por
Rafael Pessoa
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29/10/2025 - 12h
Charge dO presidente Donald Trump desejando feliz aniversario a Lula enquanto dois balões, representando Eduardo Bolsonaro e Jair Bolsonaro reagem a cena

 

Coletivos estudantis, sindicatos e civis se organizam para impedir que o projeto de lei avance
por
Iasmim Silva
Maria Luiza Reining
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23/10/2025 - 12h

No dia 21 de setembro, as principais capitais do país amanheceram tomadas por cartazes, faixas e gritos de protesto. Em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e outras cidades, milhares de pessoas se reúnem contra a chamada PEC da Blindagem, proposta de emenda constitucional que restringe investigações e punições a parlamentares, exigindo autorização prévia das Casas Legislativas para o avanço de ações penais. A medida, vista como um retrocesso por juristas e movimentos civis, é o estopim de uma mobilização que, embora diversa, encontra na defesa da transparência um ponto em comum.

Na Avenida Paulista, o asfalto volta a se transformar em um grande espaço de convergência política. Bastam alguns minutos observando a saída da estação Trianon-Masp para visualizar que ali estavam diversos grupos reunidos, como estudantes, professores, aposentados, artistas, advogados, sindicalistas e civis misturados entre bandeiras coloridas e faixas com dizeres diretos: “Quem é inocente pede justiça, não anistia” e “A justiça é igual para todos, PEC da Blindagem não”. Entre os rostos pintados e cartazes improvisados, a foto do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, estampa o rótulo de “inimigo do povo”.

O clima é de cansaço e indignação, não apenas com o texto da PEC, mas com a percepção de que a proposta amplia privilégios e dificulta a responsabilização de agentes públicos. Luiz Biella Jr., advogado de 63 anos, e Andrea Amaral Biella, educadora museal de 53, participam do ato e afirmam que vieram por indignação com o projeto. “Outras pautas horrorosas até vinham passando, mas essa é o limite. É preciso dar um grito para ver se sensibiliza os deputados. Na próxima eleição, é fundamental lembrar disso. Esse retrocesso é horroroso”, dizem.

Homem de vermelho
Manifestante em frente ao MASP. Foto: Iasmim Silva/AGEMT.

Grupos de jovens ligados a coletivos estudantis distribuem panfletos que explicam os impactos da proposta. Se aprovada, a PEC impediria que investigações contra deputados e senadores avançarem sem autorização das próprias Casas Legislativas, o que, segundo especialistas, criaria uma barreira de proteção política e dificulta o combate à corrupção.

O protesto começou de forma pacífica por volta das 14 horas e ganhou corpo ao longo da tarde. Ao som de tambores e palavras de ordem, a manifestação ocupava a Avenida Paulista em direção ao MASP. Organizações civis estimam cerca de 80 mil participantes, número contestado pela Secretaria de Segurança Pública, que aponta 35 mil. Em Brasília, a concentração foi na Esplanada dos Ministérios, com presença de sindicatos e entidades de classe.

Entre os manifestantes, o designer gráfico Érico Prado Martins, de 49 anos, diz que o protesto representa uma resposta da população. “É uma forma de se revoltar contra um sistema que engana o povo. Colocam PECs e projetos de anistia enquanto ignoram o que realmente importa. Se a gente não protesta, eles passam tudo por cima da gente”, afirmou.

Nas redes sociais, hashtags como #PECdaVergonha e #TransparênciaJá alcançaram o topo dos assuntos mais comentados no X (antigo Twitter). O Monitor de Debate Político, grupo de pesquisa da USP, registrou picos de interação durante a manhã e o início da tarde, indicando grande engajamento digital em torno da pauta. A pesquisadora do Monitor, Roberta Lima, avalia que o movimento demonstra um interesse crescente de jovens em temas ligados à ética e à responsabilidade política. Segundo ela, “o engajamento aconteceu tanto de forma presencial quanto digital, refletindo uma disposição em participar do debate público e acompanhar de perto as decisões que afetam o funcionamento das instituições”.

A manifestação ocorre em um contexto de instabilidade política, impulsionado por disputas internas no Congresso e pelo debate sobre o projeto de anistia aos condenados pelos ataques de 8 de janeiro. A repórter Ana Clara Costa, apresentadora do podcast Foro de Teresina da revista piauí, especializada em cobertura política de esquerda, aponta que a PEC da Blindagem surgiu como parte de uma negociação entre o PL e o Centrão para garantir proteção parlamentar e apoio à proposta de anistia de Jair Bolsonaro. Segundo Ana, a PEC não é apenas uma tentativa de autoproteção política, mas parte de um jogo de chantagens e barganhas que expõe a fragilidade ética do Congresso.

Grupo de alunos da USP com cartazes de protesto
Alunos do curso de Gestão de Políticas Públicas da USP. Foto: Maria Luiz Reining/AGEMT.

Cartazes e discursos também faziam referência à anistia, com críticas à tentativa de flexibilizar punições e proteger figuras públicas. Em várias capitais, manifestantes exibiam faixas com os dizeres “Blindagem é impunidade disfarçada” e “Anistia é o nome novo do perdão seletivo”.

Embora não tenha alcançado o tamanho de protestos anteriores, como os de 2013, o ato do dia 21 é considerado expressivo por entidades civis. A mobilização nacional pressiona o Congresso a rever o texto da proposta e reforça o debate sobre a necessidade de garantir mecanismos de fiscalização e responsabilização no exercício de mandatos parlamentares.

Projeto transforma pugilismo em ferramenta anti-opressão e oportunidade de profissionalização para jovens de periferias
por
Sophia Coccetrone
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23/10/2025 - 12h

Boxe Autônomo é um coletivo fundado na capital paulistas em 2015 por Breno Macedo, treinador do projeto e Mestre em História pela USP juntamente com Raphael Piva, instrutor do projeto e Mestre em Antropologia Social pela USP, que também esteve presente no time de futebol amador Autônomos F.C., clube de viés libertário fundado por jovens punks em 2006. É um projeto social e esportivo que busca a utilidade do boxe para autodefesa de grupos oprimidos (mulheres, LGBTs, negros, imigrantes...) ao mesmo tempo que constrói carreiras promissoras para jovens atletas que buscam uma vida melhor de suas famílias através do esporte. O projeto conta com a coordenação e treinamento por Michel de Paula Soares, conhecido como "Micha". O treinador possui doutorado em Antropologia Social pela USP e busca relacionar o boxe como um fenômeno social no Brasil, marginalizado e muitas vezes considerado "luta de cadeia".

Inicialmente, o projeto utilizou a Ocupação Leila Khaled – onde vivem diversos refugiados de guerras originários da Síria e Palestina – para seus treinos, posteriormente, passou pela Favela do Moinho e outros espaços para a divulgação e sustentação do coletivo. Dessa forma, Boxe Autônomo conseguiu criar sua comunidade em São Paulo, atingindo camadas sociais mais necessitadas. Um exemplo é o jovem baiano Kelvy Alecrim, de 19 anos, que conheceu o boxe através das atuações na Favela do Moinho, onde o atleta reside. Kelvy atingiu o tricampeonato brasileiro (2019, 2021, 2023), atuou em Jogos Escolares na França (2022) e conquistou a medalha de bronze na Copa Mundial Juvenil em Montenegro (2023). Segundo ele, nunca havia pensado em praticar a arte marcial antes do contato com o projeto, e a democratização do esporte através dos treinos em comunidades e ocupações o fortaleceu para seguir sua carreira. 

Atualmente, os treinos do Boxe Autônomo acontecem na Casa do Povo, localizada no Bom Retiro, região central de São Paulo, contando com eventos de treinos abertos, almoços coletivos, palestras e atividades artísticas, sempre reforçando seu caráter político-cultural, um dos pilares do coletivo. É importante lembrar que estamos falando de uma área esportiva dominada pelo pensamento conservador e reacionário, principalmente popularizado por grandes estrelas como José Aldo, Rodrigo Minotauro, Wanderlei Silva, Fabrício Werdum e outros nomes do MMA apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados.

Caio César, aluno do Boxe Autônomo e ativista político, diz: “As lutas não podem ficar somente nas mãos daqueles que desejam oprimir (...) Não é inteligente pensar em uma esquerda pacífica e reativa, enquanto nós estamos sem nos proteger, há sempre um extremista de direita que está usando a violência livremente. (...) É claro, não podemos utilizar as artes marciais ou qualquer meio de defesa para causar o mal, mas não podemos ficar parados. É essencial manter as armas e as lutas nas mãos de pessoas inteligentes e preparadas, pois já há gente ignorante e conservadora demais com esses poderes nas mãos.” 

Caio, aluno do Boxe Autônomo, utilizando seu colar com pingente em formato do território Palestino: "A gente se posiciona até nos mínimos detalhes."
Caio César, aluno do Boxe Autônomo, utilizando seu colar com pingente em formato do território Palestino: "A gente se posiciona até nos mínimos detalhes." Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT 

Entre as principais bandeiras do Boxe Autônomo estão: o antifascismo, como o principal pilar e estrutura do pensamento dos atletas e ativistas, anti-imperialismo, com forte solidariedade à pauta palestina e a denúncia ao genocídio na Faixa de Gaza, antirracismo, antimisoginia, com ênfase ao combate ao preconceito sobre os esportes de combate femininos e a exaltação da autodefesa da mulher contra potenciais agressores e apoio aos movimentos dos Sem Terra e Sem Teto. Inclusive, o coletivo é parceiro do Boxe Sem Teto e Centro Social e Desportivo Estrela Vermelha, movimentos que também abraçam a pauta do anti-reacionarismo e a luta combativa em meio às artes marciais.

O grupo de alunos é diverso, contando com todas as faixas etárias e origens ou nacionalidades. Durante o treinamento aberto, um aluno holandês se comunicava com os brasileiros a partir de seu amor pelo boxe e seu esforçado português. Ele conta que começou a prática das artes marciais pelo Kickboxing na Holanda, e que sua namorada brasileira o apresentou ao Boxe Autônomo. Durante o treino, ostentava seu apoio solidário à população palestina, através de sua camisa de treino. 

Aluno holandês utilizando camisa do Palestino, clube de futebol chileno fundado por imigrantes palestinos. Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT
Aluno holandês utilizando camisa do Palestino, clube de futebol chileno fundado por imigrantes palestinos. Foto: Sophia Coccetrone/AGEMT

 

Os treinos do Boxe Autônomo estão disponíveis de segunda à quinta-feira das 18h30 às 19h e aos sábados às 10h30. Os atletas colaboram com um valor fixo mensal, mas para os mais necessitados é ofertado bolsas. 

A manifestação em solidariedade ao povo palestino pedia o fim imediato dos ataques em Gaza
por
Maria Julia Malagutti
Isabelle Muniz
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23/10/2025 - 12h

A Avenida Paulista foi ocupada por uma manifestação em apoio à Palestina no dia 5 de outubro, reunindo milhares de pessoas ao longo da tarde. A concentração começou em frente ao Masp, com a chegada de grupos de diferentes idades e origens, levando bandeiras, faixas e cartazes. Estudantes, representantes de coletivos, movimentos sociais, sindicatos e pessoas sem vínculo com organizações específicas se espalharam pela avenida, que teve uma de suas faixas ocupada durante boa parte do ato. O tom predominante era de indignação diante da situação em Gaza e da escalada da violência no território palestino. Muitos cartazes traziam mensagens de solidariedade e pedidos de cessar-fogo, enquanto outros faziam referência ao histórico do conflito e defendiam o fim de acordos militares com Israel.

As falas feitas em carros de som destacaram a necessidade de pressionar governos e instituições internacionais por uma resposta mais consistente. Também houve espaço para manifestações culturais, como apresentações musicais e leitura de nomes e relatos de vítimas palestinas. A presença de integrantes da comunidade árabe-brasileira foi expressiva, com famílias inteiras participando e levando símbolos, lenços e bandeiras. “Acho que chegou um ponto em que ficar em silêncio já não é opção, estamos aqui pra pedir um cessar-fogo imediato! Por trás dos números, existem vidas, famílias, crianças, pessoas comuns tentando sobreviver.” afirma manifestante, não quis ser identificado.

A manifestação ocorreu em um contexto internacional marcado por denúncias de violações de direitos humanos e preocupação com a crise humanitária na Faixa de Gaza. Relatórios de agências internacionais vêm indicando aumento no número de mortos civis, incluindo crianças, além da destruição de casas e de infraestrutura básica. Esses dados foram citados pelos organizadores nos discursos ao longo do trajeto, reforçando a ideia de que mobilizações em outros países podem contribuir para dar visibilidade ao tema e pressionar diplomaticamente. Entre os participantes, também houve críticas ao posicionamento de países ocidentais e ao que consideram uma cobertura desequilibrada da mídia internacional.

Durante o percurso, diversos cartazes foram erguidos em frente a prédios simbólicos da Avenida Paulista, incluindo a região próxima à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Algumas faixas abordavam a relação entre interesses econômicos e políticas internacionais, com pedidos para que instituições brasileiras revisem contratos e parcerias ligados a setores que atuam na produção e comércio de armas. As mensagens variavam em tom e conteúdo, já que o ato não tinha um documento unificado de reivindicações.

Bandeira Ato Pro Palestina
Manifestante segurando bandeira da Palestina. Foto: Sophia Coccetrone/ AGEMT

A manifestação ocorreu de forma pacífica. A presença policial foi discreta, e não houve registros de confrontos ou tumultos. Coletivos jurídicos e equipes de saúde voluntárias acompanharam o trajeto. O deslocamento aconteceu de maneira gradual, e alguns grupos se retiraram antes do encerramento oficial. Em determinados momentos, o trânsito precisou ser parcialmente desviado, mas sem bloqueio total da avenida.

Em entrevista para a Agemt, Eduardo Viveiros, cientista político, pesquisador do Mediatel (Mediações Telemáticas) e egresso do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política), relatou que as manifestações em apoio à palestina acontecem em diferentes lugares do mundo e são marcadas por grupos progressistas de esquerda, ele afirma que o impacto desses protestos varia de acordo com o alinhamento político e grau de democracia de cada país. “O impacto pode ser maior em estados democráticos, governados por forças progressistas ou de esquerda”.

O especialista também classificou a mobilização como humanitária e política. “Posicionar-se contra um genocídio, limpeza étnica ou uma invasão de um país mais forte contra um mais fraco já implica um alinhamento político”, afirma. Para ele, o papel da sociedade é atuar politicamente, pressionando governos e instituições.

A discussão sobre a cobertura midiática do conflito também esteve presente. Participantes criticaram o que entendem como uma abordagem limitada por parte de grandes veículos de comunicação, com pouca ênfase no impacto humanitário dos ataques. Alguns defenderam o fortalecimento de mídias alternativas, coletivos de comunicação e jornalistas independentes como forma de ampliar o acesso a informações e versões pouco exploradas pelos meios tradicionais. Também houve quem ressaltasse o papel das redes sociais na organização do ato e na circulação de dados, imagens e relatos.

Representantes de movimentos sociais brasileiros aproveitaram o ato para relacionar a pauta palestina a outras lutas locais, como a defesa dos povos indígenas, a denúncia da violência policial e o combate ao racismo estrutural. Essas conexões foram usadas para reforçar o caráter internacionalista das mobilizações e para afirmar que denúncias de violações de direitos humanos não se limitam a fronteiras específicas.

No fim da tarde, os últimos grupos começaram a se dispersar sem registros de incidentes. Mesmo sem um documento final ou manifesto único, os participantes apontaram a possibilidade de novos atos caso a situação no Oriente Médio continue a se agravar.

 

 

Especialistas e organizações de direitos humanos alertam para o aumento de mortes de crianças e adolescentes após mudanças na política de monitoramento da PM
por
Khadijah Calil
Larissa Pereira
Thomas Fernandez
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23/10/2025 - 12h

A reversão na política de uso das câmeras operacionais portáteis (COPs) nos uniformes da Polícia Militar de São Paulo e o aumento da violência letal contra crianças e adolescentes foram pauta nesta segunda-feira (6), na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Organizada pela deputada estadual Marina Helou (Rede), a mesa de debate reuniu representantes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), da Defensoria Pública e do Instituto Sou da Paz, em um momento em que o estado registra um crescimento alarmante das mortes provocadas por agentes de segurança pública.

De acordo com relatório elaborado pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes por intervenção policial em São Paulo aumentaram 120% em 2024. O levantamento mostra que, entre 2020 e 2022, as câmeras corporais haviam contribuído para uma redução de cerca de 60% na letalidade policial. Sendo considerada referência internacional na prevenção de abusos, a política de monitoramento, implementada em gestões anteriores, sofreu mudanças nas diretrizes e a suspensão parcial do uso dos equipamentos durante o atual governo, entretanto, acenderam um alerta entre especialistas e organizações da sociedade civil.

Durante a roda de conversa, a deputada Marina Helou, defendeu que o cenário representa um retrocesso institucional em um momento em que o país deveria avançar na proteção à vida. “Vivemos em um estado em que todos têm uma maior sensação de insegurança, com aumento nos índices de criminalidade e de mortes, inclusive mortes provocadas pela nossa própria polícia e pelo Estado. São mortes institucionais e, entre elas, o aumento de mortes de crianças e adolescentes”, afirmou. A parlamentar cobrou ainda do governo estadual a regulamentação da Lei nº 17.652 de 2023, que cria a Política Estadual de Prevenção à Violência Letal contra Crianças e Adolescentes. Segundo ela, a norma segue sem regulamentação, sem implementação, sem orçamento e sem garantia de que se torne uma política efetiva de proteção à vida. “É fundamental que, como sociedade e como Assembleia, cobremos o governador Tarcísio, porque ele mesmo disse, em eventos públicos, que estava convencido da importância das câmeras corporais. Rever uma política pública tão importante quanto essa é escolher entre a omissão e a prática dos direitos humanos”, completou.

A chefe do escritório do Unicef em São Paulo, Adriana Alvarenga, chamou a atenção para a desigualdade racial nas estatísticas e para o impacto do racismo estrutural na letalidade policial. “A maior parte das vítimas são meninos negros, moradores das periferias. É para eles que precisamos olhar com atenção, reconhecendo que essa situação é também resultado do racismo estrutural presente na nossa sociedade”, afirmou. Segundo os dados do relatório, crianças e adolescentes negros, de 0 a 19 anos, têm 3,7 vezes mais chances de morrer em intervenções policiais do que jovens brancos. Para Adriana, a solução passa também pela formação e pelo acompanhamento dos profissionais de segurança. “É muito importante que o Estatuto da Criança e do Adolescente faça parte não apenas da formação inicial, mas da formação continuada dos policiais, porque à medida que eles se relacionam com diferentes comunidades, precisam se adaptar e aprender constantemente. Outro ponto essencial é o cuidado com a saúde mental dos policiais, que influencia diretamente o tipo de abordagem feita a crianças e adolescentes”, acrescentou.

Em entrevista a AGEMT, a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, reforçou a importância da sociedade civil no processo de formulação e acompanhamento das políticas de segurança. Segundo ela, o enfraquecimento do programa de câmeras corporais representa o resultado de uma política que vinha apresentando resultados positivos. “Estamos aqui debatendo o resultado de um retrocesso — de uma política que vinha dando certo. O desafio é fazer com que o que o policial aprende na sala de aula seja colocado em prática nas ruas. Muitas vezes, quando ele chega ao campo, ouve: ‘Agora sim, você é um policial de verdade’, como se o que aprendeu antes não valesse”, afirmou. Para Bueno, a dificuldade em conciliar a formação técnica com a prática cotidiana reflete um problema que ultrapassa o caso paulista. “Isso não diz respeito apenas ao ECA, mas também às questões raciais e à defesa dos direitos humanos de forma mais ampla. O problema das polícias não é só o da polícia de São Paulo — é um problema nacional”, completou.

Como um dos obstáculos para a mudança, a defensora pública Fernanda Balera destacou a falta de responsabilização de agentes de segurança em casos de violência letal e apontou a tolerância social com esse tipo de prática. “É muito raro que haja denúncias. Quando há, os processos terminam, em sua maioria, com absolvição, sempre tratando o argumento de legítima defesa do policial como verdade absoluta”, declarou. Além do acesso às imagens, Fernanda diz que é necessária uma mudança estrutural na cultura institucional do sistema de justiça e das forças policiais. “As imagens são fundamentais e devem estar à disposição de todas as instituições, mas é preciso também transformar a cultura que naturaliza a violência”, completou.

 

RODA DE CONVERSA PROMOVIDA PELA ALESP SOBRE AS CÂMERAS CORPORAIS USADAS PELA POLICIA DE SÃO PAULO
Roda de conversa na ALESP reuniu especialistas para debater o uso de câmeras corporais pela polícia de São Paulo.
Foto/Reprodução: Barbara Novaes/Alesp

Os dados apresentados pelas instituições reforçam a gravidade do cenário na segurança pública. Entre 2022 e 2024, o número de pessoas mortas por policiais militares em serviço cresceu de 256 para 716, um aumento expressivo após a revisão do programa de câmeras corporais. Em 2025, 496 pessoas foram mortas pelas forças de segurança do estado, sendo 61,3% delas negras. Na capital, foram registradas 156 mortes, 73,4% de vítimas negras. As mortes cometidas por policiais em folga aumentaram 10% em relação a 2024, e as mortes de pessoas negras cresceram 32,3% durante a gestão do governador Tarcísio de Freitas.

O relatório também indica que as interações policiais ficaram mais violentas: em 2022, a cada mil prisões e apreensões em flagrante, 2,3 pessoas morreram em ações de policiais em serviço; em 2024, esse número subiu para 5,3. Além disso, o levantamento aponta que os policiais militares também estão morrendo mais — o que evidencia um cenário de aumento da letalidade em ambos os lados da relação entre Estado e sociedade.

Para a AGEMT, a socióloga e diretora do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo destacou que as câmeras corporais não devem ser vistas apenas como um instrumento de controle, mas também como uma ferramenta de aprimoramento da atuação policial, já que amplia as motivações de implementação da política de monitoramento. “Não é sobre escolher um lado, as câmeras também protegem a vida e o trabalho dos policiais”, afirmou.

As instituições responsáveis pelo estudo concluíram que os programas de uso de câmeras corporais devem ser acompanhados por avaliações independentes e políticas efetivas de controle do uso da força. “Não basta adquirir a tecnologia. É preciso compromisso político, transparência e fortalecimento das estruturas de controle interno e externo das polícias”, destaca o documento. O debate na Alesp reforçou que, diante do aumento da letalidade policial e da ausência de políticas consolidadas de prevenção, a retomada e o aprimoramento do programa de câmeras corporais se tornam não apenas uma medida de transparência, mas uma necessidade urgente para a proteção da vida de crianças, adolescentes e de toda a população paulista.

 

Parlamentares denunciam violação da soberania brasileira e apagamento institucional da identidade transgênero
por
Vitória Nascimento
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22/04/2025 - 12h

 

Na última quarta-feira (16), as deputadas Erika Hilton (PSOL-SP) e Duda Salabert (PDT-MG) revelaram em suas redes sociais que, ao renovarem seus vistos para os Estados Unidos, foram classificadas com o gênero masculino, mesmo sendo reconhecidas como mulheres pela legislação brasileira. A alteração na identificação das parlamentares é resultado das novas políticas implementadas pelo presidente americano, Donald Trump, desde sua posse em janeiro de 2025.

Hilton havia renovado o visto para participar da Brazil Conference, realizada em Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, onde seria palestrante em um curso sobre diversidade e democracia. No entanto, cancelou sua viagem ao descobrir a alteração em sua documentação. Já Salabert foi convidada para um curso sobre políticas públicas da primeira infância, que será realizado em maio, também em Harvard.

“Com o visto vencido, minha assessoria iniciou o processo de renovação junto ao consulado americano. Para minha surpresa -- e revolta -, fui informada de que meu novo visto viria com a marcação de gênero como MASCULINO, com a ‘justificativa’ de que é de conhecimento público no Brasil que sou uma pessoa trans. Ou seja, minha identidade de gênero, reconhecida legalmente pelo Estado brasileiro, seria simplesmente ignorada”, relatou Duda Salabert na rede social “Instagram”.

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No dia seguinte (17), Duda agradeceu as mensagens de apoio que recebeu e reforçou que acredita que o ato foi um ataque diplomático não apenas contra ela, mas contra os documentos emitidos pelo estado brasileiro. Foto: Reprodução/Instagram/@duda_salabert

Ambas as deputadas afirmaram ter acionado o Itamaraty. Hilton declarou ainda que pretende denunciar o caso à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em seu relato publicado nas redes sociais, a deputada paulista expressou preocupação com o fato de um país ignorar documentos oficiais, uma vez que é legalmente identificada como mulher em sua certidão de nascimento e em seu passaporte diplomático - documentos apresentados à embaixada americana para obtenção do visto.

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Nas redes sociais, deputados como Guilherme Boulos (PSOL-SP), Maria do Rosário (PT-RS) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ) demonstraram apoio a Hilton e declararam que a ação foi um ato de transfobia. Foto: Reprodução/Instagram/@hilton_erika

“Ou seja, estão ignorando documentos oficiais de outras nações soberanas, até mesmo de uma representante diplomática, para ir atrás de descobrir se a pessoa, em algum momento, teve um registro diferente”, escreveu a parlamentar em suas redes sociais, referindo-se ao visto que tirou em 2023, no qual foi classificada de acordo com sua documentação oficial.

Na última sexta-feira (18), dois dias depois das deputadas terem se manifestado em suas redes sociais, o chanceler Mauro Vieira em uma entrevista à CNN confirmou que irá se encontrar com Hilton para conversarem sobre a questão, mas ressaltou que a decisão final cabe aos Estados Unidos: “Isso [a mudança] é uma decisão soberana dos Estados Unidos e é a aplicação da lei americana, mas vamos conversar”, declarou.

Em nota, a embaixada americana em Brasília afirmou que os registros de visto são confidenciais e que não comentam casos individuais, mas reforçou que a Ordem Executiva 14168 reconhece apenas dois gêneros - masculino e feminino - considerados imutáveis desde o nascimento. A ordem, emitida por Trump em 20 de janeiro, determina que os órgãos federais adotem uma definição binária e imutável de gênero e veta o reconhecimento da auto identificação de gênero em documentos oficiais, como passaportes.

Em seu pronunciamento nas redes sociais, Hilton declarou que a embaixada deveria adotar os canais apropriados para se manifestar: “E, se a embaixada dos EUA tem algo a falar sobre mim, que falem baixo, dentro do prédio deles. Cercado, de todos os lados, pelo nosso Estado Democrático de Direito.”

Durante o primeiro mandato de Trump, em 2017, a definição de gênero já havia sido estabelecida como binária e imutável, acompanhada de outras medidas que excluíam ou desconsideravam pessoas transgênero. Joe Biden, porém, revogou a maioria dessas políticas no início de seu mandato em 2021. Agora, com o retorno do republicano ao poder, a comunidade trans voltou a perder direitos recém-conquistados, diante da retomada dessas diretrizes.

“A partir de hoje, será a política oficial do governo dos Estados Unidos que haverá apenas dois gêneros: masculino e feminino”, afirmou Trump em seu discurso de posse no dia 20 de janeiro. Nos dias seguintes, ele encerrou programas federais de diversidade, proibiu o recrutamento de pessoas trans no Exército e ordenou a expulsão daquelas já alistadas, além de transferir mulheres trans para presídios masculinos. Outras medidas incluem cortes nos recursos destinados a programas de assistência médica para procedimentos de reafirmação de gênero - agora restritos a maiores de 19 anos - e a proibição da participação de mulheres trans em esportes femininos.

As ações de Trump cumprem promessas de campanha, nas quais a comunidade transgênero foi alvo frequente de ataques. Desde o início do novo mandato, os Departamentos de Saúde e Serviços Humanos passaram a seguir a cartilha presidencial. No site dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), ainda há definições de gênero mais inclusivas, mantidas por decisão judicial. Ao acessar temas relacionados a pessoas trans, o site exibe um aviso destacando que a página não reflete a posição da atual administração e do departamento: “Qualquer informação nesta página que promova a ideologia de gênero é extremamente imprecisa”, diz a nota.

As deputadas Erika Hilton e Duda Salabert foram diretamente impactadas pelas políticas discriminatórias adotadas pelo presidente republicano. Ainda assim, Hilton destacou em seu pronunciamento que possui sua identidade reconhecida legalmente no Brasil: “Mas, no fim do dia, sou uma cidadã brasileira, e tenho meus direitos garantidos e minha existência respeitada pela nossa própria constituição, legislação e jurisprudência.”, afirmou a parlamentar.

Entenda como funciona a manipulação da extrema-direita que reacende sinal de alerta para 2026
por
Oliver de Souza Santiago
Rafael Pessoa
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15/04/2025 - 12h

O cenário político brasileiro tem apresentado um rumo preocupante nestes últimos anos. O aumento dos lobbies de outsiders como Elon Musk e Luciano Hang, somados com a polarização e diversas linhas ideológicas dos partidos nas redes sociais, tem alertado o Legislativo, Judiciário e o Executivo. O discurso de mudanças e urgências, baseado em instigar emoções como ódio, medo e esperança, tem fortalecido o crescimento de políticas extremistas.

No dia 6 de março, o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros políticos de sua base, como Tarcísio de Freitas (Republicanos/SP), Eduardo Bolsonaro (PL/SP) e entre outros,  reuniram-se em Copacabana,  para manifestar o apoio à anistia para os crimes cometidos no atentado do dia 8 de janeiro de 2023. O evento teve a participação de 18,3 mil apoiadores, e apesar da derrota de Bolsonaro nas eleições de 2022, a presença do poder de controle e manipulação do bolsonarismo se mantém presente. Afirmações sobre uma suposta manipulação do pleito eleitoral de 2022 e apoio à anistia para Bolsonaro, que está sendo investigado por envolvimento na trama golpista, foi um dos temas mais comentados.

A imagem acima retrata uma charge do ex-presidente Jair Bolsonaro no ato pró-Anistia, realizado em Copacabana
Charge sobre o protesto sobre o ato pró-Anistia para presos do 8 de janeiro em Copacabana. Foto/Reprodução: Rafael Pessoa (Agemt)

O que começou com o Movimento Passe Livre em 2013, para o atentado de 08 de janeiro de 2023, evidencia o uso de mecanismos de manipulação das massas na mídia ocidental. Veículos de comunicação como Jovem Pan, Brasil Paralelo e Revista Oeste, destacam-se por sua linguagem fácil para todos os públicos, alcance midiático e por propagação de fake news. Além do surgimento de figuras como o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro, o deputado federal, Nikolas Ferreira, o vereador Lucas Pavanato e a vereadora Zoe Martinez, com todos sendo do mesmo partido: o Partido Liberal (PL). Os parlamentares são conhecidos nas redes sociais por sua comunicação intensiva com seus apoiadores e grande parte do eleitorado brasileiro.

Da esquerda para a direita: a vereadora, Zoe Martinez, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro e o vereador, Lucas Pavanato (Foto/Reprodução: instagram @zoebmartinez, instagram @lucaspavanato)
Da esquerda para a direita: a vereadora, Zoe Martinez, o ex-presidente, Jair Bolsonaro, a ex-primeira dama, Michelle Bolsonaro e o vereador, Lucas Pavanato (Foto/Reprodução: instagram @zoebmartinez, instagram @lucaspavanato)

Em entrevista exclusiva para a AGEMT, o influencer político Henrique Lopes, 25 anos, mestrando em Ciências Sociais na USP, explicou quais são os métodos utilizados em maioria pela extrema-direita. “[..] Dentro do universo das redes sociais hoje, principalmente quando você trabalha com política, é praticamente impossível fugir da questão emocional. Toda influência que você tem, e faz conteúdo, para poder influenciar alguma pessoa, tratando-se aqui no Brasil, somos um povo em que a emoção é mais aflorada. Há uma necessidade muito grande de comover alguém a ter algum sentimento. A extrema-direita consegue convencer facilmente com sentimentos negativos.”

“Gerando ódio nas pessoas, deixando elas assustadas, e trabalhando narrativas que se montam em cima desses sentimentos, é fácil conseguir que aquele que está te assistindo tenha a reação que o criador de conteúdo queira passar para o consumidor.”

 

Henrique relembrou sobre o caso da suposta taxação do pix, divulgada amplamente pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL), e apresentou quais argumentos são mais utilizados na propagação destes conteúdos: “Não é sobre defender a família, é colocar um temor na população de caso o outro lado ganhe, ele é inimigo. você precisa ter medo dele, porque senão a sua família vai ser destruída. Que a sua família vai acabar, não ter mais dinheiro para se manter, que todos vão passar fome e o Brasil virar uma Venezuela.”

“A questão do Pix, era o medo de ser vigiado e o governo pegar as suas informações e forçar o povo a pagar mais imposto. De onde ele (Nikolas) tirou essas informações? Ele inventou. O vídeo foi convincente o suficiente para ter 300 milhões de visualizações e muita gente acreditou. Então, são pautas delicadas. As pessoas têm um certo amor por aquilo. Amam a família delas, querem ter condições de comprar o que quiserem, morar no Brasil, e ter a liberdade de expressão. E aí, se eu ataco tudo isso de que o ‘outro lado’ irá destruir tudo o que você gosta, é bem substancial!”

Henrique também respondeu sobre os principais objetivos dos outsiders brasileiros e internacionais: priorizar o lucro próprio ou apoiar a ideologia que estão investindo. Seja por interesse próprio, ou às vezes, de alguém que está financiando aquilo.

Um desses que está super em alta agora, não é brasileiro, mas é um nome forte, é o Elon Musk. Ele faz toda aquela articulação em cima das políticas que acredita, porque ele tem interesses secundários. Um dos ataques ao Brasil que o bilionário fez, por exemplo, é porque uma mina de lítio, que ele tinha interesse, foi leiloada para a China.

Gesto de Elon Musk para apoiadores de Trump durante o desfile inaugural dentro da Capitol One Arena, em Washington, DC - ANGELA WEISS / AFP
Gesto de Elon Musk para apoiadores de Trump durante o desfile inaugural dentro da Capitol One Arena, em Washington, DC - ANGELA WEISS / AFP

Henrique também citou sobre o lobby político do agro, onde o representante desta indústria recebe o dinheiro, e beneficia este mercado no Legislativo, além de manter uma relação mútua onde ambos podem “sair felizes”.

Sobre os possíveis resultados desta manipulação, Henrique ressalta: “Hoje em dia, de um jeito bem grosso, parece que a esquerda eram ‘os caras legais’. Os anti-sistemas. O discurso foi tomado pela direita e extrema-direita, que hoje domina majoritariamente a internet.”

Ameaças antidemocráticas e articulações globais da extrema direita causam mudanças no cenário político brasileiro.
por
Martim Tarifa
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15/04/2025 - 12h

Durante aula magna na PUC-SP, a jornalista Andrea Dip comentou como a tentativa de golpe afetou os objetivos da esquerda no Brasil: “A esquerda virou conservadora no sentido de ter que conservar as instituições, tem que conservar a democracia.”

 No atual cenário não se vê um novo projeto político, de grande mobilização e de pautas progressistas por parte da esquerda. Suas atenções estão voltadas para outras pautas  como garantir manutenção das instituições democráticas, por exemplo. O governo do atual presidente Lula também não traz bons prognósticos, já que segundo pesquisa do PoderData, 51% dos brasileiros desaprovam o governo, maior índice de rejeição desde o início de sua gestão.

No dia 26 de março, foi dado um passo importante no processo de julgamento dos envolvidos na tentativa de golpe em 2022. O ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados se tornaram réus após decisão unanime do STF. Quatro dias depois, um ato contra a anistia dos envolvidos na trama golpista, liderado por Guilherme Boulos na Avenida Paulista em São Paulo reuniu mais de 6 mil pessoas. No assunto mais em pauta atualmente a pouca mobilização é mais um indicativo do que Andrea estava explicando.

Imagem aérea do ato contra anistia na Avenida Paulista. Foto: Toni Pires/Poder360
Imagem aérea do ato contra anistia na Avenida Paulista. Foto: Toni Pires/Poder360

Do outro lado, a extrema direita se articula e sua ascensão no cenário político mundial não é por acaso. O grupo se mobiliza há anos, inclusive com diversos congressos internacionais. A própria Andrea Dip relatou que foi disfarçada a esses congressos e destacou a importância deles: “Essas narrativas que são do Bolsonaro e também do Trump, nascem nesses encontros.” Segundo a jornalista, a esquerda está enganada se pensa que as pautas da extrema direita se limitam a preconceitos e ataques contra imigrantes, “Eles se reúnem para pensar estratégias, são encontros que vão gerar políticas públicas.”

O discurso dos autocratas da extrema direita é mais efetivo porque não necessariamente é verdadeiro. Líderes globais negam a opinião, o direito do outro e dizem que o que importa é o que eles dizem, a realidade é manipulada para o que for de desejo deles. Um estudo feito pela Universidade Livre de Amsterdã afirma que em mais de 26 países, os políticos de extrema direita são os que mais espalham mentiras. O Brasil  está dentro dessa lista. “Populistas de extrema-direita usam a desinformação como uma ferramenta para desestabilizar democracias e obter vantagem política”, disse Petter Törnberg, coautor do estudo com Juliana Chueri em entrevista ao The Guardian.

Relatório mostra a fatalidade das intervenções beirando o cotidiano dos jovens
por
Leticia Falaschi
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11/04/2025 - 12h

Na última quinta-feira (3) foi publicada a segunda edição do relatório As câmeras corporais na Polícia Militar no estado de São Paulo: Mudanças na política e impacto nas mortes de adolescentes, realizado pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). O que se destacou no documento foi o aumento no número de vítimas fatais das intervenções policiais entre crianças e adolescentes: de 2022 para 2024 houve um salto de 120%. O estudo buscou explorar a origem desse salto e analisar sua relação com atual gestão do estado.  

O que mudou nos últimos dois anos, nos órgãos de segurança, foi o aumento de ataques aos programas de contenção de risco. Essas ofensivas tiveram força e apoio pois foram oriundas de representantes de altos cargos, como o atual governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública. A primeira edição do relatório, realizada em 2022, conseguiu acompanhar os números antes e depois da implementação das câmeras corporais nos policiais militares do estado. Os resultados foram esclarecedores: comparando dados de 2017 e 2022, houve uma queda de 66,3% nas mortes na faixa etária de 10 a 19 anos por autoria da polícia militar. Na publicação, a queda foi atribuída ao Programa Olho Vivo adotado pela PMESP e pela Secretaria de Segurança Pública no segundo semestre de 2020. 

gráfico de mortes causadas por intervenção policial em São Paulo de 2001 a 2024
Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 

As crianças e adolescentes vítimas da ação truculenta da PM, registradas no ano passado, superaram o dobro do que foi contabilizado em 2022: saindo de 35 mortes para 77, entre elas, as negras são 3,7 vezes mais atingidas em intervenções letais. Segundo o relatório, a maioria das alterações no modo operante da PM diz respeito ao controle de força e punição dos responsáveis. Apesar do número de câmeras a disposição não ter diminuído, o uso não está sendo cumprido, e a quantidade de arquivos a serem consultados estão mais escassos. Além disso, a acessibilidade desses arquivos foi burocratizada: “Um levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, baseado em 457 solicitações de ocorrências entre julho e novembro de 2024, mostrou que a PMESP não forneceu resposta para 48,3% dos casos. No caso das ocorrências respondidas, em apenas 100 casos foi possível realizar a análise.” diz um trecho do estudo. 

O afrouxamento da Corregedoria da PMESP também foi fortemente sinalizado no relatório. Isso, somado às declarações de representantes do governo questionando a efetividade das câmeras parece ter encorajado os oficiais a abandonarem o uso. A Corregedoria também teve sua autonomia reduzida: agora, para realizar o afastamento de um oficial, a decisão será submetida à solicitação do um subcomandante geral. 

O governo assinou, em setembro de 2024, um contrato com a empresa Motorola para a compra de 12 mil novas câmeras, que substituirão as atuais. Porém, esse novo modelo apresenta alterações sensíveis: além das gravações não serem ininterruptas, o seu acionamento depende da decisão do policial que a usa. As inflexões do programa Olho Vivo são protagonistas nos resultados que assombram a juventude paulista. Apesar de representar apenas 0,6% do orçamento da Secretaria de Segurança, ao longo de 2023 o programa sofreu 37% de cortes do valor inicial de investimento. 

Tabela de princiais mudanças na gestão da Polícia Militar de SP - 2024 para 2025
Fonte: Unicef

No panorama geral, o relatório é alarmante para as crianças paulistas. As reformas questionáveis que insistem em ser realizadas pelos gestores, mesmo diante a eficiência das câmeras se traduzem em letalidade para os jovens do estado. “É importante destacar que 30,1% das mortes de crianças e adolescentes nos últimos oito anos foram provocadas por policiais militares durante a folga desses agentes, o que soma mais 316 vítimas. Em 2024, 1 em cada 4 mortes de adolescentes pela PMESP foi causada pela ação de policiais militares de folga, em ocorrências que não foram classificadas como homicídio doloso.”, expõe a investigação. 

Investigando a Bancada Evangélica e o Extremismo de Direita
por
Victoria Ignez
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10/04/2025 - 12h

Na quinta feira (27/03), Andrea Dip foi recebida na PUC-SP para compartilhar sua trajetória sobre o enfrentamento à extrema-direita na atualidade. Andrea Dip é uma jornalista investigativa com mais de 20 anos de carreira e estudante de psicanálise. Autora do livro - reportagem “Em Nome de Quem? A Bancada Evangélica e Seu Projeto de Poder”, ela se destaca pela abordagem incisiva e corajosa de temas relacionados à política, direitos humanos e extremismo religioso no Brasil. 
 
O Início no Jornalismo  
Sua trajetória começou na revista Caros Amigos, uma publicação conhecida por sua linha editorial crítica e investigativa. Na época, Andrea atuava na cobertura de temas ligados aos direitos humanos, um campo que, segundo ela, evoluiu para ser reconhecido hoje como “jornalismo investigativo”.  
Desde o começo de sua carreira, Andrea se interessou por pautas ligadas à desigualdade e à violência de gênero, o que a levou a aprofundar suas pesquisas e investigações sobre grupos extremistas e suas articulações políticas. Um dos temas centrais de suas investigações recentes é a atuação da bancada evangélica no Congresso Nacional. Andrea apurou como esses grupos influenciam políticas públicas e, muitas vezes, se posicionam contra os direitos de comunidades marginalizadas, como a LGBTQIA+.  
 Seu trabalho envolve a participação em grandes eventos e congressos organizados pela extrema-direita. Nesses espaços, ela analisa discursos e estratégias desses grupos, além de relatar suas experiências como mulher jornalista nesses ambientes.  
 
Desafios no Exterior  
Em um evento realizado em Bruxelas, Andrea enfrentou dificuldades para se credenciar como jornalista devido à “desconfiança da extrema-direita com a imprensa”. No entanto, conseguiu participar como pesquisadora, o que permitiu que continuasse seu trabalho de investigação e análise sobre os discursos fundamentalistas cristãos e sua influência global.  
 
Compromisso com o Jornalismo Investigativo  

Andrea Dip segue firme em sua missão de informar e expor os bastidores do poder e do extremismo. Seu trabalho se destaca pela coragem de enfrentar temas sensíveis e pelo compromisso em dar visibilidade a questões que afetam diretamente os direitos humanos no Brasil e no mundo.  
 Com um olhar atento e uma apuração rigorosa, Andrea Dip reafirma a importância do jornalismo investigativo como ferramenta essencial para a democracia e para a defesa dos direitos fundamentais