Sem dúvida, o debate acerca da preservação da Floresta Amazônica ganha cada vez mais notoriedade. Entretanto, ao se tratar de políticas públicas é fundamental que a discussão leve à alguma medida, isto é, que a teoria vire prática. O que nem sempre acontece, uma vez que é necessário que diversos agentes atuem em prol daquilo, entre esses advogados, parlamentares, vereadores, juízes e mais. Mas, e se a mudança viesse de pessoas “comuns”? Pessoas que juntas poderiam ter tanto peso quanto a decisão de um político?
Essa é a ideia dos Projetos de Lei de Iniciativa Popular (PLIP), previstos pela Constituição Federal. Um exemplo é o Amazônia de Pé. Em seu próprio site, a equipe da campanha declara que acredita “que só um movimento massivo, construído de baixo pra cima, pode dar à Amazônia o cuidado que ela merece”. A proposta da iniciativa é destinar os quase 50 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia para proteção dos povos indígenas, quilombolas, pequenos produtores extrativistas e Unidades de Conservação, como explicou a socioambientalista e coordenadora de parcerias da iniciativa, Renata Ilha.
Para que o projeto seja aprovado no Congresso é crucial a coleta de um milhão e meio de assinaturas físicas, resultando num processo muito grande visto que esse número representa 1% do eleitorado brasileiro. Todavia, tamanha dimensão não assusta a organização, Karina Penha, coordenadora de mobilização do Amazônia de Pé, reforça que a questão ambiental deve ser preocupação de todos. “O projeto visa exatamente isso: descentralizar para que o Brasil inteiro entenda que a pauta amazônica é importante e fundamental onde quer que você viva, sendo dentro ou fora da região amazônica’’, declarou a ambientalista.
Para compreender a importância do projeto na preservação ambiental, Renata explica que "esse território é público, mas não é destinado. E é justamente essa a área de interesse de grilagem”. Grilagem, como citou Ilha, é o termo utilizado para se referir à prática criminosa de se obter ilicitamente a propriedade de terras, normalmente tal ato é feito através do desmatamento e da violência contra os povos ali habitantes.
Esse exercício não é novidade, isso porque há mais de quinhentos anos a história de terras no Brasil vem seguindo esse curso marcado por invasões, exploração de recursos naturais e inanição para uma distribuição igualitária e consciente ambientalmente. Soma-se a isso a implementação de leis que visam, senão outra coisa, a perpetuação dos grandes latifundiários e de um modo de produção insustentável para a terra. Com isso, vem se tornando cada vez mais evidente a ligação que os grandes latifúndios possuem com os conflitos no campo, com a abertura política para o desmatamento e com a devastação dos povos originários e seus territórios.
A princípio, é necessário compreender que a concentração de terras e o modo de produção agrícola estão intimamente ligados. O censo Agropecuário em 2017, mostrou que o índice de Gini atingiu a marca de 0,867 pontos, esse índice aponta o nível de desigualdade existente no campo, sendo que quanto mais próximo do 1, maior é a concentração fundiária no país. Atrelado a essa produção, o Censo revela que existem hoje mais de 5 milhões de propriedades agrícolas, das quais 51 mil propriedades, 47,6% são voltadas para produção agropecuária.
Com efeito, a expansão do agronegócio tem cobrado cada vez mais caro dos povos tradicionais da terra e das regiões que deveriam ser ambientalmente preservadas. O relatório “Na Fronteira da (I)legalidade: desmatamento e grilagem no Matopiba”, revelou que o Cerrado perdeu mais vegetação nativa nos últimos 20 anos do que nos 500 anos anteriores. Essa devastação ocorre por uma conjuntura diversa, mas que vem se agravando desde 2018, a começar pelo aumento exponencial das ocorrências de violência no campo, o desmatamento crescente no país e o desmonte dos órgãos que deveriam promover a defesa das áreas de preservação e dos povos. Vale dizer, pelas palavras da jornalista Eliane Brum, não é incompetência e nem descaso, é método.
O relatório anual da Comissão Pastoral da Terra 2021, registrou que o número de ocorrências da violência no campo aumentou quase em cerca de 1 milhão. Em consonância com essa violência, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) apontou que o desmatamento anual de 2019 a 2021 foi 56,6% maior que entre 2016 e 2018 na Amazônia. Além disso, um novo estudo feito pelo IPAM revelou que a invasão de florestas públicas não destinadas impulsiona o desmatamento ilegal e o roubo de terras, pratica conhecida como Grilagem. Um dos indícios da grilagem nas terras públicas é o aumento dos cadastros ambiental rural, conforme o boletim do Serviço Florestal Brasileiro(SFB), nos últimos cinco anos houve um aumento de 232% dos CAR.
O desmonte da Funai
“Pode usar? Não pode. Mas hoje em dia estamos vivendo uma espécie de estado exceção, onde as normas pouco significam. O ilegal vira legal”. Essas são as palavras da jurista Deborah Duprat, no Dossiê Fundação Anti-indígena: um retrato sob o governo Bolsonaro, ao se referir sobre os mecanismos de corrosão ao órgão da Funai atualmente. O Dossiê faz denúncias aos instrumentos e medidas adotadas pelo governo Bolsonaro desde 2019, para fragilizar e desmontar a Funai.
Um dos primeiros passos para a ruptura das questões indígenas e seu elo com a Justiça foi a passagem do Ministério da Justiça para o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH). Ainda nessa linha, a identificação e delimitação das terras indígenas ficou a cargo da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Outrossim, também houve um corte orçamentário em torno de 40% dos recursos da Funai, limitando ainda mais a atuação dos funcionários.
Como se isso já não fosse o bastante, hoje a Funai já tem nomeado 17 militares, três policiais militares, dois policiais federais e seis profissionais sem vínculo anterior com a administração pública. Além da perseguição aos indigenistas e funcionários, há também a substituição desses servidores, que possuem qualificação e experiência, por profissionais sem experiência alguma com a política indígena. Atualmente, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier, é um delegado da Polícia Federal que age em conformidade com os caprichos e vontades do presidente Bolsonaro.
É preciso dizer: quando o agro vende commodity, ele também vende bioma, quando a Funai começa a ser desmontada, ela também mata os índios e todos aqueles que buscam defender a floresta e seus direitos.
Na manhã desta segunda-feira (13) a mulher do jornalista britânico Dom Phillips, Alessandra Sampaio, disse ter sido informada de que os corpos de seu marido e do indigenista Bruno Pereira, que estão desaparecidos há mais de uma semana na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, haviam sido encontrados.
Segundo Alessandra, a Polícia Federal telefonou informando a localização de dois corpos, afirmando ainda a necessidade de serem periciados para a confirmação da identidade.

Em nota, a PF informou a Agência Maurício Tragtenberg que não procedem as informações divulgadas pela imprensa de que os corpos foram encontrados. A instituição afirmou que foram encontrados materiais biológicos que serão periciados e que, assim que forem encontrados os corpos, a família e a imprensa serão comunicados.
No final de semana, o Comitê de crise, coordenado pela PF do Amazonas, disse que foram percorridos 25 quilômetros pela selva em trilhas existentes na região, áreas de igapós, e furos do Rio Itaquaí. Nessas buscas foram encontrados objetos pessoais dos desaparecidos, sendo um cartão de saúde e roupas pertencentes ao indigenista, e botas, roupas e uma mochila com roupas de Dom. De acordo com as autoridades, os objetos estavam próximos da casa de Amarildo Costa de Oliveira, suspeito de envolvimento no desaparecimento.
O modo de produção capitalista que domina o mundo nos dias de hoje valoriza o consumo excessivo e a produção em massa, almejando sempre o lucro máximo acima de tudo. Com isso, este sistema se autoprejudica, uma vez que acaba por findar com todos os recursos necessários para sua manutenção. O capitalismo acaba por ser um modo autodestrutivo, como uma bomba-relógio, fato que chega a ser irônico, tendo em vista que seus maiores participantes, consequentemente, perdem dinheiro.
Em contraposição, a economia verde aparece na tentativa de reverter o cenário previamente criado pelo capitalismo. Ela consiste num modelo que visa o bem-estar humano ao passo que também preza a diminuição dos riscos ambientais e da escassez ecológica. Os três pilares desta economia são: baixa emissão de carbono, inclusão social e eficiência no uso de recursos.
Em entrevista concedida à AGEMT, a economista Luiza Karpavicius, que integra a equipe da coluna "Por quê? Economês em bom português", da Folha de S. Paulo, explica mais sobre esta forma de economia. “No centro da economia verde está o uso de políticas públicas e privadas que combinam crescimento econômico com justiça social e a manutenção dos recursos e serviços ecossistêmicos”, diz.
No Brasil, a economia verde vem ganhando palco com o passar dos anos. Em 2021, o governo federal lançou o “Plano de Crescimento Verde”. O projeto conta com apoio do Banco dos Brics (bloco de países com economias emergentes formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para iniciativas de conservação florestal, uso consciente de recursos naturais e geração de empregos verdes. Estima-se que cerca de 30 milhões de empregos podem ser gerados até 2030 somente com a adoção de fontes de energia renovável ao redor do mundo, segundo pesquisa da Irena (Agência Internacional de Energia Renovável). O Brasil planeja contar com um comitê com dez ministérios para organizar ações para atingir a neutralidade de carbono até 2050.
A degradação ambiental intensificada pelo capitalismo, além dos danos a todo o ecossistema, impacta de maneira negativa a economia brasileira. O professor da USP de São Carlos e membro titular da Academia Brasileira de Ciências José Galizia Tundisi relata os impactos negativos que a falta de políticas públicas efetivas de conservação ambiental causa na economia brasileira. Ele ilustra com o exemplo da água: o custo para a produção de água potável chega a R$ 300, enquanto para tratar águas não contaminadas é de R$ 10, uma economia de aproximadamente 96%.
Além disso, a economia verde seria capaz de fazer muito mais do que se pode imaginar para o cenário econômico brasileiro. Karpavicius ressalta as consequências positivas de sua implementação: “A expectativa é que isso, se feito corretamente, possibilitaria a geração de empregos, reduziria as desigualdades (já que as pessoas que preservam o meio ambiente seriam remuneradas por isso) e colocaria o Brasil estrategicamente nas relações com outros países”.
Entretanto, Karpavicius explica que, no resto do mundo, essa economia visando uma melhoria ambiental já vem se desenvolvendo de forma mais concreta e real, enquanto em solo brasileiro é algo que precisa evoluir muito. “No resto do mundo, vemos mais claramente um alinhamento entre política e meio ambiente. No Brasil, hoje, estamos indo na contramão e ignorando uma grande oportunidade para o país se colocar como um dos pioneiros na implementação de uma economia verde”, afirma.
A colunista ainda relembra que o país tem o que é preciso para fazer parte dessa economia, sendo necessário somente dar o primeiro passo. “Deve existir a criação de políticas públicas que estimulem empregos verdes, que introduzam direitos sobre poluição e abram as portas para o mercado de créditos de carbono, que visem minar as desigualdades e alinhar desenvolvimento e sustentabilidade, que introduzam um monitoramento mais forte do desmatamento ilegal etc.”
A Organização das Nações Unidas (ONU) criou os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como forma de apelo à população para acabar com problemas graves como a fome, zelar pela proteção do meio ambiente e clima, entre vários outros, formando 17 no total. O objetivo número 12 se relaciona diretamente à economia verde, pois diz respeito ao consumo e produção responsáveis. Uma das metas assumidas por ele é a de “até 2030, alcançar a gestão sustentável e o uso eficiente dos recursos naturais”.
Para alcançar esses objetivos, os países, em conjunto com os órgãos responsáveis pelo meio ambiente, devem, de maneira organizada, usar de forma correta os recursos naturais. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estimula o progresso econômico mundial, tem uma área especificamente voltada ao crescimento verde.
No âmbito das empresas, elas demonstram estar mais preocupadas com o impacto ambiental causado por suas operações. Um estudo feito em 2020 pela KPMG mostrou que 80% das empresas analisadas ao redor do mundo emitem relatórios de sustentabilidade. O relatório de é uma iniciativa voluntária, onde uma empresa presta uma espécie de satisfação para a sociedade sobre suas atividades no cenário da sustentabilidade.
Esses boletins são de extrema importância para um planejamento futuro da instituição, pois assim ela tem noção de onde deve melhorar ou evoluir, além de servir como uma forma de diálogo entre as pessoas na empresa. Um outro benefício é que isso também mantém a população e o governo atualizados no assunto, promovendo a transparência e mantendo a credibilidade da empresa.
Mateus Peçanha, engenheiro ambiental e técnico de meio ambiente, é diretor da Academia Lixo Zero em Florianópolis. O instituto busca cooperar com empresas, guiá-las para um posicionamento e ações mais sustentáveis, apresentando questões práticas que gerem eficiência, economia e engajamento através da gestão de resíduos, usando o conceito de lixo zero como uma ferramenta de gestão e qualidade total
Peçanha afirma que existe um número reduzido de empresas que já estão trabalhando questões ambientais e de governança. E que, além disso, há um despreparo profissional para levar uma empresa a alcançar a sustentabilidade e a ESG (governança ambiental, social e corporativa).
No entanto, outra prática que vem crescendo é o chamado greenwashing, o ato de divulgar informações sobre ações positivas em relação ao meio ambiente que não passam de propaganda enganosa.
Um exemplo foi a empresa automobilística Fiat, que anunciou em 2007 um novo pneu denominado Superverde, que supostamente teria maior durabilidade e menor consumo de combustível. Contudo, o Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária) considerou propaganda enganosa, já que a produção, o uso e o descarte do produto não condiziam com a proposta sustentável.
“O greenwashing acontece muitas vezes por falta de conhecimento e não por vontade dos profissionais. Porém, em muitas situações é visível a falta de conexão de certas atividades de empresas com o seu estilo de trabalho e políticas internas”, avalia Peçanha. A prática, a princípio, pode trazer pontos positivos para a empresa, tanto na questão financeira quanto publicitária, entretanto, quando descoberta, acaba afetando a reputação e o valor de mercado.
Afinal, o país só tem a ganhar com um modo de economia verdadeiramente sustentável, como diz Karpavicius. “Há muitos estudos que mostram que o incentivo a uma economia verde pode ser fundamental, por exemplo, para a recuperação da crise econômica que o Brasil vive hoje. Esta seria a chamada ‘retomada verde’, onde daríamos um grande empurrão para a sustentabilidade”, afirma a economista.
Estão desaparecidos há mais de 24 horas, o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, correspondente do The Guardian no Brasil. O desaparecimento de Bruno e Dom já foi oficializado na Polícia Federal, junto ao Conselho Nacional de Direitos Humanos e ao Indigenous Peoples Rights International.
Segundo informações da Coordenação da Organização Indígena UNIJAVA, os dois se deslocaram com o finalidade de visitar a equipe de Vigilância Indígena que se encontra próxima à localidade chamada Lagoa do Jaburu, para que o jornalista realizasse algumas entrevistas com os indígenas na região próxima às fronteiras com o Peru e a Colômbia. Além disso, a UNIJAVA também afirma que eles e membros da entidade foram alvos de ameaças nos últimos tempos.
O JORNALISTA, DOM PHILLIPS
Do Reino Unido, o jornalista Dom Phillips atua no Brasil desde 2007. Atualmente reside na cidade de Salvador, na Bahia.
O jornalista é correspondente de diferentes jornais, como o Financial Times, New York Times, The Intercept, The Observer, entre outros. Mas nos últimos tempos, vem trabalhando de forma recorrente para o inglês The Guardian.
Por sua proximidade com as pautas ambientais, Phillips está trabalhando na escrita de um livro sobre o meio ambiente com colaboração da Fundação Alicia Patterson.
O jornal The Guardian já manifestou preocupação com o desaparecimento do jornalista. “O The Guardian está preocupado e buscando urgentemente informações sobre a localização e condição do Sr. Phillips”, disse em nota.
O INDIGENISTA, BRUNO PEREIRA
Ex-servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Bruno Pereira é reconhecido como defensor das causas indígenas. Nos últimos anos, Bruno foi coordenador regional da Funai de Atalaia do Norte, o servidor deixou o cargo em 2016, durante um violento conflito registrado entre os povos isolados da região.
Em 2018, ocupou o cargo de coordenador-geral dos índios isolados e de Recém Contatados da Funai, quando dirigiu a maior expedição para contato com índios isolados dos últimos 20 anos. Porém, foi exonerado do cargo no final de 2019, após pressão dos setores ruralistas próximos ao presidente Jair Bolsonaro.
A TRADIÇÃO DE DESAPARECIMENTOS E ATENTADOS CONTRA ATIVISTAS AMBIENTAIS NO BRASIL
Diversas entidades apontam que o Brasil é, hoje, um dos países mais perigosos para ativistas de direitos humanos e ambientalistas. O relatório “Defender o amanhã: A crise climática e as ameaças contra os defensores do meio ambiente e da terra”, feito pela ONG Global Witness, aponta um recorde no número de ativistas assassinados no ano de 2019 em todo mundo. Mais de dois terços dos assassinatos aconteceram na América Latina, tendo o Brasil com 24 vítimas de 212 contabilizadas ao todo.
De acordo com o relatório, quase nove em cada 10 assassinatos no Brasil ocorreram na Amazônia e tem os indígenas como a população mais exposta a violência.
Por Catharina Faria de Moraes
Durante muitos séculos no território demarcado atualmente como brasileiro, predominava uma visão espiritual sobre a conexão entre a natureza e o ser humano. Contudo, a partir de um processo de dominação territorial houveram imposições de novas crenças sobre o manuseio do solo do País. Para compreendermos as atuais conjunturas do agronegócio brasileiro e as consequências que a agro-exportação, como uma das principais fontes econômicas, têm sob as circunstâncias brasileiras é necessário voltar no tempo para analisar como se chegou até a realidade enfrentada no momento.
O pensamento social brasileiro já no século XVIII, em diversas produções textuais de autores desde José Bonifácio à Frei Vicente de Salvador e Joaquim Nabuco, demonstram uma percepção alarmante quanto ao problema ambiental no Brasil. O país foi fundado por um regime colonizador agrícola, monocultor e latifundiário, que estava inicialmente focado na exploração do pau Brasil. Em 1823, José Bonifácio escreveu um artigo em que atesta que caso o país não tomasse providências para preservação de suas florestas em menos de dois séculos, iria se transformar nos áridos desertos da Líbia.
É importante observar que os problemas ambientais tiveram diferentes problemas ao longo dos diversos planos de governo que tivemos, já que com eles, tinham projetos de desenvolvimento econômico distintos. Porém, os conflitos quase sempre se estabelecem em torno da preservação ambiental e projetos desenvolvimentistas.
Os problemas ambientais não são simplesmente dados. Os pensamentos ambientalistas críticos que surgiram desde cedo, ajudaram a construir nossas instituições políticas como órgãos, leis, etc. Elas não foram somente construções casuísticas de determinados governos, mas foram construídas e moldadas conforme foi se desenvolvendo uma percepção social dos impactos ambientais que existiam em ações cometidas por um setor agrícola desenfreado.
Políticas públicas para “controle da situação”
Existem diversas maneiras de conceituar e formar o que se caracteriza como problema ambiental. Dois principais tipos de legislações ambientais tem como característica: as que dizem respeito aos princípios de proteção ambiental, definindo o que é a proteção; e aquelas que definem como será estruturado o sistema para controle e implementação dessa proteção. Dentro da nossa política ambiental existe uma concepção marcada, desde a década de 1930, de responsabilidade entre o Estado e a sociedade na proteção da natureza.
Um dos marcos iniciais foi o código ambiental de 1934 (Decreto 23.793/34), feito no período do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que obrigava os donos de terras a manterem 25% da área de suas propriedades com a cobertura de mata original. Essa necessidade de proteção florestal além de ser traçada para as “demandas econômicas”, se transformou depois nas áreas de preservação permanente - APPs. O projeto de modernização da agricultura do país iniciou na década de 1950, com a agricultura intensiva. A Revolução Verde acompanhou um novo processo de práticas de cultivo que dependiam de produtos químicos agrícolas, agrotóxicos e fertilizantes.
Mas foi a partir da década de 1960, principalmente no início do período ditatorial do governo militar em 1964, que foram elaborados planos de “modernização do campo”, moldando a produção de bens primários ao capital financeiro, diante dos interesses do mercado internacional. Essa reestruturação do campo foi por meio do plano Complexo Agroindustrial no Brasil (CAI) que incorporou tecnologias e mecanização industrial para a agricultura, criando assim uma interdependência entre elas.
Esse modelo agroindustrial trouxe mudanças sociopolíticas para diversos grupos que dependiam do meio, além de econômicos. A ausência de políticas públicas em relação às reformas da estrutura fundiária e da regulamentação das condições de vida dos trabalhadores do campo, ajudam a compreender o impacto do efeito da modernização conservadora que aconteceu. A concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários foi mantida,criando assim uma grande quantidade de terras improdutivas, algo que pode se observar ainda hoje, e a disparidade de renda no campo aumentou. Essas foram as consequências de suprir as necessidades industriais e do aumento da exportação monocultural.
Existiam políticas governamentais que ajudaram a formar a estrutura agrária. O Estado na ditadura militar foi o pilar para toda essa reforma, que priorizou os interesses dos grandes grupos econômicos e empresariais. É possível ver isso com as estratégias de incentivos fiscais, créditos subsidiados e programas como o Serviço Social Rural e o Estatuto da Terra. Deixando de lado planejamentos de uma reforma agrária, não houve auxílio com os problemas enfrentados pelos trabalhadores e pequenos e médios produtores do campo, fortalecendo então a desigualdade social.
Durante todo o período da década de 1980 até os anos 2000, é possível observar que, marcado por duas crises cambiais, não houve medidas do governo de modificação fundiária. O agronegócio se consolida então, atualmente, como um modelo de acumulação de capital no campo, com um caráter predador e excludente. As exportações em pouco mais de uma década, de 1999 a 2012, quintuplicaram na produção de commodities. Destacando o aumento da produção, riqueza e novas tecnologias, o agronegócio se consolida a partir de um caráter produtivista.
Esse fenômeno é considerado como uma “reprimarização” ou especialização primária. É um processo de desnacionalização do meio agrário onde o próprio meio rural está submetido a interesses de empresas transnacionais. Cada vez mais, tendo em vista que sua própria economia é baseada substancialmente na produção agroexportadora, o país depende da economia globalizada.
Alan Azevedo, um ex-jornalista do Greenpeace Brasil que cobriu pautas socioambientais no Executivo, Judiciário, Congresso Nacional e realizou consultoria de comunicação para o Instituto Socioambiental junto ao povo indígena Yanomami, comentou sobre a organização da política para lidarem com as pautas ambientais afirmando que
Fertilizante e a guerra internacional
Uma das principais estratégias utilizadas para a superprodução de monoculturas é o uso intensivo de fertilizantes. Isso também criou uma dependência da produção nacional no mercado internacional. Tratando de fertilizantes, o Brasil é o quarto maior consumidor global, importando mais de 40 milhões de toneladas por ano, que corresponde a 85% do total utilizado no setor agrícola. Portanto, ao ano, segundo o relatório de outubro de 2021 na consultoria do COGO Inteligência em Agronegócio, o País gastou cerca de R$56 bilhões. No ano de 2021 o país bateu um novo recorde histórico, comprando 13% a mais do ano anterior e com um expressivo crescimento de quase 16 milhões de toneladas em apenas 6 anos.
Mas para a desfortuna brasileira, um de seus principais fornecedores em 2022 entrou em guerra. O conflito da Rússia e da Ucrânia desestabilizou o mercado agrícola do país, já que, segundo a última edição do Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Rússia é responsável por 28% das importações brasileiras. Por conta disso, em meio também à crise global de fertilizantes, os preços dos alimentos podem ficar ainda mais altos, causando um desabastecimento e um crescimento na taxa da fome.
Surgiu então, diante disso, um plano, o Programa Nacional de Fertilizantes (PNF). Essa tentativa de desenvolver alternativas de fertilizantes, além do estrangeiro, é um processo gradativo, contudo, ainda existem desafios com essa adaptação. Uma dos substitutos seriam os fertilizantes naturais, que geram um impacto menor para o meio ambiente e que são utilizados para a produção de alimentos orgânicos. Porém, o setor resiste a novas propostas que possam substituir os fertilizantes químicos. A fim de manter a estrutura fundiária ligada a projetos de capital internacional, o agronegócio prejudica também a imersão de substitutos naturais. Como um efeito dominó, a baixa na demanda por esses produtos aumentam seus preços e dificultam sua produção.
De acordo com Marcos Araújo, diretor comercial de uma empresa brasileira de fertilizante natural chamada PrimaSea, os fertilizantes naturais são fontes que precisam de pouco processamento, quando comparados aos complexos industriais das fontes minerais clássicas, para a sua exploração. A empresa que extrai algas mortas presente no litoral baiano chamada lithothamnium, compreende que existe uma vantagem na maior sustentabilidade aos sistemas de solo/planta, quando são utilizados produtos naturais, já que esses têm base em resíduos orgânicos e são ricos em minerais. Contudo, mesmo num processo simples de coleta, moeção e distribuição eles enfrentam um mercado tradicionalista com
“pouco apetite para inovação ou mudanças de hábitos.”
Considerando que há certo preconceito com produtos de origem natural, Araújo também reflete na dominação de grandes empresas de insumos que mantêm uma pressão no mercado e formam uma opinião contrária ao uso de produtos naturais.
Aprovação de agrotóxicos
O uso de agrotóxicos em alta escala, e dos mais variados tipos é fruto do agronegócio contemporâneo. Ao contrário dos fertilizantes, que servem para nutrir os solos, os agrotóxicos atuam como pesticidas agrícolas que afetam diretamente a saúde humana, além do meio ambiente. O Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo que, segundo a Embrapa, tem gastos que superam US$2,7 bilhões por ano.
O mais assustador é que, mesmo tendo pesquisas como a da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, órgão do Ministério da Saúde), que relata casos de óbitos de intoxicação humana por agrotóxico a cada ano ou projetos como Programa de Vigilância da Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos da Unicamp que apresenta pesquisas de que cerca de 1,5 milhão de trabalhadores do campo que com contato prolongado com os agrotóxicos estão contaminados, o governo atual continua, em ritmo acelerado, aprovando diferentes tipos de veneno. Em 2019, foram liberados 239 tipos de agrotóxicos, sendo que 31% deles não são permitidos na União Européia.
Conclusão
A reflexão da Suzana Pádua, que é doutora em educação ambiental e presidente do IPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas, mapeia o que vivemos atualmente. O Estado brasileiro, contra seu próprio bem estar, está se submetendo às demandas do mercado do agronegócio para assegurar as condições de crescimento econômico em escala global. Porém, de forma com que o meio ambiente fique totalmente negligenciado em prol do “desenvolvimento” e permaneça em constante risco. Não só pelo uso de toxinas ao plantar, que poluem as áreas superficiais e internas do solo, mas pela própria estrutura latifundiária monocultural.
A ideologia dominante é o modo de produção intensivo. Milton Santos mapeou o período atual como sendo um onde as mudanças econômicas podem ser atingidas a partir de manipulações ideológicas, antes mesmo que uma presença mais maciça do capital de produção ou comercial seja necessária. A super utilização dos recursos naturais e a distorção na destinação desses recursos são resultados de um desenvolvimento histórico do país em relação ao mundo.
O agronegócio atingiu uma escala de produção tão grande que se tornou o principal regente da economia do país. Os problemas enfrentados no meio rural demonstram a necessidade de uma reorganização do seu próprio modelo, a partir de políticas públicas que ajudem a enfrentar os desafios ambientais que surgem nesse plano. O que não precisamos é de um órgão submisso às demandas de um negócio, que estimula esse sistema fadado à devastação.