigações contra deputados e senadores avançarem sem autorização das próprias Casas Legislativas, o que, segundo especialistas, criaria uma barreira de proteção política e dificulta o combate à corrupção.

O protesto começou de forma pacífica por volta das 14 horas e ganhou corpo ao longo da tarde. Ao som de tambores e palavras de ordem, a manifestação ocupava a Avenida Paulista em direção ao MASP. Organizações civis estimam cerca de 80 mil participantes, número contestado pela Secretaria de Segurança Pública, que aponta 35 mil. Em Brasília, a concentração foi na Esplanada dos Ministérios, com presença de sindicatos e entidades de classe.

Entre os manifestantes, o designer gráfico Érico Prado Martins, de 49 anos, diz que o protesto representa uma resposta da população. “É uma forma de se revoltar contra um sistema que engana o povo. Colocam PECs e projetos de anistia enquanto ignoram o que realmente importa. Se a gente não protesta, eles passam tudo por cima da gente”, afirmou.

Nas redes sociais, hashtags como #PECdaVergonha e #TransparênciaJá alcançaram o topo dos assuntos mais comentados no X (antigo Twitter). O Monitor de Debate Político, grupo de pesquisa da USP, registrou picos de interação durante a manhã e o início da tarde, indicando grande engajamento digital em torno da pauta. A pesquisadora do Monitor, Roberta Lima, avalia que o movimento demonstra um interesse crescente de jovens em temas ligados à ética e à responsabilidade política. Segundo ela, “o engajamento aconteceu tanto de forma presencial quanto digital, refletindo uma disposição em participar do debate público e acompanhar de perto as decisões que afetam o funcionamento das instituições”.

A manifestação ocorre em um contexto de instabilidade política, impulsionado por disputas internas no Congresso e pelo debate sobre o projeto de anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro. A repórter Ana Clara Costa, apresentadora do podcast Foro de Teresina da revista piauí, especializada em cobertura política de esquerda, aponta que a PEC da Blindagem surgiu como parte de uma negociação entre o PL e o Centrão para garantir proteção parlamentar e apoio à proposta de anistia de Jair Bolsonaro. Segundo Ana, a PEC não é apenas uma tentativa de autoproteção política, mas parte de um jogo de chantagens e barganhas que expõe a fragilidade ética do Congresso.

Grupo de alunos da USP com cartazes de protesto
Alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Foto: Maria Luiz Reining/AGEMT.

Cartazes e discursos também faziam referência à anistia, com críticas à tentativa de flexibilizar punições e proteger figuras públicas. Em várias capitais, manifestantes exibiam faixas com os dizeres “Blindagem é impunidade disfarçada” e “Anistia é o nome novo do perdão seletivo”.

Embora não tenha alcançado o tamanho de protestos anteriores, como os de 2013, o ato do dia 21 é considerado expressivo por entidades civis. A mobilização nacional pressiona o Congresso a rever o texto da proposta e reforça o debate sobre a necessidade de garantir mecanismos de fiscalização e responsabilização no exercício de mandatos parlamentares.

Projeto transforma pugilismo em ferramenta anti-opressão e oportunidade de profissionalização para jovens de periferias
por
Sophia Coccetrone
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23/10/2025 - 12h

Boxe Autônomo é um coletivo fundado na capital paulistas em 2015 por Breno Macedo, treinador do projeto e Mestre em História pela USP juntamente com Raphael Piva, instrutor do projeto e Mestre em Antropologia Social pela USP, que também esteve presente no time de futebol amador Autônomos F.C., clube de viés libertário fundado por jovens punks em 2006. É um projeto social e esportivo que busca a utilidade do boxe para autodefesa de grupos oprimidos (mulheres, LGBTs, negros, imigrantes...) ao mesmo tempo que constrói carreiras promissoras para jovens atletas que buscam uma vida melhor de suas famílias através do esporte. O projeto conta com a coordenação e treinamento por Michel de Paula Soares, conhecido como "Micha". O treinador possui doutorado em Antropologia Social pela USP e busca relacionar o boxe como um fenômeno social no Brasil, marginalizado e muitas vezes considerado "luta de cadeia".

Inicialmente, o projeto utilizou a Ocupação Leila Khaled – onde vivem diversos refugiados de guerras originários da Síria e Palestina – para seus treinos, posteriormente, passou pela Favela do Moinho e outros espaços para a divulgação e sustentação do coletivo. Dessa forma, Boxe Autônomo conseguiu criar sua comunidade em São Paulo, atingindo camadas sociais mais necessitadas. Um exemplo é o jovem baiano Kelvy Alecrim, de 19 anos, que conheceu o boxe através das atuações na Favela do Moinho, onde o atleta reside. Kelvy atingiu o tricampeonato brasileiro (2019, 2021, 2023), atuou em Jogos Escolares na França (2022) e conquistou a medalha de bronze na Copa Mundial Juvenil em Montenegro (2023). Segundo ele, nunca havia pensado em praticar a arte marcial antes do contato com o projeto, e a democratização do esporte através dos treinos em comunidades e ocupações o fortaleceu para seguir sua carreira. 

Atualmente, os treinos do Boxe Autônomo acontecem na Casa do Povo, localizada no Bom Retiro, região central de São Paulo, contando com eventos de treinos abertos, almoços coletivos, palestras e atividades artísticas, sempre reforçando seu caráter político-cultural, um dos pilares do coletivo. É importante lembrar que estamos falando de uma área esportiva dominada pelo pensamento conservador e reacionário, principalmente popularizado por grandes estrelas como José Aldo, Rodrigo Minotauro, Wanderlei Silva, Fabrício Werdum e outros nomes do MMA apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Caio César, aluno do Boxe Autônomo e ativista político, diz: “As lutas não podem ficar somente nas mãos daqueles que desejam oprimir (...) Não é inteligente pensar em uma esquerda pacífica e reativa, enquanto nós estamos sem nos proteger, há sempre um extremista de direita que está usando a violência livremente. (...) É claro, não podemos utilizar as artes marciais ou qualquer meio de defesa para causar o mal, mas não podemos ficar parados. É essencial manter as armas e as lutas nas mãos de pessoas inteligentes e preparadas, pois já há gente ignorante e conservadora demais com esses poderes nas mãos.” 

Caio, aluno do Boxe Autônomo, utilizando seu colar com pingente em formato do território Palestino: "A gente se posiciona até nos mínimos detalhes."
Caio César, aluno do Boxe Autônomo, utilizando seu colar com pingente em formato do território Palestino: "A gente se posiciona até nos mínimos detalhes." Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT 

Entre as principais bandeiras do Boxe Autônomo estão: o antifascismo, como o principal pilar e estrutura do pensamento dos atletas e ativistas, anti-imperialismo, com forte solidariedade à pauta palestina e a denúncia ao genocídio na Faixa de Gaza, antirracismo, antimisoginia, com ênfase ao combate ao preconceito sobre os esportes de combate femininos e a exaltação da autodefesa da mulher contra potenciais agressores e apoio aos movimentos dos Sem Terra e Sem Teto. Inclusive, o coletivo é parceiro do Boxe Sem Teto e Centro Social e Desportivo Estrela Vermelha, movimentos que também abraçam a pauta do anti-reacionarismo e a luta combativa em meio às artes marciais.

O grupo de alunos é diverso, contando com todas as faixas etárias e origens ou nacionalidades. Durante o treinamento aberto, um aluno holandês se comunicava com os brasileiros a partir de seu amor pelo boxe e seu esforçado português. Ele conta que começou a prática das artes marciais pelo Kickboxing na Holanda, e que sua namorada brasileira o apresentou ao Boxe Autônomo. Durante o treino, ostentava seu apoio solidário à população palestina, através de sua camisa de treino. 

Aluno holandês utilizando camisa do Palestino, clube de futebol chileno fundado por imigrantes palestinos. Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT
Aluno holandês utilizando camisa do Palestino, clube de futebol chileno fundado por imigrantes palestinos. Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT

 

Os treinos do Boxe Autônomo estão disponíveis de segunda à quinta-feira das 18h30 às 19h e aos sábados às 10h30. Os atletas colaboram com um valor fixo mensal, mas para os mais necessitados é ofertado bolsas. 

A manifestação em solidariedade ao povo palestino pedia o fim imediato dos ataques em Gaza
por
Maria Julia Malagutti
Isabelle Muniz
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23/10/2025 - 12h

A Avenida Paulista foi ocupada por uma manifestação em apoio à Palestina no dia 5 de outubro, reunindo milhares de pessoas ao longo da tarde. A concentração começou em frente ao Masp, com a chegada de grupos de diferentes idades e origens, levando bandeiras, faixas e cartazes. Estudantes, representantes de coletivos, movimentos sociais, sindicatos e pessoas sem vínculo com organizações específicas se espalharam pela avenida, que teve uma de suas faixas ocupada durante boa parte do ato. O tom predominante era de indignação diante da situação em Gaza e da escalada da violência no território palestino. Muitos cartazes traziam mensagens de solidariedade e pedidos de cessar-fogo, enquanto outros faziam referência ao histórico do conflito e defendiam o fim de acordos militares com Israel.

As falas feitas em carros de som destacaram a necessidade de pressionar governos e instituições internacionais por uma resposta mais consistente. Também houve espaço para manifestações culturais, como apresentações musicais e leitura de nomes e relatos de vítimas palestinas. A presença de integrantes da comunidade árabe-brasileira foi expressiva, com famílias inteiras participando e levando símbolos, lenços e bandeiras. “Acho que chegou um ponto em que ficar em silêncio já não é opção, estamos aqui pra pedir um cessar-fogo imediato! Por trás dos números, existem vidas, famílias, crianças, pessoas comuns tentando sobreviver.” afirma manifestante, não quis ser identificado.

A manifestação ocorreu em um contexto internacional marcado por denúncias de violações de direitos humanos e preocupação com a crise humanitária na Faixa de Gaza. Relatórios de agências internacionais vêm indicando aumento no número de mortos civis, incluindo crianças, além da destruição de casas e de infraestrutura básica. Esses dados foram citados pelos organizadores nos discursos ao longo do trajeto, reforçando a ideia de que mobilizações em outros países podem contribuir para dar visibilidade ao tema e pressionar diplomaticamente. Entre os participantes, também houve críticas ao posicionamento de países ocidentais e ao que consideram uma cobertura desequilibrada da mídia internacional.

Durante o percurso, diversos cartazes foram erguidos em frente a prédios simbólicos da Avenida Paulista, incluindo a região próxima à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Algumas faixas abordavam a relação entre interesses econômicos e políticas internacionais, com pedidos para que instituições brasileiras revisem contratos e parcerias ligados a setores que atuam na produção e comércio de armas. As mensagens variavam em tom e conteúdo, já que o ato não tinha um documento unificado de reivindicações.

Bandeira Ato Pro Palestina
Manifestante segurando bandeira da Palestina. Foto: Sophia Coccetrone/ AGEMT

A manifestação ocorreu de forma pacífica. A presença policial foi discreta, e não houve registros de confrontos ou tumultos. Coletivos jurídicos e equipes de saúde voluntárias acompanharam o trajeto. O deslocamento aconteceu de maneira gradual, e alguns grupos se retiraram antes do encerramento oficial. Em determinados momentos, o trânsito precisou ser parcialmente desviado, mas sem bloqueio total da avenida.

Em entrevista para a Agemt, Eduardo Viveiros, cientista político, pesquisador do Mediatel (Mediações Telemáticas) e egresso do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política), relatou que as manifestações em apoio à palestina acontecem em diferentes lugares do mundo e são marcadas por grupos progressistas de esquerda, ele afirma que o impacto desses protestos varia de acordo com o alinhamento político e grau de democracia de cada país. “O impacto pode ser maior em estados democráticos, governados por forças progressistas ou de esquerda”.

O especialista também classificou a mobilização como humanitária e política. “Posicionar-se contra um genocídio, limpeza étnica ou uma invasão de um país mais forte contra um mais fraco já implica um alinhamento político”, afirma. Para ele, o papel da sociedade é atuar politicamente, pressionando governos e instituições.

A discussão sobre a cobertura midiática do conflito também esteve presente. Participantes criticaram o que entendem como uma abordagem limitada por parte de grandes veículos de comunicação, com pouca ênfase no impacto humanitário dos ataques. Alguns defenderam o fortalecimento de mídias alternativas, coletivos de comunicação e jornalistas independentes como forma de ampliar o acesso a informações e versões pouco exploradas pelos meios tradicionais. Também houve quem ressaltasse o papel das redes sociais na organização do ato e na circulação de dados, imagens e relatos.

Representantes de movimentos sociais brasileiros aproveitaram o ato para relacionar a pauta palestina a outras lutas locais, como a defesa dos povos indígenas, a denúncia da violência policial e o combate ao racismo estrutural. Essas conexões foram usadas para reforçar o caráter internacionalista das mobilizações e para afirmar que denúncias de violações de direitos humanos não se limitam a fronteiras específicas.

No fim da tarde, os últimos grupos começaram a se dispersar sem registros de incidentes. Mesmo sem um documento final ou manifesto único, os participantes apontaram a possibilidade de novos atos caso a situação no Oriente Médio continue a se agravar.

 

 

Especialistas e organizações de direitos humanos alertam para o aumento de mortes de crianças e adolescentes após mudanças na política de monitoramento da PM
por
Khadijah Calil
Larissa Pereira
Thomas Fernandez
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23/10/2025 - 12h

A reversão na política de uso das câmeras operacionais portáteis (COPs) nos uniformes da Polícia Militar de São Paulo e o aumento da violência letal contra crianças e adolescentes foram pauta nesta segunda-feira (6), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Organizada pela deputada estadual Marina Helou (Rede), a mesa de debate reuniu representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), da Defensoria Pública e do Instituto Sou da Paz, em um momento em que o estado registra um crescimento alarmante das mortes provocadas por agentes de segurança pública.

De acordo com relatório elaborado pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes por intervenção policial em São Paulo aumentaram 120% em 2024. O levantamento mostra que, entre 2020 e 2022, as câmeras corporais haviam contribuído para uma redução de cerca de 60% na letalidade policial. Sendo considerada referência internacional na prevenção de abusos, a política de monitoramento, implementada em gestões anteriores, sofreu mudanças nas diretrizes e a suspensão parcial do uso dos equipamentos durante o atual governo, entretanto, acenderam um alerta entre especialistas e organizações da sociedade civil.

Durante a roda de conversa, a deputada Marina Helou, defendeu que o cenário representa um retrocesso institucional em um momento em que o país deveria avançar na proteção à vida. “Vivemos em um estado em que todos têm uma maior sensação de insegurança, com aumento nos índices de criminalidade e de mortes, inclusive mortes provocadas pela nossa própria polícia e pelo Estado. São mortes institucionais e, entre elas, o aumento de mortes de crianças e adolescentes”, afirmou. A parlamentar cobrou ainda do governo estadual a regulamentação da Lei nº 17.652 de 2023, que cria a Política Estadual de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes. Segundo ela, a norma segue sem regulamentação, sem implementação, sem orçamento e sem garantia de que se torne uma política efetiva de proteção à vida. “É fundamental que, como sociedade e como Assembleia, cobremos o governador Tarcísio, porque ele mesmo disse, em eventos públicos, que estava convencido da importância das câmeras corporais. Rever uma política pública tão importante quanto essa é escolher entre a omissão e a prática dos direitos humanos”, completou.

A chefe do escritório do Unicef em São Paulo, Adriana Alvarenga, chamou a atenção para a desigualdade racial nas estatísticas e para o impacto do racismo estrutural na letalidade policial. “A maior parte das vítimas são meninos negros, moradores das periferias. É para eles que precisamos olhar com atenção, reconhecendo que essa situação é também resultado do racismo estrutural presente na nossa sociedade”, afirmou. Segundo os dados do relatório, crianças e adolescentes negros, de 0 a 19 anos, têm 3,7 vezes mais chances de morrer em intervenções policiais do que jovens brancos. Para Adriana, a solução passa também pela formação e pelo acompanhamento dos profissionais de segurança. “É muito importante que o Estatuto da Criança e do Adolescente faça parte não apenas da formação inicial, mas da formação continuada dos policiais, porque à medida que eles se relacionam com diferentes comunidades, precisam se adaptar e aprender constantemente. Outro ponto essencial é o cuidado com a saúde mental dos policiais, que influencia diretamente o tipo de abordagem feita a crianças e adolescentes”, acrescentou.

Em entrevista a AGEMT, a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, reforçou a importância da sociedade civil no processo de formulação e acompanhamento das políticas de segurança. Segundo ela, o enfraquecimento do programa de câmeras corporais representa o resultado de uma política que vinha apresentando resultados positivos. “Estamos aqui debatendo o resultado de um retrocesso — de uma política que vinha dando certo. O desafio é fazer com que o que o policial aprende na sala de aula seja colocado em prática nas ruas. Muitas vezes, quando ele chega ao campo, ouve: ‘Agora sim, você é um policial de verdade’, como se o que aprendeu antes não valesse”, afirmou. Para Bueno, a dificuldade em conciliar a formação técnica com a prática cotidiana reflete um problema que ultrapassa o caso paulista. “Isso não diz respeito apenas ao ECA, mas também às questões raciais e à defesa dos direitos humanos de forma mais ampla. O problema das polícias não é só o da polícia de São Paulo — é um problema nacional”, completou.

Como um dos obstáculos para a mudança, a defensora pública Fernanda Balera destacou a falta de responsabilização de agentes de segurança em casos de violência letal e apontou a tolerância social com esse tipo de prática. “É muito raro que haja denúncias. Quando há, os processos terminam, em sua maioria, com absolvição, sempre tratando o argumento de legítima defesa do policial como verdade absoluta”, declarou. Além do acesso às imagens, Fernanda diz que é necessária uma mudança estrutural na cultura institucional do sistema de justiça e das forças policiais. “As imagens são fundamentais e devem estar à disposição de todas as instituições, mas é preciso também transformar a cultura que naturaliza a violência”, completou.

 

RODA DE CONVERSA PROMOVIDA PELA ALESP SOBRE AS CÂMERAS CORPORAIS USADAS PELA POLICIA DE SÃO PAULO
Roda de conversa na ALESP reuniu especialistas para debater o uso de câmeras corporais pela polícia de São Paulo.
Foto/Reprodução: Barbara Novaes/Alesp

Os dados apresentados pelas instituições reforçam a gravidade do cenário na segurança pública. Entre 2022 e 2024, o número de pessoas mortas por policiais militares em serviço cresceu de 256 para 716, um aumento expressivo após a revisão do programa de câmeras corporais. Em 2025, 496 pessoas foram mortas pelas forças de segurança do estado, sendo 61,3% delas negras. Na capital, foram registradas 156 mortes, 73,4% de vítimas negras. As mortes cometidas por policiais em folga aumentaram 10% em relação a 2024, e as mortes de pessoas negras cresceram 32,3% durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas.

O relatório também indica que as interações policiais ficaram mais violentas: em 2022, a cada mil prisões e apreensões em flagrante, 2,3 pessoas morreram em ações de policiais em serviço; em 2024, esse número subiu para 5,3. Além disso, o levantamento aponta que os policiais militares também estão morrendo mais — o que evidencia um cenário de aumento da letalidade em ambos os lados da relação entre Estado e sociedade.

Para a AGEMT, a socióloga e diretora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo destacou que as câmeras corporais não devem ser vistas apenas como um instrumento de controle, mas também como uma ferramenta de aprimoramento da atuação policial, já que amplia as motivações de implementação da política de monitoramento. “Não é sobre escolher um lado, as câmeras também protegem a vida e o trabalho dos policiais”, afirmou.

As instituições responsáveis pelo estudo concluíram que os programas de uso de câmeras corporais devem ser acompanhados por avaliações independentes e políticas efetivas de controle do uso da força. “Não basta adquirir a tecnologia. É preciso compromisso político, transparência e fortalecimento das estruturas de controle interno e externo das polícias”, destaca o documento. O debate na Alesp reforçou que, diante do aumento da letalidade policial e da ausência de políticas consolidadas de prevenção, a retomada e o aprimoramento do programa de câmeras corporais se tornam não apenas uma medida de transparência, mas uma necessidade urgente para a proteção da vida de crianças, adolescentes e de toda a população paulista.

 

Em novo plano diretor, a Prefeitura de São Paulo determinou a desativação do “Minhocão” a partir de 2029.
por
Julia Sena
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19/05/2025 - 12h

Por Julia Sena 

Popularmente conhecido como “Minhocão”, o Elevado Presidente João Goulart é uma via expressa elevada que liga a zona oeste de São Paulo até a zona central, a construção é centro de um debate antigo: o que fazer com uma obra que é símbolo de exclusão social, mas tenta se reerguer em um processo de revitalização? 

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Elevado Presidente João Goulart. Foto: Julia Sena/AGEMT 

O projeto do antes batizado Elevado Presidente Costa e Silva foi idealizado pelo arquiteto Luiz Carlos Sangirardi e construído no início da década de 1970 durante o mandato do então prefeito Paulo Maluf, nomeado pela Ditadura Militar. O objetivo da obra era facilitar a mobilidaded aqueles que tinham carros, além de um claro interesse político de Maluf ao deixar sua marca com uma obra grandiosa, independente dos impactos negativos que pudesse trazer para a região.  

A poluição, tanto sonora quanto atmosférica, e a degradação dos arredores desvalorizaram a região, o que possibilitou a uma parcela da população de baixa renda morar nos edifícios mais precárias, nos arredores do elevado e, muitas vezes, mais perto de seus trabalhos. 

O futuro do Minhocão e o lazer que mascara uma realidade precária 

Desde 2016, aos finais de semana, o Minhocão se transforma. Fechado para a passagem de carros, o espaço se vira um ambiente de lazer, funcionando como pista de corrida, ciclismo e skate; além de abrigar espaços para leitura, e a prática de jogos de tabuleiro. Devido às coloridas empenas gigantes dos prédios que margeiam a via, o elevado também se tornou uma galeria de arte a céu aberto. Pedro Teixeira é jornalista, e nos dias de folga prática corrida no local, “a solução de revitalizar o espaço para o lazer parece ser muito boa, mas com certeza serve como uma máscara que tira o destaque dos principais problemas aqui do centro”, pontuou.  

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Túnel sob o Elevado Presidente João Goulart, que conecta o centro com o bairro da Bela Vista. Foto: Julia Sena/AGEMT 

No Plano Diretor de São Paulo, aprovado em 2024, está prevista a desativação do Minhocão até 2029. As opções em debate são a sua demolição ou a transformação definitiva em um parque elevado. As alternativas levantam um questionamento para especialistas e moradores: quem vai, de fato, aproveitar esse novo espaço? 

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Renata Falzoni em entrevista coletiva na Escola da Cidade, no centro de São Paulo. Foto: Julia Sena/AGEMT 

Para a arquiteta, jornalista e vereadora do PSB Renata Falzoni os futuros planos da prefeitura envolvendo o Elevado João Goulart são perigosos e se encaixam dentro de uma política de higienização. “Qualquer melhoria na região do Minhocão vai gentrificar, por que quando o Elevado foi construído na década de 1970, as pessoas venderam os seus apartamentos a preço de banana para uma população que não teria dinheiro para comprar um apartamento novo em um minhocão renovado.”, explicou.  

Antes de bater o martelo sobre o destino do Minhocão, é preciso pressionar a prefeitura para a criação de um plano que garanta a permanência da população que conviveu com todas as suas desvantagens da obra nos seus anos de existência. “As pessoas que estão lá tem que conseguir ficar e, claro, temos que ter políticas de habitação social e acolhimento a quem está em situação de rua.”, lembrou a vereadora.  

Segundo dados divulgados pela Folha de São Paulo em 2005, os gastos para demolição do Elevado João Goulart seriam estimados em R$ 80 milhões - o que corrigido para a inflação atual equivaleria a aproximadamente R$230 milhões.

 

Discursos nacionalistas, conservadorismo extremo e ataques às instituições democráticas voltaram a ganhar força em diversos países
por
Lueny Gomes Batista
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13/05/2025 - 12h
Bolsonaro em manifestação de sua anistia Foto: / Reprodução: AFP
Bolsonaro em manifestação de sua anistia Foto: / Reprodução: AFP

Movimentos de direita radical têm ampliado sua presença em diferentes partes do mundo. Na Europa, Estados Unidos e Brasil, partidos e líderes políticos com pautas conservadoras, nacionalistas e críticas às instituições democráticas vêm crescendo em influência e eleitorado. Na Europa, por exemplo, partidos como a National Rally, de Marine Le Pen, na França, e o Fidesz de Viktor Órban, na Hungria, têm conquistado cada vez mais apoio. Segundo levantamento da consultoria europeia Europe Elects, partidos de direita populista estão entre os mais votados em países como Itália, Polônia, Suécia e Alemanha. Os discursos mais frequentes incluem críticas à imigração, defesa de valores tradicionais e oposição à União Europeia.

Nos Estados Unidos, o ex-presidente Donald Trump segue como principal figura da ala conservadora. Trump mantém apoio expressivo dentro do Partido Republicano desde a invasão ao Capitólio por apoiadores do ex-presidente evidenciando a polarização política no país. No Brasil, a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, representou o fortalecimento de uma direita mais radical. Seu governo foi marcado por embates com o judiciário, declarações polêmicas e forte presença nas redes sociais. Em 2022, Bolsonaro perdeu a reeleição, mas seu grupo político continua ativo, com destaque em bancadas no Congresso Nacional e grande engajamento digital.

Segundo o historiador Eliel Filho, professor e graduado em História, em entrevista à AGEMT, um dos fatores que explicam esse crescimento é a dificuldade de comunicação entre gerações. “A geração dos trinta anos — a última a vivenciar diretamente os reflexos das lutas anteriores — não conseguiu repassar de forma efetiva os aprendizados políticos às novas gerações”, afirma Eliel.

Para ele, isso contribuiu para o enfraquecimento da educação política e do engajamento social, onde a fragmentação da esquerda tem dificultado a resposta a esses movimentos. “Enquanto a direita tem conseguido se fortalecer por meio da coesão entre partidos de pensamento alinhado, a esquerda ainda encontra dificuldades nesse sentido. A unificação em torno de ideias comuns é urgente”, ressalta Eliel.

De acordo com o historiador, o uso estratégico do humor nas redes sociais (memetização) também tem sido uma ferramenta eficaz da extrema direita para ampliar sua presença entre os jovens. “A linguagem das redes foi dominada com mais eficiência por esses grupos, que usam memes e vídeos curtos para atrair e fidelizar públicos”, explica. Levantamentos de institutos como o Pew Research Center e a Fundação Bertelsmann mostram que, em diferentes países, cresce a desconfiança nas instituições políticas e nos meios de comunicação tradicionais. Em paralelo, indicadores econômicos apontam como aumento da desigualdade e do desemprego em períodos de crise, como durante e após a pandemia de Covid-19,  intensificam a polarização política, criam um ambiente mais propício à disseminação de discursos radicais.

 

A jornalista investigativa Andrea Dip explicita quais instrumentos os representantes da extrema-direita utilizam para captar “seguidores” e instituir discurso de ódio
por
Iasmim Silva
|
09/05/2025 - 12h

Segundo Andrea, os líderes de extrema-direita sabem utilizar a desinformação, o medo, o ódio e a rebeldia de jovens como instrumentos de captação ideológica e política. A extrema-direita institucional, através de organizações privadas, oferece cursos de política para jovens a partir dos dezesseis anos do mundo inteiro, grande parte da América Latina, como uma das formas de cooptação.

Jornalista com foco em direitos humanos, listada entre os três mil jornalistas brasileiros mais premiados e autora do livro-reportagem “Em nome de quem? A bancada evangélica e seu projeto de poder”, Andrea investiga os movimentos pessoalmente e trouxe à aula magna resultados que podem explicar esse aumento de apoiadores.

A eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. O resultado das eleições legislativas na Alemanha em que o partido de direita radical, Alternativa para Alemanha (AfD), obteve 20% dos votos, resultado recorde desde o pós-guerra, apesar de ter ficado em segundo lugar, fazem uma parte do tabuleiro político mundial que explicita o crescimento dos movimentos de extrema-direita no mundo, que aumentam na medida da expansão dos movimentos sociais progressistas e por caminhos não tão orgânicos quanto pode parecer.

Esses movimentos possuem formas e narrativas que são essencialmente direcionadas e arquitetadas por indivíduos influentes no âmbito político, jornalístico e, muitas vezes, empresarial. No caso dos Estados Unidos e Alemanha, um fator em comum: o apoio do empresário Elon Musk, dono da rede social X. O empresário sublinha o discurso de anti-imigração defendido pelo partido AfD.

Esse crescimento das extremas-direitas traz à tona a questão: quais são os elementos que levam a esses resultados alarmantes no setor político e, também, no midiático?

“Eles sabem instrumentalizar o medo da rejeição” afirmou Andrea.   

Ela cita a existência de congressos organizados por políticos de extrema-direita do mundo inteiro, em que eles se encontram e debatem questões como: a inexistência de emergência climática, que os imigrantes roubarão os espaços dos nativos e que serão oferecidas resoluções rápidas para a democracia e para as crises econômicas e, ainda, como invisibilizar questões de gênero.  Também pontua que essas soluções irreais “empurram as pessoas para a direita” que, além de arquitetar um futuro utópico e com soluções fáceis, também se apodera de discursos falaciosos para falar do passado, ignorando qualquer viés de verdade.

O apoio de empresários donos de grandes sistemas de comunicação, como Elon Musk e Mark Zuckerberg, dono da Meta, traz preocupações acerca da propagação desses discursos sem uma supervisão responsável e, também, da liberdade que isso traz aos discursos de ódio dentro das redes sociais que, em tempos pós-modernistas, tem se tornado uma das mais perigosas formadoras de opinião.

 

O impacto político e na vida das pessoas da escolha do novo Papa.
por
Antonio Amorim
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09/05/2025 - 12h

A chegada de um novo Papa marca uma nova fase para a Igreja católica, e um impacto diferente na política moderna. O cardeal escolhido para o cargo foi Robert Francis Prevost, que é americano e era próximo de Francisco.

Um papado liderado por um americano tem impacto no cenário político mundial. Ele se mostrou contrário a políticas do governo Trump. “Ele pode acabar sendo uma voz forte em temas sociais e de justiça” disse João Brandão aluno de economia quando perguntado sobre o impacto do novo papa no governo dos EUA.

O futuro da Igreja é incerto. Nos Estados Unidos, a instituição é muito conservadora e o novo papa em seu discurso já disse que deve criar “pontes” de dialogo com todos. Mas mostrou interesse em trazer algumas tradições de volta, como a vestimenta que não foi usada por Francisco. “Deveria ser aberta a novas opiniões afinal o mundo muda”, diz o agente de funções da PUC chamado Alessandro. Ele defende o que foi dito pelo Papa, sobre a busca de mais dialogo com todos.

A influencia do Papa na vida das pessoas gera um debate de seu real impacto “para quem é mais praticante, o Papa é tipo um norte moral... Mesmo para quem não é religioso ele pode influenciar bastante na política” disse o João, nos próximos dias vamos ter exemplo de como o novo Papa vai agir, se vai manter as ideias de seu antecessor ou vai buscar um caminho contrario e mais tradicional para governar o Vaticano e toda a Igreja Católica.

A profissão de professor é uma das mais afetadas por transtornos mentais. Entenda o que tem impactado a vida dessas pessoas
por
Guilbert Inácio
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19/05/2025 - 12h

Segundo pesquisa Atuação Docente em Múltiplas Escolas no Brasil, divulgada em 2024 pela Fundação Carlos Chagas (FCC), aproximadamente 460 mil professores e professoras da educação básica trabalham em mais de uma escola no país. Os dados acendem um alerta para o cuidado da saúde mental dessas pessoas.

Ao fundo há um quadro com ilustrações de gráficos. No centro da imagem, há uma mulher de óculos segurando papeis com a mão esquerda e com a mão direita no queixo, demonstrando cansaço. Ela está com ambos os cotovelos encostados em uma mesa, que tem um xícara e um notebook em cima.
Falta de tempo é algo recorrente no magistério / Fonte: Freepik

De acordo com o estudo, que usou dados do Censo Escolar 2023, docentes que atuam em jornadas extensas têm maiores chances de se ausentarem do trabalho por causa da saúde, em especial por questões psicológicas e relativas à voz, além de não conseguirem administrar o tempo, gerando estresse e menor participação em atividades coletivas, o que vai impactar diretamente na educação dos e das estudantes. 

Segundo a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores, realizada pela Nova Escola, em 2022, 21,5% de educadores e educadoras consideravam sua saúde mental ruim ou muito ruim. As consequências mais citadas foram sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Para lidar com a pressão, 40,4% relataram que fazer atividade física ou ao ar livre pode ajudar e 36,8% destacam o contato com amigos e familiares que ofereçam apoio emocional. 

Exercícios físicos e contatos sociais requerem uma certa disponibilidade, porém o cenário atual não contribui. Os dados obtidos pela FCC mostram que a creche é o segmento com menor proporção de profissionais em mais de uma escola: 12,7%. Mas o número aumenta nas próximas fases, até chegar em 36,4% no Ensino Médio. 

A hipótese é que nos anos iniciais de ensino, as professoras – em sua maioria – são polivalentes e passam todo o turno com uma turma. Nos anos finais, os e as docentes são especialistas, lecionando, de acordo com sua formação, um ou dois componentes curriculares, portanto não passam todo o turno com uma mesma turma. Para cumprir a carga horária necessária, esse grupo assume várias classes, o que aumenta as chances de uma atuação em mais de uma escola. 

De acordo com o exemplo da nota técnica da FCC, um docente em uma jornada de 40h semanais, com um terço do tempo para as atividades extraclasse, leciona, no máximo, por 26 horas e 40 minutos por semana. Se considerar redes de ensino com aulas de 50 minutos e que o componente curricular só tenha duas aulas por semana, esse profissional pode chegar a lecionar 32 aulas por semana para 16 turmas diferentes.  

Se usarmos uma média de 30 alunos por turma, docentes, na situação do exemplo, dão aulas para 480 estudantes, o que significa uma alta demanda para quem vai ter que explicar a mesma coisa várias vezes, tirar dúvidas, corrigir lições e trabalhos, além de se deslocar entre as turmas e escolas. 

A partir da pesquisa, a FCC traçou o perfil de profissionais nessa situação - docentes do sexo masculino que lecionam disciplinas com menor carga curricular, como biologia, física, filosofia, entre outras. A hipótese levantada pela FCC sobre isso, é que há concentração de docentes masculinos na etapa em que isso mais ocorre, enquanto as mulheres estão mais distribuídas nas etapas de ensino - Censo Escolar 2022: 90% de docentes das creches e da educação infantil são mulheres. Além de que os dados demonstrem menor disponibilidade de tempo por parte das mulheres para acumular mais escolas, em comparação com os homens, tendo em vista que, segundo o IBGE 2024, mulheres dedicam quase o dobro das horas do que os homens, em média, para afazeres domésticos e cuidados familiares.

A ilustração apresenta um fundo cinza com os dizeres a frente: 29,8% de professores atuam em mais de uma escola (143.940 de 482.984) 16,8% de professoras atuam em mais de uma escola (364.364 de 1.871.210)
Recorte por gênero / Fonte: Fundação Carlos Chagas (FCC) / Arte: Guilbert Inácio

Em entrevista à AGEMT, o Dr. Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e do Laboratório de Estudos do Trabalho e Orientação Profissional (LABOR) da USP, destacou que a saúde mental requer condições dignas de vida, respeito, reconhecimento e autonomia. “A falta de condições de trabalho com sobrecarga de tarefas, uma organização do trabalho centrada na produtividade e uma falta de reconhecimento social e econômico do professor tendem a levar ao adoecimento, não como condição individual, mas como resposta a este conjunto de condições insatisfatórias de trabalho.”, comenta o professor. 

Adoecimento profissional

Segundo Marcelo, os principais dilemas contemporâneos da profissão estão em três campos:

  • Questões pessoais e profissionais: Há falta de limite entre vida pessoal e profissional, insatisfação versus realização e falta de sentido no que faz. 

  • Questões estruturais e organizacionais: Falta de condições dignas de trabalho, ampliação e sobrecarga do trabalho, defasagem entre trabalho prescrito e trabalho real, assédio moral, demanda ao lidar com tecnologia e mundo digital, além de autorresponsabilização por problemas estruturais. 

  • Questões sociais: Falta de reconhecimento, declínio no discurso de autoridade, falta de autonomia, conflito entre o discurso de formador e doutrinador, pressão das famílias dos e das discentes e dos ambientes públicos.

Dados obtidos pela TV Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que no primeiro semestre de 2023, 20.173 docentes da rede estadual de São Paulo foram afastados do trabalho por questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade e crise do pânico. Os dados demostram um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022 e que, em média, 112 profissionais são afastados por dia. Este ano, o G1 obteve, por meio da mesma lei, dados da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) que revelam que Campinas (SP) teve 3.421 docentes afastados por transtornos mentais de 2022 para cá. 

Cruzando os dados acima com a pesquisa da FCC, 12,9% da rede municipal de Campinas e 23,5% de docentes da rede estadual de São Paulo trabalham em múltiplas escolas. Segundo o Dr. Odair Furtado, professor de psicologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NTAS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profissionais da educação básica recebem salários incompatíveis com a sua função social e por isso optam por uma dupla ou tripla jornada desumana para conseguirem sobreviver e isso é catastrófico. 

A questão salarial foi pauta do antigo Plano Nacional de Educação (PNE), 2014-2024, que tinha como meta equiparar, até 2024, a remuneração média de docentes com as demais profissões que requerem Ensino Superior. Contudo, o piso salarial atual (2025) para professores do ensino básico da rede pública é de R$ 4.867,77 para exercício de 40h mínimas; representando 68,6% de R$ 7.094,17; salário médio de uma pessoa com graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Devido à crise econômica, principalmente depois da pandemia, não só educadores, mas todas as profissões passaram por uma precarização. Dentre os fatores, Odair Furtado, aponta a crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) nas atividades profissionais que aumentaram a produtividade, mas também a pressão em cima do trabalhador, que acumula estresse e, consequentemente, pode gerar ansiedade e depressão. “Trabalhadores sabem que se buscarem atendimento, são afastados do trabalho e isso leva, inexoravelmente, à demissão. Então, essas pessoas suportam até surtarem”, comenta o professor. 

O Brasil passa por uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental no ambiente profissional. De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, cerca de 470 mil trabalhadores foram afastados do emprego por causa de transtornos mentais. Os dados representam, em comparação com 2023, um aumento de 68% de licenças concedidas, além de ser o maior desde 2014. As duas doenças mais diagnosticadas foram ansiedade e depressão.

A ilustração demonstra um gráfico com os dados da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho por causa de doenças mentais. O gráfico inicia em 2014 com 221.721 casos. Os dados caem em 2015 e sobem até 2018, quando voltam a cair até 2020. Após isso, os dados sobem muito rápido, chegando em 472.328, em 2024.
Dados do Ministério da Previdência Social / Arte: Guilbert Inácio 

Caminhos futuros 

No dia 26 de maio de 2025, riscos psicossociais serão incluídos na NR-1, norma que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho. Após a inclusão, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode acarretar penalizações às empresas, caso sejam identificadas questões como: 

  • Metas excessivas 

  • Jornadas extensas 

  • Ausência de suporte 

  • Assédio moral 

  • Conflitos interpessoais 

  • Falta de autonomia no trabalho 

  • Condições precárias de trabalho 

Quanto à valorização da carreira docente, em junho do ano passado, o novo PNE, 2024-2034, foi encaminhado ao Congresso Nacional. A pasta prevê 18 objetivos a serem cumpridos nos próximos dez anos. O Plano será prioridade da Bancada da Educação em 2025. 

Confira outras propostas defendidas pela Bancada ao longo do ano que dizem respeito à profissão:

Ilustração em formato de pergaminho na cor cinza. Há os dizeres: SNE - Sistema Nacional de Educação;  PEC 169/19- permite ao professor acumular cargos públicos,  PL 3628/2024 - visa garantir que as diretrizes já estabelecidas pela Lei nº 14.817 sejam implementadas em todo o país;  PL 2387/23 - inclui os professores de Educação Infantil como profissionais do magistério;  PL 3824/23 - estabelece a Política Nacional de Indução à Docência na Educação Básica
Projetos em tramitação / Arte: Guilbert Inácio ​​​​​​

Em janeiro de 2025, o Governo Federal lançou o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar estudantes a seguirem a carreira docente. Dentre as medidas está o Pé-de-Meia Licenciaturas que concedera uma bolsa mensal de R$1.050 por mês para quem tirar mais de 650 pontos no ENEM e ingressar na licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social. 

A medida é um ponto importante para aumentar a atratividade da carreira, pois, em 2022, uma pesquisa do Instituto Semesp projetou que, em 2040, o Brasil enfrentará um “apagão” na educação básica - a projeção é de que faltarão 235 mil docentes nas escolas do país. 

Segundo Marcelo Afonso, para mudar o cenário de precarização da carreira docente, as políticas públicas precisam se centrar em: “valorizar mais o professor e a professora, oferecer melhores condições de trabalho, remunerar melhor, oferecer qualificação contínua e, acima de tudo, construir um ambiente de respeito para formação de seres humanos.”.