Segundo a ONU em 60% dos casos os crimes são cometidos por parceiros ou membros da família
por
Leticia Alcântara
Sophia Razel
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02/12/2024 - 12h
Escadaria com cruz e flores representando luto
Escadaria marcada por cruzes e girassóis simboliza luto pela morte de mulheres Imagem: Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Na segunda-feira, 25 de novembro, Dia Internacional Pela Eliminação Da Violência contra as Mulheres,  a Organização das Nações Unidas (ONU)   divulgou os dados de mapeamento de assassinatos de meninas e mulheres ao redor do mundo em 2023. Ao todo, 85 mil mulheres foram assassinadas  no ano passado, o equivalente a 140 vítimas por dia e uma a cada dez minutos, dessas, 64% foram assassinadas em ambiente doméstico por seus próprios parceiros.

 

Gráfico mostra proporção de vitimas mulheres vs homens
O gráfico “Proporção de vítimas de homicídio masculino e feminino mortas por parceiros íntimos ou outros familiares (2023)” compara a porcentagem de homicídios cometidos por parceiros íntimos ou familiares, diferenciando entre homens e mulheres. Ele mostra que apenas  11,8% dos homens assassinados foram mortos por parceiros íntimos ou familiares, enquanto a porcentagem de mulheres é de 60,2%.Fonte: UNODC Homicide Dataset (2023).

 

Segundo o relatório, o continente africano registrou a maior incidência de casos de feminicídio, seguido pelas Américas e pela Oceânia. O feminicídio é o assassinato de mulheres motivado por razões de gênero, ou seja, quando a violência ocorre pelo simples fato de a vítima ser mulher.

 

Feminicidios por região
O gráfico “Taxa estimada de feminicídios por parceiros íntimos ou familiares por 100.000 mulheres, por região (2023)” revela as taxas regionais de feminicídios por parceiros íntimos ou familiares em 2023, destacando a África com a maior taxa, seguida pelas Américas e Oceania, enquanto Europa e Ásia têm os índices mais baixos. Fonte: Estimativas da UNODC com base no UNODC Homicide Dataset (2023).

 

Brasil registra recorde de feminicídios 

O cenário brasileiro é igualmente preocupante. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, durante o ano passado, o país bateu recorde de casos de feminicídio, ocorrendo um caso a cada 6 horas, totalizando 1.463 registros. O Conselho Nacional de Justiça brasileiro iniciou, no dia 20 de novembro, os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, campanha que visa debater as questões de violência de gênero no país.

Na ocasião da divulgação do relatório, foi destacado que os números não refletem fielmente o cenário e que a pandemia de COVID-19 reduziu pela metade a quantidade de países que coletam ou divulgam informações sobre mulheres vítimas de violência por parceiros.

Ainda segundo a ONU, os números coletados são alarmantes, evidenciam a gravidade da violência de gênero e a necessidade de ações para enfrentamento do problema, que é global.

Confira o relatório completo AQUI.

 

 

O então piloto de F1 disse a ela que em seu país não se tinha mulheres nessa função e a presenteou com seu próprio boné
por
Vinícus Evangelista
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20/11/2024 - 12h

O GP de Interlagos de 2005 teve em sua equipe de bombeiros civis Patrícia Alves Cardoso, uma das primeiras mulheres nesse ofício no estado de São Paulo. O fato chamou a atenção do alemão Michael Schumacher que fez questão de conversar com a brasileira e, admirado, afirmou que a função de bombeiro em seu país, à época, não era exercida por pessoas do gênero feminino. Ele ainda a presenteou com seu boné oficial, que tem nele chip contendo as informações de Schumacher naquela corrida. “Me ofereceram muitos dólares e eu não aceitei, fora de cogitação. Tenho até hoje, ele (o boné) tem um apego sentimental muito grande”, afirma Patrícia.

 

Foto 1
Patrícia e Cristina, as duas únicas mulheres que trabalharam na equipe de bombeiros do GP, são citadas no “jornal da tarde”, em 22 de setembro de 2005. Foto: arquivo pessoal 

Após alguns anos, foi a vez de Martinho da Vila conhece-la e se ver admirado pela postura da bombeira, que solicitou ao cantor que apagasse seu cigarro devido ao risco de incêndio. Martinho teria dito que em 64 anos de carreira, ninguém nunca tinha feito ele apagar um cigarro e que só fez porque Patrícia tinha “um jeitinho muito maneiro de pedir”.  

“Bati na porta e disse ‘oi, tudo bem com o senhor?’ e ele com um cigarrão na mão, ‘está vendo esse negócio aí em cima? Se chama detector de fumaça, o senhor não pode fumar aqui. Se quiser um outro lugar em que o público não veja o senhor fumar eu arrumo sem problema algum’”, ela conta. “Ele não me respondeu nada, só virou as costas, foi até o banheiro, apagou o cigarro, mostrou o cigarro apagado e jogou fora”, relembra. 

Apesar do reconhecimento de celebridades, Patrícia enfatiza as dificuldades que teve, principalmente no começo de carreira, em que pouco existiam mulheres no ramo. “Comecei há 23 anos, não tinha bombeiro civil feminino em São Paulo, logo quando eu entrei, nos meses seguintes começaram a chegar mulheres que não aguentaram o peso da profissão”, explica. “Hoje é um pouco mais fácil, mas antigamente tinha muita discriminação de você chegar no local de ocorrência e a pessoa falava: ‘você pode chamar seu superior?’, sempre viam você como um sexo frágil”, afirma. 

Ela revela que seu sonho de consumo não era ser bombeira, mas sim, parteira, “não obstetra – parteira!”, como faz questão de enfatizar. O desejo não teria tido nenhuma motivação específica, sendo essa uma paixão do qual se identificava desde pequena, e que a vida a fez realizar de outra forma, sendo ela a responsável pelo parto de sua irmã. “Eu fui até o hospital, já era bombeira, mas não tinha feito parto.

Foram 36 horas, e na hora que o bebê foi nascer ela travou as pernas. Tinha duas enfermeiras bem menores do que eu”, conta. “Não conseguiam destravar as pernas dela e a cabeça dele (do filho) estava sendo espremida. Eu consegui debruçá-la para que o processo de parto fosse feito. A médica falou que foi ali que eu salvei mais uma vida, que foi a do meu sobrinho”, explica. 

Mesmo que o sonho de realizar partos tenha se transformado na realidade de apagar incêndios, é possível dizer que o codinome salva-vidas sempre esteve no DNA de Patrícia que, com apenas 16 anos de idade, socorreu por três vezes um garoto de apenas quatro anos, que morava na casa ao lado. A primeira vez foi quando seu vizinho caiu no topo do telhado da casa em que ela morava. A adolescente prestou os cuidados, porém, ao retirar o menino do telhando, ele teve uma convulsão seguida de parada cardiorrespiratória. “Posso dizer que foi Deus que me ensinou a como fazer massagem cardíaca”, comenta. 

“Alguns meses depois esse moleque estava sentado no meio da rua e um caminhão sem freio desceu a rua da minha casa. Não pensei nas consequências, simplesmente atravessei e joguei ele para o outro lado”, relata Patrícia, sobre o segundo salvamento à mesma criança. No terceiro episódio, ela conta que o mesmo menino estava convulsionando em casa, até que a mãe dele, já sabendo do histórico de salvamentos por parte da vizinha, bateu a sua porta desesperada e conseguiu novamente com que a futura bombeira salvasse seu filho.  

Patrícia diz que a principal inspiração para seguir no ofício que exerce partiu de seu falecido marido, que era bombeiro. Segundo ela, a morte do esposo a motivou em fazer o curso da profissão. Essa, porém, não foi a primeira relação afetiva dela. A bombeira conta que passou por uma relação abusiva em seu primeiro casamento, em que teve um filho, passando por agressões e ofensas pelo fato de ser mulher.  

“Casei com uma pessoa de um jeito e ao longo dos meses ele foi se tornando quem ele é, um cara machista ao último, de bater na minha cara na frente dos outros, de gritar comigo como eu não tinha direito a voz”, revela. Ela conta que durante essa relação ela era proibida de trabalhar ou ter amizades, e fugiu de casa com o filho após seguidos episódios. “Ali foi meu grito de guerra, quando eu decidi que eu não queria mais aquilo. Eu preferia morar num barraco de madeira que não tinha piso do que estar ali”, afirma. 

A maior dificuldade da carreira para uma mulher na função de bombeiro, segundo ela, foi lidar com o ambiente masculino em sua volta, passando por dificuldades estruturais que transmitem a mensagem de “você tem que se virar, a mulher que se vire”, como ela diz, ao explicar que já trabalhou em lugares sem local para se trocar ou um banheiro próprio para mulheres. 

“Você está no alojamento e os bombeiros olham para você perguntando ‘vai se trocar onde? Não tem lugar para você’, parece ser simples, mas não é, isso magoa, ver todos guardando suas roupas e você não ter esse direito mínimo”. Patrícia ainda afirma ter sido assediada moralmente e perseguida durante sete anos em um local em que trabalhou, tendo entrado com fama de “amante do gerente” por parte de outros funcionários que colocavam sua capacidade em xeque diante do fato de ser uma mulher exercendo aquela profissão.

“Acontecia de eu estar na minha sala fazendo o serviço e vir um segurança bem devagarzinho para ver se eu estava com um homem lá dentro”, relata. Segundo seu depoimento, acontecia de pessoas colocarem falsas evidências em seu carro para apontarem ela como amante de outro homem que teria lhe cedido o emprego. Nesse mesmo serviço, ela relembra de alguns outros episódios em que duvidaram de sua capacidade profissional em detrimento de gênero. Em um desses, ela teria alertado o chefe de manutenção do estabelecimento sobre uma árvore que estava prestes a cair, dizendo que era melhor arrancá-la antes que caísse e machucasse alguém.

“Eu escutei a seguinte frase: ‘Patrícia, eu vou pedir para um homem ir lá e ver o serviço, se ele falar que vai cair, daí a gente arranca’, não deu tempo de eu chegar na minha sala e a árvore caiu, graças a Deus não pegou ninguém”, comenta. “Ele podia dizer que ia pedir a um outro funcionário, que era um jeito dele não me ofender, mas enfatizava a palavra homem”, reitera. “Hoje eu não tolero muita coisa que eu tolerava, se uma pessoa falar para mim que vai pedir a opinião de um homem eu levo para a delegacia”, afirma. 

Por fim, ela comenta sobre o movimento feminista no país, elucidando que "tem que ser mais objetivo e sem se perder”, relatando que viu vários movimentos feministas perdendo o foco de sua pauta principal. “Se você se propôs por uma causa, vá até o fim, não importa quantos nãos vão te falar, mas vá em frente! O feminismo não é só para mulher”, opina. 

Em 2023, nenhuma outra violência contra a mulher cresceu como a psicológica. Entre as atitudes que enfraquecem a saúde mental feminina está o stalking, comportamento abusivo 34,5% mais incidente no último ano
por
Bianca Abreu
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12/11/2024 - 12h

Por Bianca Abreu

 

Reta final do segundo semestre de 2024, sexta-feira, nove e meia da noite. Data e horário propícios para os estudantes de Jornalismo se encontrarem para curtir o final de mais uma semana rumo às férias. Após sair da aula na unidade Monte Alegre da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um grupo desce as escadas da saída da universidade que desemboca na rua Ministro Godói. Ali se concentram os bares onde os Puquianos costumam confraternizar - e foi na frente de um deles em que esses universitários pararam e se reuniram.

Alguns bebem, outros comem e todos conversam. Trabalhos finais, estágio (a rotina ou a falta dele), futebol e família são alguns dos assuntos. Conversa vai, conversa vem, em dado momento, entre esse grupo majoritariamente feminino, o papo afunilou em torno da perseguição masculina. Em todas as histórias naquela noite, os algozes eram estudantes do sexo masculino - em alguns momentos, reincidentes, com mais de um relato que os envolvia. O assunto surgiu porque um deles passou próximo delas fazendo menção de se aproximar, fato que as deixaram apreensivas. Elas desviaram seus olhares e viraram o corpo, como que criando um escudo contra a aproximação que foi parcialmente repelida, visto que se aproximaram por instantes mas acabaram se afastando em seguida, indo ao encontro de outras colegas que estavam por ali.

Quando um dos algozes se afastou, Marcela, a primeira estudante a compartilhar a situação que ocorreu consigo, contou que chegou a receber chamadas de vídeo durante a madrugada, via WhatsApp, em que dois estudantes insistiam em falar com ela. Foram recusados e, em dado momento, cessaram as tentativas. Na relação entre ela e a dupla que estava do outro lado da linha nunca houve afinidade, sua intenção era apenas nutrir uma boa convivência. O que, para a estudante, não justificava receber uma ligação deles altas horas da madrugada. Ainda mais por considerar que, provavelmente, eles estariam alcoolizados naquele momento, já que se tratava de um final de semana. Outro fator que a fez, de primeira, desconsiderar atender a ligação foi o fato de que o comportamento de ambos, nos momentos de interação ainda no ambiente acadêmico, a deixava desconfortável - são intrusivos e se aproximam corporalmente de maneira exagerada, sem respeitar seu espaço pessoal e tampouco o afastamento que ela própria provoca em resposta a essas atitudes.

Mas as investidas não pararam nas ligações. Marcela evita ocupar o mesmo espaço que qualquer um dos dois estudantes e, por isso, quando coincide de sair da universidade no mesmo horário que eles, ela retarda sua chegada ao ponto de ônibus para que haja tempo hábil deles terem ido embora. Assim não precisa se preocupar em passar por situações desconfortáveis mais uma vez, principalmente se estiver sozinha. Só que agora, em vez do celular, o caminho para casa se tornou o ambiente em que ela seria novamente abordada. Um dos indivíduos da dupla passou a esperar por ela no ponto de ônibus à noite. Esse comportamento foi percebido pelo fato de que ele a viu saindo ao mesmo tempo que ele, vários coletivos subiram a Rua Cardoso de Almeida e, quando ela chegou para aguardar o transporte, ele ainda estava lá, e fez questão de se juntar a ela durante o caminho, mesmo que Marcela tenha demonstrado desinteresse pela sua companhia. Na estação de Metrô, parada em comum, ela se despediu e desviou seu caminho, a fim de aguardar que ele entrasse na próxima locomotiva para, em seguida, ir sozinha na seguinte, evitando a situação indesejada. Para sua surpresa, quando olhou para a plataforma antes de descer as escadas, ele continuava lá. Outros vagões passaram por aqueles trilhos e ele lá permanecia - aliás, permaneciam, pois Marcela também não se moveu. Após longos minutos naquela situação, ele finalmente embarcou e ela pôde, já tarde da noite, enfim seguir o caminho para casa. Enquanto ela contava o que aconteceu, sua amiga Fernanda confirmava tudo, acenando com a cabeça. Elas estavam juntas quando, uma vez mais, isso aconteceu. Exatamente nos mesmos moldes, com a única diferença de que, desta vez, elas estavam juntas. Fernanda também foi contatada pela amiga quando as ligações na madrugada aconteceram. Com os acontecimentos, a presença de qualquer um dos dois indivíduos causa mal-estar emocional a Marcela.

A perseguição pessoal e virtualmente vivida pela estudante é tipificada pelo Código Penal (CP) brasileiro como stalking. O artigo 147-A explica que essa é a atitude de “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade” - foram 77.083 casos apontados em 2023, representando um crescimento de 34,5% em relação ao ano anterior, de acordo com dados do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. O documento também expôs que o Brasil registrou aumento de todas as modalidades de violência contra mulheres no ano passado. Mas a que mais cresceu foi a psicológica - onde enquadra-se o stalking. Foram 38.507 registros, 33,8% a mais que em 2022. Por meio do artigo 147-B, o CP define a violência psicológica contra a mulher a atitude de “Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”. E não é só Marcela, entre o grupo ali reunido, quem está passando pelo desconforto de ser pressionada a tolerar uma presença masculina indesejada. Assim que ela terminou de contar sua história, outra de suas colegas compartilhou que também não vinha se agradando da insistência por atenção que um desses mesmos estudantes cobrava por parte dela.

Com frequência, os mesmos grupos de universitários se reúnem em frente à PUC-SP e curtem a sexta-feira à noite. Todas as vezes que Joana está lá com seus amigos, com quem tem real afinidade, um dos estudantes presente no relato de Marcela se achega junto ao grupo e busca forçar sua inclusão - principalmente, junto à Joana. Ela, assim como a colega, convive com o outro estudante, mas não alimenta nenhuma relação afetuosa que justifique a busca pela proximidade em momentos de descontração fora do ambiente acadêmico. Quando eles se movem e trocam de lugar, ele os segue. Mesmo quando se despedem, ele novamente se aproxima. Certa vez, quando ela estava entrando em um carro por aplicativo para ir para outro lugar com outro grupo de amigos, ele insistiu por longos minutos para ir junto, mesmo não tendo sido convidado - pelo contrário, Joana falou para ele, com todas as letras, que nem ela, nem o restante do grupo, levariam ele junto pois sua presença, por unanimidade, não era desejada junto aquelas pessoas. Ela entrou no carro, fechou a porta e foi embora, deixando-o falando sozinho, pois ele ainda insistia. Quando é confrontado por seu comportamento, ele coloca no álcool a culpa por suas atitudes, mas seu comportamento intrusivo também se manifesta em dias e ambientes onde ninguém está bebendo - como foi com Marcela. E assim como ela, a preocupação e o desconforto se tornaram sentimentos constantes, mesmo em momentos em que o relaxamento deveria ser a lei.

Colocar a culpa de comportamentos abusivos em fatores externos, como a ingestão do álcool, em algum acontecimento pontual ou questionar a reação da vítima ao ser importunada são atitudes comuns entre os homens que praticam essas ações. Sem autocrítica, eles perpetuam a reprodução de comportamentos nocivos que respingam em todo o cotidiano da mulher afetada, pois introduz a aflição, a ansiedade, a angústia, a insegurança e os demais sentimentos de preocupação que possam vir nesse combo. Não sendo respeitada, a mulher se vê na posição de tentar evitar, a todo custo, passar por situações onde seu espaço pessoal seja invadido, seu corpo seja tocado ou sua mente, perturbada. E isso acarreta mudanças no trajeto, no comportamento, nas companhias e em todos os demais detalhes que dizem respeito às suas escolhas individuais - ou seja, opta por tolher sua própria liberdade em nome de resguardar sua integridade física e mental. 

A inquietação diante do desrespeito é um sentimento coletivo entre as mulheres no Brasil. Uma pesquisa nacional realizada em 2023 pelo instituto DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), mostra que 46% das brasileiras acreditam que as mulheres não são respeitadas no Brasil. Em São Paulo, 48% das cidadãs paulistas consideram que as mulheres não são tratadas com respeito no país e 59% delas reforçam que a formação social brasileira é muito machista.

Em uma de suas aulas na universidade, Fabio Fernandes destacou a seus alunos do sexo masculino a importância de que eles, enquanto homens, façam uma leitura séria e comprometida de suas atitudes. Pois a masculinidade é formada a partir de elementos que estão intrínseco ao cotidiano masculino, o que lapida e direciona muitas de suas ações, pensamentos e atitudes. Sem isso, eles estão fadados a reproduzir comportamentos abusivos e nocivos contra as mulheres que encontram no caminho. As histórias contadas por Marcela, Joana e Fernanda reforçam que, enquanto as bases do patriarcado não são atacadas, o gênero masculino encontra caminhos abertos para, despretensiosamente, importunar, assediar, incomodar e atrapalhar o cotidiano das pessoas do sexo feminino em nome das suas vontades - como historicamente sempre fizeram.
 

Manifestação na Avenida Paulista contra o PL da gravidez infantil reúne cerca de 1.100 pessoas
por
Helena Maluf
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17/06/2024 - 12h

A Avenida Paulista foi palco, neste último sábado, 15, de uma das manifestações contra o Projeto de Lei (PL) da Gravidez Infantil. O protesto teve como objetivo principal denunciar os riscos e as implicações negativas do PL para a saúde e os direitos de mulheres, crianças e adolescentes no Brasil.

A concentração, organizada por entidades feministas, começou por volta das 15h, no vão livre do MASP. Participantes de todas as idades se reuniram, empunhando cartazes e gritando palavras de ordem como "Criança não é mãe!Estuprador não é pai". Simone Nascimento, CoDeputada estadual da bancada feminista do PSOL, e uma das líderes do movimento e ativista pelos direitos das mulheres, discursou para a multidão: "Nós estamos aqui para dizer, que contra a bancada do estupro, eles tem as feministas na rua! E nós mulheres, principalmente mulheres negras, estamos cansadas de estupros, de violência, é por isso que estamos protestando".

manifestação
A concentração se estendeu ao longo da avenida mais famosa de São Paulo. Foto: Helena Maluf
fumaça
Manifestantes soltam fumaça nas cores que representam a luta pelos direitos reprodutivos. Roxo, tom do movimento feminista, e verde, tom da luta pela legalização do aborto. Foto: Helena Maluf

No Brasil, as mulheres negras são as mais vulneráveis ao aborto devido a uma combinação de fatores sociais, econômicos e raciais que exacerbam suas condições de vida. Para cada 10 mulheres brancas que fizerem aborto, haverá 15 mulheres negras, aproximadamente, de acordo com um estudo realizado por universidades da América Latina e publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva. 

A desigualdade racial no acesso a serviços de saúde de qualidade, somada à precariedade econômica e à discriminação institucional, resulta em um maior risco para essas mulheres. Elas frequentemente enfrentam dificuldades para obter informações e métodos contraceptivos, além de sofrerem violência obstétrica e terem acesso limitado a abortos seguros e legais. Esses obstáculos levam muitas mulheres negras a recorrerem a abortos clandestinos e inseguros, colocando suas vidas em perigo e perpetuando um ciclo de vulnerabilidade e marginalização.

cartaz
Manifestante levantando cartaz escrito “Criança não é mãe!”. Foto: Helena Maluf
cartaz
O grito "Criança não é mãe. Estuprador não é pai" foi entoado pelos manifestantes ao longo de toda a mobilização contra a PL. Foto: Helena Maluf

A mobilização é considerada uma das maiores nos últimos meses na capital paulista e reflete a crescente insatisfação popular com medidas que restringem os direitos reprodutivos. O ato contou com o apoio de várias organizações não-governamentais, entidades de direitos humanos e movimentos feministas. Entre os presentes, destacaram-se representantes da Minha Sampa, Bancada feminista do PSOL, Juntas SP, Rede Feminista de Saúde, Campanha Nem Presa Nem Morta, Frente contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, Anis - Instituto de Bioética, Marcha Mundial de Mulheres e Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep).

Beatriz Almeida, de 26 anos,participou do protesto e afirmou "estou aqui hoje porque não consigo nem imaginar a dor, e o desespero das minhas amigas, e de todas as mulheres que estão prestes a se tornarem, ou já são mães passando por isso. A decisão sobre o nosso corpo deve ser nossa". Já Thais Oliv, mãe de uma menina de 10 anos, destacou a importância de informar e educar: "precisamos de mais educação sexual nas escolas, não de leis que punam nossas meninas".

criança
Dados do Ministério da Saúde indicam que, em 2020, mais de 400 mil gestantes brasileiras possuíam entre 10 e 14 anos. Foto: Helena Maluf

 

cartaz
Militantes também pediram a saída do presidente da Câmara do Congresso. Foto: Helena Maluf

 

Direito ao aborto legal, igualdade de gênero e o fim da guerra em Gaza são algumas das reivindicações.
por
Marcela Rocha
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12/03/2024 - 12h

Nessa sexta-feira, dia 08 de março, centenas de manifestantes estiveram presentes na Avenida Paulista para protestar durante o Dia Internacional da Mulher. A pista sentido Consolação foi tomada por mulheres e apoiadores da causa, segurando cartazes e realizando cantos que reforçam a necessidade da luta da mulher e o reconhecimento de seus direitos.

O protesto teve início às 17h em frente ao MASP, e a diversidade de pessoas presentes chamou a atenção: cidadãos comuns não organizados politicamente se juntavam aos militantes de movimentos sociais de gênero, raça e de luta por moradia. Organizações ligadas à juventude e à defesa de uma educação de qualidade também compunham o ato para além de parlamentares de diferentes partidos políticos.

Entre as bandeiras, um novo chamado aparece, pelo cessar-fogo em Gaza e em apoio às mulheres palestinas. Ao final da tarde ouvia-se cantos como: “mulheres livres, do Brasil à Palestina. Não vai ter morte, vai ter luta!”

 

Legalização do aborto

A ação interseccional dos movimentos sociais presentes foi destaque, desde carcerários femininos, sindicais, pastorais e de estudantes. Isabela Reis, universitária de Relações Internacionais pela PUC-SP, atua no coletivo Juntas!:

“Somos um coletivo feminista antirracista de corrente marxista, fundado por mulheres, como a deputada Sâmia Bomfim. Atuamos pela legalização do aborto, uma luta internacional e que aqui no Brasil vem sendo muito atacada, principalmente no Estado de São Paulo, por conta do Hospital Cachoeirinha. A gente sabe que a luta pela libertação das mulheres inclui a libertação das mulheres palestinas e da população palestina, que sofre com os ataques em Gaza.”

O Hospital Vila Nova Cachoeirinha citado por Isabela, é referência em aborto legal em São Paulo em casos em que a motivação da gestação ocorre por crimes de violência sexual, quando há o diagnóstico de anencefalia (isto é, quando o cérebro do feto é subdesenvolvido), ou quando há risco à vida da mulher.

No ano de 2023 a prefeitura determinou que o atendimento no local para abortos legais fosse suspenso, alegando necessidade de aumentar a capacidade para outros tipos de cirurgias. O hospital era o único a oferecer os serviços de aborto legal após 22 semanas de gestação. Desde então, os serviços correm risco de serem descontinuados.

 

Mulheres em situação de cárcere

A coordenadora da Pastoral Carcerária, Rosilda Ribeiro, explica que a dificuldade das mulheres no sistema prisional ocorre principalmente por motivação de gênero, e que o movimento Pastoral acolhe também mulheres transexuais: “Para provar que está menstruada, por exemplo, o sangue tem que escorrer entre as pernas. As mulheres trans sofrem discriminação. Elas são privadas de sorrir, de cantar, de abraçar… é muito triste. A maior dor delas é a saudade. Então a gente pede isso, que elas sejam livres. Lutamos pelo desencarceramento das mulheres.”

Mulher segurando cartaz contra o sistema carcerário feminino
Rosilda Ribeiro, representante da Pastoral Carcerária de mulheres. Foto: Marcela Rocha.

A manifestação contou ainda com faixas contra a privatização da Sabesp, além do envolvimento de civis não organizados, como o caso de Samuel Santos, de 47 anos, que trabalha em um prédio comercial da Avenida Paulista e que viu a movimentação ainda de dentro da torre: “Vi tudo lá de cima (do prédio) e aí desci. É bom porque está bem pacífico. A Paulista é o centro da diversidade, né, então tudo acontece aqui! Eu acho legal.”

Mulheres manifestantes com faixas contra a privatização de serviços de saneamento
Mulheres seguram faixa contra a privatização dos serviços de saneamento. Foto: Marcela Rocha.

 

A presença de parlamentares em ano eleitoral

A causa das mulheres está presente no planejamento de mandato de muitas vereadoras e deputadas. Gleisi Hoffmann, atual presidente nacional do Partido dos Trabalhadores, discursou de cima do carro de som pedindo pelo fim dos massacres em Gaza e em defesa da democracia. No caso de Juliana Cardoso, deputada federal também pelo PT, a parlamentar caminhou entre a população e tirou fotos com manifestantes. Em suas falas, Juliana saudou a conquista de direitos das mulheres e denunciou o aumento do número de casos de feminicídio no Brasil e os acontecimento na faixa de Gaza: “somos contra tudo o que tem acontecido contra o povo palestino.”

A deputada federal Sâmia Bomfim também esteve entre a população civil. Sâmia foi a parlamentar de esquerda com maior número de votos no ano de 2022, com leis nas áreas de direito reprodutivo, doméstico e de trabalho e cuidado. Apresentou coautoria no projeto que institui a Política Nacional de Promoção do Parto Humanizado, Digno e Respeitoso (PL 516/2022) e a Lei 14.245/21, baseada no caso Mari Ferrer, que visa o combate à revitimização de mulheres por parte do poder judiciário em crimes de caráter sexual, zelando assim pela integridade física e psicológica da vítima. Sâmia também sugeriu a lei que institui a igualdade salarial entre homens e mulheres no Brasil (PL 111/2023).

Ediane Maria, deputada estadual por São Paulo, fez aparição no ato. Ediane iniciou sua vida política por ser uma mulher preta, periférica e empregada doméstica. A desigualdade racial e de gênero faz parte de sua realidade, e hoje eleita, participa da Comissão de Defesa e dos Direitos das Mulheres na Assembleia Legislativa do Estado, além de continuar atuando no Raiz da Liberdade e no Mulheres em Movimento, coletivos do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O comparecimento de parlamentares de diferentes partidos políticos, em pleno ano de eleição municipal, explica parte das motivações para além das próprias vivências, aproveitando o momento para angariar apoiadores para a campanha de seus pares e colaborar com as propostas de seus próprios mandatos.

Militantes seguram bandeira com frases a favor da legalização do aborto
Militantes seguram bandeira a favor de direitos. Foto: Marcela Rocha.

 

Incômodo

Conflitos internos foram relatados. Um grupo de pessoas que estavam próximas ao carro de som, entre o MASP e a grade da via de ciclistas, relata ter sentido efeitos de gás lacrimogêneo. Enquanto os manifestantes se dispersaram para fugir da inalação do gás, os policiais presentes não se moveram.

Bianca Abreu, de 25 anos, estava no ato para fotografar para um trabalho da faculdade, quando começou a tossir: “Onde há policiamento a truculência pode acontecer, não fiquei surpresa com isso. O que me surpreendeu foi não ter uma justificativa para isso, para a inalação do gás, porque não teve um princípio de confusão, nenhum tipo de situação que pudesse justificar. Foi uma maneira deles causarem incômodo.”

Desfecho

Durante todo o ato, dezenas de viaturas da Polícia Militar fecharam os três quarteirões entre a Alameda Campinas, na esquina do Shopping Cidade, e a Rua Itapeva, até a esquina do MASP. Já a pé, na via de ciclistas, uma corrente de policiais era perceptível.

Policiais militares enfileirados
Policiais Militares na vida de ciclistas. Foto: Marcela Rocha.

Às 18h uma forte chuva atingiu os manifestantes que continuaram com o ato entre cantos, batuques de instrumentos e carros de som, caminhando com as bandeiras até a Praça Roosevelt.

A concentração de pessoas provocou a interrupção da passagem de veículos e o desvio de trajetos das linhas de ônibus da Av. Paulista, Rua Augusta e Consolação, normalizando o trânsito por volta de 21h.

 

AGEMT EXPLICA: Nem romântico, nem comercial, o Dia das Mulheres é político.
por
Barbara Ferreira
Maria Ferreira dos Santos
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09/03/2023 - 12h

O Dia das Mulheres é celebrado por mais de 100 países. Mas qual a origem desse dia tão importante? E quando foi que surgiu?

O século XX foi marcado por grandes mudanças, muitas delas, inclusive, aconteceram por meio de greves e manifestações. Um exemplo disso foi a luta das mulheres por melhores condições de vida (principalmente de trabalho) no período da Revolução Industrial e da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Diversos acontecimentos foram não só essenciais para a determinação da data, como para luta feminista. Vale ressaltar que as mulheres estavam se organizando politicamente em diversos lugares do globo. E, por isso, é difícil atribuir o 08 de março em si a um único acontecimento. 

É comum a data ser atribuída ao incêndio numa fábrica têxtil em Nova York, EUA, em 1911. O episódio em questão aconteceu no dia 25 de março, e escancarou as horríveis condições de trabalho às quais os trabalhadores eram submetidos. Sendo que anos antes as trabalhadoras da fábrica já haviam feito graves, o que, é claro, foi recusado pela empresa. O que resultou depois na morte de 146 trabalhadores, 125 destes eram mulheres.

Incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em 1911, Nova York. Foto: Reprodução
Incêndio na fábrica Triangle Shirtwaist, em 1911, Nova York. Foto: Reprodução

Já na Alemanha, foi Clara Zetkin, membro do Partido Comunista Alemão e defensora dos direitos das mulheres no contexto trabalhista, que deu início à proposta de criar o Dia Internacional das Mulheres. Mas ainda não havia uma data definida.

O 8 de março só se tornaria uma referência em 1917, quando operárias russas foram às ruas para protestar contra a fome e a Primeira Guerra Mundial. Em plena Revolução Industrial, tais movimentações são consideradas determinantes para o início da Revolução Russa (1917 -1923).

A data só foi reconhecida pela ONU em 1975, que considerou este ano como o Ano Internacional das Mulheres. Hoje, a data não se atenta apenas para a comemoração dos avanços que as mulheres conquistaram ao longo dos anos, mas para a conscientização em relação a desigualdade de gênero e engajamento das novas gerações. 

Manifestação contra a fome, as condições da Primeira Guerra Mundial e o regime czarista. Foto: Reprodução
Manifestação contra a fome, as condições da Primeira Guerra Mundial e o regime czarista. Foto: Reprodução

 

Reconhecer e homenagear mulheres faz parte do processo de luta e resistência desse grupo.
por
Maria Ferreira dos Santos
Giuliana Barrios Zanin
Carolina Rouchou
|
09/03/2023 - 12h

O dia 08 de março para as mulheres é, como todos os outros dias, um dia de luta. Não é uma data comercial tampouco uma data romântica, por isso, presentear uma mulher com flores talvez não seja a melhor opção. O problema não está nas flores, muito pelo contrário. A questão é que infelizmente as flores não resolvem temas como a opressão e o apagamento histórico das mulheres.

Por isso, no dia 08 de março é importante lembrar de mulheres que lutaram contra a opressão e o apagamento. Por isso, como forma de homenagear mulheres inspiradoras e não deixa-lás num lugar de esquecimento, esse texto homenageia sete mulheres jornalistas e suas histórias.

 

Marie Colvin (EUA)

Foto: Dave M. Benett/Getty Images
Foto: Dave M. Benett/Getty Images

Correspondente de relações exteriores do Sunday Times de Londres, conhecida por cobrir locais de conflito principalmente no Oriente Médio, foi assassinada na Síria em 2012 enquanto cobria a guerra na cidade de Homs.

Em 2016 sua família abriu um processo contra o governo Sírio ao saber que esse estava envolvido em seu assassinato. Em 2019 eles ganham o processo e recebem 302 milhões de dólares do governo sírio.

 

Constance Cummings-John (Serra Leoa)

Foto: arquivo
Foto: Arquivo

Em 1936, Constance recebe uma bolsa de estudos nos EUA e vai trabalhar na Cornell University. Lá vivencia a violência racial e os impactos do colonialismo, assim torna a educação sua principal bandeira de luta e depois da Segunda Guerra participa de movimentos pan-africanos e movimentos pela educação feminina.

 

Mona Eltahawy (Egito)

Foto: Salam Plan
Foto: Salam Plan

Jornalista e comentarista egípcio-americana que escreveu sobre os direitos das mulheres no Oriente Médio e Norte da África. Já publicou no The Guardian, the International Herald-Tribune, The Washington Post, U.S. News & World Report and The New York Times. Ela tem sido uma crítica da violência de gênero na região e tem defendido a igualdade de gênero e a libertação das mulheres. Seu livro "Headscarves and Hymens: Why the Middle East Needs a Sexual Revolution" é uma poderosa crítica ao tratamento dado às mulheres na região. 

 

Elisabeth Adekogbe (Nigéria)

Foto: Arquivo
Foto: Arquivo

Inspetora de preços durante o período da II Guerra Mundial,  como professora, diretora de escola e jornalista, se tornou uma das mais importantes ativistas dos direitos das mulheres, fundando em 1952 o movimento conhecido como Women Movement of Nigeria – WMO (Movimento das Mulheres da Nigéria). Dois anos mais tarde, em 1954, Elizabeth Adekogbe  participou da direção do Council of Women’s Societies of Nigerian and the Cameroons (Conselho das Sociedades de Mulheres da Nigéria e dos Camarões), que em 1959 foi  uma das importantes coalizões que atuou durante o período da independência do país.

 

Maria Ressa (Filipinas)

Rappler News / AFP
Foto: Rappler News / AFP

Em 2012, Maria Ressa ajudou a fundar o Rappler, um website jornalístico que começou como uma página no Facebook e que tinha por objetivo lutar pela democracia e liberdade de informação nas Filipinas.E cada a repercussão de seu trabalho, ganhou o Prêmio Nobel da Paz juntamente do seu parceiro russo Dmitry Muratov. Foi incluída na lista Personalidade do Ano 2018 da revista Time como membro de um grupo de jornalistas de todo o mundo que combatem notícias falsas.Ela foi presa por "difamação cibernética" em meio a acusações de vários casos de notícias falsas e sonegação de impostos corporativos em 13 de fevereiro de 2019. Em 15 de junho de 2020, um tribunal de Manila a considerou culpada de ciberlibel. Em 2023, seu processo ainda está em aberto, mas já dissolveu 4 dos 7 processos movidos pelo Governo do País.

Jineth Bedoya Lima (Colômbia)

Foto: Alamy
Foto: Alamy

Jineth Bedoya Lima cobriu o conflito armado da Colômbia assim como o processo de paz e casos de violência sexual a mulheres.

Em 2000, enquanto trabalhava para o Jornal El Espectador, ela foi sequestrada e estuprada. Três anos depois, militantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, sequestraram a repórter que atuava para o jornal El Tiempo.

Glória Maria (Brasil)

Foto: Divulgação / Paulo Belote
Foto: Divulgação / Paulo Belote

Foi a primeira jornalista negra na televisão brasileira, além de ter sido a primeira comunicadora a transmitir uma matéria na televisão com cor. Sua primeira aparição foi nos anos 70, durante o governo Médici e, desde então, viajou ao mundo e vivenciou as diversas culturas de cada país, com a esperança de mostrar aos brasileiros a sua coragem e força. Foi uma figura importante para o jornalismo, para o feminismo, para a representatividade negra.

 

Feministas negras conquistam palcos do Hip Hop, Rap e Trap na cena brasileira
por
José Pedro dos Santos
Ian Valente
Francisco Vecchia
|
02/06/2022 - 12h

O feminismo negro surgiu a partir de mulheres que não se sentiam representadas dentro das pautas do feminismo hegemônico. O movimento feminino existente em meados da década de 1980 era representado majoritariamente por mulheres brancas e de classe média. As populações femininas negras e periféricas se encontravam marginalizadas tanto da sociedade como do movimento das mulheres. Visto que tanto o feminismo hegemônico não pensava nestas mulheres negras, como as próprias pautas do movimento se mostravam insuficientes para a emancipação de mulheres que além de serem oprimidas pelo patriarcado também sofreram racismo. 

O “hip-hop” abraçou de sua maneira este novo feminismo; todavia, como o machismo é onipresente na sociedade, ate mesmo em um movimento negro as mulheres precisaram e precisam lutar parra se fazerem ouvidas.

A cena do rap foi construída com bases masculinas, entretanto mulheres ocupam este espaço para mostrar realidade questões de gênero que não são abordadas pelo patriarcado. O cenário nacional ganhou as primeiras vozes femininas no final da década de 1980, quando surgiu Dina Di, nome artístico de Viviane Lopes Matia, ela afirmava que o homem pode ver, mas não pode sentir o medo que cada mulher sente durante sua vida. Além disso a rapper comentava sobre a forma como os homens definem as mulheres no rap, com palavras que questionam a imagem do sexo feminino, fazendo com que as artistas se sentissem obrigadas a se vestirem com roupas largas ou masculinas.

Nos anos 2000 o Rappers MV Bill se juntou com Kamila CDD, e lançaram a música “estilo vagabundo” que retrata uma discussão de um casal, onde ela não se cala e afronta as ações e argumentos machistas e misóginos masculinos dentro do relacionamento. “tu tá muito confiante, me tratando tipo Amelia. Cansei de ser boba e me vestir tipo uma velha.” 

Alguns anos depois as irmãs gêmeas Tasha e Tracie Okereke surgiam na cena do Hip-Hop nacional com o blog e movimento Expensive shit, que tinha como intenção valorizar a autoestima e autonomia de jovens periféricos e negros pelo conhecimento, moda e cultura. 

Em 2019 a dupla lançou o EP Rouff, em parceria com a cantora Ashira. O trabalho tem 6 músicas compostas por diversos produtores famosos da cena do rap, como Mu540, Devasto, CESRV e Pizzol, além da direção artística do rapper DonCesão e ser lançado pelo selo Ceia Ent.

O trabalho seguinte delas, “Diretoria'', é um EP feito em parceria com Pizzol, onde as cantoras falam sobre conquistas e empoderamento, que se relaciona com toda a trajetória delas como ativistas e cantoras. No portal popline, Tasha e Tracie afirmam que apesar de ser um álbum mais denso, Diretoria foi mais divertido, apesar de tudo o que alguém marginalizado dizer ser politizado, segundo elas o álbum traz uma proposta mais leve do que Rouff.

Ainda na entrevista as duas se dizem se considerar ativistas periféricas, não querendo se limitar dentro de um grupo ou área de atuação, já que seus trabalhos giram em prol da luta das pessoas negras.

O que a sexualização dos corpos femininos diz sobre a sociedade atual e como a indústria lucra com o "empoderamento" das mulheres.
por
Isadora Verardo Taveira
Laura Melo de Carvalho
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29/06/2022 - 12h

Quando falamos sobre o papel da mulher na sociedade, inúmeros padrões e estereótipos vem à mente de maneira automática. Mesmo com os avanços acerca da existência feminina em uma sociedade extremamente patriarcal, o machismo ainda segue atrás de cada passo em direção à emancipação das mulheres, que precisam se reafirmar a cada minuto diante de um país que resiste em renunciar ao conservadorismo. Atualmente, com o sucesso de cantoras do pop e funk brasileiro como “Anitta” e “Luísa Sonza", o debate sobre o tema da sexualização dos corpos femininos veio à tona e divide opiniões nas redes sociais: empoderamento ou objetificação?

A relação de poder com o próprio corpo mudou de acordo com as conquistas femininas, assim como o aumento da representatividade e o crescimento do número de mulheres nos espaços de poder. Em entrevista para o GNT, a cantora e produtora musical Larissa Luz afirma que alcançar o poder financeiro é um passo enorme para a liberdade: "Se para isso a mulher escolhe sensualizar e vender a sua sensualidade, isso não é legítimo? A diferença agora está nesse lugar, elas escolhem” - completa. Entretanto, a linha entre conquistar espaços que nunca foram alcançados por figuras femininas e servir ao patriarcado e a uma indústria que sempre lucrou com mulheres é extremamente tênue. A historiadora e criadora de conteúdo digital Amanda Maia aborda a pauta com ênfase no processo histórico: “Existe um movimento, a terceira onda feminista, que vai dizer justamente que a beleza é um sistema monetário, além de patriarcal. Foi instaurado a questão da mulher padrão, no sentido de as mulheres competirem entre si, em vias de conquistarem os espaços que os homens já tinham adquirido”.

Com a ascensão do capitalismo e a ditadura da beleza, a imagem feminina e o estereótipo do “corpo violão” da mulher brasileira - primeiramente indígena matriz da miscigenação, e depois negras, descendentes das africanas escravizadas - viraram produtos. A colonização do Brasil ressalta a objetificação e erotização do corpo das mulheres brasileiras, e como coloca Amanda, os homens europeus vieram e iniciaram o processo de miscigenação, abusando das mulheres indígenas. E hoje, é documentada a visão que eles tinham sobre o corpo da mulher, com esse arquétipo da brasileira e de sua hipersexualização. A imagem das mulheres com corpos estruturais, garota de Ipanema do corpo dourado, ou Anitta e Luísa são alguns dos exemplos que a mídia machista transformou em produtos, como posiciona Amanda, “Eu acho que é uma questão de como o capitalismo afeta a mulher em si, eu vendo pro público masculino uma ideia erótica e para as mulheres uma ideia de meta a ser atingida porque cria um padrão inalcançável”.

Diferente do inalcançável, na cena do funk e pop nacional surge com a tomada dos lugares predominantemente masculinos o empoderamento da imagem feminina. Entretanto, é necessário destacar que mesmo ocupando espaços que sempre foram dos homens, as mulheres que estão nessas posições são, em sua maioria, brancas e se encaixam nos padrões estéticos que a sociedade estabelece. A sexualização do corpo da mulher nasceu junto com a miscigenação no brasil e hoje está interligada com a cultura do país. Mulheres negras, mesmo com os grandes avanços obtidos ao longo dos anos e com o crescimento da representatividade, ainda são alvos de racismo e muitas vezes colocadas em posições de subalternidade, além da notória hipersexualização sobre os corpos pretos. A historiadora afirma que é necessário, no recorte brasileiro, separar as questões étnicas e sociais, “A mulher preta vai ser mais erotizada que a mulher branca, se a gente fosse datar uma época em que começou essa sexualização seria a colonização, com os homens europeus que vieram e iniciaram o processo de miscigenação, abusando das mulheres indígenas”.

Nessa mesma linha de discussão, é possível estabelecer um paralelo comparativo com a obra de Paul B. Preciado, “Testo Junkie”. O filósofo espanhol afirma que dado em certo momento histórico, com a criação de medicamentos como Viagra e os anticoncepcionais, o surgimento da indústria pornográfica e o feminismo liberal, o sexo se tornou um produto audiovisual e mercantilizado, e desde então, o mundo vive em uma "era famarcopornopolítica". Na atualidade somos nós mesmos que transformamos nossos corpos em produtos comerciáveis e mercadológicos, que são vendidos de forma naturalizada em plataformas digitais e muitas vezes camuflado por trás de um falso empoderamento. Para além da questão de gênero, esse fenômeno vai mais adiante do machismo, e questiona o uso da nossa própria identidade em prol de um esquema de lucratividade do sistema capitalista. Nessa lógica é válido pontuar que, mesmo que de maneira disfarçada, a sociedade sempre segue a lógica da indústria e daquilo que vende. Independente de mulheres estarem no topo, as estruturas da sociedade patriarcal ainda permanecem estabelecidas, ainda que estejam se adaptando às demandas da geração atual. “Eu entendo que esse processo sexual de cantoras do pop é uma questão monetária, por mais que exista um empoderamento, uma questão do feminismo liberal, eu me posiciono contra porque elas estão vendendo a imagem delas, isso não contaria como um movimento social, uma luta de fato feminista.” - complementa Amanda.

Fica claro que, como na colonização, tanto quanto com Anitta e Luísa Sonza, o capitalismo na sociedade patriarcal usa das mulheres e de seus corpos para seus benefícios, em lucro, em prazer ou em prol do sistema. Hoje, algumas mulheres, como no feminismo liberal que Amanda cita, viram na exposição de seus corpos o empoderamento e a sororidade. Logo, se instaurou na sociedade um paradoxo dentro da questão da sexualização do corpo feminino, as vítimas indígenas do colonialismo não negam que houve violência, objetificação e erotização no processo de miscigenação do país. Entretanto, apesar de ainda ferir, principalmente corpos pretos, mulheres lucrando com sua própria imagem pode ser visto como empoderamento e uma maneira de ‘passar por cima’ de uma sociedade estruturada no patriarcalismo. Assim, mesmo que de algum modo a sexualização do corpo feminino - que atualmente parte das próprias mulheres – seja problemática, é importante valorizar a conquista do movimento feminista, uma vez que as mulheres agora possuem a chance de escolher sua própria narrativa, além de ser estritamente necessário questionar a sociedade e a indústria audiovisual, que é moldada em referências de um Brasil extremamente conservador, patriarcal e misógino.

Mesmo com sucesso de novos empreendimentos, a desigualdade grita e mulheres anseiam por mudança.
por
Laura Paro
Lídia Rodrigues
|
28/04/2022 - 12h
Foto: Getty Images.
Foto: Getty Images.

 

“As pessoas confiam mais nos homens” afirma a professora de educação física, Vanessa Rodrigues, criadora do projeto “Envelheça Forte”, mesmo com alto índice de contratação, a desigualdade em relação aos profissionais homens da área da saúde é gritante, assunto que foi alvo de pesquisas da SEBRAE, mostram que mulheres empreendedoras conseguiram guardar muito menos dinheiro do que os homens em 2021, sendo 47% abaixo; o que explica a diferença entre os gêneros nesse sentido é a hipótese de que, quem fatura menos, guarda menos, sendo resultado da altíssima diferença de salários entre homens e mulheres – pessoas do sexo feminino chegam a ganhar até 34% a menos do que os homens ganham. As mulheres negras são ainda mais inferiorizadas nesse sentido. “Uma das minhas maiores metas é poder contribuir com o desenvolvimento financeiro de outras mulheres negras no país”, diz Alyne Campos, criadora da loja Iwosan e do projeto Jaleco com História.

      “Não queria depender de ninguém, queria tomar todas as atitudes e resoluções do meu jeito sem nenhuma interferência, principalmente masculina”, diz Márcia Fernandes, criadora da “Love Lettering” que nasceu durante a pandemia. Pesquisas realizadas pelo G1 apontam que, com o avanço da Covid-19, mulheres foram as mais impactadas pela crise; porém, pôde-se perceber que a insegurança financeira do ano pandêmico fez com que se tornasse grande o número de novas microempreendedoras no país.

Segundo dados da SEBRAE do ano de 2021, o número de mulheres donas de negócios na pandemia têm renda média menor do que a de empresários homens e suas empregabilidades reduziram em 15% em anos pandêmicos. Dessa forma, fica clara a existência de dificuldades financeiras ao desenvolver novos empreendimentos. Fernandes, afirma que teve que passar por muitos momentos difíceis, "a maior dificuldade foi pagar aluguel, condomínio e impostos altos” e que “a solução foi trabalhar mais e vender mais''. A empresária pontua também que mesmo já trabalhando como empresária há 32 anos, seu objetivo segue sendo “pagar com tranquilidade todas as contas e ter uma vida mais tranquila e agora com a presença do seu próprio negócio.”

Por outro lado, Campos e Rodrigues ressaltam que o desenvolvimento desses projetos resultou num avanço muito grande em suas vidas profissionais, pois garantiu independência e conforto no caos da pandemia. Mesmo assim, a professora não deixa de enfatizar que seu maior obstáculo foi conseguir cobrar o real valor do seu trabalho num período de insegurança financeira, principalmente feminina do país.