A história do grupo que ultrapassou as barreiras sonoras pode ser vista no centro de SP até o fim de agosto
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Por Guilbert Inácio
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26/06/2025 - 12h

A exposição “O Quinto Elemento”, em homenagem aos 35 anos do notório grupo de rap Racionais MC’s, está em cartaz desde o dia 06 de dezembro de 2024, no Museu das Favelas, no Pátio do Colégio, região central da cidade de São Paulo. A mostra era para ter sido encerrada em 31 de maio de 2025, mas, devido ao sucesso, vai agora até 31 de agosto.

A imagem mostra um painel os quatros membros dos Racionais MC's
Em 2024, o museu ganhou o prêmio de Projeto Especial da Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) pela exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Museu das Favelas

O Museu das Favelas está localizado no Centro histórico de São Paulo, mas esse nem sempre foi o seu endereço. Inaugurado no dia 25 de novembro de 2022, no Palácio dos Campos Elíseos, o Museu das Favelas ficou 23 meses no local até trocar de lugar com a Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, no dia 26 de agosto de 2024.  

Fechado por três meses, o museu reabriu no dia 06 de dezembro de 2024, já com a nova exposição dos Racionais MC’s. Em entrevista à AGEMT, Eduardo Matos, um dos educadores do museu, explicou que a proposta da exposição chegou neles por meio de Eliane Dias, curadora da exposição, CEO da Boogie Naipe, produtora dos Racionais e esposa do Mano Brown. Eduardo complementou que o museu trocou de lugar para ter mais espaço para a mostra, já que no Campos Elísios não teria espaço suficiente para implantar a ideia. 

Tarso Oliveira, jornalista e historiador com pós-graduação em Africanidades e Cultura Afro-Brasileira, comentou que a gratuidade do museu é um convite para periferia conhecer a sua própria história e que, quando falamos de Racionais MC's, falamos de uma história dentro da história da cultura hip-hop, que salvou várias gerações fadadas a serem esquecidas e massacradas pelo racismo estrutural no Brasil. “Nós temos oportunidades de escrever a nossa narrativa pelas nossas mãos e voltada para o nosso povo. Isso é a quebra fundamental do epistemicídio que a filósofa Sueli Carneiro cita como uma das primeiras violências que a periferia sofre.”, afirma o historiador. 

O Quinto Elemento

Basta subir as escadas para o segundo andar do museu, para iniciar a imersão ao mundo dos Racionais. Na entrada, à sua direita, é possível ouvir áudios do metrô, com o anúncio das estações. Uma delas, a estação São Bento da linha 1-Azul, foi o berço do hip-hop em São Paulo, na década de 1980. À esquerda está um som com músicas dos Racionais, uma trilha que você irá ouvir em todos os espaços da exposição.

A imagem apresenta três placas, em sequência, com os dizeres "X", "Racionais MC's" e "Vida Loka".
Placas semelhantes às placas com nomes de rua trazem as letras do grupo. Foto: Guilbert Inácio.

No primeiro espaço, podemos ver o figurino do Lorde Joker, além de uma breve explicação da presença recorrente na obra do grupo da figura do palhaço em apresentações e músicas como “Jesus Chorou”, em que Mano Brown canta: “Não entende o que eu sou. Não entende o que eu faço. Não entende a dor e as lágrimas do palhaço.”

A imagem mostra uma fantasia laranja de um palhaço. Ao lado, há uma televisão.
O figurino é usado em shows pelo dançarino de break Jorge Paixão. Foto: Guilbert Inácio. 

Ao adentrar o segundo espaço, você mergulha na ancestralidade do grupo. Primeiro vemos imagens e um pouco da história das mães dos quatro membros, Dona Benedita, mãe e avó de Ice Blue; Dona Ana, mãe do Mano Brown; Dona Maria José, mãe de KL Jay e Dona Natalícia, mãe de Edi Rock. Todas elas são muito importantes para o grupo e ganharam, inclusive, referências em músicas como “Negro Drama” em que Brown canta: “Aí Dona Ana, sem palavra. A senhora é uma rainha, rainha”. 

É nessa área que descobrimos o significado do nome da exposição. Há um painel no local com um exame de DNA dos quatro integrantes que revela o ponto de encontro entre eles ou o quinto elemento – a África.

A imagem mostra um painel com o exame de DNA dos quatro membros dos Racionais MC's
Na “Selva de Pedra”, antes de todos se conhecerem, todos já estavam conectados por meio da ancestralidade. Foto: Guilbert Inácio.

O título se torna ainda mais significativo quando lembramos que a cultura hip-hop é composta por quatro elementos: rap, beat, break dance e grafite. O quinto elemento seria o conhecimento e a filosofia transmitida pelos Racionais, grupo já imortalizado na cultura brasileira, sobretudo na cultura periférica. 

Na terceira área, podemos conhecer um pouco de Pedro Paulo Soares Pereira, o Mano Brown; Paulo Eduardo Salvador, mais conhecido como Ice Blue; Edivaldo Pereira Alves, o Edi Rock e, por fim, Kleber Geraldo Lelis Simões, o KL Jay. Entre os inúmeros objetos, temos o quimono de karatê de Blue e o trombone de seu pai, a CDC do KL Jay, rascunhos de letras de Brown e Edi Rock.

A imagem mostra um bicicleta BMX azul
Primeira BMX de Edi Rock. Foto: Guilbert Inácio. 

O próximo espaço é o “Becos do som e do Tempo”, que está dividido em vários pequenos slots que mostram a trajetória musical do grupo. Podemos ver rascunhos de letras, registros de shows e a história de algumas músicas, além de alguns prêmios conquistados durante a carreira do grupo. 

Algumas produções expostas são “Holocausto Urbano” (1990); “Escolha seu Caminho” (1992); “Raio X do Brasil” (1993); “Sobrevivendo no Inferno” (1997); “Nada Como um Dia Após o outro Dia” (2002).

A imagem mostra um painel com os dizeres "Minha palavra vale um tiro, eu tenho muita munição" e uma foto dos quatro membros dos Racionais MC's. Ao lado, há fotos individuais dos membros.
O grupo confirmou um novo álbum para este ano, mas ainda não divulgou o título da obra nem a data de lançamento. Foto: Guilbert Inácio.

Nos próximos espaços, tem uma área sobre o impacto cultural, um cinema que exibe shows e o local “Trutas que se Foram” em homenagem a várias personalidades da cultura hip-hop que já morreram. A exposição se encerra no camarim, onde estão disponíveis alguns papéis e canetas para quem quiser deixar um registro particular na exposição.

A imagem mostra uma pequena placa com a foto da Dina Di e os dizeres: "Dina Di. Cria da área 019, como as quebradas conhecem a região de Campinas, no interior de São Paulo, Viviane Lopes Matias, a Dina Di, foi uma das mulheres mais importantes do rap no Brasil. Dina era a voz do grupo Visão de Rua. Dona de uma voz forte, assim como sua personalidade, a rapper nasceu em 19 de fevereiro de 1976 e morreu em 19 de março de 2010. Foi uma das primeiras mulheres a conquistar espaço no rap nacional. Dina nos deixou por causa de uma infecção hospitalar, que a atingiu 17 dias após o parto de sua segunda filha, Aline."
Nomes como Sabotage, Chorão, WGI, entre outros são homenageados na exposição. Foto: Guilbert Inácio. 

Segundo Eduardo, a exposição está movimentando bastante o museu, com uma média de 500 a 800 pessoas por dia. Ele conta que o ápice da visitação foi um dia em que 1500 pessoas apareceram no local. O educador complementa que, quando a exibição chegou perto da sua primeira data de encerramento, em maio, as filas para visitar o espaço aumentaram consideravelmente. O que ajudou a administração a decidir pela prorrogação.  

Eduardo também destaca que muitas pessoas vão ao museu achando que ele é elitizado, mas a partir do momento em que eles veem que o Museu das Favelas é acolhedor, com funcionários dispostos a tirar suas dúvidas e com temas que narram o cotidiano da população brasileira, tudo muda. 

 “Dá para sentir que o pessoal se sente acolhido, e tendo um movimento desse com um grupo que é das favelas, das quebradas, que o pessoal se identifica, é muito melhor. Chama atenção e o pessoal consegue ver que o museu também é lugar da periferia”, conclui. 

Impacto Cultural

Os Racionais surgiram em 1988 e, durante todo o trajeto da exposição, podemos ver o quão importante eles são até hoje para a cultura brasileira, seja por meio de suas músicas que denunciaram e denunciam o racismo, a violência do Estado e a miséria na periferia – marcada pela pobreza e pela criminalidade –, seja ocupando outros espaços como as provas nacionais e vestibulares.

A imagem mostra duas provas do Exame do Ensino Médio de 2023 com os trechos "Até no lixão nasce Flor" e É só questão de tempo, o fim do sofrimento".".
Trechos de Vida Loka, parte I e II nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio de 2023 (ENEM). Foto: Guilbert Inácio. 

Em 2021, foi ao ar a primeira temporada do podcast Mano a Mano, conduzido por Brown e a jornalista Semayat Oliveira, que chegou a sua terceira temporada em 2025.

Inclusive, o podcast, que já teve inúmeros convidados da cultura e da política vai virar  um livro, homônimo. A publicação sairá pela Companhia das Letras, que já publicou o livro “Sobrevivendo no Inferno”, em 2017. 

Segundo Tarso, o grupo representa a maior bandeira que a cultura negra e periférica já levantou nesse país, visto por muitos como super-heróis do gueto contra um sistema racista e neoliberal; além de produtores de uma música capaz de mudar a atitude e a perspectiva das pessoas, trazendo autoestima, além de muito conhecimento. 

“Um dos principais motivos do grupo se manter presente no cenário cultural é não se acomodar com a "força da camisa", como cita o Blue.  E sempre buscar ir além artisticamente, fazendo com que seus fãs tendam a ir para o mesmo caminho e continuem admirando sua arte e missão.”, finaliza Tarso. 

 

Serviço

O Museu das Favelas é gratuito e está aberto de terça a domingo, das 10h às 17h, com permanência permitida até às 18h. A retirada dos ingressos pode ser online ou na recepção do museu. Além da exposição “O Quinto Elemento”, também é possível visitar as exibições “Sobre Vivências” e “Favela é Giro”, nos mesmos horários.

Obra de Amailton Magno Azevedo discute como o rap colaborou na elaboração de uma estética da resistência
por
Julia Sena
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09/06/2025 - 12h

 

Em março de 2025, o grupo “Racionais MC 's” recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Unicamp, título concedido pelas universidades a personalidades de projeção nacional e internacional que fizeram contribuições notáveis à cultura e à sociedade. Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue, receberam a homenagem, que fez questão de enfatizar a importância do grupo para a construção de uma narrativa negra urbana no Brasil e serviu, entre outras coisas, para o reconhecimento do rap pela academia.  

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Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue recebem o título de “Doutor Honoris Causa”.  Foto/Reprodução: Antônio Scarpinetti (SEC/Unicamp)  

A proposta da honraria foi feita professores do IFCH e aprovada pelo Conselho Universitário em novembro de 2023. Dentre os docentes estavam Daniela Vieira dos Santos e Jaqueline Lima Santos, responsáveis pela organização do livro Racionais: Entre o Gatilho e a Tempestade (Ed. Perspectiva, 2023). A obra busca analisar como a linguagem utilizada pelos Racionais MC´S dialoga com os jovens periféricos, usando como fio condutor a estética, letras, melodias e referencias do grupo, com análises de diversos pesquisadores da área, como Acauam de Oliveira, Ana Lúcia Silva Souza e Janaína Machado, entre outros.  

No final de 2024, Amailton Magno Azevedo, que este ano relança seu livro As micro Áfricas em São Paulo: sambas, quintais e arranha-céus (Editora Dandara, 2025), lançou sua obra intitulada Na Trama do Rap (Educ, 2024). O pesquisador e professor do programa de pós-graduação de história da PUC-SP conta, em entrevista para a AGEMT, que sua jornada intelectual foi atravessada diretamente pelo impacto que o Racionais teve em sua formação. “Foi uma revelação, uma descoberta, como se eles estivessem falando de mim, para mim. Eu me reconhecia muito naquelas letras, aquilo me estimulou a querer saber quem eram aquelas pessoas”, conta relembrando quando ouviu Raio X do Brasil, ainda na graduação. 

Amailton defende que o rap, longe de ser apenas um gênero musical, constitui uma “espécie de veículo de transmissão de uma complexa gama de visão de mundo, de quereres, fazeres, expectativas e projetos de sociedade e de cidade”. Ele observa que o gênero cumpre um papel semelhante ao de outras expressões culturais negras, como o samba e o funk, ao permitir a elaboração de uma estética de resistência. Ao longo dos anos o movimento tem se transformado em uma cultura de massa, o que segundo o pesquisador é um bom indicativo de que as vozes negras estão sendo ouvidas. 

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Amailton e KL Jay no evento de Lançamento do livro “Na Trama do Rap”. Reprodução: @amailtonazevedo/Instagram 

Na área acadêmica, o pesquisador compartilha em trechos de seu livro um conceito estabelecido por Kabengele Munanga, que visa acabar com a ideia do negro visto apenas como um objeto de análise. “É preciso buscar e examinar a subjetividade. O negro como sujeito é uma perspectiva metodológica. Produzir um conhecimento que leve em consideração o negro como sujeito de si mesmo, como produtor de conhecimento e não apenas objeto de estudo.”, defende. 

Em Na Trama do Rap, Amailton também destrincha o papel da alegria, do riso e da celebração como sendo ferramentas políticas fundamentais na luta contra o racismo, ao invés de serem ferramentas de alienação, como algumas pessoas afirmam. “A música, a festa e, a dança negras foram e continuam sendo vitais no sentido de afirmar e realizar um jeito negro de ser no mundo. Sem dança e sem música a festa não tem graça. E nenhuma revolução será exitosa se não passar pelo riso.”, completou.  

Com o relançamento do livro, o autor pretende aprofundar a investigação sobre a chamada “velha geração” do rap nacional, da qual os Racionais MC’s são os principais representantes. “O livro joga luz nessa tendência que o Racionais inaugura e consolida: o rap político”. O reconhecimento institucional do grupo é um marco que evidencia o quanto a cultura de rua, a arte negra e a linguagem  periférica ganham espaço no fazer acadêmico. 

“Na Trama do Rap” foi publicada pela Educ, editora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A obra está disponível para compra aqui.

Liberado no dia 13 de março, o projeto retoma a tradição do rapper, além de trazer inúmeras referências culturais
por
Guilbert Inácio
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24/03/2025 - 12h
O ambiente da imagem é uma casa antiga. Djonga aparece em pé do lado direito com boné, jaqueta e correntes de ouro. A parede atrás do artista está quebrada e os tijolos que faltam aparecem empilhados ao lado direito do rapper. Em cima dos tijolos, há pepitas e correntes de ouro, além de um galo. Há uma janela desgastada em cima da pilha do lado esquerdo.
Djonga no material promocional do álbum / Foto: Reprodução - @djongador

Djonga lançou seu novo álbum intitulado "Quanto Mais Eu Como, Mais Fome Eu Sinto!". A produção marca o retorno de uma data significativa para o rap nacional e conta com as participações de Milton Nascimento, Samuel Rosa, RT Mallone, Dora Morelenbaum, além dos já conhecidos DJ Coyote Beatz e Rapaz do Dread.

Até então seu último álbum era "Inocente 'Demotape'", lançado no dia 13 de outubro de 2023, com uma pegada diferente do resto da discografia do artista, pois Djonga focou em temas como amor, sexo e o cotidiano. Em 2024, o rapper mineiro participou apenas de projetos de outros artistas, quebrando o ciclo de lançamentos anuais desde seu primeiro álbum, em 2017.

Agora, Djonga retomou os lançamentos, ao dar vida ao seu novo álbum que contém 12 faixas, traduzindo o conceito que o artista trouxe no título da obra. A fome que antes era um impulso de sobrevivência do rapper mineiro, hoje representa uma inquietação, uma busca por evolução e superação, além de afirmar quem ele é.

Nas faixas ele passa por temas marcantes de sua obra como o racismo, a justiça social e a violência na sociedade, mas também, há uma análise antropológica ao falar sobre angústias, dúvidas, frustrações, conquistas do ser humano e ainda, sobre o reconhecimento que obteve de seus ídolos e de pessoas periféricas. Características que marcam a nova fase de experimentação do artista. Não é mais seu corpo que sente fome, mas sim sua alma, faminta de autoconhecimento.

Referências culturais

Djonga sempre trouxe sua religião, Umbanda, para suas músicas. No novo projeto não foi diferente. Dentre as referências citadas, a mais marcante é o paralelo do nome da obra com a história de Exu, um dos Orixás primordiais, presente em religiões de matrizes africanas. Segundo a crença, Exu come primeiro por causa de sua fome insaciável. A história do Orixá aparece, parcialmente, encerrando as músicas "Fome" e "Ponto de Vista".

Já a participação de Milton Nascimento no álbum é um encontro entre Gustavo Pereira Marques, nome real de Djonga, com uma de suas referências na música. O primeiro álbum de Djonga, Heresia, tem como capa uma releitura do LP "Clube da Esquina", lançado em 1972, por Milton Nascimento e Lô Borges.

Do lado esquerdo, há a capa do álbum Heresia, composto por uma edição fotográfica que colou Djonga sentado do lado dele mesmo. Ambos estão sentados em uma estrada de terra e ao fundo há uma floresta. Do lado direito está a capa do LP Clube da Esquina que mostra duas crianças sentadas em uma estrada de terra. Ao fundo, há uma cerca de arame e uma floresta.
Capa de “Heresia”, à esquerda, e “Clube da Esquina”, à direita / Fotos: Reprodução - Spotify

O célebre artista da MPB está presente na faixa "Demoro a Dormir" que, assim como “Heresia”, une o passado e o presente. Por meio de citação do Melhor Filme Internacional do Oscar 2025, "Ainda Estou Aqui" - obra que retrata a história de Eunice Paiva, a qual lutou por justiça na Ditadura Cívico-Militar - a música nos lembra que a violência e o autoritarismo permanecem presentes na sociedade atual.

Na faixa "Te Espero Lá", Djonga fala da passagem de sua antiga fome para a nova, com destaque para um trecho em que ele diz que as marcas mais importantes não são as que ele pode comprar, mas sim, as que estão na alma e que tenta curar com o que compra. A música também traz um refrão que flerta com o Pop, cantado por Samuel Rosa, outro ícone da música brasileira.

A música "Ponto de Vista", traz o artista RT Mallone, atual campeão do reality musical "Nova Cena" da Netflix, que conta um pouco das dificuldades que passou em Juiz de Fora (MG) e a ascensão social que adquiriu por meio do rap. Djonga canta sobre as críticas superficiais que os haters fazem a respeito dele, enfatizando que tudo é só um ponto de vista.

A faixa que encerra o álbum, "Ainda", tem a voz marcante de Dora Morelenbaum que acompanha a voz de Djonga, cantando sobre os caminhos escolhidos pelo artista durante sua vida.

Além de tantas outras referências, todo o álbum tem beats e arranjos feitos por Coyote Beatz e Rapaz do Dread, velhos conhecidos pelos fãs do artista. O destaque da produção musical fica para a música "Melhor que Ontem" que traz um sample de "Último Romance", canção da banda "Los Hermanos".

Por que dia 13 de março?

"Lanço todo dia 13 pra provar pra tu / Que um raio cai de novo no ‘memo’ lugar" verso da música "Oto Patamá", lançada por Djonga em 2020, que sintetiza o que a data significa para o artista. O rapper explicou em 2021, ao Marcelo Tas, no programa Provoca da TV Cultura, que lançou o seu primeiro álbum na data, um ano depois, seu novo projeto ficou pronto antes de março, então ele decidiu lançar no mesmo dia. 

A partir daí virou um compromisso com ele mesmo, de se desafiar, ao lançar um álbum novo com o prazo de um ano. Embora o ciclo tenha sido quebrado em 2022, o dia 13 permaneceu. O número é simbólico para o Atlético-MG, time de coração de Djonga.

Confira a discografia do rapper:

  • Heresia (13 de março de 2017);
  • O Menino que Queria Ser Deus (13 de março de 2018);
  • Ladrão (13 de março de 2019);
  • Histórias da Minha Área (13 de março de 2020);
  • Nu (13 de março de 2021);
  • O Dono do Lugar (13 de outubro de 2022);
  • Inocente "Demotape" (13 de outubro de 2023).

Criado pelo rapper mineiro, a data é uma espécie de "feriado" no rap nacional. O artista também criou a icônica frase utilizada pelo movimento negro: "Fogo nos Racista", refrão de seu perfil "Olho de Tigre" na PineappleStormTV. A frase evoca a resistência antirracista e a luta por justiça social, tornando Djonga, um dos mais importantes artistas do gênero no país, além de ser uma inspiração para as próximas gerações.

 

Artista também é terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy
por
Beatriz Alencar
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14/03/2025 - 12h

A cantora Doechii foi nomeada a Mulher do Ano de 2025 pela Billboard, com o anúncio feito nesta segunda-feira (10). Com o título, a artista norte-americana tornou-se a segunda rapper a ganhar a honraria no mundo da música, a primeira foi a Cardi B, premiada em 2020.

A revista da Billboard descreveu Doechii como uma das principais artistas da atualidade a “redefinir o que é ser uma precursora na indústria musical”. Ela será homenageada em um evento da Billboard no final deste mês.

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

Foto: Divulgação álbum “Alligator Nites Never Heal” | Reprodução: Redes sociais | Fotógrafo: John Jay

A rapper, de apenas 26 anos, fortaleceu mais a carreira musical em 2024, com o lançamento do álbum “Alligator Bites Never Heal”, uma aposta de mistura entre os gêneros R & B e hip-hop. O mixtape foi indicado para três categorias do Grammy, entre eles o Melhor Álbum de Rap, marcando a primeira vez desse estilo de faixa feito por uma mulher a alcançar essa indicação.

Apesar disso, após a indicação de Melhor Álbum de Rap, Doechii foi convidada para fazer parte da faixa “Baloon” do álbum “Chromakopia”, do rapper Tyler, The Creator. A participação aumentou a visibilidade da artista que começou a fazer apresentações virais em festivais e em programas de rádio e televisão.

As composições de Doechii já viralizavam nas redes sociais desde 2020, com músicas como “What It Is” e "Yucky Blucky Fruitcake", mas as músicas não eram associadas com a imagem da artista. Foi somente após o espaço na mídia tradicional e o convite de Tyler que a rapper foi reconhecida.

Em fevereiro deste ano, Doechii se tornou a terceira mulher a vencer a categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy ao sair vitoriosa na edição de 2025, novamente, seguindo a história de Cardi B.

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

Foto: sessão de fotos para a revista The Cut - edição de fevereiro | Fotógrafo: Richie Shazam

A apresentação da artista norte-americana na premiação, ocorrida no dia 2 de fevereiro, também foi classificada pela Billboard, como a melhor da noite. A versatilidade, modernidade e o fato de ser uma mulher preta na indústria da música, aparecem tanto nas faixas de Doechii quanto nas roupas e shows, fixando essas características como um dos pontos principais da identidade da artista.

A rapper tem planos de lançar o próximo álbum ainda em 2025, e definiu os últimos meses como um "florescer de um trabalho longo", em declaração a jornalistas na saída do Grammy.

Pesquisa do Datafolha evidencia a complexidade das percepções raciais no país
por
Letícia Alcântara
Sophia Razel
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03/12/2024 - 12h
Garotas negras em pé e sentadas em um corredor
Jovens reunidos em um espaço que reflete a diversidade  Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Na última terça-feira de novembro (25), uma pesquisa conduzida pelo Instituto DataFolha e divulgada na mesma semana revelou dados significativos sobre a percepção racial no Brasil. O levantamento mostrou que 6 em cada 10 pessoas que se autodeclaram pardas não se consideram negras, evidenciando uma desconexão entre a autodeclaração oficial e a forma como essas pessoas percebem sua identidade racial. Por outro lado, entre os brasileiros que se identificam como pretos, 96% se reconhecem como negros, enquanto 4% não compartilham dessa visão.

Em relação a preconceito e racismo, a mesma pesquisa revelou que 59% dos brasileiros consideram que a maioria da população é racista, 30% considera que apenas uma minoria, 5% que toda a população seria, 4% que ninguém seria, enquanto 2% não souberam responder. Entre os gêneros, 74% das mulheres  acreditam que todos ou a maioria dos brasileiros são racistas. Por sua vez, entre os homens, esse percentual cai para 45%.

 

Percepção e Vivências do Racismo no Brasil

Ainda sobre a percepção referente ao racismo no Brasil, para 45% da população o racismo aumentou ao longo dos anos, enquanto 35% acreditam que o cenário  permanece o mesmo. Apenas 20% dos entrevistados enxergam uma redução nos casos de discriminação.

Quando perguntados em relação ao contexto onde o racismo está mais presente, a maioria dos brasileiros, 56%, aponta que as atitudes das pessoas são a principal manifestação do problema. Outros 27% acreditam que ele está mais evidente nas estruturas institucionais, como empresas e governos, enquanto 13% consideram que o racismo está igualmente distribuído entre comportamentos individuais e sistemas institucionais. Por fim, 4% dos participantes não souberam opinar sobre a questão.

A pesquisa também abordou vivências individuais de discriminação. Entre os entrevistados que se identificam como pretos, 56% relataram já ter sofrido preconceito relacionado à cor da pele. Esse percentual é significativamente maior entre os pardos, dos quais 17% relataram ter enfrentado situações semelhantes. Já entre os brancos, o índice cai para 7%.

Realizado em 113 municípios brasileiros, o estudo contou com a participação de aproximadamente 2.004 pessoas e buscou compreender as nuances entre autodeclaração racial e identidade, além de explorar como os brasileiros enxergam o racismo na sociedade. O objetivo do levantamento é fomentar debates mais aprofundados sobre a questão racial no país. 

Conceito defendido por Hélio Santos confirma que no futebol, assim como na sociedade, pessoas não se percebem preconceituosas
por
Giulia Dadamo
Mohara Ogando Cherubin
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20/10/2023 - 12h

Pesquisa feita pelo Instituto Peregum e a Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista (Seta) em agosto deste ano aponta  'dificuldade de entender como o racismo se manifesta no cotidiano'. Os dados indicam que 81% da população considera o Brasil racista, mas só 11% admite responsabilidade “Aqui, temos o ‘racismo cordial’, todo mundo entende que há racismo na sociedade, mas eu não sou racista, racistas são os outros”, afirmou o escritor Hélio Santos.

Relembre alguns casos de racismo com jogadores brasileiros:

Apenas cinco anos após deixar seu país para jogar no Real Madrid, Vinicius Junior se encontrou, mais uma vez, em meio a gestos racistas e imitações de sons de macaco, em maio deste ano. E após ter vivido mais de dez casos desde o seu início de carreira no Flamengo, este foi o primeiro a gerar a punição de um clube.

"Eu sou forte e vou até o fim contra os racistas", reagiu Vini Jr. após o caso em suas redes sociais. Como resposta, o presidente da LaLiga (Javier Tebas) disse que não iria permitir que o jogador a "manchasse". Dois dias depois, três torcedores foram detidos, acusados de serem os responsáveis pelos insultos a Vini, porém foram rapidamente liberados. Pela primeira vez na história, a Federação Espanhola fechou um setor do estádio Mestalla e multou o Valencia por causa de um jogador, além de anular a expulsão de Vini Jr. no jogo ao indicar mau uso do VAR.

Em entrevista para a Agemt, Camila Esteves, 18, estudante de enfermagem e membro ativo da comunidade negra, diz que a situação de Vini Jr. foi repugnante, não apenas o caso de racismo, mas também a falta de intervenção por parte da La Liga e a expulsão do jogador no fim do jogo. "As atitudes tomadas durante o jogo conseguiram tornar a situação ainda mais cruel", afirma. 

Camila já passou por situações similares à do jogador. Aos 12 anos ouviu a frase "Macaco está permitido ganhar qualquer luta" após vencer um campeonato de judô. O comentário racista fez com que Camila se tornasse insegura em relação ao esporte, tendo medo de ganhar outra partida e receber comentários maldosos novamente. "O racismo abala a nossa relação com nós mesmos, nos torna inseguros, com medo de seguir em frente".

Pela desigualdade de audiência dos jogos femininos (comparados aos masculinos), casos como este ficam ainda mais silenciados e crueis, visto que as atletas têm menos espaço de fala em sociedade e receio de ter sua carreira afetada pela denúncia. Em novembro do ano passado, por exemplo, a ex-jogadora do Gremio, Luany, foi a vítima da vez. "Estou precisando de um desse para fazer espanador em casa", foi a frase dita por um torcedor em referência ao cabelo da atacante. 

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Luany, ex-atacante do Grêmio - Autor: Fernando Alves 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Medidas contra o racismo no esporte: 

A situação, porém, tende a mudar. De acordo com a Agência Senado, no dia 13 deste mês ocorreu um debate entre senadores em audiência pública para punições mais rígidas contra o racismo no futebol e para a implementacao de programas de educação desde as categorias de base e políticas afirmativas envolvendo clubes, federações, patrocinadores e poderes públicos.

O debate, que foi marcado devido ao crescimento de denúncias de discriminação dentro e fora do campo nos últimos anos, contou com a participação da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e do presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), José Perdiz de Jesus, além de representantes do Ministério do Esporte e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). 

Segundo relatório do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a quantidade de denúncias de racimo no futebol monitoradas em 2023 já são mais que o dobro do que os casos registrados no ano passado. 

Após décadas de falhas representações, população negra se reconhece nas telas do cinema nacional
por
João Pedro Lopes Oliveira
Vitória Nascimento
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19/10/2023 - 12h

O protagonismo negro no cinema nacional é mais do que uma tendência, é uma necessidade urgente para construir uma indústria cinematográfica verdadeiramente inclusiva e representativa. Com o apoio de organizações como a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negros (APAN) e eventos como a Mostra OJU, o Brasil está trilhando um caminho positivo em direção a um futuro cinematográfico mais diversificado e vibrante.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 56% da população brasileira se autodeclara negra. No entanto, historicamente, o cinema nacional não refletiu essa diversidade. Nos últimos anos, houve um aumento notável no número de filmes e produções que apresentam protagonistas negros, mas ainda há muito a ser feito. Segundo a Agência Nacional do Cinema (ANCINE), em 2022, apenas 20% dos filmes nacionais tinham protagonistas negros. Este número, embora crescente, sublinha a carência de mais representatividade.

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Gabriel Knoxx e Gleici Damasceno no filme "Noites Alienígenas" de Sérgio de Carvalho. Foto: Divulgação/Vitrine Filmes

Ignorados pela indústria cinematográfica ao longo da história, os cineastas negros sentiram a necessidade de se unirem em uma única voz para reivindicarem seus direitos, assim em 2016 foi criada a APAN, com o objetivo de desenvolverem políticas públicas. Entre os seus projetos oferecem um laboratório de roteiro, direção e produção para realizadores negros terem a oportunidade de se inserir e se firmar no mercado audiovisual, além de também possuir sua própria plataforma de streaming para garantir uma distribuição mais diversa. “Embora haja progressos, ainda há muito trabalho a ser feito para garantir diversidade e inclusão em todas as áreas da produção cinematográfica.” declara Kayke Leonel, estudante de cinema. O que começou com apenas 20 profissionais, hoje conta com quase mil associados.

Outro passo importante foi a criação da Mostra OJU em 2022 pelo Sesc São Paulo. Pensada como um meio de difusão, a mostra tem foco através da exibição de desde curtas a longas-metragens, cursos, palestras e oficinas celebrar cineastas negros e aumentar a visibilidade de seus projetos. Para o futuro cineasta, Leonel, é importante que essa difusão não se limite apenas ao cinema independente “É fundamental que a indústria mainstream também abrace e promova histórias diversas, para que a representatividade não seja limitada a um segmento específico do cinema, mas esteja presente em todas as formas de produção cinematográfica.”

A representatividade no cinema nacional não é apenas uma questão de números. Ela tem um impacto profundo na sociedade, desafiando estereótipos e oferecendo modelos positivos para crianças e jovens negros. Ao verem histórias que refletem suas próprias experiências, o público é capacitado e incentivado a sonhar mais alto.

Para a comunidade negra, ver personagens que se parecem com eles nas telas é mais do que uma experiência cinematográfica. É um lembrete poderoso de que suas histórias importam, que suas vozes são ouvidas e que suas vidas são dignas de serem contadas. Esse tipo de representatividade não é apenas uma questão de entretenimento, mas uma fonte de identidade e pertencimento para milhões de brasileiros. O cinema tem o poder de moldar a maneira como se vê o mundo e, por muito tempo, as narrativas negras foram limitadas a estereótipos prejudiciais. No entanto, o protagonismo negro no cinema nacional está desafiando essas narrativas restritivas. Ao apresentar personagens complexos, multifacetados e reais, o cinema está redefinindo como a sociedade enxerga a comunidade negra, promovendo uma compreensão mais profunda e compassiva. 

Pela décima vez em La Liga, o atacante Vinicius Júnior, do Real Madrid, foi alvo de insultos racistas. Episódios de racismo não se restringem apenas a Europa.
por
Laura Souza
Mohara Ogando Cherubin
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21/06/2023 - 12h

Domingo, 21 de Maio, Valência e Real Madrid disputavam uma partida pela La Liga, o campeonato espanhol, no Estádio Mestalla, casa do Valência. Durante a partida era possível ouvir pela transmissão de televisão gritos de "mono" - que significa macaco em espanhol - vindos da torcida do clube mandante do jogo. O alvo era o atacante brasileiro Vinícius Junior, do Real Madrid. Aos 24 minutos do segundo tempo, o brasileiro chama o árbitro da partida, Ricardo de Burgos. O atleta apontava para torcedores que estão proferindo os gritos

Torcedores do Valencia chamam o atacante do Real Madrid de macaco durante a partida no domingo - Foto: Reprodução Declaração do Vini Jr/ reprodução: instagram

Atendendo ao protocolo da FIFA, o árbitro da partida paralisou o jogo. Os alto-falantes anunciaram que a partida estava interrompida por um episódio de racismo. Pouco mais de oito minutos depois, o jogo é retomado. Já nos acréscimos, Vinícius Junior se envolve em um lance com o goleiro Mamardashvili, do Valência, dentro da área e próximo a torcida mandante. 

O brasileiro foi atacado por um mata-leão do jogador Hugo Duro, do Valência, e ao reagir, atinge o goleiro Mamardashvili. O árbitro de vídeo (VAR) chamou o árbitro principal até a cabine para avaliar melhor o lance. O que ele sugeriu ? A expulsão do atacante brasileiro pela agressão ao goleiro. Após a revisão, de Burgos voltou a campo e aplicou o cartão vermelho para o jogador brasileiro. 

Na saída do gramado, entre vaias e mais gritos racistas, Vinícius aplaudiu ironicamente ao que havia acabado de acontecer. Pela décima vez em La Liga o atleta era alvo de racismo, e nesta ainda foi punido com a expulsão. Nas redes sociais o atelta ironizou a competição. "Não foi a primeira vez, nem a segunda e em a terceira. O racismo é o normal na La Liga [...] Mas eu sou forte e vou até o fim contra os racistas", disse o jogador. Entre publicação, Vini Jr. ironiza o slogan do campeonato. "O prêmio que os racistas ganharam foi a minha expulsão! Não é futebol, é La Liga", desabafou o atacante.

 

A atitude das mais de 46 mil pessoas no Estádio Mestalla nesse jogo, abriu um amplo debate mundial sobre racismo no futebol europeu. Javier Tebas, diretor da “La Liga”, afirmou não ter acontecido racismo e questionou quando Vini Jr. iria pedir desculpas aos torcedores do Valência pelo ocorrido.

Ao final da partida, o Valência divulgou um comunicado oficial sobre o ocorrido, dizendo que condena a violência física e verbal nos estádios. De acordo com a nota, o acontecido foi um "caso isolado", e afirmou que o clube "está investigando o ocorrido e tomará as medidas mais severas".

 

Reprodução Super Deporte-ESP- 22/05/2023 

A imprensa espanhola, mesmo após a repercussão do caso, continuou atribuindo a culpa a Vinicius Jr, afirmando que ele provocou a torcida e que os xingamentos foram um caso único.

 

“O racismo abala a nossa relação com nós mesmos”

Quando tinha 12 anos, a estudante de enfermagem Camila Esteves, que hoje tem 18 anos, participou de uma competição de judô e ouviu da arquibancada: “Macaco tá permitido ganhar qualquer luta”. A fala criou na jovem uma insegurança em relação a sua vitória no confronto. "O racismo abala a nossa relação com nós mesmos, nos torna inseguros, com medo de seguir em frente", disse à AGEMT.

Ao comentar o episódio de racismo sofrido por Vinicius Junior, a jovem lamentou, não apenas pelo caso de racismo, mas também a falta de intervenção por parte da La Liga. "As atitudes tomadas durante o jogo conseguiram tornar a situação ainda mais cruel", afirma. 

"O governo espanhol deve impor à população medidas mais radicais em relação a atos racistas, porém, a população deva acatar a essas medidas". Entendemos toda a construção histórica da Europa no que diz respeito ao racismo, como foi feito durante o período colonial, por exemplo. Portanto as medidas devem ser tomadas com seriedade dentro de um país tão habituado com situações como a de Vinícius Júnior. 

 

Não foi a primeira vez e provavelmente não será a última.

No total, Vinícius Júnior já sofreu mais de 10 casos de racismo dentro de campo. O primeiro ocorreu em 24 de outubro de 2021, durante uma partida contra o Barcelona no Camp Nou. Vinícius Júnior foi insultado pelos torcedores depois de ser substituído, no segundo tempo. Como resposta, o jogador apontou para o placar: o Real Madrid vencia por 1 a 0.

Em 14 de março de 2022, o Real Madrid vem por 3 a 0 contra o Mallorca, fora de casa. Durante a partida, torcedores do time da casa foram flagrados insultando Vinícius Júnior, chegando a pedir ao atacante para "pegar bananas", em clara referência racista. Além de ofensas, sons de macaco também foram ouvidos no estádio.

"Pare de fazer macaquices", disse o empresário Pedro Bravo, em 26 de setembro do mesmo ano em um programa esportivo da televisão espanhola, em referência às danças de Vini nas comemorações de gols. A situação deu início ao movimento "Baila, Vini!", que tinha como objetivo apoiar o jogador em meio aos ataques racistas. 

No fim daquele ano, em 30 de dezembro, torcedores do Valladolid atacaram Vinícius Júnior em partida contra o Real Madrid, que venceu por 2 a 0, resultando em inúmeras ofensas racistas destinadas ao atacante. "Os racistas seguem indo aos estádios e assistindo ao maior clube do mundo de perto e a La Liga segue sem fazer nada... Seguirei de cabeça erguida e comemorando as minhas vitórias e do Madrid. No final a culpa é MINHA", desabafou o jogador.

No ano seguinte, em 26 de janeiro, às ações conseguiram passar ainda mais dos limites, na qual torcedores colchoneros penduraram um boneco de Vinícius Júnior enforcado em uma ponte na cidade de Madri. O fato chocou a todos, porém clubes como a La Liga e Federação Espanhola apenas publicaram notas oficiais pedindo "sanções severas". O jogador atuou normalmente e foi provocado em campo.

No mês seguinte, em 05 de fevereiro, o atacante brasileiro foi alvo novamente de racistas durante a partida do Real Madrid contra o Mallorca, quando um torcedor o chamou de "mono" (macaco). Dessa vez o criminoso foi identificado e foi impedido de frequentar estádios por um ano e multado em 4 mil euros (aproximadamente R$ 22 mil).

A sétima denúncia de racismo contra Vinícius Júnior ocorreu em 5 de março, durante a partida entre Betis e Real Madrid. Torcedores do time rival chamaram o atacante de "macaco" e viraram alvos de uma queixa prestada ao Juizado de Instruções de Sevilha, com imagens de televisão como prova. Em comunicado, LaLiga tratou a situação como "comportamento racista intolerável".

O último caso conhecido de racismo contra o jogador ocorreu neste domingo. Apenas um desses episódios resultou em algum tipo de consequência para o criminoso, porém em todos os casos houve queixas de Vinícius Júnior para o clube La Liga e para a Federação Espanhola, mas nada tem sido feito. A pergunta que fica é: até quando essa humilhação será considerada tolerável pelo clube espanhol?

 

Um problema além da Europa

O futebol é só mais uma das formas em que o racismo é ser exposto. Mas a questão não se restringe apenas a Europa, os jogos brasileiros também já tiveram diversos episódios de racismo, tanto jogadores quanto torcedores já foram alvo de hostilização por parte de racistas.

Segundo o Observatório da discriminação racial do futebol, casos de racismo registrados em campo aumentaram em 40% em 2022. Esse é o estudo mais atualizado sobre a injúria racial do esporte no país. Em 2021 o Instituto Locomotiva apontou que apenas 4% da população se considera racista, enquanto 84% percebe o racismo no outro.

Em entrevista à AGEMT, o doutor em história, pesquisador de relações étnico-raciais e professor da PUC-SP, Amailton Azevedo, afirmou que esse comportamento do brasileiro se dá de maneira histórica. "Esta postura de achar que o racismo está sempre no outro e não em nós é o que marca a ideologia que ensinou os brasileiros que aqui não havia problemas raciais. De maneira geral, o brasileiro trabalha com esse dispositivo ideológico ", afirma o professor.


O combate ao racismo

Em 2019, a FIFA divulgou um novo código disciplinar para determinadas ações dentro do campo. O principal foco dessa nova declaração era o combate ao racismo, lá ele prevê quais são os passos que devem ser dados, sendo eles: 1) Interrupção do jogo pelo sistema de som do estádio, dando um anúncio formal contra os comportamentos racistas; (2) Suspensão temporária do jogo pelo árbitro, solicitando uma nova mensagem oficial; (3) Abandono da partida, com a saída de todos em campo.

 

Promovida pela prefeitura de São Paulo, o encontro aconteceu no museu das Favelas e teve a intenção de promover um pensamento crítico sobre a história da população negra.
por
Beatriz Brascioli
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27/05/2023 - 12h

Uma palestra sobre a abolição da escravatura no Brasil aconteceu no último dia 17, na capital de São Paulo. O evento realizado pela prefeitura, teve a presença de professores e especialistas para a reflexão sobre a população negra no Brasil. Segundo o poder público, um documento chamado ‘orientações pedagógicas: educação antirracista - povos afro-brasileiros’ será criado com a ajuda dos educadores 

O "Farol de combate ao racismo estrutural” é uma política pública realizada em parceria com a Secretaria Municipal de Relações Internacionais (SMRI) e a Secretaria Municipal de Educação (SME). Tem como objetivo conscientizar as futuras gerações, a partir da educação, e combater o racismo estrutural.
 

"[O evento] é uma maneira de mostrar à população que é necessário ensinar a história verdadeira e fazer com que todos reflitam e entendam a importância de programas em prol do tema”, diz Marta Suplicy.

 

ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO

Dia 13 de maio foi assinada pela princesa Isabel a Lei Áurea , na qual determinava a abolição da escravidão, resultado de uma grande luta dos escravos e movimentos abolicionistas da época. Porém, com a libertação dos escravos não foram criadas  políticas públicas para a reintegração da população negra na sociedade brasileira, causando hoje o racismo estrutural.

A abolição foi um processo lento e de muita luta pelo território brasileiro. Muitos nomes não foram devidamente homenageados e sua história esquecida, como Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebouças e alguns líderes de movimentos separatistas abolicionistas que é o caso da Conjuração Baiana.  

QUEM SÃO OS HERÓIS?

 

Luís Gama: jornalista e advogado, usou de seus conhecimentos para libertar mais de 500 escravos, além de denunciar atos racistas. Filho de mão preta e pai branco, foi vendido pelo pai quando tinha 10 anos por dívidas. Quando chegou em São Paulo, aprendeu a ler e fugiu da escravidão em busca de reconquistar sua liberdade. Como jornalista, escreveu sobre o fim da escravidão e criticava a aristocracia do Império.

foto: reprodução

André Rebouças: Se formou como engenheiro militar e em 1861 recebeu uma oportunidade de estudar na Europa para se aprofundar em engenharia civil. Com esse conhecimento adquirido, André propõe soluções para a cidade do Rio de Janeiro, como por exemplo uma rede de abastecimento de água para a cidade.

André sofreu com discriminação racial e sempre se posicionou a favor da abolição. Se juntou com Luis Gama em manifestações contra a escravidão, mas sua participação era apenas na organização e administração dos fundos.  Rebouças se preocupou com o destino dos pretos após a abolição, para ele era necessário um projeto de inserção deles na sociedade brasileira. 

André Rebouças | Unifei

foto: reprodução

José do Patrocínio: jornalista e escritor, Patrocínio fez-se presente no movimento abolicionista. 

José do Patrocínio – Wikipédia, a enciclopédia livre

foto: reprodução 

Movimentos Abolicionistas: Cipriano Barata, médico, João Ladislau de Figueiredo, farmacêutico, e Francisco Gomes, professor. Os três revolucionários lideraram a conjuração baiana que foi um movimento abolicionista, com objetivo de separar a Bahia de Portugal e atender às reivindicações das camadas mais pobres. Diferentemente da inconfidência mineira, na qual alguns líderes foram exilados pela coroa, na conjuração baiana, os líderes foram condenados a enforcamento público, e não viraram ‘mito’ ou herói como Tiradentes virou. 

Conjuração Baiana (1798) - Toda Matéria

foto: reprodução

 

No Pátio da Cruz, Coletivo Saravá discute negritude e sua ausência no espaço acadêmico da PUC-SP.
por
João Curi
Nanda Querne
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19/03/2023 - 12h
Integrantes do coletivo Saravá reunidos em frente à cruz, no Pátio da Cruz, no campus Monte Alegre da PUC-SP.
(Foto: Nanda Querne)

 

ÀS 11H30, SARAVÁ

Enquanto uns enrolavam até o almoço e jogavam conversa fora, outros discutiam sobre o racismo. Mas quem são os outros? A conversa começa na presença. Quem se reuniu no Pátio da Cruz na manhã e noite desta quinta-feira, 16, tinha história para contar na primeira pessoa, sabendo que não seria a última.

 

Cartazes de manifestação do coletivo Saravá questionando a ausência de docentes negros na PUC-SP.
Manifestação do coletivo Saravá durante o evento PUC Pela Democracia, sediado no Teatro Tuca, no dia 24 de outubro de 2022 (Reprodução/Roger Barbosa/@coletivosaravá)

As expectativas eram maiores do que o corpo presente. Que fossem cem em vez dos oito que se dispuseram a discutir, dividir, enxergar uns aos outros como iguais, qualquer interação já soma. Se parece pouco, é porque não se compara às salas de aula. “Quantos [pretos] tinham na nossa turma, amigo? Duas, três pessoas?”. 

 

O Coletivo Saravá age nas sombras procurando o sol. A primeira reunião serviu assuntos que a espontaneidade do encontro marcado trouxe à tona, e que os membros sentem na pele: o racismo. É inevitável. Mais do que na sociedade, que é maior do que os portões do campus podem guardar, esse tema estava estampado na razão de cada um estar ali, à sombra da cruz. “Tem professor negro no curso de vocês? Eu nunca vi nenhum”. Lembraram alguns nomes, que não cobrem sequer os dedos da mão.

 

As oito vozes ali reunidas ressoavam como uma. Queixavam-se do mesmo descaso, dos mesmos olhares, da mesma impotência. Estavam perdidos. Nas últimas semanas, foram procurados por supostas vítimas que buscavam justiça e que só encontraram ouvidos porque “não tem o que fazer”. 

 

E os militantes se sentiram impotentes. Levantaram bandeiras, planos, fúrias, tudo para quê? Nada seria suficiente, e o sabiam. Eram minoria, até mesmo no pátio. Estavam cercados de mesas e corredores ocupados por quem não se interessou em saber o que estava acontecendo nos degraus à beira da cruz. A simbologia do lugar pode ser obra da coincidência, mas foi redentora desta edição do Papo Preto.

 

À luz do Pai, somos todos iguais. Mas e quanto aos filhos?

 

ÀS 17H00, ONDE ESTÃO OS BRANCOS? 

Ao lado do coletivo em discussão, outros estudantes conversam sobre outros assuntos, sem interesse na conversa de temas raciais.
Integrantes do coletivo Saravá batendo um Papo Preto, próximo de outros estudantes, no centro do Pátio da Cruz. (Foto: Nanda Querne)

"Gente, essas outras pessoas. Elas estão…de boas?", indagou Dandara (nome fictício). Os alunos ali em volta - que não eram negros, aliás - agiram com indiferença perante o Papo Preto. Talvez por desconhecerem o Saravá e/ou por simplesmente não se importarem. 

 

É fruto do privilégio da branquitude não apoiar ou procurar medidas educacionais afirmativas ao seu redor, pois essas são refutadas como suas prioridades. “O racismo é uma problemática branca”, como provoca a portuguesa Grada Kilomba. Mas o conformismo dos brancos em relação às pautas antirracistas é ainda naturalizado, o que dificulta uma branquitude crítica - aqueles que condenam o racismo ativamente, abrindo mão de seus privilégios. 


Mas onde estão esses puquianos? Bom, os pretinhos da Pontifícia de cada sala, quiçá do curso, são contados nos dedos de uma só mão. Já os alunos brancos são a grande maioria, tanto pelos corredores do prédio velho quanto do novo. Há brancos o suficiente para edificarem a luta antirracista junto com o Saravá - logo, não existe desculpinha. Afinal, não são as vítimas que devem mudar seu comportamento, mas os réus.

 

Nesse âmbito, não cabe o receio com o "lugar de fala”, ainda que, obviamente, nunca compartilharão das vivências de um negro. Portanto, um dos seus papéis é reconhecer as vantagens provenientes da (ausência de) opressão. Como defende a ex-professora da PUC Djamila Ribeiro: "Uma pessoa branca deve pensar seu lugar de modo que entenda os privilégios que acompanham a sua cor".

 

ÀS 18H00, UM PRETO SALVA OS OUTROS 

Coletivo Saravá conversando no Pátio da Cruz, na PUC-SP, durante a reunião da noite.
O coletivo se reuniu também durante à noite, com maior adesão comparado ao período da manhã. (Foto: Nanda Querne)

 

"Eu tava faltando muito. Entrei no surto do curso e faltei. Quando chegou a segunda semana do último semestre, voltei para frequentar a faculdade”, desabafou Anielle (nome fictício), uma futura diplomata, sobre a ausência de diversidade no curso de Relações Internacionais, até que ela encontrou uma igual. “Nos conhecemos e viramos amigas porque olhamos: uma preta, outra preta". Com uma mistura de alívio e salvação, encontrar mais pretos em uma faculdade privada com a maioria branca é um colírio para os olhos.

 

É perceptível nesses vinte anos de exercício das cotas raciais que as faculdades escureceram. Aliás, o black power reinou nas instituições públicas. Contudo, os bolsistas pretos nas particulares lidam com as dificuldades econômicas e raciais. Segundo um formulário respondido pelos integrantes do coletivo no final de 2022, mais da metade dos pretos bolsistas não se sentem representados de jeito nenhum. Chica (nome fictício), aluna pelo programa filantrópico da Fundação São Paulo (FUNDASP), apontou que o bandejão, que estava fechado no começo do ano passado, é uma das únicas iniciativas em prol dos bolsistas. Já Viola (nome fictício), ingressante pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni), relembrou benefícios que hoje não passam de uma memória veterana. “Não tenho o que reclamar, a comida é ótima”, comenta. “Porém, antes davam apoio com xerox, agora não”. 
 

Através da pesquisa, estima-se que as pretas puquianas que sentem, com certeza, a solidão da mulher negra somam mais de 70%. Esse sentimento é derivado das situações que as colocaram em segundo plano. Chica enfatiza como o tratamento dos garotos com ela é diferente em comparação às meninas brancas: “Não me chamam para encontro, cinema ou até pra ir na casa deles. Normalmente, ficam comigo nas festas, sem compromisso”. Viola, por sua vez, abordou as impressões de ser uma mulher gorda e preta: “Não me sinto bonita o suficiente. Para mim, ir em festas da PUC, só se for para beber. Se for para conhecer pessoas, no quesito sentimental, nem rola”. 

 

[Confira a pesquisa na íntegra sobre o cenário da comunidade negra na PUC-SP]

  

ÀS 19H00, VAI PELA SOMBRA 

Coletivo Saravá conversando no Pátio da Cruz, na PUC-SP, à sombra do meio-dia.
Início do Papo Preto, no período da manhã, à sombra do meio-dia. (Foto: Ana Beatriz Assis)

 

Não grita. Não corre. Não abre os braços. Não mexe muito nos bolsos. Carrega sempre a identidade, a carteira de trabalho. Não dá motivo para eles. Não reclama, não responde, não reage. Na dúvida, não faça. É perigoso ter coragem quando o medo deles comanda as grades. Você não quer ver a mãe chorando na televisão. 

 

Escuta, engole em seco, segue a vida. Agradece, para garantir. Eles guardam com facilidade o teu rosto - qualquer dúvida morre na cor. Escolha com cuidado as palavras. As pessoas aqui são poderosas. Quem é minoria não pode se dar o luxo de esperar a boa vontade da maioria, e o contrário é irrelevante. Enquanto só os poucos se incomodam, a indiferença dos muitos já os configura cúmplices.

 

Diante de tudo isso, é preciso aquilombar. Buscar os seus, que nunca mais serão deles. Encontrar na luta e na dor do outro a razão para continuar firme onde está. Na soma, encontra-se o sustento de uma reivindicação que vai além da Consciência Negra, que busca no coletivo o que o indivíduo não conquista sozinho. 

 

Enquanto ecoarem os açoites do chicote colonial, que sejam mais altas as vozes da indignação e da reparação. Enquanto existir PUC-SP, que resistam e existam os pretos de sua história. Que gritem, sem medo, aos quatro cantos: Saravá!