Torcedores do Valencia são condenados a oito meses de prisão por conta dos ataques racistas contra o jogador.
por
Julia Sena
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01/07/2024 - 12h

 

Atuando pelo Real Madrid e pela Seleção Brasileira, Vinicius Jr. é um exemplo de excelência dentro e fora de campo. O “Caso Vinicius Jr.” ganhou ainda mais destaque no mês de junho devido a condenação de três torcedores do Valencia por ataques racistas cometidos durante uma partida em maio de 2023 no estádio Mestalla. 

Vini Jr. está com um dos braços levantados e punho cerrado em gesto de resistência, a torcida encontra-se atrás em desfoque e um jogador do time adversário tembém em desfoque mais a frente.
Em reencontro com a torcida do Valencia, Vini Jr. comemora gol com gesto de resistência. Foto: Jose Jordan/AFP

 

No dia 21 daquele ano, acontecia a partida que foi o estopim para a mudança de posicionamento da Justiça Espanhola, quando o Valencia enfrentava o Real Madrid pela 35º rodada do Campeonato Espanhol. Durante uma confusão após falta marcada em cima do então camisa 20 do Real, torcedores do time adversário começaram a proferir diversos ataques racistas contra o brasileiro, incluindo gestos e gritos de “mono”  - que se traduz “macaco” em espanhol. Ainda que apontados imediatamente por Vini assim que percebidos, a partida seguiu. 

Após mais de um ano do ocorrido, três torcedores do Valencia foram condenados a oito meses de prisão, além de terem de arcar com multas e estarem impedidos de entrar em estádios de futebol por dois anos. É a primeira condenação desse tipo por parte da Justiça Espanhola. Em suas redes sociais, Vini comenta o caso, comemorando a decisão e salientando a importância de continuar denunciando atos racistas. 

Os ataques contra o jogador existem mesmo antes da sua saída do Flamengo, clube que o revelou, mas foi na Espanha que os insultos se intensificaram. 

O primeiro caso a ser noticiado ocorreu em 2021 em uma partida contra o Barcelona no estádio Camp Nou. Torcedores que não foram identificados também gritaram “macaco” em direção ao jogador. Depois desse ocorrido, a onda de ódio contra Vini nas partidas e fora delas foi crescendo cada vez mais, o arquivamento do caso serviu como uma forma de estímulo a essas práticas, já que os envolvidos acabaram isentos de punição.

 

Após diversos episódios criminosos, pode se constatar que não é de hoje que Vinícius vem se demonstrando um grande agente de mudança na luta anti racista mesmo fora das quatro linhas. Alguns dias depois do anúncio da prisão dos três torcedores, o  Projeto de lei “Vini Jr.” proposto pela deputada Luciana Genro (PSOL) foi aprovado por unanimidade pela Assembleia Legislativa do Rio Grande Do Sul, a fim de combater o racismo nos estádios. 

 

O projeto prevê que a partida seja interrompida até que os atos suspeitos sejam descontinuados. Caso isso não aconteça, os atletas devem se retirar do campo por dez minutos. Por fim, se a situação não for resolvida, a partida deverá ser encerrada. Já no caso dos ataques acontecerem antes do apito inicial, o jogo pode ser cancelado pelo árbitro a depender da gravidade do caso. 

Vinicius Jr. com um sorriso no rosto ergue a taça da Champions League 2024
Vini Jr. ergue a taça da Champions League 2024, da qual foi eleito pela UEFA o melhor em campo. Foto: Glyn Kirk/AFP

Em entrevista à AGEMT, o estudante Tiago Nascimento, 20, relata a importância de Vini para a comunidade negra. “Há muito tempo não se via um jogador ter tanto impacto fora de campo. Para mim é importante ter um representante do que eu e minha família vivemos diariamente e o Vinicius faz isso com excelência.”  

 

Tiago ainda destaca a importância desse tipo de representatividade dentro do futebol, já que o esporte possui um enorme alcance e está enraizado na cultura brasileira. “Todo mundo consome futebol no Brasil, mesmo que indiretamente, tudo o que acontece possui impacto, então é muito interessante esse fator político e social que podemos observar acontecendo”, declara o estudante.  

 

Vinicius Jr - em suas próprias palavras um algoz de racistas, foi duas vezes campeão da Champions League e é favorito à Bola de Ouro 2024. Como se não bastasse, luta por uma causa que vai além do futebol, vindo de um país que tem o esporte em questão amplamente difundido. Vini motiva e enche de esperança milhares de crianças que têm o sonho de ser jogador de futebol, mostrando que independente de onde vieram ou de sua cor, tudo é possível. 

 

Conhecido pela estética e cultura oriental, o bairro renomeado em 2023 para Liberdade África-Japão carrega história ainda desconhecida
por
Vinícus Evangelista
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08/05/2024 - 12h

Famoso por suas icônicas luminárias japonesas e por abrigar a maior comunidade asiática do Brasil, o bairro da Liberdade, em São Paulo, atrai cerca de 20 mil visitantes todos os fins de semana, conforme dados da APECC (Associação Paulista dos Empreendedores do Circuito das Compras). Muitos, cativados pela culinária, produtos e atmosfera oriental que permeia as ruas, desconhecem a origem negra do bairro e pouco têm acesso a essa história quando caminham sob a região próxima ao centro da cidade.

 

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Os dias mais movimentados do bairro são sábado e domingo, quando acontece a "Feira de Arte, Artesanato e Cultura da Praça da Liberdade", popularmente conhecida como "feirinha da Liberdade", criada em 1975, que percorre toda a rua Galvão Bueno. Foto: Vinícius Evangelista.
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A estética do bairro tal qual conhecemos hoje começou a se moldar em 1970, quando foram instaladas as primeiras famosas lanternas japonesas. Foto: Vinícius Evangelista

 

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Em meio ao movimento da feira na atual Praça da Sé, antes Largo da Forca, está a "igreja de Santa Cruz das Almas dos Enforcados", fundada em 1891, no local onde antes se erguia uma cruz em memória das execuções de Joaquim José Cotindiba e Francisco José das Chagas, militares negros condenados a enforcamento por liderarem um motim que exigia, durante o governo Imperial, igualdade salarial entre soldados brasileiros e portugueses, além do pagamento atrasos remuneratórios. Joaquim foi morto, porém Francisco, conhecido como Chaguinhas. sobreviveu por três vezes à forca e foi morto a paulada. A cruz e a mesa com velas postas no local, foram sendo deslocadas conforme a região foi sendo habitada, até parar onde hoje está a igreja. Foto: Vinícius Evangelista.
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Antes de ser considerado centro, na então Vila de São Paulo, o bairro era denominado de "bairro da pólvora", uma simples periferia afastada o suficiente para ser construída ali, num dos largos, em 1754, a "Casa da Pólvora", um depósito de explosivos projetado para minimizar danos em caso de acidentes. Apesar da demolição do armazém, o local manteve o mesmo nome e foi transformado em um jardim oriental. Foto: Vinícius Evangelista.
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Monumento instalado, em 2018, rememorando os então 110 anos da imigração japonesa ao bairro e saudando a neta mais velha do então imperador japonês, Akihito, "sua alteza imperial Princesa Mako", que em 2021 abriu mão de seu título real para se casar com um plebeu e ir morar em Nova York. Foto: Vinícius Evangelista.

 

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No jardim, rodeado por bustos, estátuas e monumentos que contam a história da ocupação asiática no bairro, esta é a única placa que rememora o que era o largo antes da imigração. Foto: Vinícius Evangelista
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Antes chamado de "Largo do Pelourinho", o Largo de 7 Setembro foi renomeado em 1865, até quando havia um pelourinho no local, um poste de madeira para açoitamento público de escravizados, previstos no “Código Criminal do Império” de 1830, e na famigerada “Lei da Morte” de 1835. Os escravizados condenados a morte eram açoitados no pelourinho e iam caminhando até o Largo da Forca para a execussão. Foto: Vinícius Evangelista.
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Foi apenas em 2019 que uma pequena placa foi instalada na região memorando o fato. Foto: Vinícius Evangelista
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Apesar das poucas lembranças institucionais, os grafites e expressões populares tratam de lembrar a história de Chaguinhas e a resistência negra, em meio aos vislumbres da estética japonesa que compõe o bairro. Foto: Vinícius Evangelista.

 

As obras reunidas no Centro Cultural Banco do Brasil, convidam cada visitante a navegar por diferentes aspectos da produção de mais de 60 artistas negros
por
Beatriz Alencar Gregório
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15/03/2024 - 12h

O Centro Cultural do Banco do Brasil abraçou, dessa vez, o Projeto Afro: uma plataforma afro-brasileira de mapeamento e difusão de artistas negros; com a exposição “Encruzilhadas da Arte Afro-Brasileira”.

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OBRA - Paty Wolff : Divulgação: Projeto Afro


Com uma experiência imersiva, educativa e cativante, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) proporcionou uma visão de que “a população afro-brasileira não é só centrada na questão da escravidão (...) a gente sabe fazer arte. A arte não é só a europeia; a gente sabe desenvolver, temos vários fatores culturais”, explicou Otávio Rodrigues, visitante da exposição. A mostra é composta de mais de 60 artistas e obras que vão desde pinturas a formatos áudio visuais. “Foi uma exposição que não falava sobre nossos colonizadores e sim sobre nossos povos, de preto para preto, e mostra que a gente sabe fazer muita coisa. Me senti num lugar que realmente falava sobre a real história afro-brasileira”. Para interagir, como ocorreu com Otávio, visite o CCBB até o dia 18/03/2024. Mas, você pode conferir uma prévia que a AGEMT preparou, acessando o link:

https://www.instagram.com/reel/C4iXXhYrdLK/utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

 

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
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29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

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Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

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Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

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“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

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Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

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Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

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Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP. 

Termo antes usado de forma pejorativa foi adotado pelo Fluminense como forma de representação da torcida e combate ao preconceito
por
Vinícus Evangelista
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16/11/2023 - 12h

“A primeira vez que eu olhei pro lado e vi que a maioria das pessoas se pareciam comigo, foi justamente quando eu estava no meio da torcida do pó de arroz.”, revela o jornalista e torcedor tricolor, Fagner Torres. “Eu ia no restaurante, no cinema, no teatro, lugares onde a maioria da galera era branca. Onde a maioria era como eu? Na arquibancada, pô!”, finaliza. O tradicional nevoeiro branco em meio as cadeiras virou símbolo de festa para a torcida do Fluminense. Hoje é comum que cada torcedor tricolor leve um saco do pó de arroz para os jogos no Maracanã, lançando-os ao céu e celebrando antes mesmo da bola rolar. 

Por muitos anos, chamar um torcedor do Fluminense de “pó de arroz” era motivo de ofensa e chacota. Muitos torcedores rivais ainda hoje usam dessa palavra para acusar o clube de ser racista, afirmando que, no passado, o Fluminense obrigava os jogadores pretos a passarem pó de arroz no rosto para jogarem se passando por brancos, “minha vó me conta isso desde que eu tinha cinco anos”, revela Thaissan Passos, ex-treinadora do futebol feminino do Fluminense. 
 
O folclore se espalhou a partir de uma crônica lançada em meados do século XX, se espalhando ao longo do tempo como uma polêmica que até hoje gera controvérsias e discussões. Independentemente da origem, fato é que a torcida tricolor adotou o pó de arroz como um verdadeiro símbolo antirracista, tornando o que antes era usado de forma pejorativa como representação de toda a torcida nas arquibancadas das laranjeiras: “Maior orgulho pra gente é quando saímos do jogo com todo o pó na cabeça. Não é uma maneira de embranquecer a torcida, e sim de dizer que nós vencemos o racismo aqui dentro e que somos um grupo a utilizar um xingamento que seria racista para combatê-lo!”, afirma o antropólogo torcedor do Fluminense, Ernesto Xavier. 

 

A POLÊMICA ORIGEM DO PÓ DE ARROZ 

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Carlos Alberto defendeu o Fluminense depois de ter atuado no América-RJ. Foto: Flu-Memória 


Em 13 de Maio de 1914, Carlos Alberto, de 17 anos, se preparava para atuar pelo Fluminense contra o seu ex-clube, América, pelo Campeonato Carioca daquele ano. O jogador, que era o único preto da equipe, foi visto com um pó branco no rosto, que durante a partida começou a se desmanchar em seu suor, abrindo brecha para a torcida Americana provocar o recém-saído da equipe: “Pó de Arroz! Pó de Arroz!”, gritava a torcida. 

“O rapaz veio conosco do América para o Fluminense, ele fazia a barba e, ao invés de deixar com sua cor natural e passar talco, ele colocava uma coisa branca, fazendo um contraste muito grande entre uma parte e outra do rosto, e então os torcedores começaram a chamar o time do Fluminense de ‘pó de arroz’”, explicou, aos 90 anos de idade, Marcos Carneiro de Mendonça, então goleiro da equipe de Carlos Alberto. 

O caso voltou à tona 38 anos depois do jogo contra o América, em uma coluna publicada pelo jornalista Mário Filho no “Jornal dos Sports”, onde o autor alega que Carlos Alberto utilizava pó de arroz para esconder sua etnia, visto que, segundo Mário, o Fluminense era uma equipe elitista da qual apenas brancos eram benquistos: “Valia a pena ser Fluminense, Botafogo, Flamengo, clube de brancos. Se aparecia um mulato, num deles, mesmo disfarçado, o branco pobre, o mulato, o preto da geral, eram os primeiros a reparar. (...) Era o momento que Carlos Alberto mais temia. Preparava-se para ele, por isso mesmo, cuidadosamente, enchendo a cara de pó-de-arroz, ficando quase cinzento, não podia enganar ninguém, chamava até mais atenção. A torcida do Fluminense procurava esquecer de que Carlos Alberto era mulato. Um bom rapaz, muito fino”, finaliza a coluna. 

 

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Novela “Lado a Lado”, da Globo, parodiou o caso de 1914, com o personagem Chico, interpretado por César Mello, sendo a representação ficcional de Carlos Alberto. Foto: Blog do Mauricio Stycer / UOL 


O trecho publicado no jornal foi retirado do livro de Mário que teve sua primeira edição publicada em 1947, denominado “O Negro no Foot-Ball Brasileiro”, onde o autor desmistifica as especulações que afirmavam que o Fluminense obrigava Carlos a usar o pó de arroz. Com base no livro, o historiador Athos Vieira explica que o jogador utilizava o produto por causa do racismo imposto pela sociedade, mas que o clube em nenhum momento obrigava Carlos a utilizar pó de arroz. “O racismo não era do Fluminense, e sim da sociedade, das instituições, o Fluminense como tal era um clube racista, de pessoas brancas. Carlos Alberto, um menino tímido, se sentia incomodado com os holofotes e usava o pó de arroz para dissimular a cor de sua pele”, explica. 
 
Athos chama atenção para o fato de que, no livro, Mário entrevista Carlos Alberto ainda em vida, onde o jogador explica as diferenças entre o América e o Fluminense, ressaltando que ambos eram times de branco, porém, por ser um clube aristocrata, o tricolor promovia bailes e eventos de luxo: “Essa era a diferença entre os times da Zona Sul e Norte, no América as famílias iam ver os jogos e se encontravam uma vez por semana na arquibancada. No Fluminense, eles viviam no clube, todo mundo devia ser igual, mesmo na cor”, afirma, segundo Athos Vieira, Carlos Alberto em entrevista à Mário Filho. 
 
Por outra ótica, o também historiador Felipe Duque, aponta que Carlos Alberto era um adolescente de muitas espinhas no rosto, obrigando-o a utilizar um medicamento para contê-las, esse que por sua vez continha na bula a recomendação de passar pó de arroz no rosto logo após o uso do remédio, com o objetivo de manter a pele protegida e evitar a oleosidade: “o talco é uma coisa só pra aliviar o pós-barba, já o pó de arroz tem a função de proteger. Como que um menino tímido de 17 anos vai ter a noção que quando ele corresse aquilo ia se desmanchar no sol?”, questiona.

Acostumados a ver a maioria branca em telejornais, os telespectadores, ao se depararem com um âncora ou repórter preto, não tem o hábito de refletir quais dificuldades eles enfrentam.
por
Vitória Nunes de Jesus
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16/11/2021 - 12h

         A humanidade conhece o racismo há séculos. Ele se manifesta desde as maiores atrocidades, como a escravidão, até as formas mais imperceptíveis para as pessoas brancas, como um olhar diferente, que é conhecido como racismo estrutural. Um exemplo desse tipo de discriminação pode aparecer até em relação ao modo de se vestir de cada um. Um branco pode sair tranquilamente na rua de camiseta, bermuda e chinelo, mas, caso um negro use esta mesma vestimenta, corre o risco de ser parado pela polícia ou receber olhares de desconfiança, como relata o jornalista Marcus Vinícius Anjos, atualmente repórter da Rede Globo: “no mercado, a gente se dá ao luxo de usar roupas mais simples. Se uma pessoa branca vai vestida assim no mercado, ela é tratada de uma forma, mas as pessoas negra, de outra”. 

 

     Outro meio em que o racismo é notável, é no jornalismo, principalmente dentro da televisão. 

Pesquisas apontam que apenas 10% dos profissionais do Jornalismos televisivo são negros. Marcus diz que trabalhou com poucos jornalistas negros: “Em uma emissora eu era o único negro na redação. Embora a diversidade esteja crescendo e sendo aceita em diversas empresas, não se compara com a grande quantidade de colegas brancos. A impressão que eu tenho é que nós temos avançado, mas de forma muito tímida. De qualquer maneira, é muito bom ver que essa questão esteja mais presente nas pautas dos veículos de comunicação”. 

Marcus Vinícius Anjos
Marcus Vinícius Anjos 

       Além do número de negros presentes nessa área ser baixo, estes jornalistas passam por dificuldades. A jornalista Basília Rodrigues tem 13 anos de profissão e atualmente é analista na CNN Brasil. Ela conta que no início da carreira, antes mesmo de fazer televisão, sentiu-se alvo de racismo ao ser convidada para cuidar da filha da pessoa que a chefiava. "Eu não aceitei, afinal de contas meu trabalho era ser jornalista e não babá”. Ao ser questionada sobre qual foi o ato de racismo mais marcante que já sofreu, ela faz uma importante colocação: “Todos são marcantes. Nem todos podem ser ditos”. 

 

       Basília conta como é fazer parte desse pequeno grupo de jornalistas e menciona sentimentos que já teve ao longo de sua trajetória: “A definição de repórteres e pautas em uma redação passa por diversos critérios. Às vezes, raciais. É preciso ter muito jogo de cintura. Sentir-me preterida, como deixar de acompanhar algum evento social por decisão da empresa, é um exemplo de racismo, mas eu não saberia, nem gostaria, de apontar muitos detalhes. Observo que todos esses relatos são do início da minha carreira. Não tem relação com o atual lugar onde trabalho”. 

Basilia Rodrigues
Basília Rodrigues 

          É possível conhecer os dois lados da moeda existentes nas vidas de jornalistas negros. Marcus conta que felizmente nunca sofreu racismo no exercício da profissão e se sente privilegiado por isso: “Ao mesmo tempo, não me vejo na condição de naturalizar esse privilégio e poder dizer que é normal, porque não é. Tenho a consciência de que a maioria dos negros não o possuem”. 

 

 

           A ativista e intelectual Lélia Gonzalez fala sobre a apropriação de ser negro: “a gente nasce preta, mulata, parda, marrom, roxinha dentre outras, mas tornar-se negra é uma conquista”. Basilia explica o que Gonzalez quer dizer: “A conscientização de que carregamos responsabilidades coletivas tanto quanto as nossas trajetórias pessoais, vem com o tempo. O "tornar-se negro" ultrapassa a definição do tom da pele. Compreender-se como parte de uma história que antecede as nossas próprias vidas, que vem das condições e posições criadas para o negro na sociedade, depende de um processo de reflexão e de vivências. Para alguns, isso pode ser rápido, em especial quando o negro nasce em uma família com consciência racial; em outros casos, é mais complexo, depende de experiências (ruins ou positivas) que amadureçam a percepção sobre a diferença social entre ser negro ou branco”.  

 

         Marcus cita uma experiência pessoal que é um bom exemplo da situação acima: “Desde pequeno, cortei o cabelo bem baixinho, meu pai que ditava o tamanho do corte quando me levava no cabeleireiro. Quando vim da Bahia para São Paulo, eu passei a controlar o tamanho do meu cabelo. Apesar de não ter mudado o corte, passei a cortá-lo mais alto. Se uma pessoa branca pode usar um cabelo do tamanho do meu, porque eu que sou negro não posso? As vezes meu pai me pergunta “você não está com o cabelo muito grande?” e eu respondo “não, está do tamanho que eu quero”. O fato dele estar maior não é uma questão de desleixo, eu que quero ele assim. É uma questão que a gente se poda as vezes. Se o seu cabelo não é liso, é crespo, você se sente obrigado a cortar ele baixinho. Felizmente comigo nunca aconteceu de uma empresa me mandar cortar o cabelo. Sinal de que aos poucos, as coisas estão melhorando”. 

 

        Através dos telejornais, é possível notar a grande importância que se dá a notícias vindas do continente europeu e dos Estados Unidos. Já o continente africano tornou-se uma “não notícia” e quando faz parte dos telejornais, é retratado como um lugar pobre, violento e com alto índice de fome. Durante o período de vacinação contra a COVID-19 no mundo, a África foi esquecida. Em uma coletiva de imprensa, o diretor do Centro Africano de Controle e Prevenção de Doenças (África CDC), John Nkengasong alerta que apenas 3,5% da população foi completamente imunizada, segundo dados publicados em 14/09/2021. Enquanto, no mesmo período, 58% da população estadunidense estava completamente vacinada, segundo a publicação digital Our World In Data. 

 

Pessoa pede vacina em manifestação em Pretória, África do Sul, 25 de junho de 2021. Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters
Pessoa pede vacina em manifestação em Pretória, África do Sul, 25 de junho de 2021. Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters 
 

         Marcus fala sobre a falta de informação em relação à África e cita um exemplo retirado de um livro jornalístico: “É triste. Tem um exemplo num livro que diz “se um avião cai na Europa ou nos EUA com 20 pessoas, indiscutivelmente isso vai ser pauta no mundo inteiro. Mas se um avião com 300 pessoas cai na África, isso as vezes vira uma nota em algum jornal, dependendo do veículo, se torna apenas uma nota pelada, que não tem nem imagens”. 300 pessoas valem menos do que 20 dependendo de onde elas vivem? Pra mim, isso é questionável demais. No dia a dia, a gente precisa ter esse olhar e cuidado, porque as vezes somos condicionados a isso. Quando eu era mais novo, tinha meu próprio jornal, em que eu era o editor chefe, apresentador e repórter. Já perdi as contas de ver uma notícia e pensar que ninguém se interessaria por ela. A gente precisa do exercício de se perguntar: “porque um avião caiu na África, as pessoas vão se interessar por aquela notícia?” 

 

        No artigo “Sete Visões da Crise do Jornalismo Profissional- Tempestade Perfeita”, a jornalista Luciana Barreto cita uma experiência que vivenciou: “recebi um convite para participar de uma celebração com angolanos no Brasil. O representante do consulado veio explicar a alegria de ver um pouco de seu país em algum noticiário, reconhecendo o Brasil como um país extremamente racista. Por último, me fez um pedido que exemplifica quanto estamos distantes de chegar a um jornalismo plural. Com cuidado e um tanto embaraçado me perguntou se nós poderíamos atualizar nossos arquivos porque o país dele não era mais aquele, as ruas estão diferentes, e disse ainda: “Não temos fuscas por lá desde os anos 1980”. Basília diz que esse tipo de tratamento que matérias vindas da África recebem, é preconceituoso: “narrativa dominante de que o negro é sempre marginalizado, periférico, excluído, pobre, necessitado. Infelizmente esse entendimento distorce as diferenças, amplia as desigualdades e reforça o olhar exótico (e equivocado) sobre o negro”. 

 

       Diante desses apontamentos, é possível dizer que apesar de jornalistas negros estarem ocupando um pouco mais de espaço no telejornalismo, ainda são poucos os que fazem parte dele. É preciso melhorar, segundo Marcus: “Eu torço para que a gente melhore e para que possamos ver uma redação colorida”. Além de inclusão, é necessário ter igualdade entre negros e brancos, em todos os aspectos. 

 

Amailton Azevedo, explica a nova era da indústria musical: os serviços de streaming, que dão uma nova chance aos artistas autônomos
por
Juliana Mello
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27/10/2021 - 12h

Para Amailton Azevedo, professor de História da PUC-SP, cantor e compositor independente, sua história com a música começou desde quando era criança, porém só se envolveu com a cena musical na faculdade: “Formei bandas e participei de festivais universitários. Em 2011, fiz um pocket show no festival ‘South by South West’ em Austin, nos EUA. Em 2021 irei lançar o single ‘Ruas Tortas’ como produção independente. Para 2022 está previsto o lançamento do disco ‘Asas Negras’ em parceria com Salomão Salomão.”

Atualmente, com o crescimento dos serviços de streaming, a realidade dos músicos independentes — aqueles sem contrato com gravadoras — mudou radicalmente. Eles mostram que é possível construir uma carreira de sucesso usando apenas as redes sociais e as plataformas como Youtube, Spotify e Apple Music. Para Amailton, a música não é sobre o estrelato, conta com seu álbum 'Mundo Atlântico’ de 2007, disponível no Spotify, onde possui 20 ouvintes mensais. Sobre isso, ele diz: "Hoje é uma questão absolutamente resolvida, pois compreendi que fazer música é diferente do que fazer sucesso. Já almejei o sucesso, hoje almejo continuar no circuito dialogando com meus amigos e amigas envolvidos com a música."

O Spotify escolheu a Top Brasil, sua maior playlist de hits, para celebrar, com música nacional, o “Dia da Consciência Negra”. Durante uma semana, a seleção contou com músicas feitas exclusivamente por artistas negros. Os grandes espaços da música estão cada vez mais sendo reocupados por esses músicos, recebendo, assim, seu reconhecimento. Isso é visível pelos line ups de grandes festivais, que têm tido uma crescente lista de nomes negros nos últimos anos, e a tendência é continuar aumentando, conforme o sucesso é alcançado e reconhecido. 

 O abismo ainda é evidente, em 2019, no Rock In Rio, dos 92 artistas que performaram, apenas 34 eram negros. No Lollapalooza, de 69, apenas 13. Contudo, tais artistas têm recebido grande destaque, fazendo jus a suas importâncias no cenário mundial. No RIR de 2019, quatro artistas se apresentaram no Palco Mundo, o maior do festival, dentre eles: Drake e Black Eyed Peas. Já no Palco Sunset, foram cinco brasileiros: IZA, Alcione, Elza Soares, Karol Conká e Mano Brown.

Amailton vê a música como um estilo de vida, não como uma carreira. Afirma que suas maiores inspirações para suas composições, são os estilos negros americanos, a Black Music, sendo eles o funk, rap e jazz. Caracterizada por esses estilos, a música brasileira nasceu a partir das danças e musicalidade dos indígenas, dos africanos, franceses e portugueses. Mas com o avanço da indústria cultural nacional, novos estilos e tendências foram ganhando espaço, e consequentemente, essa indústria elege quem recebe a fama ou não.

Com a popularização das redes sociais, os criadores de conteúdo musical criaram tendências e mercados alternativos engajando o próprio público. Com isso, a indústria musical adaptou-se a esse modelo, adotando as redes alternativas de produção e difusão, como os streamings, citados anteriormente, assim, Azevedo conclui: “A relação entre indústria e artista é muito complexa. Não se pode dizer que a Indústria tem o monopólio da criação. A indústria pode esvaziar um produto, mas a capacidade criativa do artista sempre provoca a surpresa e o inusitado, renovando a própria indústria que massifica o produto artístico.”

 

 



 

Estátua do bandeirante incendiada em São Paulo acende debate sobre personagens em monumentos em outras partes do país
por
Letícia Cardoso Coimbra, Maria Júlia Mendes Baumert e João Pedro dos Santos Lindofo
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28/08/2021 - 12h

   Não é nova a reivindicação de revisar figuras históricas que ganharam notoriedade e homenagens pelo país. Grandes figuras como Maurício de Nassau, Joaquim Pereira Marinho, Fernão Dias Leme e Conde dos Arcos têm estátuas em sua homenagem e tinham envolvimento com o tráfico negreiro ou com a repressão de escravos. 
O professor e historiador Robson Freitas afirma que essas figuras ganharam notoriedade no contexto da Primeira República (1889), quando tentou-se estabelecer uma narrativa da unificação do Brasil através do processo da escravidão, fazendo com que essas figuras fossem enaltecidas e os ancestrais indígenas e africanos que foram violentados no processo fossem apagados da história.
   “E isso tudo também conforma com uma visão de mundo extremamente racista, que começou a ser gestada antes mesmo do Brasil escravocrata, mais ou menos ali no começo da Primeira República, que resgata todas essas figuras e o racismo como forma de unificar a sociedade brasileira. Tem elementos que são embranquecedores da população brasileira recebendo destaque”.

Borba Gato foi um colono brasileiro, bandeirante paulista, sertanista,  proprietário de escravizados e  descobridor de metais preciosos que esteve envolvido no conflito da Guerra dos Emboabas (1708-1709) (Foto: GABRIEL SCHLICKMANN/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO)
Incêndio atingiu a estátua de Borba Gato, na zona sul de São Paulo, na tarde do dia 24/07/2021 — Foto: GABRIEL SCHLICKMANN/ISHOOT/ESTADÃO CONTEÚDO

 

 
     No dia 24 de Julho foi incendiada a estátua de Borba Gato na capital de São Paulo. O protesto foi motivado pelo personagem racista e colonizador que foi o bandeirante, já que foi um dos protagonistas nos avanços colonizadores para o interior do país. Nesses avanços, matou ou escravizou cerca de 300 mil índios apenas nas primeiras 3 décadas do século XVII. O movimento negro e indígina hoje afirma que foi um genocídio.
     Salvador, o segundo porto que recebeu mais escravos na América, atrás apenas do Rio de Janiero, é palco para estátuas de traficantes de escravos, como a de Joaquim Pereira Marinho. Em 2020, foi encaminhado um projeto de lei para a Assembleia Legislativa de Salvador, com autoria de Hilton Coelho (PSOL), que determinaria a retirada de estátuas, monumentos, placas, ou toda e qualquer outra forma de homenagem ou valorização de figuras históricas que estiveram ligadas ao comércio escravagista com a África. A PL ainda não foi aprovada.

Joaquim Pereira Marinho foi um marítimo, traficante de escravos e comerciante português radicado no Brasil, no século XIX (Foto: GA / Arquivo CORREIO)
Joaquim Pereira Marinho foi um marítimo, traficante de escravos e comerciante português radicado no Brasil, no século XIX — Foto: GA/ Arquivo CORREIO

 

     Robson Freitas concorda com a retirada dessas estátuas, afirmando que "elas são figuras que escancaram o nosso passado de violência mesmo, contra negros e indígenas", acreditando que seria incompatível com um projeto de nação que se pretenda respeitar as diferenças, manter essas figuras ocupando locais de homenagem pública. 
     Segundo Augusto Sousa, estudante da Universidade Federal da Bahia e militante da União da Juventude Rebelião, a demolição das estátuas não é o ponto central "mas sim o que elas representam hoje, uma elite que hoje domina nosso país, que é a  responsável pela educação e”, e afirma que é ela que diz o que deve ser contado da história brasileira. Ele acredita que o movimento negro e a esquerda devem se apropriar dessas estátuas para mostrar os erros desse sistema, e lutar para a representação dos verdadeiros heróis da luta do povo negro, citando Zumbi e Dandara dos Palmares.
    Há concordâncias e divergências sobre a demolição das estátuas, mas há um pensamento congruente entre historiadores e movimentos militantes é o de que não há mais espaço dentro da sociedade brasileira para transformar personagens envolvidos com o tráfico de escravos e escravocratas em heróis nacionais. Paulo Pachá, professor e historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro fez uma thread no twitter sobre o assunto, acompanhe: