“Queremos nos tornar referência em questões LGBTQIAP+ e estudantis dentro e fora da Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (EFLCH). ” Afirmou o perfil do Instagram do Coletivo Madame Satã, da EFLCH da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O coletivo se organizou em torno das pautas LGBTQIA + em novembro de 2021. Os alunos não heteronormativos sentiam a necessidade de se reunir para defender seus direitos, pois recentemente o clima de preconceito vêm se aprofundando nas universidades. Um exemplo é o caso dos ataques na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) contra alunos homossexuais por serem supostos portadores da varíola do macaco.
“A comunidade é afetada como um todo e individualmente. O fato de existir uma rede de apoio presente e ativa torna a existência mais segura e proporciona um sentimento de pertencimento extremamente precário hoje em dia”, segue o perfil na rede social. Essa rede de apoio não pertence apenas à Unifesp.
Os coletivos que reivindicam direitos dos LGBTQIA + existem em quase todas as grandes universidades de São Paulo. Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por exemplo, existe o coletivo Glamour que também luta pelos direitos LGBTQIA + e ajuda na integração de alunos e alunas desses gêneros dentro das faculdades, visando criar uma conexão entre eles.
Além de garantir direitos, os coletivos desse gênero buscam criar uma ação política ativa, como um partido que luta pelos seus ideais. Essa ação se cristaliza no estatuto do Madame Satã.
Nele, a organização fica clara e prevê conselho, comissões variadas, assembleias gerais e eleições anuais, além de mecanismos para expulsão de membros que descumpram o estatuto.
Para os membros do coletivo, essa ligação com a política é feita em prol da democracia dentro e fora da universidade, e da movimentação LGBTQIA + dentro dela: “Qualquer entidade estudantil é de suma importância para o funcionamento pleno de uma universidade, sobretudo no ensino público. A presença de minorias organizadas com um propósito em comum é o que mostra nossa democracia em movimento e possibilita que a mudança necessária aconteça. ”
O coletivo, entretanto, não chegou a esse nível organizacional e ideológico logo de cara, pois encontrou alguns percalços no seu início. Sobre eles, os membros do coletivo afirmaram que tiveram muitas: “Além de toda a estrutura administrativa e elaboração do Estatuto, levamos muito tempo para estabelecer nosso papel, nossa atuação e nossas diretrizes. Outro fator importante que levou algum tempo para se concretizar foi o engajamento dos estudantes. ”
A mobilização em torno desse tema se dá principalmente em eventos. Alguns deles são feitos pelo próprio coletivo, como uma palestra ocorrida no dia
13 de junho que discutia a importância da diversidade, da cidadania e das políticas públicas em torno da população LGBTQIA+.
“Promovemos eventos, ações de acolhimento, debates políticos e culturais. Também trabalhamos muito para criar ferramentas e conteúdos relevantes para a comunidade. ”
No lado de fora da universidade a preocupação também é grande. No dia 7 de agosto, os membros do coletivo Madame Satã e de outras organizações estudantis da EFLCH da Unifesp se uniram para debater os atos antidemocráticos que iriam acontecer no dia 11 do mesmo mês.
As torcidas LGBTQIAP + aumentaram a presença nos estádios, com o apoio ou não dos clubes que representam. Ultrapassando a LGBTfobia, esses coletivos lutam por mais visibilidade, além do suporte dos outros torcedores. Nos anos 70, foram criadas as primeiras torcidas LGBTs, a Coligay (Grêmio) e a FlaGay (Flamengo), que não estão mais em atividade. Depois disso, só em 2013 outro coletivo foi criado, a Galo Queer (Atlético-MG), e inspirados por eles, muitos outros surgiram após esse ano. Eles surgem em contexto de afastamento dos LGBTs do esporte, por não se sentirem seguros em torcer para os seus times
A diretora da torcida LGBTricolor, Tainá Sena defende a importância da existência de coletivos e espaços diversificados. Criada em 2019, a torcida LGBT do EC Bahia surgiu como “um movimento para tentar trazer e inserir mais o público LGBTQIAP + para dentro dos estádios de forma mais segura, fazendo-os se sentir abraçados”. Além da inclusão, Tainá explica que é relevante ter um espaço que aborde e dê voz ao público não normativo no esporte: “As pautas que muitas vezes não são pensadas pelo clube e outras torcidas, nós trazemos.” Ela acrescenta que o Bahia apoia a LGBTricolor e que “em algumas pautas, o time chega junto”, além de ter o acolhimento de outras torcidas, como a Triloucas, a Bamor e o Movimento Tricolor.
Por mais que hoje seja natural, a diretora da torcida conta como era “muito difícil ver pessoas LGBTQIAP + se movimentando nos estádios, ainda mais juntas ou em grupos para frequentar os jogos”. Porque infelizmente “é uma coisa universal, a gente sabe que o ambiente esportivo ainda é muito hostil com o público LGBT. É uma luta constante contra alguns comportamentos que foram impregnados dentro dos estádios e que nossa torcida sempre tenta conscientizar de que é errado”. Tainá ainda conta que as pessoas estão entendendo que cânticos e piadas homofóbicas não têm mais espaço dentro dos estádios, e não só porque a torcida está presente, “mas também por entenderem que é um espaço de todos.”
O Vasco da Gama é um exemplo desse apoio. O time lançou um uniforme em homenagem ao movimento LGBTQIAP + e pediu por mais respeito e diversidade no esporte brasileiro em carta contra a homofobia e transfobia. “Depois disso passamos a ver mais torcedores cobrando posicionamento dos seus times e vimos a própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) ser pressionada por mudanças e mais ações de combatividade nesse sentido”, disse Beatriz França, uma das fundadoras da Vasco LGBTQIAP +. Para o coletivo, Beatriz afirma que a importância vai além do lançamento, já que foram questionados e consultados durante todo o processo de criação e campanha de divulgação da camisa. “Ficamos orgulhosos de saber que a nossa luta se tornou a luta do Vasco”, completou a administradora.
Em contrapartida, ainda existem times que não contribuem com a luta. “Temos apoio de várias torcidas do Ceará e de outros times, mas não temos apoio oficial do clube”, disse Ana Beatriz Monteiro, administradora das redes sociais e cofundadora da Vozão Pride, torcida do Ceará Sporting Clube. “Recebemos vários comentários negativos da torcida e faltou apoio do clube”, complementa Ana.
O PorcoÍris, torcida LGBTQIAP + do Palmeiras, também sofre com a falta de apoio do clube. Carlos, que não quis ter seu sobrenome divulgado, membro responsável pelas redes sociais da torcida, disse: “temos um apoio relativamente grande de torcedores e de outros coletivos, mas com a diretoria nós não temos nenhum vínculo, por serem conservadores e reacionários, ainda mais após as eleições de 2018”, em razão dos posicionamentos do atual presidente, Jair Bolsonaro, torcedor do Palmeiras, que possui um discurso homofóbico.
Pessoas trans que se identificam fora do espectro binário relatam como sua atração por todos os gêneros foi importante durante seu processo de descoberta da não-binariedade. Em entrevista para a Agência de Notícias Maurício Tragtenberg, a Agemt, três pessoas desse grupo contam sobre suas vivências.
A. T., de 21 anos, foi designado para o gênero feminino quando nasceu, e sempre teve problemas para expressar feminilidade: “Sempre acharam que eu era lésbica, e como isso nunca me incomodou, eu achei que era mesmo”. Foi só quando descobriu que não era uma mulher que T. desatrelou sua sexualidade da forma como se portava, e começou a reparar na sua atração por pessoas do gênero masculino.
Já E. F., também de 21 anos, já se identificava como bissexual antes de se assumir pessoa não-binária. A reflexão em relação ao seu gênero só começou anos depois de se assumir bissexual, e, segundo ela, sua experiência prévia em relação à sexualidade lhe proporcionou um olhar mais atento às identidades de gênero que fogem do apenas masculino ou feminino.
Por fim, M. L., de mesma idade, disse que sua percepção de gênero não mudou por quem ela se sentia atraída, mas sim como essa atração funcionava. Por mais que M. L. se sinta mais próxima do feminino do que do masculino, ela se considera uma pessoa não-binária, o que fez com que ela se sentisse mais confortável com a pansexualidade, e não com a bissexualidade, como antes pensava.
Dados mostram como a população LGBTQIA + em geral representa uma parcela significativa da população. Em 2019, o IBGE divulgou que 1,1 milhão de pessoas, cerca de 0,7% da população, se afirmaram bissexuais. A FMB (Faculdade de Medicina Botucatu), divulgou um levantamento onde 2%, cerca de 3 milhões de da população adulta, são transgênero, binárias ou não.
Richarlyson, ex-jogador, que jogou na série A do Brasileiro pelo São Paulo, Atlético Mineiro e na seleção brasileira, declarou no segundo episódio do podcast Nos Armários dos Vestiários, que é bissexual, se tornando o primeiro jogador masculino não hétero a atuar na primeira divisão do campeonato brasileiro e na seleção.
Além dele outros jogadores de outras ligas e do futebol feminino já se assumiram, como Jake Daniels, jogador do Blackpool, time que atualmente joga pela segunda divisão inglesa, que assumiu ser homossexual aos 17 anos em 1990, Marta, que já conquistou seis vezes o título de melhor futebolista do mundo seis vezes, sendo cinco consecutivas, Justin Fashanu, jogador inglês que é considerado o primeiro jogador a se assumir dentro do futebol, sendo capa do jornal The Sun após sua declaração. Fashanu jogou em diversos clubes da primeira divisão inglesa como West Ham e Manchester City, o jogador de futebol americano, Carl Nassib, que o primeiro atleta da NFL abertamente homossexual, além do ex-jogador da NBB (Novo Basquete Brasil), principal liga de basquete no país, Jefferson Campos, que falou sobre seu relacionamento com o humorista Joaquim Chicó em suas redes.
Um tempo depois Walter Casagrande, ex-jogador do Corinthians e comentarista esportivo para a Folha e UOL, comentou no podcast Café da Manhã, da Folha, sobre o caso, afirmando que Richarlyson é único e se assumiu por conta de não conseguir mais sem ser verdadeiro consigo mesmo e por isso se assumiu, mas que ele desacredita que outros jogadores farão o mesmo a curto prazo, pois o ambiente do futebol é muito conservador, machista, homofóbico e racista e que na opinião dele um jogador que se entende como membro da comunidade LGBTQIA+ será constrangido, dentro e fora de campo, além de esses jogadores não quererem ser “vidraças para levarem pedradas”.
Segundo Gabriel Cordeiro, de 17 anos, estudante de jornalismo e corintiano, a importância do ato do comentarista está em inspirar outros jogadores e pessoas a também conseguirem se abrir sobre si mesmas e mostrar para o torcedor que o esporte é para todos e que outros jogadores possam se sentir a vontade de se abrirem neste meio machista. Giulia Cicirelli, também de 17 anos estudante de jornalismo e torcedora do Palmeiras, comentou que acredita que “o meio do esporte é um ambiente hostil para atletas que possuem opiniões, características ou posicionamentos que são considerados fora dos "padrões tradicionais”. Para ela, o medo e a insegurança do que pode acontecer após se assumirem cria um paralelo com a ideia de Casagrande sobre os atletas não querem se colocar como vidraças, visto que o ambiente fora do campo, tanto dentro do time como a torcida fazem os jogadores se retraíram e não se abrirem sobre o assunto.
Apesar do padrão conservador, homofóbico, machista e racista no cenário do futebol brasileiro apresentado por Walter Casagrande, tanto Cordeiro como Cicirelli acreditam que a representação de figuras do esporte na comunidade LGBTQIA+ são de extrema importância para quebrar os preconceitos e avançar a luta pelos direitos desses grupos, pois sem essa representação tanto os jogadores quanto os torcedores são prejudicados, os primeiros por não poderem ser verdadeiros consigo mesmo, por medo de se prejudicarem e aos torcedores destas comunidades, que sentem que não pertencem aquele espaço e acabam cedendo para quem mantem essa estrutura conservadora dentro do esporte.
A inclusão de personagens LGBTQIA+ nos desenhos animados é cada vez mais presente nas telas. Animações como She-Ra e as Princesas do Poder e Steven Universe fazem questão de abordar a situação de escolha de gênero com naturalidade e respeito, possibilitando que jovens se identifiquem com situações não heteronormativas. No primeiro exemplo, a Netflix, produtora do desenho, fez questão de modernizar na animação, roteiro, e, principalmente, na inclusão de personagens LGBTQIA+, incluindo a She-Ra, protagonizando um romance com a vilã do desenho.
Além disso, a animação da Netflix é um reboot do desenho dos anos 80, em que She-Ra é a irmã gêmea de He-Man, e foi feita para ampliar o universo dos brinquedos da Mattel para as meninas.
Por ser de fácil acesso e ter um visual atrativo, comparado aos desenhos da atualidade, o seriado teve altos índices de audiência, além de boas notas em sites de reviews, como a de Camila Sousa, do site Omelete, em que avaliou She-Ra e as Princesas do Poder como uma “uma encantadora história de amadurecimento, cheia de lições importantes e que combina muito bem com as novas gerações.” Com isso, jovens conseguiram se identificar com a representatividade racial, além da questão de gênero, caso de Mell Mengui (18), estudante de Relações Internacionais na FURG.
Mengui comenta a importância do seriado para a escolha de gênero: “She-Ra para mim foi o primeiro desenho que eu assisti que eu realmente me vi representada em questão de sexualidade nos personagens, o desenho trata com a naturalidade que o assunto deve ser tratado, e não como um tabu”. Além disso, a universitária reafirma a necessidade do tratamento do assunto, “São personagens assim que colaboram para a criação de outros e assim vai ganhando mais espaço nas telas e ajuda que as próximas gerações não sejam tomadas por um preconceito que muitas pessoas se sintam representadas ao ponto de verem que sua sexualidade ou gênero não é algo errado”
Porém, a abordagem nem sempre foi a mais adequada para a situação. Alguns desenhos estereotipavam os personagens de maneira que, sua única característica fosse sua sexualidade e nada mais, além de usar roupas completamente diferentes e ter uma voz na maioria das vezes engraçada e chamativa de maneira negativa, além de não terem relevância o suficiente e serem tratados como o alívio cômico da animação, esse tipo de "representatividade" na verdade apenas desfavorecia e prejudicava aquilo que deveria ser a verdadeira mensagem, felizmente, é algo que não acontece mais hoje em dia ou pelo menos acontece com baixa frequência.
É curioso perceber a reação de algumas pessoas e usuários na internet em relação a representatividade LGBTQIA+ em desenhos e filmes animados. Apesar de ser algo que ajuda e influência as crianças e adolescentes de maneira positiva, muitas pessoas repudiam as cenas e personagens que fazem parte da comunidade. Além do mais, qualquer demonstração de inclusão por parte de Hollywood é repudiada por aqueles que preferem o mais próximo à definição estereotipada do que é certo e moral. Como o filho de Clark Kent, o Superman, ser bissexual, um alarme na comunidade que se diz fã da empresa. Contudo, o cenário vem permitindo cada vez menos esses discursos, e abraçando a presença de todos, com cada vez menos intolerância e mais respeito.