Por Malu Araújo e Luísa Ayres
Apesar de terem ocorridos alguns avanços nesses últimos anos, a sociedade brasileira ainda é, em sua grande parte, arraigada no machismo estrutural. O clichê de que “8 de março precisa ser todo dia”, não se reflete nos demais dias do ano, visto que muitas mulheres são violentadas, desencorajadas a ocuparem lugares de poder e, em sua grande maioria, ganham salários inferiores aos dos homens, entre outros episódios lamentáveis.
Violência: substantivo feminino, sujeito masculino
Diante desse cenário, a violência de gênero se constitui como uma estratégia de silenciamento feminino, uma vez que as mulheres são uma das maiores vítimas em casos de estupro, assédio e violência, segundo o Atlas da Violência de 2021.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que em 2022, 699 mulheres foram vítimas de feminicídio, tendo-se uma média de 4 por dia. Esses dados ainda foram colocados em perspectiva com a redução dos casos de homicídios de 2019 para cá, salientando o contraste de queda nos homicídios em relação aos casos de feminicídio.
Além disso, é importante lembrar que dentro dessa violência há um recorte racial, uma vez que as mulheres pretas e pardas representaram 67% dos casos no ano de 2020, segundo o Instituto Igarapé. Tal situação também pode ser ligada a outra luta do movimento feminista: a liberdade reprodutiva, já que as mulheres negras também são as que mais morrem com a prática do aborto inseguro.
Onde elas estão?
Apesar de serem a maior parte da população global, as mulheres são minorias em cargos políticos e de liderança. No caso das candidaturas políticas femininas, o relatório de Desigualdade de Gênero e Raça na Política Brasileira apontou que menos de 14% das candidatas se elegem para prefeitas. Já na câmara dos vereadores elas equivalem a 35%, mas isso porque existe uma cota que as legendas partidárias devem cumprir: 30% desse espaço deve ser de presença feminina.
E mesmo quando ocupam os meios políticos, as mulheres continuam sendo impedidas do pleno exercício de seu cargo. Um dos últimos exemplos marcantes dentro da política brasileira foi o assédio sofrido pela deputada estadual Isa Penna, durante uma votação de orçamento na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Além do assédio, Penna ainda teve que lidar com uma série de ameaças de morte e estupro.
Esse acontecimento evidencia como o conjunto de valores sexistas e misóginos do patriarcado, impede que as candidatas exerçam seus direitos com segurança e respeito. Essa estrutura patriarcal se vale da violação desses direitos e do cerceamento do espaço feminino, mesmo quando estes já estão garantidos por lei.
O Relatório da Violência Política Contra a Mulher, disponível no site da Transparência Eleitoral analisa a participação de mulheres na política mundial. Na conclusão, o estudo aponta ausência feminina- sobretudo, no Brasil, como um dos principais obstáculos para alcançar um melhor desempenho global.
A questão também é tratada no livro "Sempre Foi Sobre Nós", de Manuela d'Ávilla em parceria com diversas outras figuras femininas conhecidas na política, como Dilma Rousseff, Marina Silva, Erika Hilton e Isa Penna. A obra, através de relatos pessoais de cada autora separados em capítulos, narra, das mais diversas perspectivas, as dificuldades que cada uma enfrentou no campo da política sendo mulher.
Nem comercial. Nem romântico. Político!
As flores e presentes, símbolos da comercialização do 8 de março, por sua vez, também não são suficientes para apagar a enorme disparidade salarial entre homens e mulheres. Isso porque atualmente as mulheres ganham 78% do que um homem ganha, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É importante, a partir de todo cenário e denúncias narradas até aqui, lembrar que o 8 de março é um registro histórico de infinitas lutas por mais espaço e respeito, que estão longe de cessar.
Por muitos anos, lutam para ignorar ou refutar a imagem que veem em suas mentes sobre quem elas realmente são. O Brasil detém o recorde de país que mais mata pessoas trans em todo o planeta. Esses fatos são porque a mudança de sexo já foi considerada tabu e desconhecida do público em geral.
Em 1971 aconteceu a primeira cirurgia de redesignação sexual, feita pelo cirurgião plástico Roberto Farina, de forma pioneira. Considerada a primeira no Brasil, a cirurgia que transformou Waldir em Waldirene gerou um processo criminal.
Depois de realizar algumas cirurgias de mudança de sexo, o médico foi alvo de investigações em proporções inimagináveis para os dias de hoje. O documento que acusava o médico foi escrito com termos ríspidos ao se referir à transexualidade, usando a expressão “eunuco estilizado”.
No dia 9 de janeiro de 2020, o CFM – Conselho Federal de Medicina – emitiu uma resolução sobre direitos humanos trans. Ela determina que qualquer pessoa que deseje fazer a transição de gênero deve ter pelo menos 18 anos. Anteriormente, a idade de transição era de 21 anos. Antes dessa época, a transição exigia simplesmente a remoção do órgão sexual masculino. No entanto, o documento aumenta de 16 para 18 anos o acesso a mastectomias, que são procedimentos que removem completamente os seios.
Letícia Martini é transexual e contribuiu com a reportagem cedendo uma entrevista. "Em casa mesmo ainda sofro certo preconceito. Eu demorei cerca de dois anos e meio para contar a meus pais e irmão como me sentia em relação ao meu sexo, e quando contei não foi algo bem recebido". Um ano após contar para sua família, Letícia diz que "A situação está bem melhor, não no ideal ainda, mas consideravelmente melhor que no começo, quando tivemos muitas desavenças".
Ao ser questionada sobre a cirurgia de redesignação sexual, nossa entrevistada expõe que: "Ainda não fiz, não me sinto preparada psicologicamente, mas não sinto que isso me faz menos mulher". E finaliza dizendo "Mesmo que eu não pense em fazer a cirurgia no momento, eu gosto de sentir a liberdade de poder escolher fazer quando eu quiser".
A discriminação e a transfobia podem se manifestar como violência física, moral ou psicológica, promovendo uma série de dificuldades de acesso à educação, saúde, mercado de trabalho e outros direitos fundamentais. Essas ações colocam as pessoas trans em posição de vulnerabilidade na sociedade.
Segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas (ONU), por meio do índice relacionado às pessoas vivendo com HIV, as pessoas trans e travestis são as mais estigmatizadas e discriminadas no Brasil, 90,3% das quais já sofreram discriminação relacionada a sua própria identidade de gênero. O grupo também observou que cerca de 74,2% foram agredidos verbalmente, 69,4% foram excluídos das famílias e 56,5% foram agredidos fisicamente.
Em pesquisa realizada pela ABLGBT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transsexuais), 45% dos alunos brasileiros afirmaram sentir-se inseguros devido a sua identidade de gênero no ambiente escolar. Além disso, gênero e orientação sexual estavam ausentes do estudo sobre evasão, mas associações regionais que protegem as populações LGBTQI+ conduziram suas próprias investigações locais. Com poucas mudanças nos dados, de 70% a 85% da população transgênero tem tendência a abandonar a escola pelo menos uma vez na vida.
Quando se trata do mercado formal de trabalho, a realidade não foge à regra. A legislação brasileira não tem medidas específicas para a comunidade trans garantir espaço e oportunidades profissionais. De acordo com recentes pesquisas na pandemia, a taxa de desemprego para a população trans foi de 21,6% em 2020, quase o dobro em comparação a população geral (12,6%).
Juliana Schwanz, diretora de produção do documentário “Mudança de Sexo” disponibilizado pela National Geographic – concorrendo ao Emmy Internacional 2013 – conversou com nossa reportagem e se diz pessimista com atual momento brasileiro, mesmo em provável cenário de franca evolução social: “Na época em que produzimos o longa, passávamos por um momento conturbado politicamente e com importantes mudanças na sociedade. Direitos foram conquistados desde então, mas ainda é pouco. A transfobia está enraizada em uma estrutura preconceituosa e cabe às futuras gerações, inverterem esse cenário”.
“Com a titulação, nós trazemos as pessoas humildes do campo, que outrora integravam o MST, para o nosso lado”; “Cada vez mais, eles são cidadãos e trabalham lado a lado com fazendeiros em suas propriedades” - Jair Bolsonaro, maio de 2022, Feira Nacional da Soja (Fenasoja).
Desde os primórdios, o país que todos chamam de Brasil carece da posse de suas terras, na verdade, nem se intitularia assim caso não tivesse sido tomado e dominado a força. Seria mais original, como seu povo. O legado brasileiro na questão agrária diz respeito à concentração exacerbada de terras nas mãos de um punhado de proprietários. Primeiro dos latifundiários e, atualmente, do agronegócio. Nunca sendo de domínio do seu povo, o solo do país tropical serve seus frutos ao exterior.
Segundo definição que consta em lei, a política de reforma agrária objetiva a redistribuição de imóveis rurais que não cumprem função social, ou seja, não produzem ou exploram a terra economicamente para promover bem-estar social.
A titulação de terras é apenas uma forma de promover a reforma, sendo estas: a concessão de uso, que permite o uso e exploração de forma provisória, os títulos de domínio, que gratuitamente e de forma definitiva, transfere parcela ou lote ao beneficiário por dez anos, e as concessões de direito de uso real, que de forma gratuita, definitiva, individual ou coletiva, transfere o direito de uso do imóvel ao beneficiário.
O governo Bolsonaro, desde as eleições de 2018, carrega nas entrelinhas um discurso contrário a reforma agrária. Nos primeiros meses do mandato, Jair suspende a política - que consta na Constituição de 1988, conforme documento enviado às superintendências regionais do INCRA em 27 de março de 2019, o qual afirma que o evento se dá por redução de gastos. Além disso, o presidente publicou em 20 de novembro de 2020 o decreto nº 10.252, que exonerou e dispensou funcionários do INCRA, extinguindo cargos e funções do instituto.
Entre 2019 e 2022, Bolsonaro entregou mais de 360 mil títulos de terras pelo programa ‘Titula Brasil’. A ampla titulação de terras esvazia a reforma quando vem sem garantias de crédito e desenvolvimento, como garantido na lei, e sem acompanhamento das políticas de assentamento e decretos que aumentam a distribuição de terras, e é o que aconteceu.
Segundo dados do INCRA, o atual governo foi um dos que menos assentou famílias, contando apenas com 9.228 e zerou o número de decretos de desapropriação – estes servem para adquirir terras que devem ser destinadas à reforma agrária.
O presidente deixa claro que o processo de titulação só está acontecendo porque é contra ocupações – as chama de invasões – e precisa “trazer as pessoas humildes que integram o MST para o lado dele”.
“Você não ouve mais falar em MST. No governo de Fernando Henrique era uma invasão por dia. No nosso governo são quatro por ano. Além de darmos título de terra para mais de 360 mil assentados, que deixaram de integrar o MST e passaram a ficar do lado do bem” - Jair Bolsonaro, em conversa com apoiadores, em 13 de julho.
Em entrevista exclusiva à AGEMT, Fabiano Giroto, filho de assentado e coordenador do Armazém do Campo de São Paulo – ponto de venda das produções do MST – aponta que “querer dar o título da terra é um problema porque algumas pessoas podem começar a aglomerar essas terras de novo e esse não é objetivo. A terra da reforma agrária tem que ser do governo e de uso do povo”.
O coordenador ainda explica as dificuldades de destinar os alimentos da agricultura familiar aos programas institucionais, que sofreram cortes no atual governo, como o PNAE, em que a legislação determina a compra de alimentos advindos da reforma agrária. Os cortes representam o desinteresse do Estado em apoiar economicamente os trabalhadores rurais e viabilizar o que é produzido nas terras populares.
“[...] acontece que em certas localidades onde o governo bolsonarista é mais forte, acabam não realizando [a compra de alimentos] e isso é lei, comprar 30% da agricultura familiar, esse alimento vem de cooperativas, são merenda escolar orgânica” afirma Giroto.
Mesmo a agricultura familiar abastecendo a maior parte das mesas brasileiras, correspondendo a 70% dos alimentos segundo o IBGE, e os maiores representantes do trabalho, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, promovendo uma força tarefa para distribuir comida gratuita na pandemia, o atual governo insistiu em limitar o apoio de mantimento à política que estrutura esses grupos. O presidente expressa sua posição contrária ao MST quando apoia a criminalização da imagem do movimento ao chamá-los de invasores - se referindo às ocupações - e “canalhas, vagabundos” quando os responsabiliza pelos ataques sofridos pelo seu povo em suas próprias terras.
O MST carrega o grito pela reforma agrária e direitos básicos no campo nas costas, em seu primeiro congresso nacional apontaram que não há democracia sem reforma agrária e firmaram seu lema “terra para quem nela trabalha”.
Números e casos: o histórico da reforma e violência no campo
A reforma nunca foi, de fato, feita no Brasil ou uma prioridade para seus líderes, mas muda de cenário ao longo de cada governo. Segundo dados do INCRA, os governos que mais assentaram famílias foram os de FHC e Luiz Inácio Lula da Silva, com 540.704 e 614.088 respectivamente. Os números caem nos cinco anos de mandato completos de Dilma, com 133.689, e chegam a 11.831 no governo Temer.
A partir do mandato de Temer, principalmente, se assiste uma guinada nas ações voltadas para política da reforma. O governo não só a paralisou, como demonstrou apoio às grandes propriedades, desmontando o Ministério de Desenvolvimento Agrário e titulando assentamentos mais antigos. Muitas ocupações passaram a ser retiradas, o que resultou no aumento da violência no campo. 70 pessoas chegaram a ser assassinadas em 2017, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
No governo Jair, as maiores preocupações quanto ao cenário de violência no campo tem sido a flexibilização do porte de armas. Para se ter ideia, o monitoramento da CPT aponta que a pistolagem responde por 40% dos casos de violência letal no campo em 2022, sendo que o número de 25 assassinatos derivados de conflitos nos primeiros seis meses deste ano, já supera o total de 20 mortes em todo ano de 2020.
Em entrevista exclusiva à AGEMT, o professor José Arbex, de jornalismo da PUC de São Paulo, docente da Escola Nacional Florestan Fernandes e conhecido por denunciar práticas terroristas ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), apontou que “O governo Bolsonaro evidentemente piorou isso tudo [casos de violência] com a política dele de liberar a violência no campo, distribuir armas, liberar campos de garimpo na Amazônia, isso tudo implicou numa violência no campo sem precedentes, com os povos originários sendo ameaçados de extinção e os trabalhadores do campo estão sendo atacados com bandos armados e com a conivência do governo federal”.
Como evidência, se arrasta há anos a situação de cerca de 400 mil camponeses de Timbira, que aguardam há décadas o processo de desapropriação e titulação pelo INCRA de 14 mil hectares de terra, nos quais vivem há gerações. A população vive assombrada há tempos por madeireiros ilegais e rivais, como representa o caso do braço agropecuário do setor de alimentos da Maratá, tomando suas terras a tiros e fogo, reportado pelo The Intercept Brasil.
Que a reforma agrária nunca foi uma prioridade no Brasil, é fato, entretanto, nos últimos anos tem-se presenciado não só a promoção da sua guinada, mas a repressão dos grupos sociais e dos que vivenciam a necessidade da reforma. O cenário se agrava quando a conivência do Estado entra em cena. A questão que nunca se calou é: quais serão os próximos capítulos?
“Quem tinha que tá preso são as lideranças do MST, que provocaram esse episódio. Esses canalhas, esses vagabundos! Os policiais reagiram para não morrerem trucidados por armas brancas desses bandidos do MST”
– Jair Bolsonaro em entrevista na visita de pré-campanha, na curva do S, em Eldorado dos Carajás, onde morreram 19 trabalhadores sem-terra baleados por policiais militares.
O Projeto de Emenda à Lei Orgânica (PLO) 07/2021, de autoria do Prefeito de São Paulo Ricardo Nunes (MDB), propôs diversas alterações ao Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos (RPPS) alinhadas à Emenda Constitucional (EC) 103/2019, do governo Bolsonaro. O pacote ficou conhecido como SAMPAPREV II e, tal qual algumas sequências de filmes, o segundo desagradou mais que o primeiro.
O Regime de Previdência Complementar (RPC) é previsto no Artigo 40 da Constituição Federal, a fim de preservar "o equilíbrio financeiro e atuarial". Respaldado nesse artigo e no déficit bilionário na previdência, relatado pela Caixa Econômica Federal, em 2018 o ex-prefeito Bruno Covas (PSDB) criou a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos do Município de São Paulo, ou apenas SAMPAPREV, para administrar o RPC paulistano.
Em meio a greves e protestos, os servidores chamaram de "confisco salarial" o aumento na alíquota de contribuição de 11% para 14% de 2018. Três anos depois, eles estavam de volta às ruas, durante a pandemia de Covid-19, para repudiar a nova reforma da previdência municipal, batizada de SAMPAPREV II. Em especial, os profissionais do magistério e seus sindicatos organizaram greves e protestos em frente à Câmara, onde foram chamados de "vagabundos", junto com os outros servidores, pelo vereador Fernando Holiday (Republicanos).
A mobilização não conseguiu derrubar a PLO e, na madrugada do dia 10 para o dia 11 de novembro de 2021, os vereadores aprovaram a Emenda No 41 à Lei Orgânica do Município, após diversos líderes sindicais e servidores questionarem em audiência pública, no mesmo dia 10, os cálculos atuariais apresentados pelo Tribunal de Contas do Município para justificar as novas regras.
Até então, os aposentados recebendo menos que o teto do INSS eram isentos da contribuição à previdência e somente os que recebiam acima desse valor arcavam com 14%. Além disso, os servidores na ativa participavam com 11% e as idades mínimas para aposentadoria eram de 60 anos para mulheres e 65 para homens.
A Emenda 41/2021, vigente em 18 de março de 2022, inclui todos os aposentados recebendo mais de 1 salário-mínimo e os servidores em atividade para contribuir com 14%, torna a alíquota progressiva para os que recebem acima do teto do INSS (de 14% a 22%), aumenta a idade mínima de aposentadoria das mulheres para 62 anos e tanto a idade quanto o tempo de contribuição se tornam critérios para o requerimento. A Câmara prevê que 63 mil servidores passarão a contribuir ao início da vigência.
Os professores e outros profissionais da educação têm direito à modalidade de Aposentadoria Especial, também prevista no Art. 40 da Constituição, devido às condições de trabalho na escola. Esse direito foi mantido na EC 103/2019, porém todos os cálculos para a categoria são feitos com base nas alterações da Emenda, assim como no SAMPAPREV II.
"Nós tivemos a aposentadoria roubada", diz a professora de ensino infantil Maria Carolina dos Santos*, cuja aposentadoria estava a nove meses de distância no momento da entrevista, caso o SAMPAPREV II não tivesse sido aprovado. "A gente jogou uma partida até os 45 minutos do segundo tempo e aí mudou-se as regras".
Professora da rede pública desde 1997, Maria (54 anos) optou pelo sistema de idade mínima progressiva para completar seus, agora, 18 meses de trabalho. Este é um dos quatro sistemas possíveis na fase de transição, aplicável aos servidores efetivados antes de 18 de março de 2022. Se aderisse a qualquer uma das outras opções, a conta seria em anos.
Além da adição em tempo de serviço e diminuição do valor-base para cálculo do benefício (considera-se agora a média de todos os salários da carreira do professor, e não mais só os 80% mais altos), os educadores estão repondo os dias em que exerceram seu direito à greve. "Nós, grevistas, a princípio perderíamos todos os dias de paralização. Esse foi um ponto positivo que o sindicato conseguiu".
Além reivindicarem a mudança no texto do PLO, os profissionais da educação também lutaram pela inclusão da categoria nas datas iniciais cronograma de vacinação e pelo adiamento do retorno das aulas presenciais, que inicialmente ocorreria durante a crescente segunda onda de infecção da doença.
Professor Claudio Fonseca (CIDADANIA), presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem) e ex-vereador de São Paulo, descreve as dificuldades de organizar duas greves durante o período mais intenso da pandemia de Covid-19 e de negociar as consequências das paralisações. "A fase dura é a discussão do reconhecimento dos direitos da greve, com o pagamento dos dias parados." Fonseca também ressalta os outros beneficiários da luta dos educadores e dos servidores: "A reposição dos dias não é um compromisso que nós assumimos com o governo, é com aquelas e aqueles que defendem a educação pública gratuita para os filhos dos trabalhadores. Nosso compromisso é com a população, nós somos servidores do público, não do governo."
Maria, que iniciou seu magistério na rede estadual, aponta as semelhanças no descaso pelo ensino dos líderes de Estado nas duas esferas. "O que mudou bastante foi a diminuição da quantidade de escolas e de salas de aula, com isso, as que ficaram, tanto no Estado quanto na Prefeitura, estão superlotadas". Em 2007, o número máximo de alunos por sala de aula era 25; em 9 de fevereiro de 2022, o limite de 30 alunos passou para 33. "O ensino de qualidade fica muito inviável de acontecer, que é o ensino que deve ser ofertado para as crianças".
"Perdemos muitas coisas, causas pelas quais lutamos por muito tempo. A pior foi o SAMPAPREV, perder nossa aposentadoria. Nossa previdência entrou em risco, vamos ter que pagar uma conta que não é nossa". Mesmo desanimada pela perspectiva de desvalorização de sua profissão, Maria chama atenção para quem está no final desta cascata de negligência. "O quadro de magistério do ensino público já é muito debilitado, por várias questões, mas principalmente por causa de professores adoecidos, que trabalham dupla jornada para sustentarem suas famílias. Eles não têm tempo de qualificar suas aulas, o ensino perde qualidade e quem é mais lesado com isso tudo é a criança e o adolescente".
Com mais de 20 anos, o movimento Frente de Luta por Moradia (FLM) vem trazendo oportunidades e esperança àqueles que tiveram o direito à moradia negado. O movimento atua, coletivamente, na asseguração de um lar para mais de 5000 pessoas, abrigadas em cerca de 30 ocupações distribuídas por toda a cidade de São Paulo. Trata-se de um projeto pautado em garantir os direitos previstos pelo Art. 5º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual todo cidadão brasileiro deveria ter acesso, dentre outros, à moradia, à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho e à segurança.
A organização promove, além do abrigo, assistência psicológica, doação de alimentos e vestimentas, vagas de emprego dentro e fora da ocupação, aulas de capoeira e futebol e acompanhamento familiar às mães solteiras. “O nosso intuito não é que as pessoas fiquem dentro de uma ocupação para o resto da vida. É que nesse período, que ela está nesse movimento, ela tenha trabalho garantido, salário, criança na escola, idosos com conhecimento dos direitos deles, assistência médica… É disso que a gente fala quando fala de movimento de moradia. Ele agrega tudo isso”, afirma Geni Monteiro, líder de cinco ocupações do movimento na Zona Norte de São Paulo.
As necessidades que o movimento tenta atender apontam para a falta de políticas públicas mais eficientes e assistência governamental adequada a essa população. Segundo o relatório publicado em 2021 pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, mais de 33 milhões de brasileiros estão sem moradia. Desse total, 24 milhões não possuem habitação adequada ou não possuem lugar para morar.
Essa realidade que afeta milhões de brasileiros escancara o racismo estrutural por trás da negação de lugares e oportunidades, já que a maioria dos atuantes na luta junto à FLM são mulheres pretas, mães solteiras e vítimas de opressão e violência doméstica. Por isso, existe uma preocupação maior em relação a essas mulheres. Elas recebem instruções para entrevistas de emprego, visita de assistentes sociais, psicólogos e encaminhamento para os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), onde podem se cadastrar para usufruir de bolsas, gratuidade nos transportes e outros benefícios.
“Nesse momento que essas mulheres chegam aqui é pra mudança de vida”, pontua a líder com convicção. Além disso, Geni Monteiro diz que vê a luta negra unida à luta por moradia como uma quebra de ciclos, em que filhos de mulheres pretas podem alcançar uma vida que as gerações anteriores não tiveram.
Infelizmente, uma grande parcela da população ainda trata o movimento com preconceito, classificando as ações como atos criminosos e danosos à propriedade privada.
A líder da zona norte de São Paulo garante que não se trata de “bandos”, mas de pessoas que transformam realidades. Esse estigma criado em torno da luta diminui a potencialidade da causa, até mesmo no alcance daquelas pessoas que precisam de um lar, mas que têm medo do olhar pejorativo da sociedade, ou então que não conseguem aceitar muito bem a condição de vida mais dura que vivem hoje, mas que talvez não viviam no passado. “Então, ela vai ter um preconceito que ela já tinha, que é um preconceito do que é uma ocupação, de como eu vou morar em uma ocupação se antes eu podia pagar um aluguel. Ela não imagina a grandeza do que é uma ocupação. Existe um medo. Um medo da violência da polícia, da violência do poder público”, complementa Geni.
Essa visão distorcida da comunidade também se alastra aos serviços públicos, o que é visível através dos olhares tortos em postos de saúde, da violência policial simbólica e efetiva sobretudo com tratamentos diferentes e coercitivos, e até mesmo em casos de vida ou morte, como a demora de ambulâncias para prestar serviços de socorro e emergência a esses moradores.
“Aqui, um dá a mão para o outro, porque se você esperar, você morre. Pra você ter ideia, teve um senhor que acabou morrendo dentro de casa. Foram informados os órgãos competentes, só que não tinha necessidade de vir tanta viatura, o caso não era criminal. Só que quando você se depara com tantos policiais trajados como soldados de guerra, você percebe que isso acontece porque é uma ocupação”, diz Geni.
Junto a esse incidente nada isolado, outro caso também evidencia a negligência estatal com esse povo: Sara, também moradora da ocupação e integrante responsável pela administração do local, conta que uma vez foi preciso levar um dos moradores em estado grave de carro para o hospital. Isso porque o socorro não chegava de jeito algum.
Mas afinal, como se ocupa?
“Não é fácil, mas a gente faz. A gente ocupa por necessidade”. Assim a líder define todo o processo de resistir e ocupar um espaço.
O processo costuma ser longo e delicado. Alessandra e Sara relatam que existem prédios que ficaram ocupados por mais de doze anos, para só depois serem designados aos ocupantes. Elas revelam também que, quando o movimento ocupa um novo local, já há uma lista de pessoas esperando pela sua futura casa. No entanto, para isso, cada membro deve estar ativo na luta há pelo menos 6 meses, comparecendo às reuniões e somando ao projeto.
A parte burocrática, no entanto, não diz respeito apenas ao movimento. É preciso que a família, além de ocupar por pelo menos 5 anos aquele espaço, passe por um processo de entrega de documentos, comprovando não possuir nenhum outro imóvel, estar utilizando o espaço para moradia, enquadrar-se em baixa renda, não conhecer ou trabalhar para o proprietário, dentre outros critérios. Tudo isso deve ser encaminhado à Companhia Metropolitana de Habitação (COHAB), que “deve considerar critérios de enquadramento e seleção de acordo com o programa habitacional e/ou linha de financiamento por meio do qual o empreendimento é viabilizado”, conforme aponta o site Habita Sampa, onde também está disponível tudo que é requisitado da população.
“Às vezes a gente faz todo o trabalho no local, chega na hora e você ouve que sua família não tem perfil. Qual seria o perfil pra eles? Se fosse ocupação pra rico não teria isso de ter perfil”, indigna-se Geni.
Invasão ou ocupação?
As lideranças dizem que é fundamental saber que a ocupação de novos locais ocorre quando o terreno ou construção está abandonado há muito tempo. Elas destacam que chamar uma ocupação de “invasão” tem consequências graves para a luta política. O termo “invasão”, segundo elas, é equivocado e errôneo. Não se trata de invadir moradias, com famílias dentro, expulsar e aterrorizar pessoas. É sobre ocupar espaços sem nenhum tipo de função social, que podem abrigar centenas de crianças, mulheres e homens em situação de vulnerabilidade.
“O movimento entende que os terrenos que não cumprem uma função social, ao serem ocupados, mostram para o governo que eles podem fazer alguma coisa”, aponta Geni.
A “função social” citada pela militante é um direito constitucional, garantido pelo vigésimo terceiro item do artigo 5°, que determina que ““XXIII – a propriedade atenderá a sua função social”, assegurando que nenhuma propriedade deve ficar abandonada e sem uso adequado. É preciso que o proprietário provenha alguma função útil àquela propriedade, para alguém específico ou para a sociedade como um todo.
Até 2020, foram registrados pela prefeitura ao menos 666 imóveis desocupados no centro da capital paulista, 84% deles, vazios e abandonados, sofrendo degradação com o tempo. O movimento FLM, além de fornecer segurança e abrigo às famílias desamparadas, busca trazer vida e cores aos espaços.
A reintegração de posse
A luta pelo direito à moradia é grande, e muitas vezes opressora, sobretudo quando a justiça determina a reintegração de posse do local, ou seja, uma ação judicial especial que visa devolver a posse de um bem para alguém, até então o “proprietário”.
"A reintegração de posse é assustadora. Não é brincadeira. A gente tá falando de medo, porque a violência é muito grande”, relata a líder.
Em grande maioria, esse “dono” é um alguém devedor de impostos que não se preocupa com a segurança do bairro nem com a saúde pública, mantendo terrenos sujos, suscetíveis de se tornarem foco de insetos e doenças. Há portanto uma manipulação de interesses em não tratar como criminoso o proprietário, mesmo perante todos esses fatos, mas sim os militantes da luta por moradia popular.
“Aqui (na ocupação localizada na Avenida Conselheiro Moreira de Barros - zona norte paulistana), foram retirados 50 e poucos caminhões de lixo. E hoje não né, hoje você pode andar na calçada porque o movimento arrumou. Antes os vizinhos atravessavam pro outro lado, além do medo de ser roubado e trazido para dentro do terreno, ser estuprado ou morto”. Isso porque, além de sujo, o terreno era coberto por mato alto, com nenhuma iluminação e muitos riscos, sobretudo para as mulheres que passavam por ali sozinhas à noite”, comenta Geni.
Com isso, a líder também confronta o processo por trás da decisão judicial, dizendo que deveria haver um olhar diferente dos juízes perante a situação, a fim de conhecer todo o trabalho do movimento e sua importância antes de conceder a reintegração de posse.
Como é a estrutura das ocupações?
Durante a visita a uma das unidades do movimento, localizada no bairro Lauzane Paulista, Zona Norte de São Paulo, foi possível conhecer a estrutura e organização do movimento. Portaria 24 horas, câmeras de segurança distribuídas por todo o terreno, extintores de incêndio, projetos de lazer, cultura e sustentabilidade, advogados e arquitetos próprios da FLM, centro de coordenação e administração. Esses são fatores que comprovam a grande organização e preocupação do movimento em relação à proteção dos lares e moradores.
“A gente, como mulher, mora onde a gente quiser”, exclama Geni, relembrando a máxima do movimento: “nenhuma mulher sem casa”.
A reintegração de posse, portanto, agrava a situação da população de rua, já que aqueles que nesses prédios estão abrigados voltam ao cenário da miséria total, o que também prejudica o governo e os gastos com assistência social, marginalizando cada vez mais a população brasileira e piorando também o índice de criminalidade urbana.
Por que ocupar incomoda?
“Esse é o tipo de pergunta que fazemos para nós mesmos”, reflete Geni.
Apesar de todas as mudanças que a Frente promove no bairro e na vida dos moradores, a ocupação ainda divide opiniões na região. Muitos moradores enxergam os benefícios e necessidades dos ativistas, inclusive contribuem com doações de roupas, móveis e alimentos. Enquanto isso, outros afirmam que a ocupação desvalorizou os imóveis próximos e que a região está mais perigosa.
No caminho para a entrevista e visita do local, uma das jornalistas avistou um morador do bairro jogando lixo na porta do bazar que existe dentro da ocupação. Contando isso às mulheres da frente do movimento, elas afirmam que essa realidade revela a visão dessas pessoas sobre a associação: “Eles não veem essas famílias como seres humanos. Eles jogam lixo porque nos veem como lixo”.
"Confiança": a palavra de força do movimento
Com o novo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o movimento FLM projeta a melhora das políticas públicas e uma maior acessibilidade à moradia nos próximos anos, tal qual em seus governos anteriores.
“Isso foi tirado, foi roubado do pobre”, pontua Geni em relação ao governo de Jair Messias Bolsonaro, sobretudo com o fim do programa “Minha Casa, Minha vida”, que atendia famílias em ocupações e fora também.
“Com o governo sendo de direita ou de esquerda, o rico nunca é prejudicado em nada. Quem vai ser atingido sempre é a mulher negra, o filho do pobre, aquele que mora na periferia, quem trabalha 12 horas para ganhar um salário mínimo.”, sinaliza a ativista. Esse problema evidencia a profundidade da desigualdade social, da pobreza e da concentração de renda, em que a luta por direitos mais básicos, como a moradia, é apenas o começo da mudança de todo esse sistema.
Por isso, é importante que não se esqueça que o movimento surgiu com ocupações no centro de São Paulo, uma das regiões com mais moradores de rua do país, sobretudo, com o objetivo de dar força e abrigo a mulheres migrantes que viviam desabrigadas, e, hoje, podem viver uma realidade ainda difícil, porém melhor. Essas pessoas foram o começo de algo que simboliza também um novo começo para tantas outras famílias.
“O mais importante é quando você aprende e distribui. Então você foi transformada, você vai transformar outra, a outra transforma outra e vira uma rede”, afirma Geni.
A liderança do FLM convida todas as mulheres e pessoas desabrigadas a procurarem ajuda e assistência, alertando para que não sofram em silêncio e para que se libertem dos preconceitos e violências sociais. Para conhecer mais sobre a Frente, acesse o Portal da FLM e as redes sociais da luta.