Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Questões climáticas serão discutidas em meio a Amazônia
por
Cecília Schwengber Leite
Helena de Paula Barra
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09/05/2025 - 12h

Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará

Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:

 

Como anda o suporte aos afetados e a responsabilização pela tragédia?
por
Leticia Falaschi
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07/05/2025 - 12h

Em 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos do Fundão, localizada no distrito Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, rompeu. Naquele dia, aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de lama infectada da mineração desabaram sobre Bento Rodrigues e o Rio Doce. Desde dentão, a lama assombra os sobreviventes da tragédia e deixa rastros quase que irreversíveis, sobre o rio afetado e as cidades pelas quais ele passava. Sustento, acesso a água limpa, e modo vida: fatores para sempre abalados para os habitantes de Mariana. A cidade carrega, por 9 anos, severas mudanças ambientais e desequilíbrio do ecossistema local. 

Quase uma década depois do desastre, a Samarco e suas acionistas, a anglo- australiana BHP Billiton e Vale, empresas responsáveis pela mineração e pela barragem que se rompeu, seguem tentando articular uma defesa que não as categorize como como réus. Em novembro de 2024, nove anos após o ocorrido, a Justiça Brasileira absolveu todos os denunciados pelo Ministério Público Federal, segundo a alegação de que as evidências expostas, até então não, permitiam atribuir configuração de crime aos acusados.  

Enquanto isso, o escritório de advocacia de Londres, Pogust Goodhead, processa a BHP na justiça inglesa. A ação se move em defesa de certa de 620 mil afetados pela tragédia e reivindica 260 bilhões de reais de indenização às vítimas e as cidades impactadas. A primeira fase do julgamento acabou em 13 de março, e a corte decidirá se a BHP é responsável até os dias 2 e 3 de março. Durante a primeira etapa do julgamento inglês, foram apresentadas provas de que a barragem já dava sinais de problemas na drenagem e no armazenamento muito antes do colapso de funcionamento.

Relatórios que denunciaram a existência de uma fissura na barragem notada ainda em 2014 pela Samarco, entre outros indicativos prévios de esgotamento do sistema. A defesa da BHP nega as acusações disse que os conselheiros da Samarco não foram notificados, e que os engenheiros especialistas contratados os asseguraram a estabilidade de barragem. A expectativa, dado os caminhos tomados pelo julgamento, é que a empresa seja responsabilizada.

Caso isso aconteça, as definições dos valores de indenizações pode ser um processo longo, podendo perdurar até 2026. Frente a isso, segundo a legislação inglesa, a defesa das vítimas tem direito ao adiantamento parcial da indenização quando o julgamento tende a ir a favor, uma tentativa de mitigar possíveis atrasos.  Em contraste, a justiça brasileira, no acordo firmado ano passado, pede R$ 170 bilhões para as empresas, dos quais 38 bilhões já foram gastos em ações de compensação. Em comparação ao processo internacional, o Brasil se mostrou mais passivo diante das operações de das operações das grandes empresas estrangeiras afetando a vida dos brasileiros. Uma das maiores tragédias ambientais do Brasil tende a ter maior suporte vindo de fora. Entenda o caso com a repórter Leticia Falaschi. 

Novo leilão de campos de exploração indica lentidão da transição energética
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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05/05/2025 - 12h

Sob pressão do Governo Federal, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) negaram licença à exploração da Petrobras na Margem Equatorial. O pedido já havia sido negado em 2023, mas com o avanço das negociações, voltou à tona a exigência de estudos estratégicos sobre o impacto às comunidades indígenas e tempo de resposta e atendimento à fauna atingida por óleo. Em entrevista à AGEMT, a cientista política e professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do LAPAGE (Laboratório de Pesquisa em Política Ambiental e Justiça), Cristiana Losekann, explica como está a questão ambiental na região. 

Venha entender mais sobre o assunto no podcast!

 

 

Culpa, medo e urgência influenciam comportamento de uma geração que teme não ter tempo
por
Luane França
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03/05/2025 - 12h

“Vocês estão falhando conosco. Mas os jovens já começaram a entender sua traição. Os olhos de uma geração futura inteira estão sobre vocês. E, se vocês escolherem fracassar, eu lhes digo: nós jamais perdoaremos [...] O mundo está despertando. E a mudança está chegando, quer vocês queiram ou não", diz Greta Thunberg, ativista e ambientalista sueca, que, com apenas 16 anos, atravessou o silêncio em um discurso na Cúpula de Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2019. Na ocasião, ela convocou os líderes mundiais à responsabilidade diante da crise climática.

No ano seguinte a esse pronunciamento, a humanidade enfrentaria um desafio global: a pandemia de Covid-19. Embora a origem da pandemia envolva muitos fatores, não dá para ignorar o papel da crise climática nesse contexto. O desmatamento crescente e a destruição dos habitats naturais têm aproximado seres humanos de animais silvestres como nunca antes, o que acaba facilitando o surgimento e a propagação de doenças que antes ficavam restritas à natureza. 

Até 12 de março de 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou oficialmente mais de 7 milhões de mortes confirmadas por Covid, embora o número real de vítimas seja possivelmente ainda maior, considerando subnotificações e mortes indiretas decorrentes das repercussões da pandemia. Hoje, quase seis anos após o discurso de Thunberg, a crise climática continua crítica e novas formas de se comportar começaram a emergir. Entre elas, a ecoansiedade se destaca como um reflexo emocional desse cenário. Mas até que ponto essa sensação está moldando a maneira como as pessoas lidam com o tempo, tomam decisões e buscam viver o presente?

Significado e a transformação do presente

De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), a ecoansiedade é caracterizada como um medo crônico da catástrofe ambiental, conceito que também foi integrado ao Dicionário Oxford. Embora seja um conceito relativamente recente, ela revela uma inquietação crescente diante da incerteza em relação ao futuro, tanto pessoal quanto coletivo. Marcado pelos efeitos aparentemente irreversíveis das mudanças climáticas, o fenômeno tem ganhado visibilidade na mídia e, sobretudo, entre os jovens, que sentem com particular intensidade o peso do que ainda está por vir. Matheus Arantes, estudante do 5º semestre de odontologia na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), relata que, por um período, foi tomado por uma sensação constante de desespero. O gatilho veio em 2019, ano em que o número de queimadas na Amazônia aumentou 30% em relação a 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 89.178 focos de incêndio registrados no bioma.

“Me lembro de não conseguir parar de pensar naquilo e de me sentir sufocado por não poder fazer nada para ajudar [...] Ficava o tempo todo focado nos desastres ambientais, como se, pela primeira vez, eu tivesse realmente percebido que o mundo estava acabando. Isso me deixava exausto, como se eu estivesse carregando um peso que não conseguia controlar [...] Hoje, acordo sabendo que tudo ainda está acontecendo, mas a sensação de impotência só aumentou”, desabafa Arantes.

O relato do estudante é um entre tantos que revelam como a crise climática deixou de ser uma projeção distante para se tornar uma presença constante na vida de quem está crescendo em meio a ela. A ansiedade provocada pelas mudanças no planeta não se limita mais a sentimentos de medo ou angústia , ela já começa a interferir em escolhas práticas, inclusive nas que envolvem o futuro da vida humana, como a decisão de ter filhos. Uma pesquisa internacional, realizada entre maio e junho de 2021, conduzida por pesquisadores de diversas instituições, incluindo o Centro de Inovação em Saúde Global da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford e a Universidade de Helsinque, e financiada pela plataforma Avaaz, entrevistou 10 mil jovens entre 16 e 25 anos em dez países.

No Brasil, 48% dos entrevistados afirmaram que a crise climática os faz hesitar quanto à possibilidade de ter filhos, o maior percentual entre os países analisados. A média global foi de 39%. O estudo também revelou que 55% dos jovens acreditam que terão menos oportunidades do que seus pais tiveram. Essa percepção revela algo mais profundo do que apenas pessimismo: trata-se de uma dificuldade real de se projetar no tempo.

A crise ambiental, juntamente com outras demandas sociais e econômicas, cria uma sensação de compressão do tempo. O futuro se torna uma ameaça, não mais algo a ser conquistado, mas uma ideia difícil de visualizar. O impacto disso se reflete nas escolhas de vida, como o adiamento do desejo de ter filhos ou a falta de planos a longo prazo. A crítica aqui não está dirigida aos indivíduos, mas ao contexto que os leva a esse tipo de decisão.

Essa mudança de perspectiva representa uma interrupção na continuidade dos projetos de vida. O luto não é apenas pelo planeta, mas pela própria ideia de futuro. O problema está na dificuldade de muitos jovens em se imaginar em um cenário concreto. Ana Lizete Farias, psicanalista e doutora em Meio Ambiente pela UFPR, dedica seus estudos a compreender o sofrimento psíquico sob a ótica socioambiental. Em sua análise, ela observa: "Os discursos hegemônicos hoje ainda estão muito centrados em uma questão urbana e de classe média, o que acaba silenciando as vivências das classes mais baixas, transformando os sofrimentos dessas populações em algo abstrato. Não estamos convivendo com essa realidade de forma direta. Não se pode viver uma romantização dos desastres ambientais", ressalta Farias. 

A ecoansiedade já faz parte da vida de quem habita regiões mais expostas aos efeitos diretos da crise climática. Para trabalhadores rurais, populações de baixa renda, indígenas e pessoas negras, os desastres ambientais não são uma previsão futura, mas uma experiência contínua. Nesse cenário, a fauna também sofre com os impactos da destruição dos habitats naturais, o que agrava ainda mais o sofrimento dessas comunidades que dependem diretamente dos ecossistemas.

A emergência climática também pressiona o sistema de saúde e acentua desigualdades já existentes. Nesses contextos, a ecoansiedade não vem apenas do medo do que pode acontecer, mas da convivência diária com um cenário que há tempos se deteriora. "Precisamos ouvir diretamente, sem a mediação de um discurso positivista. A ecoansiedade precisa ser compreendida e recolocada dentro das questões de justiça ambiental".

 

Dois homens plantam juntos em um vaso na Avenida Paulista
Dois homens plantam juntos em um vaso na Avenida Paulista - Foto: Luane França

 

Ninguém muda o mundo sozinho

Ana também chama atenção para os riscos de naturalizar a ecoansiedade.. Encará-la como um simples efeito colateral da modernidade, algo ao qual deve se adaptar, é perigoso. Além disso, é preciso atenção aos discursos catastrofistas. Muitas vezes, eles se expressam por meio de uma linguagem técnica que culpabiliza ou de uma retórica apocalíptica que, em vez de mobilizar, paralisa. Ninguém age movido apenas pelo terror, esse tipo de narrativa tende a gerar desamparo, afastando as pessoas em vez de envolvê-las. Em alguns casos, a linguagem utilizada não responsabiliza quem realmente deveria ser responsabilizado. Ela falha em atingir os setores que têm maior impacto ambiental e, ao mesmo tempo, impede que as pessoas se sintam parte do problema e parte da solução. Diante do excesso de informação, muitas pessoas acabam se sentindo sobrecarregadas e incapazes de transformar esse conhecimento em ação.

A questão não é fazer com que cada indivíduo “faça mais” sozinho, mas sim incentivar ações coletivas, que envolvam empatia, solidariedade e responsabilidade compartilhada. Precisa-se questionar as estruturas, como a indústria e os sistemas de produção e entender que é possível pressioná-las. A transformação não é individual: ela depende de laços e de pertencimento. Mais do que um bombardeio de dados, Farias destaca a importância de boas informações e de narrativas coletivas que reconectem as pessoas — formas de construir pertencimento e estar juntos, mesmo em meio ao caos.

 

 

Amazônia de Pé, Projeto de Lei de Iniciativa Popular, propõe que florestas públicas não destinadas sejam destinadas a comunidades indígenas, quilombolas e unidades de preservação.
por
Maria Ferreira dos Santos
Malu Araújo
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29/06/2022 - 12h

Sem dúvida, o debate acerca da preservação da Floresta Amazônica ganha cada vez mais notoriedade. Entretanto, ao se tratar de políticas públicas é fundamental que a discussão leve à alguma medida, isto é, que a teoria vire prática. O que nem sempre acontece, uma vez que é necessário que diversos agentes atuem em prol daquilo, entre esses advogados, parlamentares, vereadores, juízes e mais. Mas, e se a mudança viesse de pessoas “comuns”? Pessoas que juntas poderiam ter tanto peso quanto a decisão de um político? 

Essa é a ideia dos Projetos de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), previstos pela Constituição Federal. Um exemplo é o Amazônia de Pé. Em seu próprio site, a equipe da campanha declara que acredita “que só um movimento massivo, construído de baixo pra cima, pode dar à Amazônia o cuidado que ela merece”. A proposta da iniciativa é destinar os quase 50 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia para  proteção dos povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas e Unidades de Conservação, como explicou a socioambientalista e coordenadora de parcerias da iniciativa, Renata Ilha.

Para que o projeto seja aprovado no Congresso é crucial a coleta de um milhão e meio de assinaturas físicas, resultando num processo muito grande visto que esse número representa 1% do eleitorado brasileiro. Todavia, tamanha dimensão não assusta a organização, Karina Penha, coordenadora de mobilização do Amazônia de Pé, reforça que a questão ambiental deve ser preocupação de todos. “O projeto visa exatamente isso: descentralizar para que o Brasil inteiro entenda que a pauta amazônica é importante e fundamental onde quer que você viva, sendo dentro ou fora da região amazônica’’, declarou a ambientalista.

Captura de tela do site do projeto Amazônia de Pé. Reprodução: https://amazoniadepe.org.br/
Captura de tela do site do projeto Amazônia de Pé. Reprodução: https://amazoniadepe.org.br/

Para compreender a importância do projeto na preservação ambiental, Renata explica que "esse território é público, mas não é destinado. E é justamente essa a área de interesse de grilagem”. Grilagem, como citou Ilha, é o termo utilizado para se referir à prática criminosa de se obter ilicitamente a propriedade de terras, normalmente tal ato é feito através do desmatamento e da violência contra os povos ali habitantes.

Esse exercício não é novidade, isso porque há mais de quinhentos anos a história de terras no Brasil vem seguindo esse curso marcado por invasões, exploração de recursos naturais e inanição para uma distribuição igualitária e consciente ambientalmente. Soma-se a isso a implementação de leis que visam, senão outra coisa, a perpetuação dos grandes latifundiários e de um modo de produção insustentável para a terra. Com isso, vem se tornando cada vez mais evidente a ligação que os grandes latifúndios possuem com  os conflitos no campo, com a abertura política para o desmatamento e com a devastação dos povos originários e seus territórios. 

A princípio, é necessário compreender que a concentração de terras e o modo de produção agrícola estão intimamente ligados. O censo Agropecuário em 2017, mostrou que o índice de Gini atingiu a marca de 0,867 pontos, esse índice aponta o nível de desigualdade existente no campo, sendo que quanto mais próximo do 1, maior é a concentração fundiária no país. Atrelado a essa produção, o Censo revela que existem hoje mais de 5 milhões de propriedades agrícolas, das quais 51 mil propriedades, 47,6% são voltadas para produção agropecuária. 

 Com efeito, a expansão do agronegócio tem cobrado cada vez mais caro dos povos tradicionais da terra e das regiões que deveriam ser ambientalmente preservadas. O relatório “Na Fronteira da (I)legalidade: desmatamento e grilagem no Matopiba”, revelou que o Cerrado perdeu mais vegetação nativa nos últimos 20 anos do que nos 500 anos anteriores. Essa devastação ocorre por uma conjuntura diversa, mas que vem se agravando desde 2018, a começar pelo aumento exponencial das ocorrências de violência no campo, o desmatamento crescente no país e o desmonte dos órgãos que deveriam promover a defesa das áreas de preservação e dos povos. Vale dizer, pelas palavras da jornalista Eliane Brum,  não é incompetência e nem descaso, é método.

O relatório anual da Comissão Pastoral da Terra 2021, registrou que o número de ocorrências da violência no campo aumentou quase em cerca de 1 milhão. Em consonância com essa violência, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) apontou que o desmatamento anual de 2019 a 2021 foi 56,6% maior que entre 2016 e 2018 na Amazônia. Além disso, um novo estudo feito pelo IPAM revelou que a invasão de florestas públicas não destinadas impulsiona o desmatamento ilegal e o roubo de terras, pratica conhecida como Grilagem. Um dos indícios da grilagem nas terras públicas é o aumento dos cadastros ambiental rural, conforme o boletim do Serviço Florestal Brasileiro(SFB), nos últimos cinco anos houve um aumento de 232% dos CAR.

 

O desmonte da Funai

 

“Pode usar? Não pode. Mas hoje em dia estamos vivendo uma espécie de estado exceção, onde as normas pouco significam. O ilegal vira legal”. Essas são as palavras da jurista Deborah Duprat, no Dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato sob o governo Bolsonaro, ao se referir sobre os mecanismos de corrosão ao órgão da Funai atualmente. O Dossiê faz denúncias aos instrumentos e medidas adotadas pelo governo Bolsonaro desde 2019, para fragilizar e desmontar a Funai.

Um dos primeiros passos para a ruptura das questões indígenas e seu elo com a Justiça foi a passagem do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Ainda nessa linha,  a identificação e delimitação das terras indígenas ficou a cargo da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Outrossim, também houve um corte orçamentário em torno de 40% dos recursos da Funai, limitando ainda mais a atuação dos funcionários.

Como se isso já não fosse o bastante, hoje a Funai já tem nomeado 17 militares, três policiais militares, dois policiais federais e seis profissionais sem vínculo anterior com a administração pública. Além da perseguição aos indigenistas e funcionários, há também a substituição desses servidores, que possuem qualificação e experiência, por profissionais sem experiência alguma com a política indígena. Atualmente, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, é um delegado da Polícia Federal que age em conformidade com os caprichos e vontades do presidente Bolsonaro.

 É preciso dizer: quando o agro vende commodity, ele também vende bioma, quando a Funai começa a ser desmontada, ela também mata os índios e todos aqueles que buscam defender a floresta e seus direitos. 

 

Esposa de Dom Phillips diz ter sido avisada pela PF de que corpos do jornalista e do indigenista Bruno foram encontrado, instituição não confirma as informações.
por
Letícia Coimbra
Luan Leão
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13/06/2022 - 12h

 

Na manhã desta segunda-feira (13) a mulher do jornalista britânico Dom Phillips, Alessandra Sampaio, disse ter sido informada de que os corpos de seu marido e do indigenista Bruno Pereira, que estão desaparecidos há mais de uma semana na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, haviam sido encontrados.

Segundo Alessandra, a Polícia Federal telefonou informando a localização de dois corpos, afirmando ainda a necessidade de serem periciados para a confirmação da identidade.

Indiigenista Bruno Pereira, à esquerda, e jornalista inglês Dom Phillips, à direita, estão desaparecidos desde o dia 5 - Foto: Reprodução
Indigenista Bruno Pereira, à esquerda, e jornalista inglês Dom Phillips, à direita, estão desaparecidos desde o dia 5 - Foto: Reprodução

 

Em nota, a PF informou a Agência Maurício Tragtenberg que não procedem as informações divulgadas pela imprensa de que os corpos foram encontrados. A instituição afirmou que foram encontrados materiais biológicos que serão periciados e que, assim que forem encontrados os corpos, a família e a imprensa serão comunicados.

No final de semana, o Comitê de crise, coordenado pela PF do Amazonas, disse que foram percorridos 25 quilômetros pela selva em trilhas existentes na região, áreas de igapós, e furos do Rio Itaquaí. Nessas buscas foram encontrados objetos pessoais dos desaparecidos, sendo um cartão de saúde e roupas pertencentes ao indigenista, e botas, roupas e uma mochila com roupas de Dom. De acordo com as autoridades, os objetos estavam próximos da casa de Amarildo Costa de Oliveira, suspeito de envolvimento no desaparecimento.

Projeção para 2030 se baseia no uso de fontes de energia renovável em todo o mundo; Brasil desperdiça oportunidades
por
Daniel Dias, Iris de Freitas e Leonardo Nunez
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10/06/2022 - 12h

O modo de produção capitalista que domina o mundo nos dias de hoje valoriza o consumo excessivo e a produção em massa, almejando sempre o lucro máximo acima de tudo. Com isso, este sistema se autoprejudica, uma vez que acaba por findar com todos os recursos necessários para sua manutenção. O capitalismo acaba por ser um modo autodestrutivo, como uma bomba-relógio, fato que chega a ser irônico, tendo em vista que seus maiores participantes, consequentemente, perdem dinheiro.

Em contraposição, a economia verde aparece na tentativa de reverter o cenário previamente criado pelo capitalismo. Ela consiste num modelo que visa o bem-estar humano ao passo que também preza a diminuição dos riscos ambientais e da escassez ecológica. Os três pilares desta economia são: baixa emissão de carbono, inclusão social e eficiência no uso de recursos.

Em entrevista concedida à AGEMT, a economista Luiza Karpavicius, que integra a equipe da coluna "Por quê? Economês em bom português", da Folha de S. Paulo, explica mais sobre esta forma de economia. “No centro da economia verde está o uso de políticas públicas e privadas que combinam crescimento econômico com justiça social e a manutenção dos recursos e serviços ecossistêmicos”, diz.

No Brasil, a economia verde vem ganhando palco com o passar dos anos. Em 2021, o governo federal lançou o “Plano de Crescimento Verde”. O projeto conta com apoio do Banco dos Brics (bloco de países com economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para iniciativas de conservação florestal, uso consciente de recursos naturais e geração de empregos verdes. Estima-se que cerca de 30 milhões de empregos podem ser gerados até 2030 somente com a adoção de fontes de  energia renovável ao redor do mundo, segundo pesquisa da Irena (Agência Internacional de Energia Renovável). O Brasil planeja contar com um comitê com dez ministérios para organizar ações para atingir a neutralidade de carbono até 2050.

A degradação ambiental intensificada pelo capitalismo, além dos danos a todo o ecossistema, impacta de maneira negativa a economia brasileira. O professor da USP de São Carlos e membro titular da Academia Brasileira de Ciências José Galizia Tundisi relata os impactos negativos que a falta de políticas públicas efetivas de conservação ambiental causa na economia brasileira. Ele ilustra com o exemplo da água:  o custo para a produção de água potável chega a R$ 300, enquanto para tratar águas não contaminadas é de R$ 10, uma economia de aproximadamente 96%.

Além disso, a economia verde seria capaz de fazer muito mais do que se pode imaginar para o cenário econômico brasileiro. Karpavicius ressalta as consequências positivas de sua implementação: “A expectativa é que isso, se feito corretamente, possibilitaria a geração de empregos, reduziria as desigualdades (já que as pessoas que preservam o meio ambiente seriam remuneradas por isso) e colocaria o Brasil estrategicamente nas relações com outros países”.

Entretanto, Karpavicius explica que, no resto do mundo, essa economia visando uma melhoria ambiental já vem se desenvolvendo de forma mais concreta e real, enquanto em solo brasileiro é algo que precisa evoluir muito. “No resto do mundo, vemos mais claramente um alinhamento entre política e meio ambiente. No Brasil, hoje, estamos indo na contramão e ignorando uma grande oportunidade para o país se colocar como um dos pioneiros na implementação de uma economia verde”, afirma.

A colunista ainda relembra que o país tem o que é preciso para fazer parte dessa economia, sendo necessário somente dar o primeiro passo. “Deve existir a criação de políticas públicas que estimulem empregos verdes, que introduzam direitos sobre poluição e abram as portas para o mercado de créditos de carbono, que visem minar as desigualdades e alinhar desenvolvimento e sustentabilidade, que introduzam um monitoramento mais forte do desmatamento ilegal etc.”

A Organização das Nações Unidas (ONU) criou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como forma de apelo à população para acabar com problemas graves como a fome, zelar pela proteção do meio ambiente e clima, entre vários outros, formando 17 no total. O objetivo número 12  se relaciona diretamente à economia verde, pois diz respeito ao consumo e produção responsáveis. Uma das metas assumidas por ele  é a de “até 2030, alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais”.

Para alcançar esses objetivos, os países, em conjunto com os órgãos responsáveis pelo meio ambiente, devem, de maneira organizada, usar de forma correta os recursos naturais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estimula o progresso econômico mundial, tem uma área especificamente voltada ao crescimento verde.

No âmbito das empresas, elas demonstram estar mais preocupadas com o impacto ambiental causado por suas operações. Um estudo feito em 2020 pela KPMG mostrou que 80% das empresas analisadas ao redor do mundo emitem relatórios de sustentabilidade. O relatório de é uma iniciativa  voluntária, onde uma empresa presta uma espécie de satisfação para a sociedade sobre suas  atividades no cenário da sustentabilidade.

Esses boletins são de extrema importância para um planejamento futuro da instituição, pois assim ela tem noção de onde deve melhorar ou evoluir, além de servir como uma forma de diálogo entre as pessoas na empresa. Um outro benefício é que isso também mantém a população e o governo atualizados no assunto, promovendo a transparência e mantendo a credibilidade da empresa.

Mateus Peçanha, engenheiro ambiental e técnico de meio ambiente, é diretor da Academia Lixo Zero em Florianópolis. O instituto busca cooperar com empresas, guiá-las para um posicionamento e ações mais sustentáveis, apresentando questões práticas que gerem eficiência, economia e engajamento através da gestão de resíduos, usando o conceito de lixo zero como uma ferramenta de gestão e qualidade total

Peçanha afirma que existe um número reduzido de empresas que já estão trabalhando questões ambientais e de governança. E que, além disso, há um despreparo profissional para levar uma empresa a alcançar a sustentabilidade e a ESG (governança ambiental, social e corporativa).

No entanto, outra prática que vem crescendo é o chamado greenwashing, o ato de divulgar informações sobre ações positivas em relação ao meio ambiente que não passam de  propaganda enganosa.

Um exemplo foi a empresa automobilística Fiat, que anunciou em 2007 um novo pneu denominado Superverde, que supostamente teria maior durabilidade e menor consumo de combustível. Contudo, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) considerou propaganda enganosa, já que a produção, o uso e o descarte do produto não condiziam com a proposta sustentável.

“O greenwashing acontece muitas vezes por falta de conhecimento e não por vontade dos profissionais. Porém, em muitas situações é visível a falta de conexão de certas atividades de empresas com o seu estilo de trabalho e políticas internas”, avalia Peçanha. A prática, a princípio, pode trazer pontos positivos para a empresa, tanto na questão financeira quanto publicitária, entretanto, quando descoberta, acaba afetando a reputação e o valor de mercado.

Afinal, o país só tem a ganhar com um modo de economia verdadeiramente sustentável, como diz Karpavicius. “Há muitos estudos que mostram que o incentivo a uma economia verde pode ser fundamental, por exemplo, para a recuperação da crise econômica que o Brasil vive hoje. Esta seria a chamada ‘retomada verde’, onde daríamos um grande empurrão para a sustentabilidade”, afirma a economista.

 

O indigenista acompanhava o correspondente do The Guardian, Dom Phillip, em visita a comunidades indígenas no município de Atalaia do Norte, quando ambos sumiram.
por
Ana Carolina Coelho
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06/06/2022 - 12h

Estão desaparecidos há mais de 24 horas, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, correspondente do The Guardian no Brasil. O desaparecimento de Bruno e Dom já foi oficializado na Polícia Federal, junto ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e ao Indigenous Peoples Rights International.

Segundo informações da Coordenação da Organização Indígena UNIJAVA, os dois se deslocaram com o finalidade de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima à localidade chamada Lagoa do Jaburu, para que o jornalista realizasse algumas entrevistas com os indígenas na região próxima às fronteiras com o Peru e a Colômbia. Além disso, a UNIJAVA também afirma que eles e membros da entidade foram alvos de ameaças nos últimos tempos.

 

O JORNALISTA, DOM PHILLIPS

 

Do Reino Unido, o jornalista Dom Phillips atua no Brasil desde 2007. Atualmente reside na cidade de Salvador, na Bahia.

O jornalista é correspondente de diferentes jornais, como o Financial Times, New York Times, The Intercept, The Observer, entre outros. Mas nos últimos tempos, vem trabalhando de forma recorrente para o inglês The Guardian.

Por sua proximidade com as pautas ambientais, Phillips está trabalhando na escrita de um livro sobre o meio ambiente com colaboração da Fundação Alicia Patterson.

O jornal The Guardian já manifestou preocupação com o desaparecimento do jornalista. “O The Guardian está preocupado e buscando urgentemente informações sobre a localização e condição do Sr. Phillips”, disse em nota. 

 

O INDIGENISTA, BRUNO PEREIRA

 

Ex-servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Bruno Pereira é reconhecido como defensor das causas indígenas. Nos últimos anos, Bruno foi coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte, o servidor deixou o cargo em 2016, durante um violento conflito registrado entre os povos isolados da região.

Em 2018, ocupou o cargo de coordenador-geral dos índios isolados e de Recém Contatados da Funai, quando dirigiu a maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos. Porém, foi exonerado do cargo no final de 2019, após pressão dos setores ruralistas próximos ao presidente Jair Bolsonaro. 


 

A TRADIÇÃO DE DESAPARECIMENTOS E ATENTADOS CONTRA ATIVISTAS AMBIENTAIS NO BRASIL

 

Diversas entidades apontam que o Brasil é, hoje, um dos países mais perigosos para ativistas de direitos humanos e ambientalistas. O relatório “Defender o amanhã: A crise climática e as ameaças contra os defensores do meio ambiente e da terra”, feito pela ONG Global Witness, aponta um recorde no número de ativistas assassinados no ano de 2019 em todo mundo. Mais de dois terços dos assassinatos aconteceram na América Latina, tendo o Brasil com 24 vítimas de 212 contabilizadas ao todo.

De acordo com o relatório, quase nove em cada 10 assassinatos no Brasil ocorreram na Amazônia e tem os indígenas como a população mais exposta a violência.




 

Uma análise do agronegócio e o mito do projeto progressista moderno
por
Catharina Moriais
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29/06/2022 - 12h

Por Catharina Faria de Moraes

Durante muitos séculos no território demarcado atualmente como brasileiro, predominava uma visão espiritual sobre a conexão entre a natureza e o ser humano. Contudo, a partir de um processo de dominação territorial houveram imposições de novas crenças sobre o manuseio do solo do País.  Para compreendermos as atuais conjunturas do agronegócio brasileiro e as consequências que a agro-exportação, como uma das principais fontes econômicas, têm sob as circunstâncias brasileiras é necessário voltar no tempo para analisar como se chegou até a realidade enfrentada no momento. 

O pensamento social brasileiro já no século XVIII, em diversas produções textuais de autores desde José Bonifácio à Frei Vicente de Salvador e Joaquim Nabuco, demonstram uma percepção alarmante quanto ao problema ambiental no Brasil. O país foi fundado por um regime colonizador agrícola, monocultor e latifundiário, que estava inicialmente focado na exploração do pau Brasil. Em 1823, José Bonifácio escreveu um artigo em que atesta que caso o país não tomasse providências para preservação de suas florestas em menos de dois séculos, iria se transformar nos áridos desertos da Líbia. 

É importante observar que os problemas ambientais tiveram diferentes problemas ao longo dos diversos planos de governo que tivemos, já que com eles, tinham projetos de desenvolvimento econômico distintos. Porém, os conflitos quase sempre se estabelecem em torno da preservação ambiental e projetos desenvolvimentistas. 

Os problemas ambientais não são simplesmente dados. Os pensamentos ambientalistas críticos que surgiram desde cedo, ajudaram a construir nossas instituições políticas como órgãos, leis, etc. Elas não foram somente construções casuísticas de determinados governos, mas foram construídas e moldadas conforme foi se desenvolvendo uma percepção social dos impactos ambientais que existiam em ações cometidas por um setor agrícola desenfreado. 


Políticas públicas para “controle da situação”

Existem diversas maneiras de conceituar e formar o que se caracteriza como problema ambiental. Dois principais tipos de legislações ambientais tem como característica: as que dizem respeito aos princípios de proteção ambiental, definindo o que é a proteção; e aquelas que definem como será estruturado o sistema para controle e implementação dessa proteção. Dentro da nossa política ambiental existe uma concepção marcada, desde a década de 1930, de responsabilidade entre o Estado e a sociedade na proteção da natureza. 

Um dos marcos iniciais foi o código ambiental de 1934 (Decreto 23.793/34), feito no período do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que obrigava os donos de terras a manterem 25% da área de suas propriedades com a cobertura de mata original. Essa necessidade de proteção florestal além de ser traçada para as “demandas econômicas”, se transformou depois nas áreas de preservação permanente - APPs. O projeto de modernização da agricultura do país iniciou na década de 1950, com a agricultura intensiva. A Revolução Verde acompanhou um novo processo de práticas de cultivo que dependiam de produtos químicos agrícolas, agrotóxicos e fertilizantes. 

Mas foi a partir da década de 1960, principalmente no início do período ditatorial do governo militar em 1964, que foram elaborados planos de “modernização do campo”, moldando a produção de bens primários ao capital financeiro, diante dos interesses do mercado internacional. Essa reestruturação do campo foi por meio do plano Complexo Agroindustrial no Brasil (CAI) que incorporou tecnologias e mecanização industrial para a agricultura, criando assim uma interdependência entre elas. 

Esse modelo agroindustrial trouxe mudanças sociopolíticas para diversos grupos que dependiam do meio, além de econômicos. A ausência de políticas públicas em relação às reformas da estrutura fundiária e da regulamentação das condições de vida dos trabalhadores do campo, ajudam a compreender o impacto do efeito da modernização conservadora que aconteceu. A concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários foi mantida,criando assim uma grande quantidade de terras improdutivas, algo que pode se observar ainda hoje, e a disparidade de renda no campo aumentou. Essas foram as consequências de suprir as necessidades industriais e do aumento da exportação monocultural. 

Existiam políticas governamentais que ajudaram a formar a estrutura agrária. O Estado na ditadura militar foi o pilar para toda essa reforma, que priorizou os interesses dos grandes grupos econômicos e empresariais. É possível ver isso com as estratégias de incentivos fiscais, créditos subsidiados e programas como o Serviço Social Rural e o Estatuto da Terra. Deixando de lado planejamentos de uma reforma agrária, não houve auxílio com os problemas enfrentados pelos trabalhadores e pequenos e médios produtores do campo, fortalecendo então a desigualdade social. 

Durante todo o período da década de 1980 até os anos 2000, é possível observar que, marcado por duas crises cambiais, não houve medidas do governo de modificação fundiária. O agronegócio se consolida então, atualmente, como um modelo de acumulação de capital no campo, com um caráter predador e excludente. As exportações em pouco mais de uma década, de 1999 a 2012, quintuplicaram na produção de commodities. Destacando o aumento da produção, riqueza e novas tecnologias, o agronegócio se consolida a partir de um caráter produtivista. 

Esse fenômeno é considerado como uma “reprimarização” ou especialização primária. É um processo de desnacionalização do meio agrário onde o próprio meio rural está submetido a interesses de empresas transnacionais. Cada vez mais, tendo em vista que sua própria economia é baseada substancialmente na produção agroexportadora, o país depende da economia globalizada. 

Alan Azevedo, um ex-jornalista do Greenpeace Brasil que cobriu pautas socioambientais no Executivo, Judiciário, Congresso Nacional e realizou consultoria de comunicação para o Instituto Socioambiental junto ao povo indígena Yanomami, comentou sobre a organização da política para lidarem com as pautas ambientais afirmando que

 


Fertilizante e a guerra internacional

Uma das principais estratégias utilizadas para a superprodução de monoculturas é o uso intensivo de fertilizantes. Isso também criou uma dependência da produção nacional no mercado internacional. Tratando de fertilizantes, o Brasil é o quarto maior consumidor global, importando mais de 40 milhões de toneladas por ano, que corresponde a 85% do total utilizado no setor agrícola. Portanto, ao ano, segundo o relatório de outubro de 2021 na consultoria do COGO Inteligência em Agronegócio, o País gastou cerca de R$56 bilhões. No ano de 2021 o país bateu um novo recorde histórico, comprando 13% a mais do ano anterior e com um expressivo crescimento de quase 16 milhões de toneladas em apenas 6 anos. 

Mas para a desfortuna brasileira, um de seus principais fornecedores em 2022 entrou em guerra. O conflito da Rússia e da Ucrânia desestabilizou o mercado agrícola do país, já que, segundo a última edição do Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Rússia é responsável por 28% das importações brasileiras. Por conta disso, em meio também à crise global de fertilizantes, os preços dos alimentos podem ficar ainda mais altos, causando um desabastecimento e um crescimento na taxa da fome.

Surgiu então, diante disso, um plano, o Programa Nacional de Fertilizantes (PNF). Essa tentativa de desenvolver alternativas de fertilizantes, além do estrangeiro,  é um processo gradativo, contudo, ainda existem desafios com essa adaptação. Uma dos substitutos seriam os fertilizantes naturais, que geram um impacto menor para o meio ambiente e que são utilizados para a produção de alimentos orgânicos. Porém, o setor resiste a novas propostas que possam substituir os fertilizantes químicos. A fim de manter a estrutura fundiária ligada a projetos de capital internacional, o agronegócio prejudica também a imersão de substitutos naturais. Como um efeito dominó, a baixa na demanda por esses produtos aumentam seus preços e dificultam sua produção.

De acordo com Marcos Araújo, diretor comercial de uma empresa brasileira de fertilizante natural chamada PrimaSea, os fertilizantes naturais são fontes que precisam de pouco processamento, quando comparados aos complexos industriais das fontes minerais clássicas, para a sua exploração. A empresa que extrai algas mortas presente no litoral baiano chamada lithothamnium, compreende que existe uma vantagem na maior sustentabilidade aos sistemas de solo/planta, quando são utilizados produtos naturais, já que esses têm base em resíduos orgânicos e são ricos em minerais. Contudo, mesmo num processo simples de coleta, moeção e distribuição eles enfrentam um mercado tradicionalista com

“pouco apetite para inovação ou mudanças de hábitos.”

Considerando que há certo preconceito com produtos de origem natural, Araújo também reflete na dominação de grandes empresas de insumos que mantêm uma pressão no mercado e formam uma opinião contrária ao uso de produtos naturais.


 

Aprovação de agrotóxicos

O uso de agrotóxicos em alta escala, e dos mais variados tipos é fruto do agronegócio contemporâneo. Ao contrário dos fertilizantes, que servem para nutrir os solos, os agrotóxicos atuam como pesticidas agrícolas que afetam diretamente a saúde humana, além do meio ambiente. O Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo que, segundo a Embrapa, tem gastos que superam US$2,7 bilhões por ano. 

O mais assustador é que, mesmo tendo pesquisas como a da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, órgão do Ministério da Saúde), que relata casos de óbitos de intoxicação humana por agrotóxico a cada ano ou projetos como Programa de Vigilância da Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos da Unicamp que apresenta pesquisas de que cerca de 1,5 milhão de trabalhadores do campo que com contato prolongado com os agrotóxicos estão contaminados, o governo atual continua, em ritmo acelerado, aprovando diferentes tipos de veneno. Em 2019, foram liberados 239 tipos de agrotóxicos, sendo que 31% deles não são permitidos na União Européia. 


Conclusão

 

A reflexão da Suzana Pádua, que é doutora em educação ambiental e presidente do IPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas, mapeia o que vivemos atualmente. O Estado brasileiro, contra seu próprio bem estar, está se submetendo às demandas do mercado do agronegócio para assegurar as condições de crescimento econômico em escala global. Porém, de forma com que o meio ambiente fique totalmente negligenciado em prol do “desenvolvimento” e permaneça em constante risco. Não só pelo uso de toxinas ao plantar, que poluem as áreas superficiais e internas do solo, mas pela própria estrutura latifundiária  monocultural. 

A ideologia dominante é o modo de produção intensivo. Milton Santos mapeou o período atual como sendo um onde as mudanças econômicas podem ser atingidas a partir de manipulações ideológicas, antes mesmo que uma presença mais maciça do capital de produção ou comercial seja necessária. A super utilização dos recursos naturais e a distorção na destinação desses recursos são resultados de um desenvolvimento histórico do país em relação ao mundo.  

O agronegócio atingiu uma escala de produção tão grande que se tornou o principal regente da economia do país. Os problemas enfrentados no meio rural demonstram a necessidade de uma reorganização do seu próprio modelo, a partir de políticas públicas que ajudem a enfrentar os desafios ambientais que surgem nesse plano. O que não precisamos é de um órgão submisso às demandas de um negócio, que estimula esse sistema fadado à devastação.