Participante do BBB23, Fred Nicácio, reconhecido por seu engajamento em questões de saúde pública e direitos humanos, apesar de usar categorias, ela expressa inclusão e visibilidade
por
Rainha Matos
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28/06/2024 - 12h

A expansão da sigla no movimento LGBTQIA+ pode até causar confusão, mas não para Fred Nicácio, médico brasileiro reconhecido por seu engajamento em questões de saúde pública e direitos humanos. Ele defende que, "embora o ideal fosse não categorizar, a nomenclatura atual é crucial para inclusão e visibilidade". Fred enfatiza que esse reconhecimento não deveria ser necessário no futuro, quando esperamos que todos sejam vistos simplesmente como pessoas.

Ele apontou avanços na representação LGBTQIA+ na mídia, mas também criticou "o persistente tabu que limita a aceitação de atores LGBT em papéis principais, por medo de repercussões na carreira". Ele sublinha a importância de valorizar o talento e personalidade das pessoas, independentemente de sua orientação sexual.

Nem tudo é otimismo. Fred Nicácio destacou a gravidade dos índices de LGBTfobia e mencionou sua própria experiência com testemunhos de violência. Ele ressalta a necessidade de políticas públicas e leis rigorosas para proteger a comunidade e reduzir esses crimes.

Como figura pública, o médico precisa lidar com críticas, e por isso adotou uma postura de positividade, aceitando críticas construtivas apenas daqueles que têm algo construtivo a oferecer. Ele enfatizou a importância de uma crítica fundamentada em realizações pessoais e ignorou críticas vazias e infundadas.

Além de sua atuação na saúde e na visibilidade LGBTQIA+, Fred ganhou destaque nacional ao participar do reality show "Big Brother Brasil 23" (BBB23), ampliando sua plataforma para discutir questões de grande relevância social. Sua voz continua sendo uma importante influência tanto na esfera pública quanto nas redes sociais, onde ele continua a promover o debate e a conscientização sobre direitos e igualdade.

A omissão da representatividade de sáfica nas grandes mídias perpetua um vazio cultural que exclui e invisibiliza milhões de experiências autênticas.
por
Emily de Matos
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21/06/2024 - 12h

Em um cenário midiático predominantemente heteronormativo, vozes como a de Elizabeth Matos, de 19 anos, estudante e mulher bissexual, ressoam com uma perspectiva vital: a necessidade da representatividade sáfica fiel e positiva. "A caixa onde a indústria prende elas é bastante cruel, já que muitas são usadas para material fetichista ou apenas jogadas de escanteio em filmes e séries onde estão atuando, não tendo espaço para brilharem e se destacarem como alguma atriz heterossexual, por exemplo" afirma a jovem.

Nos últimos anos, o termo “Bury Your Gays” (Enterre seus gays) emergiu como um símbolo da escassa e muitas vezes prejudicial representação da comunidade LGBT+ na cultura pop. Esta trope, originada na televisão, descreve a tendência de narrativas que retratam personagens gays apenas para dá-los um destino trágico. Esta prática não apenas nega à comunidade de ter oportunidade de ver suas experiências representadas com precisão, mas também perpetua estereótipos e marginalização.  

Essas representações problemáticas não passam despercebidas pela comunidade LGBTQ+, que muitas vezes se manifesta por meio de protestos online e campanhas de conscientização. Um exemplo notável foi a reação dos fãs à morte de Lexa em "The 100". Após a exibição do episódio em que a personagem foi morta repentinamente, os fãs expressaram indignação e desapontamento nas redes sociais, destacando não apenas a falta de representatividade lésbica nas mídias, mas também a maneira como personagens LGBTQ+ são frequentemente tratados de forma descuidada e desrespeitosa. 

 

 Reprodução: Lexa (Alycia Debnam-Carey) em ‘The 100’. 
 Reprodução: Lexa (Alycia Debnam-Carey) em ‘The 100’. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Um exemplo claro desse descuido é a obra cinematográfica “Azul é a Cor Mais Quente”, dirigida por Abdellatif Kechiche, que foi marcada não apenas por seu impacto no cinema, mas também por relatos de condições difíceis no set de filmagem. Em uma entrevista ao jornal The Guardian em 2013, a atriz Léa Seydoux, que interpretou uma das protagonistas, relatou a experiência como 'extremamente difícil' e mencionou a exaustão física e emocional enfrentada durante as gravações. Seydoux também destacou a intensidade das cenas de sexo, descrevendo-as como “ultrajantes” e afirmando que se sentiu “um pouco como uma prostituta” durante as filmagens. Esses relatos lançaram luz sobre as condições muitas vezes desumanas enfrentadas por atrizes em produções que exploram temas sensíveis, como a sexualidade feminina, questionando não apenas a ética por trás das representações, mas também as práticas dentro da indústria cinematográfica. 

 Reprodução: Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux) em ‘Azul é a cor mais quente’. 
 Reprodução: Adèle (Adèle Exarchopoulos) e Emma (Léa Seydoux) em ‘Azul é a cor mais quente’. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ao retratar personagens LGBTQIA+, a sensibilidade e o cuidado são essenciais. Como afirmado por Elizabeth “Leitura sensível, uma sala de roteiro deveria ter pessoas especializadas para atender qualquer demanda de personagens que não estão dentro do conhecimento total de quem trabalha na obra. Apenas quem vive na pele sabe o que realmente é necessário e o que passa longe de uma representatividade válida”. 

Movimento em apoio à comunidade LGBTQIAP+ coleciona conquistas pela diversidade na PUC-SP
por
Ana Julia Mira
Maria Eduarda Cepeda
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20/06/2024 - 12h

O coletivo Glamour celebra 10 anos de história na PUC-SP com uma trajetória de lutas, marcada pela criação da Biblioteca LGBTQIAP+ e a retificação dos nomes de alunas e alunos nas plataformas digitais da universidade.

O Glamour  se consolidou como um espaço seguro e de acolhimento para os alunos na universidade, como uma rede de apoio aos estudantes, além do intuito fortalecer uma resistência contra as violências físicas, psicológicas nos ambientes de convivência fora e dentro do campus.  

Bandeira com as cores LGBTQIAPN+ com um triângulo invertido composto pelas cores da bandeira trans
Design utilizado pelo coletivo de 2014 a 2017 . Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour PUC-SP

A abordagem desses temas são  necessárias no ambiente universitário, a acolhida de alunos LGBTQIA + nas universidades é crucial para criar um ambiente acadêmico inclusivo.

Conquistaram espaços e direitos para as pessoas da comunidade. Mesmo durante a pandemia, o coletivo reivindicava causas de suma importância, como a retificação do nome social nas plataformas de ensino digitais. 

Na época, mesmo os estudantes transexuais que já haviam retificado seus nomes na Secretaria da universidade, tiveram seus nomes civis expostos no novo modelo de ensino que estava sendo aplicado. 

Foi, então, realizado um ofício com a colaboração do Centro Acadêmico 22 de Agosto (do curso de Direito) solicitando tal mudança em prol do respeito para com as pessoas afetadas. 

Ofício realizado para retificação do nome de pessoas trans e travestis nas plataformas digitais da universidade
Ofício realizado pela retificação dos nomes de alunos transexuais e travestis nas plataformas virtuais. Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour

 

Em 2017, o grupo passou por mudanças adotando o nome Glamour. O nome foi escolhido em homenagem a uma das primeiras alunas assumidamente transsexual a  estudar na PUC-SP no curso de Artes do Corpo em 2013,  a atriz Glamour Garcia. 

Pelas redes sociais, o coletivo promove integrações entre os estudantes por meio de eventos e reuniões, sempre tendo como foco a representatividade daqueles que estão inseridos na comunidade e dando voz às suas experiências.

Design de convite para palestra "Transvivências: a relação das identidades de gênero no meio social". Na parte de baixo do design estão os 4 palestrantes que participaram do evento.
Evento promovido pelo coletivo em 2023. Reprodução: Instagram / @glamourpuc

 

Alinhados com as causas sociais, se mostrou ativo em questões sobre diversidade de gênero e orientação sexual, trazendo visibilidade e empoderamento, criando um ambiente amplo e disposto à troca de ideias e vivências com incentivo de debates, levando essas conversas para além da PUC-SP.  

Quadrado rosa com círculo branco no meio e um trângulo invertido rosa centralizado.
Design do coletivo desde 2017. Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour

 

Acompanhando o posicionamento firme da comunidade participante do Glamour junto ao “Núcleo Diversas T”, foi realizada a 1ª “Pesquisa Oficial sobre a situação des alunes LGBTQIAPN+ da PUC-SP” em outubro de 2023. O núcleo, por sua vez, é formado por pessoas transsexuais. 

A iniciativa tinha por objetivo de identificar os desafios enfrentados dentro do ambiente acadêmico, visto que são alvo de preconceitos e violências, havendo denúncias de situações assim expostas nas redes sociais do Coletivo Glamour.

Em 2019, uma delas foi feita em uma publicação de sua página no Facebook. Denunciava falas transfóbicas de um professor de Direito Penal em sala de aula, levando à público o caso e manifestando-se contra o docente, organizando protestos silenciosos.

Sala de aula com cartazes em oposição às falas do professor
Imagem do protesto silencioso contra falas transfóbicas de professor. Reprodução: Facebook / Coletivo Glamour

 

Por trazer à tona situações de transfobia e homofobia sofridas por pessoas na PUC-SP, atacadas por docentes e estudantes, o Coletivo possui papel ativo no combate ao preconceito na Universidade.

Sobre a razão de sua existência, em publicação no afirma: “Infelizmente, nos tempos atuais, ainda existe uma forte violência contra a comunidade LGBTQIA+, que é, muitas vezes, submetida a agressões, hostilização, crimes de ódio, além da exclusão e precarização do local de trabalho”.

Com uma longa história de luta pelos seus direitos, o Coletivo Glamour conquistou espaço na Instituição, inclusive nas bibliotecas, ao reivindicarem e serem atendidos com a inauguração do acervo bibliográfico de temáticas e autorias LGBTQIAP+, no início deste ano. O acervo conta com mais de 64 títulos, trazendo autoria de pessoas da comunidade, aprovados pelo CONSAD. 

Após o acontecimento em fevereiro, não houveram mais atualizações nas redes sociais e o Coletivo passa por uma aparente pausa em suas atividades. Nós procuramos entrar em contato com os participantes, mas não obtivemos resposta.

“Consegui colocar um vestido e estar lá com a roupa que sempre quis”, explica Moon, estudante que foge do gênero convencional
por
Clara Dell'Armelina
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15/06/2024 - 12h

 

(Fonte:Louise Zin, Dicas de Mulher)

“Me identifico tanto com pronomes femininos quanto masculinos.”, diz Moon, uma pessoa de gênero fluido e bissexual. A fluidez de gênero vem se tornando cada vez mais visível ao passar dos anos, mas muitos ainda não sabem o que esse termo significa, acabam confundindo com sexualidade, “gênero fluido se trata sobre como você se identifica na questão física, seu corpo e sua aparência, já a orientação sexual é sobre o que você sente atração, não só ao se tratar de genitália, como todos tendem a associar, mas também pelo que a pessoa é, seja homem, mulher, neutro e por aí vai.”.

Moon, estudante de Arquitetura e Urbanismo da UNISAL(Universidade Saleniana) no interior de São Paulo, Americana, relata que percebeu sua fluidez de gênero durante o ensino médio, lá pelo ano de 2019. Mas a primeira vez em que se sentiu à vontade e vestiu-se com roupas entendidas como “femininas” foi na Faculdade, em 2023: “Consegui colocar um vestido e estar lá com a roupa que sempre quis. Foi muito bom para mim pois vi que minhas amizades estavam lá para me apoiar e que posso ser quem eu sou, sem medo, todos foram muito receptivos, até desconhecidos.” Ela defende que a questão da roupa é importante pois “assim podemos passar a imagem que queremos para que saibam como nos tratar.”

Diante da compostura daqueles que Moon já conhecia, conta que sua família apenas “finge que não vê, mas me tratam da mesma maneira que me trataram a vida toda, só que não me importo porque são pessoas antigas, não vão mudar de forma repentina”. As pessoas da igreja evangélica que até pouco atrás frequentava a trataram com respeito, a aceitavam e amavam muito, “lá as pessoas conheciam bem o que pregavam, diferente de muitos evangélicos por aí que se dizem cristãos, então sabem que Deus julga o bem e o mal, não quem somos fisicamente ou quem amamos.”.

Moom conta com entusiasmo que “Pose” é uma série que sempre estará em seu coração “pelo tanto de representatividade que tem.” “A série acaba de modo tão realista e verdadeiro que é algo que mexeu comigo.” Já como inspiração no meio das redes sociais, Moon tem Bella Rose Avila, uma blogueira e modelo que também se identifica como sendo alguém de gênero fluido. Mas Bella não é a única, há muitas figuras famosas como Miley Cyrus, Cara Delevingne, Ruby Rose e mais tantas outras.

O termo “gênero-fluido” começou a ser discutido mais amplamente na década de 90, ele vem contemplado na letra “Q”, de Queer, na sigla LGBTQIAP+, sendo um conceito que engloba todas as sexualidades e identidades de gênero fora do padrão imposto socialmente. Enquanto que cisgênero é aquela pessoa que se identifica com o sexo – feminino ou masculino – que lhe foi designado ao nascer.

Quando se convive com alguém de gênero fluido, é importante perguntar à pessoa quais são seus pronomes de preferência, Moon, por exemplo, mesmo se identificando com os femininos e masculinos, tem sua preferência pelos primeiros, “sempre me apresento com eles e como Moon, pois é como eu prefiro!”. Além disso, a "fluidez" refere-se à mudança em relação à sua própria identidade de gênero ao longo do tempo, assim sendo, com o passar do tempo, a própria identidade de alguém flúido pode alternar.

Muitos se enganam ao pensar que a fluidez de gênero é sempre binária – apenas se reduzindo aos gêneros masculino e feminino – ela pode acontecer também entre gêneros não-binários, quando a pessoa não se identifica com gênero nenhum.

(Bella Rose Avila- Fonte: Shutterstock)
(Bella Rose Avila- Fonte: Shutterstock)
(Fonte: Rubyrose/instagram)
(Fonte: Rubyrose/instagram)
(Fonte: Xavier Collin/Image Press Agency)
(Fonte: Xavier Collin/Image Press Agency)

A cena "está criando realidades do futuro", defende Flip Couto, performer e curador
por
Cecília Schwengber Leite
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14/06/2024 - 12h

 

No mês do orgulho LGBTQIAP+, diversas expressões artísticas e políticas da comunidade são celebradas, entre elas, a Cultura Ballroom. "Acredito que é uma cultura que está criando realidades do futuro, pois ela construiu a possibilidade de essas pessoas contarem suas histórias e estruturarem suas vidas e carreiras profissionais. É uma manifestação da presença", afirma Flip Couto - performer, curador, produtor de eventos e palestrante sobre negritudes, diversidade de gênero, saúde e a crise da Aids. 

 

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Reprodução/Instagram

 

Nascido na zona leste de São Paulo, Flip iniciou sua trajetória artística no hip hop, com a dança, e depois se abriu a outras manifestações culturais do movimento. Além de performar, o artista também passou a produzir eventos e, durante esse período, conta que "se permitiu aflorar sua sexualidade", assumindo-se gay. “Nesse processo fui pouco a pouco colocando minha identidade como pessoa LGBT+, primeiramente de forma solitária, e depois me unindo a mais pessoas da comunidade por meio das danças urbanas, quando comecei a me inserir na cultura Ballroom”, diz. Desde então, Flip passou a articular suas primeiras festas e, em 2017, produziu sua primeira ball. 

Origens da Cultura Ballroom

Com seu berço no bairro Harlem, em Nova Iorque, as Ballrooms surgem de um movimento cultural substancialmente negro - e com muitos de seus líderes sendo da comunidade LGBTQIAP+ - hoje conhecido como Harlem Renaissence. Nesse contexto, após um concurso de beleza protagonizado por drag queens e pessoas trans, nos quais, na década de 1960, eram reproduzidos comportamentos racistas, Crystal Labeija, drag queen e mulher trans negra, se revoltou contra os padrões estabelecidos. Assim, fundou a primeira house, a “House of LaBeija”, e a partir dela, diversas houses se expandiram por Harlem, entre outros bairros de Nova Iorque.

No Brasil, a primeira ball ocorreu em Belo Horizonte, a Vogue Fever, trazendo artistas da cena internacional; enquanto uma das houses pioneiras no país, a House Of Hands Up, surgiu de um grupo de danças urbanas, em 2011. Em São Paulo, a cultura Ballroom se estabeleceu por meio da House Of Zion, que compõe a cena mainstream, mais tradicional e precursora. Posteriormente, surge a cena kiki, inicialmente como uma forma de inserção de jovens por meio de ações de saúde, mas que atualmente está mais forte que a cena mainstream, e relacionada a maiores possibilidades de criação.

Flip explica que a estrutura e fundamentos das Ballrooms foram criados por pessoas trans, pretas, latinas, periféricas, profissionais do sexo e portadores de HIV. “É importante definir a Ballroom como uma cultura criada a partir da ausência do Estado, da família e da sociedade estruturalmente cis, branca e heteronormativa, como resposta a todas as violências, construindo um espaço seguro de resistência para esses corpos vulnerabilizados, e buscando outras formas de beleza ", afirma Couto. E acrescenta, “mas para mim é mais do que tudo um espaço de celebração e de encontro, um espaço político também, que constrói novas perspectivas”. 

Houses e Balls

As houses são coletivos que buscam se assemelhar à estrutura de uma família, tanto em termos de afeto e acolhimento, quanto em sua hierarquia, sendo lideradas por mothers e fathers. Comumente expulsos de suas casas, jovens LGBTQIAP+ e portadores de HIV muitas vezes encontram abrigo e pertencimento nas Ballrooms. Ao integrarem uma house, os filhos herdam o sobrenome escolhido pelas mothers ou fathers. Assim, são estabelecidas as identidades e legados da cultura. “É a mesma importância que a família tem na vida de qualquer jovem ou adulto, é dar amor, carinho, cuidar e mentorear também”, diz Flip.

Nas houses, os filhos contam com mentoria de carreiras profissionais dentro das artes, tecnologia, finanças ou qualquer outra área de interesse, além de obterem referências e conhecimento sobre os processos de transição, dicas de moda e beleza e encaminhamento para profissionais da saúde (mental, física e sexual). “As houses têm essa função de fato, são famílias que estão preparadas e dispostas a acolher esses corpos que muitas vezes foram excluídos por suas famílias de sangue”, explica Couto. 

As balls, por sua vez, são bailes onde as famílias se encontram. O intuito é a diversão, livre expressão e acolhimento de corpos marginalizados, e por isso, são políticas em sua essência. Nelas se desenvolvem os elementos da cultura: as categorias de dança, caracterização e performance, com temas estabelecidos e no formato de batalhas. O vencedor de cada categoria leva um Grand Prize (prêmio entregue ao vencedor(a), que também é direcionado a sua house). Através das vitórias, houses e participantes desenvolvem sua reputação e legado.

Vogue

O voguing é uma performance de empoderamento e resistência com movimentações inspiradas nas poses de modelos da famosa revista Vogue. A dança surgiu por meio de pessoas LGBTQIAP+ que, na época, eram presas por serem da comunidade, e que nos presídios tinham fácil acesso a revistas de moda, consideradas “sem conteúdo”. Como um dos únicos meios de distração, essas pessoas reproduziam as poses das mulheres brancas das revistas e almejavam alcançar aquele status fora dos presídios. 

Assim, as Ballrooms incorporaram a performance voguing em forma de batalhas, inicialmente com a reprodução de poses de acordo com o beat, o chamado Posing. Com o passar do tempo e novas pessoas agregando a cena, os estilos foram se desenvolvendo e hoje o voguing divide-se em três principais categorias:

- Old Way, modalidade cujo foco são as linhas e simetrias, como nas páginas da revista;
- New Way, com foco na flexibilidade e agilidade, inspirado em movimentos ginásticos;
- Vogue Femme, criado pelas Femme Queens da cena, traz a feminilidade, acrobacias, sensualidade e energia.

 

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Quinta edição da Ball Vera Verão na Casa Natura Musical, em São Paulo
Imagem: UOL/Felipe Inácio

 

Surgindo para a diversão da elite, o futebol faz do preconceito uma de suas trágicas consequências
por
Vinícus Evangelista
Leonardo Gomes
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28/08/2023 - 12h

Foram 74 casos de LGBTfobia registrados no futebol brasileiro apenas no ano de 2022, um aumento de 76% em relação aos anos anteriores. Esse foi o dado levantado em relatório feito pelo coletivo de torcidas Canarinhos LGBTQ+, em parceria com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF): “O trabalho mostra uma triste realidade, que estamos lutando para acabar no futebol. A CBF vai sempre combater os preconceitos e trabalhar para que o futebol seja um lugar de inclusão, afirmou Ednaldo Rodrigues, Presidente da CBF, que é o primeiro negro e nordestino a comandar a entidade. 

 
Apesar da luta travada, a discriminação por orientação sexual no futebol é algo visto na prática a anos, com casos vindo à tona em todo momento. Os mais memoráveis têm a torcida do São Paulo como alvo, sendo, de forma pejorativa, estereotipada com características referentes a pessoas LGBT’s. A situação mais recente aconteceu em maio desse ano, quando em um clássico contra o Corinthians, na casa do rival, ouvia-se o canto: “Vamos, vamos Corinthians, dessas bichas teremos que ganhar”.  
 
Não foi a primeira vez que se foi usado de homofobia para provocar torcedores são paulinos. O hábito ganhou força em 2003, quando o então jogador do Corinthians, Vampeta, falou em entrevista coletiva como é o clima as vésperas de um clássico contra o rival: “semana de clássico não tenho nenhum amigo são paulino, tudo inimigo. Eles do lado de lá defendendo os ‘bambis’, e eu do lado de cá”, afirmou o ex-jogador. 
 
Recém completados 83 anos de história, Bambi é considerada uma das animações mais clássicas da história da Disney, contando a história de um pequeno filhote de cervo que tem características consideradas “feminizadas. Porém, aquilo que era para ser apenas o nome de um protagonista animal em uma fábula infantil, no futebol se tornou adjetivo para inferiorizar seres humanos a partir de sua sexualidade. 

 
PRECONCEITO CULTURAL E LEGITIMADO 
 

 

Foto: Felipe Siqueira / ge 

 

Segundo artigo publicado por Otávio Nogueira Balzano e João Alberto Steffen Munsberg no Portal da Câmara dos Deputados, o futebol tem, em sua estrutura, marcas de uma sociedade patriarcal ao surgir como esporte para a diversão da elite e ser costurado em torno da hegemonia masculina. Com isso, se tornou natural que os estádios fossem espaços para que a masculinidade fosse exaltada, e assim, ser comum ouvir das arquibancadas manifestações de caráter preconceituoso, mascarando-as como simples forma de “provocação” a torcedores rivais. 

 

Tal prática foi tão legitimada, inclusive por órgãos públicos, que foi apenas em 2019 que o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) passou a recomendar que os árbitros relatassem em súmula e documentos oficiais casos de LGBTfobia que acontecessem durante as partidas. Não demorou muito para que, em uma partida entre Vasco e São Paulo, o árbitro Anderson Daronco tivesse que paralisar a partida após um cântico uníssono ecoar nas arquibancadas do Estádio São Januário: Veado... Time de veado!”. 

 

“24 AQUI NÃO!” 
 
 

Foto: LUIS ROBAYO / AFP via Getty Images 

 

Outra polêmica institucional relacionada da LGBTfobia no futebol envolve o número 24 que, no Brasil, é associado a homossexualidade devido à forte influência do jogo do bicho, onde tal simboliza o animal veado. Nas camisas, foi só na Copa do Mundo de 2022 que o número foi utilizado oficialmente pela seleção brasileira masculina quando, na ocasião, o zagueiro Bremer o vestiu pela primeira vez. 

 

O tabu existente no Brasil acerca do número bateu na porta do volante colombiano Victor Cantillo. O atleta que sempre usou a camisa 24 por todos os clubes que passou em seu país, foi anunciado com a “8” ao ser contratado pelo Corinthians em 2020. Durante sua apresentação, o diretor do clube ao seu lado, hoje presidente, Duílio Monteiro Alves, explicou em tom de piada o porquê da camisa: “24 aqui não!, comentou o dirigente. 

 

Após a repercussão negativa da fala, Duílio se desculpou, explicando que o motivo do Cantillo usar a “8” é por ter sido usada pelo histórico, também volante colombiano com passagem pela equipe, Freddy Rincón, e que não tem nenhum problema com o número 24. O Corinthians é o time do povo, time das minorias, time de todos, que sempre usa sua marca a favor de campanhas contra qualquer tipo de preconceito, explica Duílio.  

Alguns dias após a polêmica, a camisa 24 foi cedida para o jogador, que ainda atua no clube usando a numeração. 
 
 
A RESISTÊNCIA 

 

Foto: Reprodução / Facebook / Bambi Tricolor 

 

Após a fundação da “Canarinhos LGBTQ+”, novos coletivos foram formados, somando um total de 16 grupos de torcidas LGBTQIA+ representando diferentes clubes pelo país, aliando forças e resistindo ao preconceito estruturado ao longo dos séculos pela cultura elitista do esporte, que até hoje deixa suas marcas por todo o país. “As torcidas LGBT’s são muito importantes porque pressionam os clubes a adotar práticas mais efetivas em relação ao assunto. Elas são as grandes responsáveis pelo fato dos times terem aberto os olhos para a homofobia”, comenta o jornalista João Abel, em seu livro denominado “Bicha! Homofobia estrutural no futebol”. 

"É involuntário, só me sinto uma pessoa diferente”, diz PC, 24 anos, estudante de design de games, que se assumiu aos 18 anos.
por
Mohara Ogando cherubin Cherubin
Julia Berkovitz
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28/08/2023 - 12h

Paula Rodrigues, que adotou o nome social “PC”, se descobriu gênero-fluido há 6 anos e detalhou em entrevista para o jornal Agemt como se expressa na sociedade atual e quais são os desafios enfrentados pelo desconhecimento dessa identidade de gênero.

Segundo o jornal Queer, o  termo “genderfluid” surgiu oficialmente na década de 1990. “A pessoa flui entre os gêneros, ela pode se identificar como homem, mulher, neutra, sem um período de tempo definido, podendo se entender como mulher por anos e depois se reconhecer como um homem por um dia, tendo diversas variáveis”.

Representação - Bandeira gênero-fluido

Reprodução - Bandeira gênero-fluido

A bandeira gênero-fluido foi criada somente em 2012, por JJ Poole, 22 anos após o surgimento do termo. Cada cor da bandeira tem um significado que rege em torno da fluidez de gênero. A cor rosa simboliza a feminilidade, a branca representa a ausência de gênero, a roxa é a combinação entre masculinidade e feminilidade, a preta mistura todos os gêneros e o azul representa a masculinidade. 

Nesse sentido, PC afirma que em alguns dias se expressa de forma feminina e delicada, usando vestidos e maquiagens e em outros momentos utiliza bermudas e roupas mais largas masculinas, estando “dentro de várias caixinhas e não de uma só”. No entanto, sua fluidez não se limita às vestimentas, já que quando está mais masculino percebe que anda de uma forma mais bruta e inconscientemente se inclina para frente como se fosse camuflar os seios. 

Segundo PC pessoas gênero-fluido transicionam infinitamente, "é como se envolvesse mais que dois gêneros, tem dias até que sou uma mistura deles, e o conceito de ser mulher e homem vai muito além dessas duas definições, você pode ser um homem com jeitos “femininos” e isso não te torna menos homem."

Qual a diferença entre gênero-fluido e não binário?

Pessoas não binárias são aquelas que não se limitam aos gêneros masculino e feminino, se identificando com a ausência de gênero, diferente de pessoas gênero-fluido que transitam na fluidez entre o feminino, o masculino e as demais identidades de gênero. 

Reprodução - Símbolo gênero-fluido

Reprodução - Símbolo gênero-fluido

“Tem dias que sou ele/dele, outros ela/dela e sempre digo para as pessoas com qual deles estou me identificando. Tem dias que é difícil explicar quem eu sou, na linguagem binária, e por conta disso acho importante a existência de pronome neutro para nós”, afirma PC. O devido uso dos pronomes de uma pessoa gênero-fluido demonstra respeito e acolhimento em relação à sua identidade.

Todavia, a família de PC insiste em adotar somente o pronome feminino e “tentam ignorar o fato que sou gênero-fluido, fingem que é apenas uma fase”, revela. Já a relação com os amigos é de compreensão, desde o momento em que assumiu, em 2017.

Lidar com aqueles que não entendem a sua identidade de gênero é algo vivenciado corriqueiramente, ser taxado como pessoa indecisa e que “quer ser tudo ao mesmo tempo”. Ao sair com vestimentas masculinas em um dia em que está se identificando com o gênero masculino, PC tem o costume de ouvir perguntas como: “mas então agora você virou homem?”, passando pelo constrangimento de ter que explicar a sua identidade de gênero constantemente, como se esta fosse a função das pessoas fluídas ou algo do tipo.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo

A psicóloga Ilda Aparecida (54) enumera casos de violência e transfobia com crianças e adolescentes na periferia da Zona Leste
por
Julia Barbosa
João Pedro Lopes
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14/09/2023 - 12h

“E quando a família diz que não tem preconceito é por que abreviam o nome de registro dela”, conta a psicóloga sobre a vivência familiar de uma das crianças que atendeu no Centro de Defesa da Criança e do Adolescentes de Sapopemba. A garota de 15 anos, que veio ao consultório de Ilda após passar por outras 11 unidades do Saica, Serviço de acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes, sofria exploração sexual e se encontra desaparecida após repressão da avó e do serviço de acolhimento. 

Ao conceder a entrevista, Ilda optou por zelar pela privacidade das crianças, não revelando seus nomes. Disse ainda que as instituições não estão preparadas para lidar com pessoas trans, e havia casos de transfobia vinda dos funcionários e acolhedores. “Existem várias situações de violação de direitos e discriminação. Alguns funcionários chamavam ela de ele e se recusavam a usar o nome social quando se referindo a garota.” 

A psicóloga diz que a menina descobriu pontos de prostituição no bairro mas tinha dificuldade em perceber que estava sendo explorada. “Ela não consegue pegar dinheiro nenhum, o que ela consegue são só algumas trocas”. Após sua saída no Saica, ela retornou a casa da avó que cuidou dela na ausência dos pais, mas não ficou por muito tempo, fugindo de casa em poucas semanas, estando desaparecida desde o dia 12 de agosto. 

Em outro caso na mesma unidade, Ilda traz relatos de uma menina ainda mais nova. “Quando ela chegou aos 10 anos pra gente no CEDECA, falava que era uma menina mas não tinha certeza e nesse período de um ano e pouco ela amadureceu. Tanto que recentemente ela chegou pra nós e pediu que usássemos o nome social nos nossos documentos, isso a gente fez e pediu também pros outros serviços (Saica).”  

Assim como a menina anterior, a sua família também não aceitou sua transição, morando na rua por alguns meses e sofrendo abusos. Ao voltar para casa ficou aos cuidados da avó, que decidiu cuidar da neta depois de ser deserdada pela mãe e a ausência recente do pai. “Ela é alguém que está aflorando agora, mas também já está vivenciando a transfobia em vários espaços, até dentro da escola. Mas está se fortalecendo.”  

No Serviço de acolhimento os adolescentes ao completarem a maioridade são transferidos para uma república jovem e auxiliados pelo CEDECA na procura de um emprego. Em mais um dos casos que atendeu, Ilda fala de um garoto trans: “Ele já está próximo de atingir os 18 anos, tem uma baixa escolaridade, no abrigo não encontraram um serviço pra ele, tem essa questão da morte da mãe que ele nunca conseguiu viver o luto e a péssima relação com as irmãs. É alguém que está lutando para sobreviver.”  

O jovem não consegue encontrar um lar após conflitos também com a família, tendo se mudado para Goiás com a irmã mais velha, porém voltou para São Paulo após sofrer agressões dentro de casa. “A gente tá ajudando ele a se fortalecer, eu vejo ele muito perdido. Perto de jovens da mesma idade eu sinto que ainda falta um pouco dessa malícia.”

Presidente do T Mosqueteiros, Tatto Oliveira, defende inclusão no esporte para a população LGBTQIA+
por
Ana Julia Bertolaccini
Maria Luisa Lisboa Alves
|
24/08/2023 - 12h

“As pessoas começam a olhar e falar caramba são homens trans, mas qual é a diferença?” afirma Tatto Oliveira, presidente e cofundador do projeto T Mosqueteiros em entrevista para a Agemt, feita de forma remota. O time de futebol e basquete de São Paulo é composto por homens trans, e foi formado em 2019. A visibilidade que o projeto vem ganhando desencadeia um empoderamento da comunidade LGBTQIA+ nos esportes, uma verdadeira “ferramenta de transformação”. No Brasil existem ligas de futebol voltadas para esse grupo, e os T Mosqueteiros servem de inspiração para a criação de novos times por todo o país.

“O que a gente tem feito hoje é algo que vai transformar o futuro, onde as pessoas não vão precisar de um time trans, elas vão poder estar na quadra sendo uma pessoa trans.”

 

Imagem do time T Mosqueteiros
(time de futebol T Mosqueteiros posando para a foto//imagem/idivulgação: instagram: @sctmosqueteirosoficiall) 

 

Os jogadores dos T Mosqueteiros chegam de diferentes realidades em busca de proteção e segurança para jogar. “O mais novo do time tem só 20 anos, e o mais velho 50”. “Tem pessoas que vêm de longe, quase 2 horas de viagem.” Além do futsal e do society, o basquete (modalidade nova na equipe), já conta com 10 jogadores e 24 pessoas interessadas. O presidente ainda reforça a necessidade de serem reconhecidos não só pela sociedade, como pelas federações de esportes.

Com o alcance que a equipe vem ganhando, os T Mosqueteiros  trazem informação a toda população. Tatto conta que os jogadores treinam basquete em uma quadra aberta no SESC, e jogam com homens cisgênero, o que aos poucos vai quebrando o preconceito de outras camadas da população através do conhecimento e da experiência. Outro destaque do time foi a entrevista concedida ao Globo Esporte que, como ressalta o presidente, foi muito importante para que homens trans se identificassem e conhecessem o projeto.

A Equipe é campeã de torneios importantes como a Taça da Diversidade (2022/2023) e conta com o apoio social do Núcleo de Resistência, “um coletivo pequeno, mas que tem um trabalho muito grandioso.

O Núcleo de Resistência:

“Usar da nossa voz, usar do nosso espaço, para falar das nossas necessidades.” Tatto conta que o Núcleo surgiu através de rodas de conversa em 2018, quando ele e outras pessoas viam a necessidade de ter um espaço para homens trans poderem dialogar e na época, fez uma reunião aberta com coordenadores da saúde e assistentes sociais.

As rodas de conversa acontecem através do projeto “Homens Trans em Diálogo” e nelas são tratados diversos assuntos que não estão sempre diretamente relacionados à transição em si. No último encontro, por exemplo, o tema desenvolvido foi a amizade.

O núcleo é um braço para o esporte. Muitos homens conheceram o time através do coletivo. Além disso, o grupo também faz doações de cestas básicas e roupas, que mesmo com a pandemia de Covid-19, não pararam de serem realizadas. As rodas de conversa também continuaram, e passaram a acontecer no formato online durante esse período.

As redes sociais e os grupos de WhatsApp são usados para ajudar meninos em transição e levar informação a eles, com o apoio de profissionais da saúde, mostrando a importância do acompanhamento médico, que pode ser feito pelo SUS. Com a ajuda de patrocinadores, também são realizadas retificações de nome e gênero dos meninos (18 até agora).

Como surgiram os T Mosqueteiros:

Tatto, o Cofundador do time, tem 43 anos e sempre gostou muito de esporte e da vida saudável. Sua infância aconteceu entre os anos 80 e 90, na qual ainda não se entendia como um homem trans, mas já sofria preconceito quando participava de esportes coletivos.

Em 2019, depois de passar anos praticando exercício de forma individual, Tatto, que era servidor no centro de cidadania LGBT, sua esposa Geey, seu amigo Gabriel Cardoso e cerca de 30 pessoas montaram o time, que hoje tem uma comissão de funcionários exercendo diferentes papéis. Eles são encarregados por cuidar das redes sociais, do financeiro, das rodas de conversa e da agenda de eventos. A equipe precisa de patrocínio para que possa bancar o aluguel das quadras, a condução, o valor do lanche e o suporte profissional.

Em 2021, a Casa João Nery foi aberta para acolher homens trans em situação de vulnerabilidade, “comecei a perceber o quanto as nossas vozes como homens trans são potentes.” A necessidade de criar esse espaço foi discutida através do Núcleo. O nome da organização faz referência ao psicólogo e escritor João Nery (1950-2018), que foi um ativista trans e o primeiro do Brasil a fazer a redesignação de gênero em 1977.

Inclusão e Visibilidade:

Com o reconhecimento da equipe, muitas pessoas procuraram os jogadores para fazer parte e socializar, como o Gustavinho, garoto trans de 8 anos que jogou bola com o capitão do time na época, o Matheus. Outro caso foi o de um menino de 14 anos, que sua mãe levou para conhecer o time, e foi convidado a participar do amistoso. “É até emocionante falar”, conta Tatto quando lembra da mãe do menino arrumando o uniforme do time e falando como o garoto estava lindo.

Mulheres trans e cis já demonstraram interesse em fazer parte do time, que por enquanto oferece apenas jogos mistos para a inclusão desse grupo. Pensando nisso, a equipe tem interesse em desenvolver o “T Mosqueteiras”, para fazer com que essas mulheres possam “estar próximas umas das outras” e “para que consigam se empoderar dentro da quadra”.

Print da entrevista com o Presidente do T Mosqueteiros, Tatto Oliveira, e as alunas que o entrevistaram.
(Tatto em entrevista para a Agemt//imagem/divulgação: Agent Notícias) 

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo

Em entrevista, organizador da Copa Inclusão explicita a importância da diversidade no esporte
por
Beatriz Barboza
Giuliana Zanin
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29/08/2023 - 12h

No dia 20 de agosto, aconteceu a 1° edição da Copa Inclusão, no estádio Poliesportivo Dom Bosco, em BH. O evento reuniu oito equipes do futebol amador. “Como nunca tivemos condição de participar de um campeonato, decidimos nos juntar”, explica em áudio,  Victor Miguel, responsável pela organização da competição junto com Erick Estrela. Os precursores do projeto são homens trans, amantes do futebol e conscientes da falta de incentivo aos atletas não profissionais. 

A dupla fundou o Elite Futebol Clube, o primeiro time formado por homens trans do estado mineiro. “Nosso time é carente. A maioria não trabalha. Tem menino que nem tem chuteira. Ganhamos nosso primeiro uniforme de uma empresa que promove a parada LGBTQIA+”. Movidos pela ideia de que o “futebol é para todes”, Victor e Erick convidaram equipes femininas, LGBTQIAPN+ e periféricas para a disputa.  

Com poucos recursos, Victor se responsabilizou pela organização da equipe e pela promoção dos treinos. Recebeu doações de chuteiras para os meninos e recorreu à Prefeitura para conseguir um espaço para os treinamentos. A mesma força de vontade que o incentivou a promover o time, norteou-o a organização da Copa. O mineiro comemora que, o que antes era uma Copinha somente com os atletas, antes do engenho, havia 220 pessoas confirmadas. “Tomou uma proporção muito grande!”, ele afirma orgulhoso.

O criador do projeto afirma que, apesar de não ter conseguido muitos patrocinadores, recebeu apoio de jovens que ele guiou anteriormente. “Quando eu tinha 19 anos, eu treinava uma galera sub15 e o patrocinador é um desses meninos que, hoje, tem uma condição melhor que os demais e se dispôs a ajudar.” O patrocinador doou troféus à disputa.

Segundo o organizador, a competição é muito mais que um evento desportivo. “Não é só a Copa. Estamos promovendo um evento interligado à bandeira trans. O que é uma pessoa transgênero? O que ela carrega? Quais são suas dificuldades? Quais são os preconceitos?” A competição é símbolo de representatividade, diversidade e incentivo àqueles que, quando mais novos, não recebiam apoio e seguem fora do radar da profissionalização.

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Os atletas da Copa Inclusão competiram no último fim de semana./ Instagram 


PARA ALÉM DO FUTEBOL 

Para além das quatro linhas, o futebol é pertencimento e amizade. “Eu nunca tive contato com outros caras trans. Eu não tive amigos trans. Eu não tinha pessoas próximas para conversar. A principal parte de participar do time é a resenha.”, conta Theo Sander, 29 anos, professor de matemática que entrou no T Mosqueteiros, time paulista de futebol formado por homens trans.

Theo conta que, desde muito novo, é amante do futebol. Seu pai o incentivou a procurar uma escola preparatória, chegou a treiná-lo para ser goleiro, mas sua mãe não apoiou a ideia, afinal, “futebol não é para meninas”. “Eu falo para ela, hoje, que isso é uma das coisas que mais me machucou.”, desabafa o lecionador. 

O professor explica que, quando começou a pensar na transição, passou a acompanhar pela internet homens trans que já participavam do time. Theo hesitou em entrar em contato com a equipe por dois meses, mas em junho de 2022, acompanhou um treino do T Mosqueteiros. 

“Trazer para sociedade olhar o futebol não só com outros olhos mas enxergar as pessoas como ser humano. Se a pessoa é feliz jogando futebol, não tem porque julgar. Não só o futebol é inclusivo.A vida em si é inclusiva e as coisas podem ser inclusivas.”, afirma Victor Miguel.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo