A ascensão das plataformas digitais como palco central da nova política e o desafio da polarização
por
Isabelle Maieru
Jalile Elias
Marcela Rocha
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27/11/2025 - 12h

 

A imagem conceitual representa a polarização política. FONTE: Shutterstock / Imagem Conceitual

O cenário político contemporâneo foi drasticamente redefinido pela ascensão das redes sociais. O que antes era um mero canal de comunicação secundário transformou-se no principal palco de debate, engajamento e, por vezes, de acirrada polarização. Líderes e figuras públicas, de todas as ideologias, utilizam plataformas como X (antigo Twitter), Instagram, Facebook e TikTok não apenas para disseminar informações, mas para construir narrativas, interagir diretamente com eleitores e moldar a opinião pública.

A Onipresença Digital: Vantagens e Riscos

A presença massiva de políticos nas redes oferece uma série de vantagens:

  • Acesso Direto: Permite uma comunicação sem intermediários com o eleitorado, humanizando a figura pública e criando um senso de proximidade.

  • Mobilização: Ferramenta poderosa para organizar movimentos, manifestações e campanhas de forma rápida e eficiente.

  • Quebra de Monopólio: Diminui a dependência da mídia tradicional, permitindo que políticos e partidos estabeleçam suas próprias agendas.

No entanto, essa "democratização" da comunicação não está isenta de riscos e desafios:

  • Polarização e Bolhas: Os algoritmos das redes tendem a criar "bolhas" de informação, reforçando crenças existentes e expondo os usuários a conteúdo que confirma seus vieses, o que contribui para a polarização.

  • Desinformação (Fake News): A velocidade de propagação e a falta de filtros rigorosos tornam as redes um terreno fértil para a disseminação de notícias falsas, boatos e manipulação de informações, com sérias consequências para o debate público e a democracia.

  • Discurso de Ódio: A anonimidade e a falta de moderação eficaz em algumas plataformas facilitam a proliferação de discursos de ódio, ataques pessoais e campanhas difamatórias.

Foto de uma tela de celular com vários ícones de redes sociais misturados. Fonte: Depositphotos / Mídia Social e Política

Estratégias Digitais em Constante Evolução

A "nova política" é inerentemente digital. Políticos e suas equipes investem pesadamente em estratégias de marketing digital, análise de dados e criação de conteúdo. O uso de memes, vídeos curtos e transmissões ao vivo (lives) são táticas comuns para viralizar mensagens e engajar diferentes faixas etárias.

Observa-se também a profissionalização das equipes digitais, com especialistas em análise de sentimentos, SEO (Search Engine Optimization) e gestão de crises online. A capacidade de responder rapidamente a eventos e narrativas em tempo real tornou-se um diferencial competitivo crucial.

O Futuro da Política e das Redes

O fenômeno dos políticos nas redes sociais é irreversível. O desafio para as democracias é encontrar mecanismos para regular e fiscalizar o ambiente digital sem cercear a liberdade de expressão, garantindo que as plataformas sirvam como ferramentas de fortalecimento do debate público e não de sua deterioração. A busca por um equilíbrio entre a liberdade, a responsabilidade e a moderação de conteúdo continuará a ser um dos temas centrais dos próximos anos, moldando não apenas a política, mas a própria sociedade.

 

Unanimidade da 1ª Turma confirma preventiva e abre caminho para execução imediata da pena de 27 anos
por
Isabelle Maieru
Jalile Elias
Marcela Rocha
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26/11/2025 - 12h

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, manter a prisão preventiva do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. A decisão, referendada na segunda-feira (24), confirmou o decreto do ministro Alexandre de Moraes que converteu a prisão domiciliar do ex-presidente em preventiva no último sábado (22).

A manutenção da prisão ocorre no momento em que o processo final de condenação do ex-presidente na Ação Penal (AP) 2668 se aproxima do trânsito em julgado, permitindo que o ministro relator determine o início imediato do cumprimento da pena. Bolsonaro está detido na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília.

 

Ministro Alexandre de Moraes discursando na bancada. Fonte: STF (Supremo Tribunal Federal)

 

Argumentos da Corte e Motivação da Prisão Preventiva

A decisão unânime dos ministros da 1ª Turma (Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin) considerou que a prisão preventiva é imprescindível para garantir a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e coibir o reiterado desrespeito às medidas cautelares impostas.

Os fatores centrais que motivaram a conversão da prisão domiciliar para preventiva são:

  1. Violação da Tornozeleira Eletrônica: A Polícia Federal apontou que o equipamento de monitoramento eletrônico foi violado intencionalmente pelo ex-presidente. Moraes classificou o ato como uma violação "dolosa e consciente", após o próprio Bolsonaro admitir ter usado um ferro de solda na tornozeleira, alegando ter agido sob "surto" e efeito de medicamentos.

  2. Risco de Fuga e Obstrução: O ministro relator citou o risco concreto de fuga, intensificado pela violação do equipamento e pela convocação pública para uma "vigília" em frente à residência de Bolsonaro, feita por um familiar. A Corte avaliou que essa mobilização poderia criar tumulto e facilitar uma eventual evasão.

 

Os Argumentos da Defesa

A defesa do ex-presidente apresentou recursos e pedidos que foram, em grande parte, rejeitados ou considerados prejudicados pela decretação da prisão preventiva.

  • Prisão Domiciliar Humanitária: O principal pleito da defesa foi a prisão domiciliar humanitária, citando o quadro de saúde frágil de Bolsonaro, que inclui gastrite, esofagite e crises de soluços. No entanto, o ministro Moraes considerou este pedido prejudicado com a prisão preventiva, embora tenha determinado o atendimento médico em regime de plantão na PF.

  • Contradições na Condenação: Nos recursos apresentados contra a condenação na AP 2668, a defesa alegou que a decisão foi baseada em provas frágeis e contradições no acórdão, e que o ex-presidente não teve participação direta nos atos que levaram à denúncia.

  • Inexistência de Risco: Advogados argumentaram que a prisão preventiva não se justificava, pois a situação já estava controlada pela prisão domiciliar, e Bolsonaro não representaria um risco iminente à sociedade.

Ex-presidente Jair Bolsonaro em evento público (imagem de arquivo). Fonte: Agência Brasil / EBC

 

A Condenação na Ação Penal 2668 e Execução da Pena

Jair Bolsonaro foi condenado pelo STF a 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicial fechado, além de multa (124 dias-multa no valor de dois salários mínimos à época dos fatos), na Ação Penal (AP) 2668.

  • Crimes: O ex-presidente foi condenado, majoritariamente, por ser o líder da organização criminosa que articulou planos para impedir a posse do governo eleito em 2022, sendo réu pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

  • Trânsito em Julgado: O prazo para a defesa apresentar o último recurso contra a condenação encerrou-se nessa segunda-feira (24). Com isso, a Corte confirmou o trânsito em julgado para Bolsonaro.

  • Próximo Passo: O ministro Alexandre de Moraes está liberado para, a qualquer momento, determinar a expedição da guia de execução penal, documento que formaliza o início do cumprimento da pena em regime fechado. A sede da PF é apenas o local inicial da custódia, sendo o Complexo Penitenciário da Papuda, ou outra unidade compatível com sua condição de ex-presidente, o destino mais provável para o cumprimento da sentença.

Nova ferramenta deve integrar informações socioeconômicas relacionadas ao gênero
por
Marcela Rocha
Jalile Elias
Isabelle Maieru
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25/11/2025 - 12h
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Ativistas participam da 5ª edição da CNPM. Foto: José Cruz/Agência Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A 5ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (CNPM), ocorreu em Brasília entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro. Durante o evento foi anunciada a plataforma DataMulheres, criada pelo governo federal através do Ministério das Mulheres.

Desenvolvida entre uma parceria do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero e a Dataprev (empresa vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), a tecnologia deve integrar informações de gênero e auxiliar procedimentos de pesquisas, observatórios, projetos e demais iniciativas de gestores públicos e instituições nacionais.

O encontro contou com a presença de 4 mil participantes de coletivos, movimentos sociais, deputadas, ministras e outras autoridades, além do oferecimento de palestras, redes de diálogo e stands para a exposição de livros e artesanatos produzidos por mulheres de todo o Brasil.

Na plenária final do evento foram aprovados o relatório de propostas para o novo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e 33 moções, com 98% dos votos favoráveis. O resultado quase unânime reflete a assertividade de diálogos previamente realizados nas instâncias municipais e estaduais.

Com o intuito de reconhecer a pluralidade das 100 milhões de mulheres que vivem no Brasil, o texto do relatório foi dividido em 15 temas, entre eles a questão do fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho, igualdade salarial, desigualdades econômicas e raciais, fortalecimento da participação política de mulheres, autonomia econômica e o enfrentamento à violência de gênero.

Durante o evento, a Ministra das Mulheres, Márcia Lopes, afirmou que “a luta não acaba nunca”, sendo necessário construir “não somente o Brasil, mas a América Latina, o Caribe, um mundo de paz”, para que as mulheres sejam livres e em que não haja nenhum tipo de violência contra elas.

Mudanças incluem teto para operadoras, repasse mais rápido e interoperabilidade
por
Antônio Bandeira e Fábio Pinheiro
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24/11/2025 - 12h

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou no dia 11 de novembro o decreto que moderniza as regras do vale-refeição e vale-alimentação dentro do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). As mudanças criam um teto para as taxas cobradas pelos operadores, reduzem prazos de repasse aos estabelecimentos e definem novas obrigações para empresas e bandeiras do setor.

Entenda as mudanças mais importantes:

Redução de taxa: O texto fixa limite de 3,6% para a taxa cobrada dos restaurantes e outros estabelecimentos. Atualmente, segundo o governo, esse percentual chega a 15% em alguns casos. As empresas terão 90 dias para se adequar à nova regra. O decreto também estabelece teto de 2% para a tarifa de intercâmbio e proíbe cobranças adicionais.

Interoperabilidade: Em até 360 dias, qualquer maquininha deverá aceitar cartões de todas as bandeiras. A medida, conforme o Ministério do Trabalho, amplia a concorrência e facilita o uso do benefício pelos trabalhadores e pelos estabelecimentos.

Prazo de repasse aos comerciantes: Os restaurantes e supermercados passarão a receber em até 15 dias após a transação. Antes das novas regras, o pagamento ocorria em cerca de 30 dias, podendo chegar a 60.

Legenda: Lula durante assinatura do novo regulamento do PAT - Foto/ Por: Ricardo Stuckert
Legenda: Lula durante assinatura do novo regulamento do PAT - Foto/ Por: Ricardo Stuckert

As regras incluem ainda a abertura dos chamados “arranjos fechados”. Empresas que atendem mais de 500 mil trabalhadores terão 180 dias para migrar para sistemas abertos. A mudança deve reduzir a concentração de mercado e permitir que mais credenciadoras participem do sistema.

Além disso, o decreto proíbe práticas consideradas abusivas, como deságios, descontos indiretos, bonificações e vantagens financeiras não relacionadas à alimentação.

De acordo com o governo, mais de 22 milhões de trabalhadores e cerca de 330 mil empresas cadastradas no PAT serão afetados. O valor do benefício não muda e segue exclusivo para compra de alimentos.

Para o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, o decreto corrige distorções que vinham sendo cobradas por restaurantes, mercados e padarias. Ele afirmou que o governo discutiu o tema por dois anos com empresas e representantes do setor, mas não houve consenso para um acordo.

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Galassi, disse que a medida aumenta a concorrência e deve melhorar o valor final disponível para o trabalhador. Segundo Galassi, a redução da intermediação permitirá que mais pequenos estabelecimentos aceitem os vales.

O decreto cria ainda um comitê gestor para acompanhar a implementação das novas regras, fiscalizar práticas abusivas e definir parâmetros técnicos para o funcionamento do sistema.

Congresso irá analisar nesta quinta-feira (27), os 63 vetos feitos pelo presidente Lula
por
CRISTIAN FRANCISCO BUONO COSTA
Antônio Bandeira de Melo Carvalho Valle
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24/11/2025 - 12h

A votação dos vetos ao novo marco do licenciamento ambiental virou um dos temas centrais da agenda do Congresso para novembro. Deputados e senadores se reúnem no dia 27 para decidir se mantêm ou derrubam os 63 trechos barrados pelo presidente Lula na lei sancionada em agosto. O resultado importa porque define até onde o país flexibiliza ou reforça o controle sobre atividades que causam impacto ambiental.

O licenciamento sempre foi o principal instrumento de fiscalização ambiental no Brasil. Ele estabelece quais estudos cada empreendimento precisa apresentar; quais riscos devem ser controlados e quais condicionantes precisam ser cumpridas. O processo costuma ser longo e heterogêneo entre estados, e por isso o Congresso discute há anos uma lei geral que dê mais previsibilidade.

A proposta aprovada em maio deste ano avançou justamente nessa direção: criou regras nacionais, previu modalidades mais simples — como a licença única (LAU) e a licença por adesão e compromisso (LAC) — e dispensou determinadas atividades do processo formal de licenciamento.

Os vetos do governo miraram pontos considerados sensíveis. O Planalto argumenta que alguns trechos ampliavam exageradamente as dispensas, reduziam a fiscalização e fragilizavam compromissos ambientais assumidos pelo país. A justificativa foi a mesma em outras áreas: garantir proteção ambiental sem abandonar a segurança jurídica para o setor produtivo. Entre os vetos estão dispositivos que tratavam da dispensa de licenciamento para obras de manutenção em estradas, linhas de transmissão e linhas férreas, e regras mais amplas para empreendimentos agropecuários.

Parlamentares contrários aos vetos dizem que as restrições prejudicam obras estruturantes e atrasam investimentos. Para eles, trechos barrados pelo Executivo traziam justamente o alívio burocrático que falta para modernizar o setor. O debate ganhou ainda mais força porque a lei entra em vigor em fevereiro de 2026 e o Congresso quer definir o texto final antes disso. Também pesa o cenário político: o tema aparece na agenda de eventos internacionais de clima, e o governo tenta apresentar avanços em governança ambiental.

A votação deve mostrar qual será o equilíbrio escolhido pelo Legislativo para os próximos anos. Manter os vetos significa reforçar o papel fiscalizador do licenciamento, enquanto derrubá-los abre espaço para uma lei mais permissiva, com processos mais rápidos e menos pontos de controle. Para estados, municípios, empreendedores e órgãos ambientais, o resultado define como novos projetos, como o de hidrelétricas, estradas, etc, serão avaliados a partir de 2026.

A proposta determinava a necessidade de autorização do Legislativo para processos contra parlamentares
por
Marcelo Barbosa Prado
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24/09/2025 - 12h

Em votação unânime no Senado, a CCJ enterrou a proposta da PEC da blindagem, nesta quarta-feira (24). A proposta, aprovada na Câmara e alvo de protestos massivos em 27 capitais no último domingo, previa que deputados e senadores só poderiam ser investigados com a autorização das mesas diretoras das casas, após votação em plenário, como voto secreto em casa de aplicação de penas aos parlamentares. 

Em entrevista à AGEMT, o professor de Direito e processo penal Tédney Moreira, do IBMEC, no Distrito Federal, analisa que a PEC vai de encontro aos valores garantidos pela própria constituição. “Ela dificulta a responsabilização criminal de mandatários, violando, de certo modo, o sistema de freios e contrapesos da Constituição Federal e da própria noção de moralidade, que deve refletir-se na organização do Estado.”

Os dois partidos com maiores números de votos a favor foram o PL, de Jair Bolsonaro, que contou com 82 votos e o União Brasil, com 52 votos. No total, a PEC foi aprovada na Câmara com 344 votos favoráveis e 133 contrários. Entre as principais legendas que foram unanimes contra o projeto destacam-se o PSOL, o PCdoB, o Rede e o Partido Novo. Nomes como os dos deputados Nikolas Ferreira, o deputado Adilson Barroso, Alberto Fraga, Daniel Freitas, Gustavo Gayer e Helio Lopes votaram a favor da PEC. Nikolas declarou: “Se algum deputado cometer crime, ele vai para a cadeia sim. Porém, ele vai ter que passar por essa casa antes”.

A Emenda, caso fosse aprovada efetivamente, poderia tornar acusações contra parlamentares mais burocrática. Ela propunha que os políticos do parlamento não poderiam ser processados por crimes, a não ser que a Câmara ou o Senado aprovassem. 

Em casos de flagrante e crimes inafiançáveis, como tortura e racismo, os parlamentares poderiam decidir em até 24h sobre a prisão, autorizando ou não. Além disso, haveria uma mudança nas medidas cautelares, em que os deputados e senadores só poderiam ser alvos se elas fossem expedidas pelo Supremo Tribunal Federal, não podendo ter julgamento em instâncias inferiores da Justiça. Nos casos envolvendo presidentes de partidos, com representação no Congresso, eles seriam julgados exclusivamente no STF. Para o Moreira, a aprovação dessa PEC iria demonstrar baixa representatividade popular nas instituições do Estado. “Isso alimentaria o descontentamento com o sistema político contemporâneo e reforçaria a noção de oligarquias em pleno seio da democracia”, diz.


                                   MOBILIZAÇÃO POPULAR





No domingo (21), o Brasil teve manifestações em todos os estados. Em São Paulo, por exemplo, houve 42,4 mil pessoas na Avenida Paulista, de acordo com o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). A insatisfação ficou evidente.  Após a repercussão negativa, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado arquivou a proposta no Congresso.

Reprodução: Artur Maciel-AGEMT | Multidão manifestando com placas na mão
Manifestação na Av. Paulista reuniu 42 mil pessoas contra a PEC da Blindagem.. Foto: Artur Maciel/Agemt

 

Número de parlamentares ligados à pauta tem crescido.
por
Marcela Rocha
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18/09/2025 - 12h

Nas últimas eleições, de 2024, um detalhe chamou atenção: diversos candidatos a cargos municipais tiveram como bandeira a causa animal. Segundo levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, candidatos com palavras de afirmação identitária como “pet”, “defensor”, “protetor” e derivados somaram 494 candidaturas em todo o país para os cargos de vereança (491) e vice-prefeitura (3).

Do total analisado, sobressaíram os partidos de centro, com 204 candidatos, seguidos por 198 candidatos de partidos de direita e apenas 92 candidatos da esquerda. Os critérios para a classificação ideológica  foram definidos pelo GPS partidário da Folha. Neste cenário, foram considerados “centro” partidos como Avante, Mobiliza e MDB, de “direita” os partidos como PL, União Brasil, Republicanos, Novo e PRTB, e de esquerda o PSOL, PT, PDT, Rede e PV

cachorros em situação de vulnerabilidade atrás de grades
Cães em abrigo esperando por adoção. | Foto: Adobe Stock

A causa animal é um dos temas mais difíceis de serem abordados. Isso ocorre porque não há relação de direito dos animais previsto na Constituição brasileira de 1988, sendo a legislação específica baseada no Artigo 225, que dispõe sobre a proteção da fauna e flora, vedando práticas de crueldade e risco a funções ecológicas. Nesse contexto, apesar de avanços recentes, como a discussão a respeito do reconhecimento de animais como seres sencientes e da ampliação da proteção de animais domésticos para além de “cão e gato” (como prevê a Lei Sansão), o direito dos animais acaba limitado ao crime de maus-tratos, dificultando a tipificação e a aplicação de penas para outras práticas.

Essa realidade limitada do sistema jurídico cria condições para que o tema seja tratado sobretudo a partir de abordagens sensacionalistas. Nas redes sociais de parlamentares que levantam a bandeira, é comum o compartilhamento de vídeos e fotos de animais em situação de extrema vulnerabilidade, feridos, sujos e acuados, sendo utilizados para provocar comoção e sensibilidade nos seguidores e em outros usuários a partir da evidência de maus-tratos.

Segundo Igor Siqueira, especialista em gestão de comunicação e marketing, as postagens de temas sensíveis representam uma tática de marketing político e digital utilizada pela assessoria dos parlamentares. “É muito comum [esse tipo de conteúdo] em casos de resgate de animais. Mostram o animal muito sensível e vulnerável. Essas cenas geram engajamento nas redes porque as pessoas se interessam em entender o que aconteceu e querem ajudar.”

Normalmente, os parlamentares eleitos abordam o tema da causa animal desde a época da campanha política, antes de as eleições ocorrerem. Os vídeos e fotos explícitas ajudam no engajamento durante a campanha e promovem o candidato para além da sua “bolha” eleitoral. Mas, quando a câmera é desligada e o vídeo postado, não se sabe a legitimidade das ações e o destino desses animais. Em um caso recente na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul, Paula Lopes, ex-secretária de Bem-Estar Animal conhecida como “protetora”, está sendo investigada após denúncia anônima de maus-tratos contra os animais resgatados.

Nomeada em janeiro de 2025, Paula publica vídeos resgatando animais das ruas e pedindo doações para cuidados veterinários, alimentação e acolhimento. Os conteúdos são postados em uma página do Instagram de nome “Instituto Paula Lopes”, mas, apesar das postagens de cuidado, a suspeita é que tenham sido abatidos 240 cães em oito meses sob ordens da secretária. Foram encontrados, ainda, 14 animais mortos em um freezer da sede da Secretaria e 20 gatos doentes em situação insalubre e sem alimentação adequada. De acordo com a polícia, os felinos estavam presos em um contêiner. Paula Lopes foi indicada ao cargo na prefeitura pelo deputado federal Luciano Zucco, do Partido Liberal (PL).

Em uma postagem pública de formato Reels no Instagram, Tiago Dominguez,  médico veterinário e ativista pelo direito dos animais em Capão da Canoa (RS), afirmou que “além de ser muito triste (o caso) é muito simbólico que essa política esteja alicerçada na direita gaúcha e no Brasil”, se referindo ao fato de que Paula foi indicada por Zucco, que está sendo cotado a futuro candidato a governador pelo Rio Grande do Sul. O veterinário continuou: “a gente tem que se perguntar quantos políticos hipócritas se utilizam da pauta animal para adquirir capital político sem fazer o debate mínimo, como por exemplo a saúde mental dos protetores, dentre tantas outras questões”.

 

Penas para os acusados consolidam responsabilidade em cadeia; defesa anuncia recursos e Congresso testa anistia
por
Carolina Zaterka
Davi Rezende
Luiza Zaccano
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16/09/2025 - 12h

 

A Primeira Turma do Tribunal Federal (STF) finalizou nessa quinta-feira (11) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e sete aliados por tentativa de golpe de Estado, associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado contra o patrimônio da união, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A decisão marca a primeira condenação de um ex-presidente por crimes contra o Estado Democrático de Direito. 

A turma fixou para Bolsonaro 27 anos e 3 meses de prisão, com aplicação de 124 dias-multa, no valor de dois salários mínimos cada, e registrou a redução legal pela idade do réu (maior de 70 anos), após debate sobre capacidade econômica e gravidade dos fatos. No voto condutor, Moraes sustentou que Bolsonaro “instrumentalizou o aparato institucional” após derrota em 2022, integrando um plano de ruptura da ordem democrática. A defesa reagiu com “profunda discordância” e anunciou recursos. 

Ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, cumprimentando o tenente-coronel Mauro Cid em interrogatório no Supremo Tribunal Federal
Mauro Cid e Jair Bolsonaro em interrogatório no STF - Foto: Ton Molina/STF

 

Entre os aliados, o ex-ministro e general Walter Braga Netto recebeu 26 anos de prisão em regime fechado, com 100 dias-multa, em que o colegiado atribuiu-lhe papel central na engrenagem político-militar do plano. O ex-ministro da Justiça Anderson Torres foi condenado a 24 anos em regime fechado e 100 dias-multa, com determinação adicional de perda do cargo de delegado da PF após o trânsito em julgado. O ex-diretor da Abin e deputado federal Alexandre Ramagem foi sentenciado a 16 anos, 1 mês e 15 dias em regime fechado, assim como determinou a perda do mandato, a ser formalizada pela Mesa da Câmara.

O ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier, foi condenado a 24 anos em regime fechado e 100 dias-multa; o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), general Augusto Heleno, a 21 anos em regime fechado e 84 dias-multa; e o ex-ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, a 19 anos em regime fechado e 84 dias-multa. Em todos os casos, foi reconhecida a participação no conjunto de cinco crimes. São eles: tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. 

Ex-ajudante de ordens e colaborador, Mauro Cid foi o único a receber reprimenda branda: 2 anos em regime aberto, com manutenção integral dos benefícios da delação. A defesa já peticionou pela extinção da punibilidade, alegando que o tempo de prisão preventiva abatido pelo acordo zeraria o saldo, um pedido que ainda depende de decisão.

Bolsonaro deve prosseguir em prisão preventiva domiciliar até a finalização do processo iniciado pela Procuradoria-Geral da República (PGR). O próximo passo processual é a publicação do acórdão, documento que reúne os votos e fundamentos do julgamento, que ocorrerá após a homologação da ata do julgamento, marcada para o dia 23 de setembro. O STF possui o prazo legal de até 60 dias, mas a expectativa é de que ocorra em menos tempo. A partir da publicação, abre-se o prazo de cinco dias para que a defesa de Bolsonaro e dos demais réus apresentem embargos de declaração. Esse recurso, mesmo que importante, tem a função restrita de apontar contradições e omissões do texto da decisão final, o que raramente altera o resultado final. Já a hipótese de embargos infringentes, recurso que poderia levar o caso ao plenário, não é viável, uma vez que o resultado teve apenas um voto contrário e seriam necessários dois.

Após o trânsito em julgado, o STF poderá expedir mandado de prisão e dar início à execução das penas. No caso de Bolsonaro, a lei prevê regime fechado, já que a pena ultrapassa 8 anos. Contudo, a defesa deve insistir em alternativas como a prisão domiciliar, sustentada por sua idade e fragilidade na saúde. Os outros sete réus seguem o mesmo percurso processual. Cada um poderá interpor embargos de declaração e aguardar o trânsito em julgado. Aqueles que receberam penas menores podem iniciar o cumprimento em regime semiaberto ou aberto, com possibilidade de progressão conforme a lei.

Ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia, em sessão do julgamento da trama golpista.
Voto de Cármen Lúcia foi decisivo para formar maioria em condenação de Bolsonaro - Foto: Victor Piemonte/STF

 

Com a definição da condenação de Bolsonaro, os apoiadores do ex-presidente intensificaram os pedidos pelo andamento do projeto de anistia. Após as manifestações na Avenida Paulista, em São Paulo, no dia 7 de setembro, o governador Tarcísio de Freitas expressou apoio ao perdão dos condenados, em acusação à chamada “ditadura da toga”, em referência às sentenças de Alexandre de Moraes. Entretanto, para o ministro, crimes contra a democracia não podem ser anistiados.

No Senado Federal, o presidente Davi Alcolumbre defende um projeto alternativo ao proposto pelos aliados do ex-presidente, em que Bolsonaro e os demais condenados não receberiam anistia total, mas sim teriam suas penas reformuladas em uma nova proposta. Na Câmara dos Deputados, Hugo Motta tem sido pressionado pela oposição, afirmando então que ainda não decidiu sobre colocar em votação uma proposta de perdão geral. Para o governo, os esforços são para impedir a sequência de qualquer forma de anistia aos condenados, com Lula demonstrando preocupação caso o projeto avance no Congresso.

Bolsonaro é o primeiro ex-presidente no Brasil a ser condenado por tentativa de golpe de Estado, e esse fato se reflete na política internacional. No mesmo dia da sentença, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou estar surpreso e insatisfeito com a decisão do STF: “Eu sempre achei ele muito íntegro, muito excepcional. Acho que é uma coisa terrível para o Brasil", completou. O republicano ainda comparou o processo com o caso que o acusou pela invasão ao Capitólio, em 2021, após a eleição de Joe Biden: “É muito parecido com o que tentaram fazer comigo, mas não conseguiram de jeito nenhum”, afirmou Trump.

O presidente dos Estados Unidos disse que não pretende aplicar mais nenhuma nova sanção ao Brasil em decorrência da condenação de Bolsonaro, entretanto, o secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou que o país irá responder apropriadamente ao que ele chama de  “caça às bruxas". “As perseguições políticas do violador de direitos humanos, Alexandre de Moraes, continuam”, disse em publicação na rede social X.

De acordo com a lei da ficha limpa, após o cumprimento de sua pena, Bolsonaro será inelegível por mais 8 anos, o que lhe permitiria candidatar-se somente a partir de 2060. Dentro das possibilidades, a figura mais representativa de sucessão ao ex-presidente é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que já retornou a Brasília para se reunir com partidos aliados e discutir projetos de anistia. 

Ministros reforçaram a competência do Poder Judiciário para julgar casos que envolvam a proteção da democracia e dão sentença histórica
por
Giuliana Barrios Zanin
Beatriz Barboza
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12/09/2025 - 12h

Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram, na tarde da última quinta-feira (11), a favor da condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros sete réus acusados de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Os votos desta sessão somaram-se às deliberações dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, que votaram no início da semana, e formaram maioria para a condenação do ex-chefe do Executivo aos cinco crimes que lhes foram atribuídos pela Procuradoria-Geral da República (PGR). 

Na sessão que se estendeu pela quarta-feira (10), no entanto, o ministro Luiz Fux votou pela absolvição de seis dos oito acusados na Ação Penal 2.668, incluindo o ex-presidente da República. Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator do processo, e Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, foram, a partir do voto de Fux, condenados pela tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. 

 

ATENÇÃO, EMINENTE MINISTRO LUIZ FUX!

Em seu voto, Luiz Fux apontou a “incompetência absoluta” da Suprema Corte para julgar a trama golpista que, segundo o ministro, deveria ter sido analisada em plenário, não apenas pela Primeira Turma do STF. Cármen Lúcia, por sua vez, reiterou o compromisso da Cúpula com o julgamento em tramitação: “Sempre entendi que a competência era do STF. Não há nada de novo para mim, votar do mesmo jeito que sempre votei”, afirmou a ministra.

Cármen Lúcia, bem como Alexandre de Moraes, Flávio Dino e, posteriormente, Cristiano Zanin, divergiram nas interpretações sobre os “atos preparatórios” do caso, aqueles realizados antes da consumação do crime e que, segundo o Código Penal, não são, por si só, puníveis. A tese defendida pelos ministros favoráveis à condenação dos réus é que os atos preparatórios do golpe de Estado já configurariam crimes e, portanto, deveriam ser punidos.

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“O que há de inédito nesta ação penal é que nela pulsa um Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro”, afirmou a ministra Cármen Lúcia. Foto: Sophia Santos/STF.

 

"Ninguém pode ser punido pela cogitação”, afirmou Luiz Fux diante da Primeira Turma em seu voto, no entanto. Na contramão, não explicitamente como uma resposta direta ao ministro, Cármen Lúcia defendeu: “Atos ditos como preparatórios não podem ser considerados como dados isolados quando a conduta adotada já é o início do que se pretende [golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito]”.

O presidente da Primeira Turma reforçou a validação dos atos preparatórios quando abordou sobre a preliminar em sua deliberação. “Embora a legislação brasileira exija a utilização de critérios objetivos para determinação do início da execução do crime, é perfeitamente possível a incorporação de considerações relativas ao plano do autor”. 

A ministra ainda destacou, diferente de Fux, a atuação de uma organização criminosa, orquestrada por Jair Messias Bolsonaro. Cármen Lúcia, conforme também indicava os autos do processo, apontou que o ex-presidente esteve responsável pela “propagação de desinformação sobre o sistema eleitoral e ataques aos poderes constituintes e seus representantes, a instrumentalização de instituições do Estado, a cooptação de comandos militares para instituir as providências antidemocráticas, planejamento de atos de neutralização de agentes públicos [Operação Punhal Verde e Amarelo] e instigação de manifestações”. 

 

O QUE MAIS DEFENDEU CÁRMEN LÚCIA?

Por vezes, Cármen Lúcia destacou o caráter “progressivo e sistemático” do plano golpista que, segundo a leitura da Cúpula, teve início há quatro anos, durante o governo de Jair Bolsonaro. “Desde 2021, para além da provação mundial da pandemia do Covid-19, novos pesares sócio-políticos brotaram nestas terras: práticas que conduziram à tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. Arou-se um terreno social e político para semear o grão maligno da anti-democracia”, afirmou a ministra.

"O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear. O inédito e infame conjunto de acontecimentos havidos ao longo de um ano e meio para insuflar, maliciar e instigar práticas variadas de crimes condizentes ao vandalismo haveria de ter uma resposta no Direito Penal”, prosseguiu.

Alexandre de Moraes solicitou aparte no voto de Cármen Lúcia para demonstrar o crime de grave ameaça ao Estado Democrático de Direito. O ministro-relator apresentou um vídeo em que o ex-chefe do Executivo, durante um ato em 2021, ataca o Poder Judiciário, pede a saída de Moraes do STF e ainda o chama de “canalha”. O juiz afirma que, desde aquele ano até 8 de janeiro de 2023, “a organização criminosa seguiu o mesmo discurso”, o que “caracteriza as novas ditaduras no mundo”, segundo sua interpretação.

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O ministro Alexandre de Moraes ressalta a partir da imagem apresentada: "Não está escrito Mauro Cid presidente. Aqui não está escrito Braga Netto presidente. Está o nome do líder da organização criminosa". Foto: Antonio Augusto/STF 

 

"Foi uma tentativa de golpe de Estado, não foi combustão espontânea. Não foram baderneiros descoordenados, todos fizeram fila e destruíram a sede dos Três Poderes. Gozaram da utilização do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República), da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), Ministério da Justiça, PF (Polícia Federal) e da PRF (Polícia Rodoviária Federal)”, relembrou Moraes. 

Cármen Lúcia, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, retomou a acusação da PGR, que apontou as ofensivas à legitimidade das urnas como recurso estratégico do golpe: “Há prova nos autos sobre a utilização de uma milícia digital para propagar ataques ao Judiciário, à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas”, afirmou a chefe do TSE, sem deixar de destacar a eficiência, segurança e transparência do sistema eleitoral brasileiro.

Por fim, a ministra reafirmou a delação de Mauro Cid e destacou seu papel como “ator” na trama golpista, não “espectador” como alegaram suas defesas: “Está comprovada a participação do réu no plano de golpe. Cid atuou na comunicação, no repasse de documentos, na produção de provas falsas para a investigações das eleições de 2022, na angariação de recursos e na garantia de sintonia entre os integrantes e possíveis participantes da trama golpista”, concluiu.

Assim como Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, abriu a leitura do seu voto com a reafirmação da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a ação penal. Zanin destacou que a responsabilidade da Corte foi decidida no início do processo dos envolvidos no dia 8 de janeiro de 2023. De acordo com o magistrado, já foram realizadas 1.500 ações julgadas, 640 condenações transitadas em julgados e 552 acordos de não repercussão penal.

 

IRREGULARIDADE NO ACESSO ÀS PROVAS, NEGADA

Zanin também discordou da existência de cerceamento de defesa — impedimento do acesso às provas pelas defesas — levantado pelo ministro Luiz Fux na sessão de quarta-feira. O presidente da Turma ainda reforçou que um material amplo, compilado pela PGR, não pode se encaixar nessa tipificação, uma vez que “a defesa recebeu a oportunidade de fazer análise do que achavam cabível e trazer algum tipo de demonstração”, ressaltou.

O ministro Alexandre, novamente em aparte, defendeu que os materiais que a defesa julgou não haver tempo hábil de análise não foram pertinentes no processo de denúncia realizado pela Procuradoria-Geral da República — ou seja, os denunciados, segundo Moraes, tiveram direito à ampla defesa. “Se houvesse alguma dificuldade ou manipulação de acesso aos dados, caberia aos advogados procurarem auxílio técnico”, reforçou Zanin. Vale destacar que os atos probatórios não foram trazidos durante as falas das defesas.

 

PLANO CONSISTENTE PARA PERSEGUIR UM PROJETO DE PODER

Sobre o crime de organização criminosa armada, Zanin reconheceu que, com base na denúncia da PGR, houve uma estruturação hierárquica e estável pelo período de, pelo menos, um ano, independente de “qual fosse o método criminoso a ser utilizado”. 

Além de haver uma divisão de tarefas orientada a perseguir, nas palavras do magistrado, “um projeto de poder”. Ele ainda destacou o papel de cada integrante:

  • Os oito réus participaram de uma organização com objetivos propositivos — sendo Jair Bolsonaro o líder do grupo criminoso; 

  • Paulo Sérgio Nogueira, como general do Exército e ex-ministro da Defesa e Almir Garnier, como ex-comandante da Marinha, disponibilizaram contingentes materiais e de força ao plano;  

  • Augusto Heleno e Alexandre Ramagem forneceram auxílio psíquico elaborando planos e discursos de apoio à trama golpista, além do ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fazer uso do cargo para monitorar servidores e agentes públicos de interesse da organização;

  • Anderson Torres colaborou pela difusão de notícias falsas sobre o sistema eletrônico de votação e utilizou do seu cargo como secretário de Segurança Pública da PF para impedir o trânsito de eleitores no segundo turno de 2022. Zanin ainda pontuou que o secretário viajou às vésperas do dia 8 de janeiro, ignorando o risco elevado de convulsão social;

  • Mauro Cid foi o porta-voz de Bolsonaro, responsável por mediar informações e orientar os participantes;

  •  Walter Braga Netto contribuiu com a execução do plano “Punhal Verde-Amarelo”, cujo objetivo era assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes.

O presidente da Turma ainda reforçou que a organização criminosa “requiria a permanência de Jair Bolsonaro no poder e não de outra figura” — sendo o ex-presidente da República, além de líder, o maior beneficiário do plano. 

“Essa organização criminosa queria calar o Judiciário, perpetuar Bolsonaro no poder e abolir o sistema de freios e contrapesos: o Estado Democrático de Direito, mesmo que fosse preciso matar um ministro do Supremo Tribunal Federal, envenenar o presidente da República ou praticar peculato — crime em que um funcionário público atua conta a própria Administração Pública”, contribuiu Moraes. 

 

ATAQUES CONTRA O JUDICIÁRIO: “NOVO POPULISMO DIGITAL EXTREMISTA”

Os ministros do Supremo Corte também reforçaram que houve uma tentativa de restrição ao exercício do Judiciário. Dino destacou, durante sua interrupção à fala de Zanin, que a presente ação é importante frente à tentativa de fragilização da democracia ao redor do mundo. No dia 10, o magistrado representou um pedido protocolado de denúncias incitadas contra os ministros e suas famílias nas redes sociais, durante o julgamento. 

Moraes reforçou a preocupação de Dino “Não atacam a democracia, atacam os instrumentos que levam à democracia”. O magistrado denomina o conjunto dessas práticas como um “novo populismo digital extremista”.

 

Ministro também absolveu seis réus acusados de golpe de Estado e defendeu que o julgamento dos oito denunciados seja realizado pela 1ª instância da Justiça Federal
por
Giuliana Barrios Zanin
Maria Eduarda Cepeda
|
11/09/2025 - 12h

Após dois votos favoráveis à condenação dos oito réus pela tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o ministro Luiz Fux fez a leitura do seu voto na última quarta (10). Foram mais de 12 horas de sessão e, até o momento, Fux é o único da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a se manifestar em desacordo com o relator do caso, Alexandre de Moraes. Entre as argumentações, o ministro considerou o STF inadequado para o julgamento da ação penal 2668 e pontuou atraso no envio de materiais probatórios às defesas dos denunciados.

Logo no início de sua fala, Fux discorreu sobre o papel imparcial e técnico que os julgadores devem ter durante o processo penal. Ele reforçou que a Constituição deve servir como “ponto de partida”. "Cumprimos, enquanto magistrados, zelar pela verticalidade das normas constitucionais e legais no âmbito da vida social, de modo que cada cidadão brasileiro reconheça na Constituição a necessária autoridade que a torna, não apenas um texto, mas uma norma viva, respeitada e eficaz”, afirmou durante leitura do seu voto, nesta quarta-feira (10).

 

PEDIDO DE NULIDADE DO PROCESSO

Ao detalhar seu voto, o ministro destacou preliminares trazidas pelas defesas que culminariam na anulação total da ação. Entre elas, estão:

  • Incompetência de julgamento pelo STF

Fux reforçou que não compete ao grupo o julgamento da ação, uma vez que Bolsonaro e os outros réus não exercem mais os cargos. Segundo o ministro, caso estivessem na ativa, os denunciados teriam foro apropriado de responsabilidade do STF. “Compete a este tribunal afirmar o que é constitucional ou inconstitucional; legal ou ilegal”, enfatizou.

  • Cerceamento do direito de defesa

Segundo as partes denunciadas, a disponibilidade tardia de mais de 70 terabytes de documentos, mensagens e arquivos utilizados pela denúncia comprometeram a elaboração da defesa. Fux levanta que o acesso foi enviado 20 dias, após o documento da PGR (Procuradoria Geral da República), em maio, e que a Polícia Federal enviou o link com os materiais cinco dias antes do início do julgamento, em junho. Isso teria comprometido os denunciados, de acordo com o juiz. “Como se não bastasse, novos arquivos foram incluídos no curso da instrução processual – inclusive em 15 de junho de 2025”. 

  • Incompetência do julgamento pela primeira turma do STF

Fux utilizou do último regimento interno da Casa que afirma que casos criminais são julgados pela 1ª instância. Por isso, a partir das ações penais, de acordo com o ministro, não caberia à Primeira Turma julgar. Além disso, ele citou uma normativa que propõe que o presidente da República deve ser julgado em Plenário, ou seja, com todos os 11 ministros.

  • Validação da delação de Mauro Cid

Para Fux, o ex-ajudante de ordens colaborou com as investigações da ação penal. Além disso, o ministro cita que a delação não foi “voluntariamente” realizada e apontou ter havido um “vício de homologação” no processo. 

 

O magistrado ainda evocou a Ação Penal 937 que afirma que apenas senadores e deputados devem ser julgados pelo STF, caso o crime tenha sido cometido após a diplomação. "Meu voto é no sentido de reafirmar a jurisprudência desta corte adotada na questão adotada na AP 937.” 

A opinião de Fux, porém, não é unânime. O assessor da Secretaria Nacional da Justiça do Ministério da Justiça, Rodrigo Portella, entende que o julgamento deve acontecer na Primeira Turma diante “da competência privativa de âmbito criminal”, uma vez que não há nenhuma determinação descrita no regimento sobre o julgamento de ex-presidentes da República em Plenário.

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Ministro Alexandre de Moraes durante a leitura de voto do ministro Fux Foto: Gustavo Moreno/STF 

 

A ABSOLVIÇÃO PELO CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Baseado em múltiplos conceitos e referências jurídicas, o ministro destacou não haver requisitos importantes para levar à concretização da tipificação, como a realização de reuniões regulares e habituais com objetivos indeterminados e estruturalmente ordenados. Ele também descartou a existência de uma associação criminosa. 

Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.”

Art. 1 § 1º da Lei  Nº 12.850, de 2 de agosto de 2013

 

VOTO DE FUX EM RELAÇÃO ÀS ACUSAÇÕES DOS RÉUS

Os oito réus estão sendo julgados pelos crimes de organização criminosa armada; tentativa de abolição violenta do Estado de Direito; golpe de Estado; dano qualificado e deterioração do patrimônio tombado. 

Para Portella, o ministro teve um olhar “mais delicado ao réu” quando decidiu se basear nos atos preparatórios, que não são puníveis, ao invés da materialidade e absolvição dos crimes. “Desde o começo do voto, ele não tem um olhar detalhado e apurado dos fatos processuais.", observa. "Ele trabalhou nas preliminares, discutindo muitas teses jurídicas, mas não olhou os autos para discutir os fatos. E acontece o mesmo na questão política.”. Portella também chamou a atenção para a fala acusatória de Fux que tentou colocar na mesma balança o julgamento do Mensalão, em 2005, equivalendo o escândalo envolvendo o Partido dos Trabalhadores a um golpe de Estado.

 

Mauro Cid

Fux julgou “improcedente” a condenação do ex-ajudante de ordens do ex-presidente por participação em uma organização criminosa. Os fundamentos defendem que não há provas de que ele se reuniu com um grupo a fim de abolir o Estado de direito. Por outro lado, o ministro votou pela responsabilização de Cid pelo crime de tentativa de abolição violenta contra o Estado Democrático de Direito. Ele destaca que foram encontradas mensagens que demonstraram o financiamento de manifestações que incitavam a derrubada do poder. Além de participar do plano “Punhal Verde-Amarelo”, com o objetivo de assassinar o relator da ação, o ministro Alexandre de Moraes; o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente Geraldo Alckmin. Cid também teria acompanhado de perto a realização da minuta do golpe. As informações foram confirmadas durante a colaboração de Cid com as investigações. 

 

Almir Garnier

O ex-comandante da Marinha, Almir Garnier, teve o voto de Fux para absolvição de todos os crimes que foram denunciados pela PGR durante seu julgamento. Para o ministro, não há provas do envolvimento e da prática de Garnier nos crimes imputados pela Procuradoria Geral da República. O ex-comandante foi absolvido então dos crimes de: dano qualificado contra o patrimônio da União; deterioração do patrimônio tombado; organização criminosa armada e golpe de Estado;

Fux entendeu que, devido a posição de comandante de Garnier, as suas disposições com a Marinha e os decretos de Bolsonaro não sinalizam “dolo de praticar uma série indeterminada de delitos”. E que não seria possível acusá-lo de fazer parte de uma organização criminosa, apenas pela sua participação em duas reuniões.

Jair Messias Bolsonaro

O ministro votou pela absolvição do ex-presidente da República de todas as acusações. Para Fux, não é possível penalizá-lo pelos atos de 8 de janeiro de 2023 por conta de suas falas inconstitucionais durante o mandato ou falas contrárias ao uso de urnas eletrônicas. O magistrado alegou a utilização de acusações genéricas por parte da Procuradoria Geral da República.

Alexandre Ramagem

Fux pediu pela suspensão total das condenações de Alexandre Ramagem, que é deputado federal e esteve no cargo de diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no momento da investigação. O ministro votou pela suspensão dos cinco crimes. Ramagem já teve parte da ação penal suspensa por decisão da Câmara dos Deputados.

Walter Braga Netto

O ex-ministro da Casa Civil e da Defesa do governo Bolsonaro levou o voto do ministro pela condenação por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Fux argumenta que o general se manteve ativo no planejamento de execução do ministro Alexandre de Moraes - e essa ação poderia ameaçar a estrutura dos Poderes. O réu foi preso preventivamente em dezembro de 2024 pela Polícia Federal pelo crime ao qual o ministro Fux o condenou.

Paulo Sérgio Nogueira

De acordo com Fux, a PGR não comprovou a participação do ex-ministro da Defesa na tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Por isso, ele absolveu o réu de todas as acusações.

Augusto Heleno

O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) recebeu o voto de absolvição de Fux por todos os crimes de que foi acusado. Para o ministro, a agenda do general que continha escritos sobre a desconfiança nas urnas eletrônicas não corresponde a um crime, sendo apenas de caráter privado - o que a torna inviável como prova.

Anderson Torres

Fux votou pela absolvição de todas as acusações relacionadas ao ex-ministro da Justiça. O magistrado compreende que Torres não estava no país no dia 8 de janeiro de 2023 - e não poderia, portanto, ser responsabilizado, já que aquela era uma ação da Polícia Militar. Além disso, não ficou comprovado para o magistrado da Primeira Turma que os impedimentos da Polícia Rodoviária Federal durante o segundo turno das eleições de 2022 tenham sido coordenados por Torres.

 

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Ministro Luiz Fux no julgamento da trama golpista. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

 

O voto extenso e descritivo do ministro deixou alta as expectativas para os próximos dias. Portella avalia que há duas questões a serem pensadas após esta quarta-feira: quais serão os recursos utilizados, caso a condenação não seja unânime - o único recurso previsto seria o de embargos infringentes; e qual seria a turma julgadora. Geralmente, nesse tipo de recurso, a análise vai a Plenário, porque entende-se que não houve um resultado unânime. Caso ele fosse um embargo declaratório, a mesma turma que julgou faria uma revisão para sanar algum vício material. 

Desde 2023, o ministro Luiz Fux se põe à favor da condenação dos 400 réus envolvidos na depredação da Praça dos Três Poderes. Para Portella aponta aí uma contradição no comportamento exercido pelo magistrado nesta ação penal: “Fux tem um perfil punitivista, mas está adotando, neste voto, um perfil ultra garantista.”