A Taça da Diversidade é um campeonato de futebol que reúne pessoas LGBTQIA+ apaixonadas pelo esporte, mas que se viram afastadas devido ao preconceito. ‘’Muitos homens gays ouviram na infância que eram muito afeminados para jogar futebol e eram excluídos das aulas, como aconteceu comigo’’ declara William dos Anjos, jogador do time Unicorns Brazil.
Fundado em 2019, a Taça da Diversidade conta atualmente com mais de 260 atletas, ocorrendo sempre no mesmo final de semana da maior parada LGBTQIA+ do mundo. Neste ano, o campeonato ocorreu dia 18 de junho, no bairro Barra Funda, e contou com a presença de 13 times, cada um contendo 16 jogadores e quatro integrantes da comissão técnica. O evento é dividido em duas categorias, a cis – pessoas que se identificam com o gênero de nascimento- e a trans -pessoas que não se identificam o gênero imposto ao nascer-.
Existem equipes compostas somente por homens gays (Unicorns e Bulls), outras somente por mulheres lésbicas (Fugitivas da Lei Seca e Jogamiga A), existem equipes mistas (Guarani e Jogamiga B) e de jogadores heterossexuais (Nenê de Vila Matilde e Reggae Boys). Além dos cinco times de homens trans, Manda Buscá, Meninos Bons de Bola, Pogonas, Trans United e T Mosqueteiros, não existindo times de mulheres trans no campeonato. Os times são dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Ceará.
Segundo dos Anjos, a melhor parte de participar do campeonato é que ele está jogando com pessoas que tiveram experiências parecidas com a dele, de ridicularização e exclusão, e agora todos estão tendo oportunidade de jogar e se divertir, sem sofrer preconceito.
A Taça da Diversidade é um evento aberto para o público e para a entrada foi necessário somente a doação de um produto de higiene pessoal, que foram doados para o Instituto Casa Florescer que acolhe mulheres transexuais necessitadas de ajuda social e psicológica.
O objetivo de todos que produzem o campeonato é celebrar a diversidade LGBTQIA+ e driblar a homofobia e transfobia, que diversos atletas sofreram durante a vida e encontraram no evento uma oportunidade de se divertir e praticar o esporte que ainda possui muito preconceito enraizado. ‘’O futebol é para todos, todas e todes’’ afirma Renan Dias, presidente do time Bulls que participou do evento.
Além da Taça da Diversidade, existem outras competições destinadas ao público LGBTQIA+, existindo inclusive uma agenda completa de campeonatos. “É um calendário de competições bem preenchido, a pandemia deu uma interrompida nisso, mas agora a gente está voltando. Nós tivemos a Copa São Paulo em novembro, o Campeonato Mineiro em dezembro, vamos ter agora a Taça Maravilha inclusive já contando com o apoio do poder público aqui no Rio, a Champions League já conseguindo apoio inclusive da CBF, patrocínio da CBF, são conquistas importantíssimas para o nosso segmento", declarou Flávio Amaral, jornalista e gerador de conteúdo sobre o movimento do esporte LGBTQIA+.
Especialmente no futebol, a questão da homofobia sempre foi muito presente, tanto dentro quanto fora das quatro linhas. A forte presença desse tipo de preconceito faz com que muitos jogadores e jogadoras tenham grande receio em revelar sua opção sexual para o público. Dessa forma, tornam-se fundamentais os movimentos de apoio à comunidade LGBTQIA+ no âmbito esportivo, para que todos os atletas, independente da modalidade, possam se sentir incluídos sendo simplesmente quem eles são.
Flávio Amaral acredita que essas competições tem grande importância nos âmbitos social e popular, em que diversas transformações são feitas na vida das pessoas que decidem ingressar nessas equipes, que elas servem como verdadeiras “curas” até mesmo para pessoas que, por exemplo, são diagnosticadas com depressão. "A gente percebe com muito orgulho realmente o impacto que essas equipes têm e ainda vão ter com certeza. Essas pessoas encontram nessas equipes um acolhimento, um pertencimento que elas nunca tiveram em âmbito esportivo. Isso é altamente importante e enriquecedor para o nosso movimento”.
“A maior dificuldade para a candidatura LGBTQIA+ é o partido”, afirma Gui Mohallem; fotógrafo, artista plástico e executivo da organização VoteLGBT. Em contato via WhatsApp, ele diz que o investimento é quase nulo, além da existência de violência, sabotagem, homofobia e negligência nos partidos com os candidatos LGBTs.
O #VoteLGBT surgiu em 2014 como uma campanha para viabilizar candidaturas pró LGBTs, sendo uma das organizações pioneiras na luta pela causa. A entidade entende que só existe democracia quando há diversidade.
Em 2016 a instituição começou a realizar pesquisas de perfil político nas paradas LGBT, e assim produziram dados sobre a comunidade na população, já que essas informações estatisticamente não existiam na época.
Mohallem fala sobre as dificuldades e LGBTfobias que os candidatos sofrem ao tentarem se filiar a um partido político: “LGBTs não escolhem o partido, vão no que aceitam”. Ele alega que é um “luxo” um LGBT escolher o partido que deseja pela posição política, e também diz que muitos partidos abandonam seus eleitorados, sem investir devidamente neles.
O artista diz ser comum os partidos investirem pouco ou até mesmo nada nas candidaturas: “Tem partido, que de sete candidaturas LGBTs em 2020, cinco deles não receberam investimento, nenhum tostão”, declara o fotógrafo.
Logo após, Mohallem fala sobre o confinamento que os grupos políticos impõem para os candidatos: “Os partidos tendem a confinar os LGBTs a pautarem apenas nas questões identitárias, e ao contrário disso, vemos muitos mandatos LGBTQIA+ com propostas interessantes para toda população”.
De acordo com as pesquisas do VoteLBGT, representantes LGBTs eleitos, somando todos os cargos, ocupam apenas 0,16% na política. Ainda assim, as denúncias de violência política e ameaças de morte, atendidas pelo Ministério Público, mostram que 50% são contra mulheres trans.
Expectativas nas eleições de 2022
Nas eleições de 2018, segundo a Associação Brasileira LGBT(ABLGBT), houve 180 candidaturas LGBTQIA+. Até o momento, chegou-se ao número de 242 nesse período eleitoral, divulgado abertamente no site do VoteLGBT+. Candidaturas não pertencentes à sigla em questão, mas que apoiam abertamente a causa, também ecoam cada vez mais nos espaços políticos.
O presidente da Aliança Nacional LGBTI+, Toni Reis, também projetou um alcance em torno de 250 do dado exposto acima. Disse também sobre a expectativa de ter, no mínimo, 8 candidaturas da comunidade eleitas no Congresso Nacional, o que seria o dobro das pessoas assumidamente LGBTQIA+ entre deputados e senadores.
Para chegar a essa conquista o envolvimento da organização na política não é pequeno. Conta com um programa chamado Voto Com Orgulho, trazendo apoio no âmbito jurídico e na questão da publicidade nas campanhas políticas. Atualmente são 34 candidaturas espalhadas pelas 5 regiões do Brasil e todos para os três cargos do Poder Legislativo.
Ao contar com essa assistência, é necessário assinar um termo de comprometimento com propostas específicas de cada setor que vai concorrer, almejando o combate a LGBTfobia e promoção dos direitos da sigla. Há três eleições em funcionamento, Toni declarou que a plataforma “tem o intuito de incentivar as pessoas a se orgulharem de serem o que são e também votarem com orgulho, ter dignidade para isso.’’
Toni deseja com essas eleições atingir uma bancada forte LGBTQIA+, e assim, lutar para positivar no congresso nacional todas as ações a favor conquistadas no Poder Judiciário brasileiro, como a criminalização da LGBTfobia, casamento homoafetivo, nome social e mudança de gênero.
O crescimento de influenciadores da comunidade LGBTQIA+ nas redes sociais contribuiu para a visibilidade de pautas destinadas a essa comunidade, bem como para o reconhecimento de novas identidades. “Eu sempre gostei da área da beleza e a maquiagem veio como uma auto descoberta – não só da minha área como blogueira, mas também como uma descoberta pessoal da minha identidade de gênero. Adoro trabalhar com isso, acho que eleva a autoestima de qualquer pessoa”, afirma Bruno Garcia, influenciador digital pertencente ao movimento. Porém, ainda há muitos desafios a serem enfrentados pelos influencers deste meio: o movimento é valorizado ou apenas conveniente?
“A minha maior dificuldade é conseguir mostrar que meu conteúdo tem um valor e um grande alcance! Muitas marcas sempre contratam apenas no mês de junho, ou seja, no mês que lhe é conveniente ser ‘apoiadora da causa LGBTQIA+’, por ser o mês do orgulho da comunidade. Parece que servimos apenas para essa época e mais nada”, diz Garcia. Assim, fica evidente o momento em que campanhas de marketing direcionadas a esses grupos aumentam de forma expoente, criando um debate acerca da moralidade das marcas, se é apenas uma forma de representatividade ou um interesse financeiro e midiático.
E quando acaba o mês do orgulho? Para Murilo Amaral, criador de conteúdo digital, há certa falta de credibilidade em seu trabalho, por ser gay, negro, afeminado e considerado um influenciador “pequeno”. “Entre o meu conteúdo e o de uma influenciadora considerada padrão, provavelmente o dela seria o escolhido por uma marca”, afirma. Essa questão retoma a discussão acerca da sociedade agir com prestígio ou conveniência sob o trabalho desses criadores digitais, também conhecido como “Pink Money” – o termo serve para empresas em situações que, quando é favorável, seja financeiramente ou pela mídia, apoiam a causa, mas na hora de se posicionarem politicamente e apoiar o movimento, permanecem isentas.
A influenciadora Luísa Assaf, em sua conta no TikTok, compartilhou alguns critérios para definir se as marcas realmente possuem iniciativas de apoio à população LGBTQIA+: o direcionamento de lucro dos produtos para instituições, representatividade em suas campanhas, iniciativas para a contratação de pertencentes ao movimento, o patrocínio de eventos, artistas ou esportistas da comunidade e se o apoio dura o ano inteiro (não somente durante o “pride month”). Luísa também cita marcas que são exemplos, como o Burger King, que sempre se posiciona em polêmicas envolvendo LGBTfobia e política, além de reverter lucros obtidos com produtos temáticos para ONGs.
Apesar de todas essas dificuldades, há muitas conquistas que ainda motivam os criadores de conteúdo digital desse meio: “O projeto que mais me marcou foi ter uma coleção, de uma loja, assinada no meu nome. Foi uma conquista e tanta”, afirma Bruno Garcia, que é um grande entusiasta na área da beleza e da maquiagem. Além disso, o influencer diz ter como motivação conseguir usar e abusar de sua criatividade, contemplando todos os seus diversos talentos. “Vou iniciar daqui um mês um curso de Artes Cênicas na Universidade Federal de Uberlândia, quero trazer vários conhecimentos da área e atrelar isso ao meu trabalho como digital influencer”, diz Bruno.
A profissão de um influenciador digital pode ser considerada uma das mais amplas por abranger diversos nichos da internet, como cultura pop, moda, maquiagem, gastronomia, esportes, entretenimento, política, etc. São diversos os influenciadores da comunidade LGBTQIA+ que engajam nessas diferentes áreas, o que pode inspirar e motivar muitas outras pessoas a se expressarem da mesma forma. “Eu me inspiro e acompanho muitos criadores digitais do movimento – que são assim como eu: gay, negro e afeminado – principalmente o Matheus Pasquarelli, a Lellê e o Bruno Gomes”, conta Murilo.
Embora ainda existam obstáculos a serem enfrentados pelo povo LGBTQIA+, a carreira de influenciador digital permite alcançar conquistas desejadas e a possibilidade de planejar um futuro estável e bem sucedido. “Daqui 10 anos, espero ser um produtor de moda ou trabalhar em algo artístico nesse meio digital. É um sonho para mim”, afirma Murilo, que vem construindo fortes laços com a moda desde criança.
No final de julho deste ano, a Assembleia Nacional de Cuba aprovou o novo Código das Famílias, que promete legalizar o casamento homoafetivo, garantir mais direitos às mulheres e maior proteção para crianças e idosos. O documento foi submetido à consulta popular, em maio, da qual participaram cerca de 6,5 milhões de cubanos, alcançando quase 62% de aprovação.
A legalização do casamento homoafetivo, dentre outros direitos da família presentes no texto, aguarda referendo previsto para setembro deste ano. Uma vez aprovado, Cuba se tornará o 33º país do mundo – e 10º das Américas - a garantir a igualdade matrimonial.
Em dezembro de 2021, durante aprovação do anteprojeto do Código das Famílias, processo antecessor à consulta popular, o ministro de Justiça, Oscar Silvera Martínez, comentou que “o projeto é reflexo da realidade cubana e coloca a Cuba e seu povo em uma posição que capta as diferenças e as protege”.
Segundo a Human Rights Campaign (HRC), além de Cuba, há outros seis países que apresentaram desenvolvimento quanto ao suporte à igualdade matrimonial este ano: Andorra, Índia, Japão, Filipinas, Tailândia e Tchéquia. Em 2019, o direito ao casamento homoafetivo foi alcançado pela primeira vez na Ásia, sendo aprovado pelo Tribunal Constitucional de Taiwan em 2017, com prazo legislativo de dois anos cumprido pelo Parlamento.
No dia 8 de julho de 2022, a Eslovênia decidiu, por meio de ações da corte, que o banimento de casamentos homoafetivos violava a constituição e o direito entrou em vigor imediatamente. Apesar dos avanços, os 32 países que legalizaram a igualdade matrimonial representam apenas 16,5% dos Estados reconhecidos pela ONU. Em contrapartida, um levantamento da BBC revela que, até 2021, foram reconhecidos 69 países que criminalizam a homossexualidade, sendo em sua maioria africanos e asiáticos.
Por Ana Karolina Reis
Muitos dizem que São Paulo é uma cidade cinza, mas o cenário foi diferente no dia 19 de junho de 2022. A avenida paulista, conhecida por ser o palco de inúmeras manifestações políticas, se pintou com as cores da bandeira LGBTQIA+ por um dia. A festa foi digna, e não poderia ter sido diferente: a maior parada do mundo contou com uma multidão de 4 milhões de pessoas. Mais do que um dia para simbolizar e reverenciar o amor, foi um dia marcado pela luta. Fazer parte da comunidade se tornou sinônimo de resistência. O Brasil, considerado por muitos o País mais caloroso e receptivo do mundo, contou com 316 pessoas LGBTs mortas violentamente em 2021. O mesmo Brasil que mais mata pessoas trans e travestis em todo o mundo. País onde nem mesmo o presidente da República respeita o direito de amar e existir do próximo.
O evento contou com 19 trios elétricos e a presença de vários artistas que são símbolos de representatividade dentro da comunidade. Mas não foram apenas as músicas de Pabllo Vittar e Ludmilla que ecoaram na avenida. Em meio a celebração, chamava atenção os gritos das ONGs que estavam presentes. O primeiro grupo chegava acompanhado de uma bateria. A ONG “Mães Pela Diversidade” estava repleta de mães vestidas com bandeiras de várias cores, acompanhadas de seus filhos. “Nós defendemos nossos filhos da LBGTFobia. Meu filho é o Caio Batista, ele é um homem Queer. Hoje o dia é marcado pela importância do respeito e do orgulho que a gente tem pelos nossos filhos, principalmente o respeito que a gente espera que todos tenham com eles. Que as pessoas abracem nossos filhos, que os considerem como igual, porque eles não são diferentes”, disse Cida, uma das mães que desfilava.
Mais à frente estavam reunidas as mães da ONG “Mães de Crianças Trans”. Um dos momentos mais marcantes foi a conversa com Fabiana, mãe do Tadeu. “Somos um grupo de mães de crianças e adolescentes trans. Estamos reunidos aqui hoje para mostrar pra sociedade que nossos filhos existem, que nossos filhos querem estar vivos e merecem respeito”. Em meio a lágrimas, Fabiana fez um apelo. “Nós queremos que nossos filhos vivam mais que apenas 35 anos, nós estamos aqui em uma voz de resistência pela vida dos nossos filhos”, completou. Ao perguntar para Tadeu a importância daquele evento na vida dele, a resposta foi breve, mas intensa. “Hoje eu não queria levantar da cama, mas estando aqui eu sinto orgulho de mostrar quem eu sou e de não precisar esconder a minha identidade”, finalizou.
Viver durante um governo que incentiva declaradamente a violência contra a população LGBTQIA+ e que segue cortando políticas públicas para a comunidade se torna uma missão cada vez mais árdua. Os retrocessos causados pela atual gestão violam os direitos das pessoas LGBTs, silenciam suas dores, desumanizam seus corpos e matam cada um de seus membros a cada 29 horas no Brasil.
O tema escolhido para a parada deste ano foi “Vote com orgulho – por uma política que representa”, enfatizando a importância do posicionamento da comunidade em um ano eleitoral crucial. Para Carolina Iara, covereadora do PSOL e primeira travesti intersexo a ocupar uma vaga legislativa no Brasil, o primeiro passo para mudar esse cenário é tirando Jair Bolsonaro da presidência. “Temos que tirar o Bolsonaro. É o ponto zero. Depois começamos a conversar sobre um projeto de país que inclua as pessoas LGBTs e que inclua também as pessoas trans. Devemos pensar na prevenção da violência, em campanhas de conscientização e sensibilização dessa população. Nós precisamos de uma verdadeira aplicação da lei contra LGBTfobia, que não está acontecendo no Brasil”, declara.