Influencer brasileira viaja em um celta para o Peru com a sua companheira de quatro patas
por
João Luiz Freitas Souza
Fernanda Dias
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17/06/2025 - 12h

Ana Clara Uchoa, 24 anos, iniciou sua jornada com sua cadela Ísis pelas estradas em novembro de 2023, após sentir-se sufocada pela rotina. “Eu ficava muito frustrada com a minha vida parada. Trabalhar, voltar pra casa, passear com a Ísis na praça por meia hora. Eu queria mais” relata em entrevista via Google Meet. Hoje em dia, a influenciadora está a um mês na nova temporada dessa jornada e novamente o seu destino é o Peru. 

Aos 22 anos, Uchoa iniciou uma mudança de vida em novembro de 2023, deixando seu trabalho para concretizar um sonho. Após algumas viagens de ônibus sozinha, planejou e economizou para adquirir um Celta, nomeado Ozzy, e dar início à sua própria jornada com a sua cadela Ísis. Por mais de um ano, ela percorreu o litoral do país, e em 1 ano e 3 meses de viagem, destacou sua afeição pela Bahia e por Minas Gerais e suas cachoeiras, além da experiência de conhecer novas pessoas e culturas. No Natal, optou por retornar e passar a data com a família, interrompendo o cronograma inicial.

 

Ana Uchoa com sua cachorra Isis na frente de seu carro
Ana Clara e Isis em São José dos Campos, São Paulo - Imagem via Instagram @anaclarauchoa 

A vida no carro, no entanto, não é só paisagem bonita e liberdade, um exemplo disso foi quando ela fundiu o motor em Pernambuco, teve o bagageiro voando na ponte Rio-Niterói e dormiu em lugares improvisados e esses foram alguns dos perrengues enfrentados. Mesmo assim, Uchoa vê cada obstáculo como aprendizado pois apesar dos contratempos ela nunca precisou guinchar o carro. "O Celta nunca andou de guincho, ele sempre quebra do lado da oficina. Está tudo certo”, brinca. 

Além de viajar, Uchoa decidiu documentar tudo nas redes sociais, apesar de ser uma vontade desde sempre, contou que tinha muita vergonha, mas acabou quebrando essa barreira pessoal e postando seu primeiro conteúdo no TikTok, que hoje conta com mais de 330 mil seguidores. Sem filtros ou roteiros, seu conteúdo viralizou mostrando sua simples rotina de viagem com a Ísis, como preparar um café, escovar os dentes ao lado do carro ou improvisar uma refeição. “Eu achava que ninguém ia querer ver isso. Mas hoje, se eu não posto o café, o povo pergunta: ‘cadê o café?’”, conta, entre risos. Sua rotina virou inspiração para muitos e sua presença online, um espaço de empoderamento. 

O machismo ainda marca a rotina de quem se aventura sozinha pelas estradas do país. Ao relatar situações desconfortáveis, ela contou sobre um episódio em que, mesmo repleta de orientações técnicas do próprio mecânico, foi tratada com desdém por outro profissional. “Falei com todo cuidado, mas ele me mandou sentar e disse que quem estava trabalhando era ele. Só depois de ouvir o áudio, resolveu o problema em cinco minutos.” 

Ana Uchoa com sua cachorra Isis na frente de um monumento em Brasília
Ana Clara e Isis em Brasília, Distrito Federal - Imagem via Instagram @anaclarauchoa 

A influenciadora compartilhou que quando o assunto é segurança, o planejamento é indispensável pois dormir em locais desertos nunca é uma opção. “Mesmo se estiver no meio do nada, vou procurar um estacionamento, um posto com movimento. Se alguém percebe que estou sozinha, já sou vista como vulnerável.” Comentou ainda que, em muitos casos, “homem só respeita homem”, o que torna cada decisão na estrada mais estratégica. 

Algumas mulheres adotam medidas como deixar sapatos masculinos ao lado do carro para simular a presença de um homem. Ela prefere não recorrer a isso, mas entende quem o faz. “Ser mulher na estrada exige atenção, inteligência e muita resiliência.” 

Ao mesmo tempo, existe uma rede de apoio não oficial que prova a força da sororidade. “Se eu chego num posto e tem outra mulher sozinha, ela já fala: para aqui do lado.” Esse cuidado mútuo, que surge mesmo entre desconhecidas, mostra como mulheres viajantes criam um laço imediato de proteção e solidariedade. “O homem às vezes até acha legal, mas a mulher age. Ela acolhe, ela cuida.” 

Uchoa relata que viajar sozinha é mais do que uma escolha, é um ato de coragem e autonomia diante de um mundo que ainda questiona a liberdade feminina. 

Giovanna Conti relata os desafios da profissão e o que é ser mulher no automobilismo
por
Olivia Ferreira
Anna Sofia Carsughi
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16/06/2025 - 12h

"Eu acho que é sempre importante frisar a importância feminina no automobilismo" diz a jornalista esportiva Giovanna Conti, que na última quinta-feira (12) discutiu a respeito da importância das mulheres dentro dessa área. A entrevistada detalhou sua trajetória nesse início de carreira, contribuindo para a diversidade dentro da Fórmula 1.

A inclusão no mundo do automobilismo tem ganho cada vez mais espaço e atenção. Nestes ambientes predominantemente de homens, as mulheres, quanto mais enfrentam e lutam para uma maior visibilidade feminina, mais abrem espaço para discussões e debates acerca dessa pauta. Esses locais sempre foram vistos desde sua popularidade como algo especificamente para homens, contribuindo para um afastamento do cenário feminino nos espaços de corrida e até dentro do jornalismo.

Grupo de mulheres que fazem parte da F1 ACADEMY
Foto: https://www.alongtheracingline.com/accelerating-success-f1-academy/ 

Apesar dos avanços, existem diversos desafios como a escassez de patrocínios e a resistência cultural. Iniciativas como a criação da F1 Academy, uma categoria de base exclusivamente feminina criada pela FIA em 2022, foi de extrema importância cultural e histórica, além de buscar promover a inclusão e oferecer oportunidades para que mais mulheres ingressem e se destaquem no automobilismo.

Na Fórmula 1, ainda existem muitos desafios a serem enfrentados, porém o cenário atual mostra progresso significativo em direção à igualdade de gênero. Dentro dessa categoria, existem por exemplo várias mulheres com papéis muito importantes que são necessários tanto dentro das pistas de corrida, como na manutenção dos carros e estratégias de melhoria..

Esse esporte tem demonstrado muito mais interesse por mulheres e não somente por homens. Segundo o site AutoGear, hoje, 41% dos fãs de F1 são mulheres, e o grupo demográfico que mais cresce é o dos 16-24 anos, sinalizando um esforço bem-sucedido para alargar a escala de interesse desse público no esporte automotivo.  Essa crescente presença feminina, é um reflexo de uma sociedade em transformação, que reconhece e valoriza a contribuição delas em todas as esferas.

Giovanna Conti

Giovanna Conti, jornalista e social media formada pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), é especializada na área de esportes, no setor de automobilismo. Ela escreve em seu blog e em matérias avulsas, além de trabalhar como influenciadora digital no Instagram compartilhando tudo sobre Fórmula 1. Já realizou muitos projetos como: Band Primeira Notícia, Live F1 Gen Z Youtube Podcast, F1Mania Webstories, matérias na categoria LIF1 do site F1Mania, Relações Públicas dos Fittipaldi Brothers, colunista da Glamurama, entre outras.

Giovanna Conti, jornalista do automobilismo
Foto: Instagram oficial da Giovanna Conti 


Em entrevista para AGEMT, ela afirma que seu interesse pelo automobilismo começou desde pequena,  com forte influência de seu pai, mas só aos 13 anos que essa paixão a fez ter certeza que amava esse mundo e que gostaria de poder fazer parte dele de outras formas.

Apesar da sua força de vontade, as dificuldades da profissão se manifestam diariamente. “Uma coisa que eu sinto, principalmente vivenciando no dia a dia é que o preconceito muitas vezes vem de fora, de pessoas que assistem, ou até mesmo as que não acompanham mas que sempre estão destilando um “veneninho”, por pura maldade”- diz ela. 

Além disso, ainda há muito a fazer para se alcançar a equidade de gênero no automobilismo. Para Giovanna, a chegada da Liberty Média em 2017 fez a categoria mudar muito,  e se moldou para alcançar um público que não era o da F1. Como consequência, segundo ela,  temos um número cada vez maior de fãs que acompanham e se interessam pela categoria, que gravam vídeos, tik toks e que querem estar a par sobre os assuntos desse meio. 

Essa falta de representatividade também aparece dentro das pistas. Apesar disso, segundo ela, algumas equipes acreditam que em breve teremos uma mulher correndo. “Acredito que com a F1Academy isso fique cada vez mais claro. Seria interessante ver a F1A funcionar como a F3 e a F2, uma categoria de base para a chegada da F1”- contou Giovanna.

“Nunca enfrentei nenhum problema nesse sentido , sempre me impus muito nesse esporte e busquei provar meu valor a partir do meu trabalho, então sempre tive a sorte de ser muito respeitada e bem vista aos olhos de muitos”, conclui Conti.

  

 



 

 

Com um compilado de quatro reportagens, textos trazem diferentes perspectivas sobre o tema
por
Nathalia de Moura
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16/06/2025 - 12h

O site Donas da Bola, idealizado por Nathalia de Moura para a disciplina de Jornalismo Contra-Hegemônico, lecionada pela Professora Doutora Anna Flávia Feldmann, visa, a partir de dados, imagens, entrevistas e diferentes perspectivas, mostrar a desvalorização do futebol feminino, além de impulsionar e dar voz à luta e às atletas.

Com um compilado de quatro reportagens, o primeiro texto contextualiza historicamente o futebol feminino, trazendo o olhar de Renata Beltrão, Mestre em Museologia e Coordenadora de Comunicação do Museu do Futebol. O segundo texto aborda a realidade das categorias de base feminina de clubes brasileiros. Com depoimentos das atletas Laryssa Lourenço e Giovanna Holanda, temos um panorama das equipes jovens e o sentimento das jogadoras perante a realidade enfrentada.

A terceira reportagem foca na cobertura jornalística na modalidade feminina, os desafios enfrentados e o que pode ser feito para melhorar, tudo isso com a ajuda da Jornalista do jornal Lance!, Juliana Yamaoka. Na quarta e última reportagem, uma entrevista com a goleira do Corinthians, Kemelli Trugilho, mostra um panorama do futebol profissional feminino e a situação dos clubes da elite brasileira, além das medidas que podem ser tomadas para alavancar e valorizar o esporte.

Para acessar as reportagens, basta clicar no link a seguir: https://donasdabola.my.canva.site/

O influenciador volta a ter notoriedade nas redes sociais após claras insinuações machistas
por
Wildner Felix Cerqueira dos Santos
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06/05/2025 - 12h

Breno Faria, um influenciador digital voltou a ser alvo de críticas após a divulgação de uma série de vídeos considerados machistas, nos quais reforça estereótipos ultrapassados sobre o papel das mulheres na sociedade. As declarações – como “mulher de verdade sabe o seu lugar” ou “mulheres que trabalham demais se afastam da sua feminilidade” – reacenderam o debate sobre os efeitos do machismo cotidiano e a responsabilidade dos criadores de conteúdo nas redes sociais. Especialistas em psicologia alertam para os danos emocionais causados por esse tipo de discurso. 

 

A repercussão nas plataformas foi imediata. Internautas levantaram hashtags como #MachismoNãoÉOpinião e #BrenoFariaMisógino, enquanto especialistas apontaram os riscos desse tipo de discurso para a saúde mental das mulheres e para o retrocesso nas pautas de igualdade de gênero.

Segundo psicólogos, falas como as de Breno Faria são exemplos do chamado machismo cotidiano — um conjunto de comportamentos e comentários naturalizados que desgastam emocionalmente as mulheres e enfraquecem sua autoconfiança. “A mulher, ao ouvir esse tipo de frase em seu cotidiano, passa a duvidar de sua própria competência, a se calar em espaços de poder e a desenvolver sintomas como ansiedade, insônia e auto sabotagem”, explica o psicólogo Elienay Brandão em entrevista à AGEMT. 

Foto do Psicólogo entrevistado
Elienay Brandão Psicólogo (Reprodução/foto:@psi.elienaybrandao)

Essa forma de violência, tem impactos profundos e duradouros na vida das mulheres. Ao serem constantemente desvalorizadas, muitas desenvolvem comportamentos de auto degradação e hipervigilância: “Elas se policiam para não parecerem ‘sensíveis demais’, evitam dar opiniões ou até abrem mão de cargos e oportunidades por acreditarem, mesmo que inconscientemente, que não merecem”, destaca o psicólogo.

De acordo com a psicóloga Bruna Batista Schneider, o machismo cotidiano se manifesta de formas diversas: desde o questionamento das capacidades femininas em ambientes profissionais até a hipersexualização e o silenciamento. “Mulheres são constantemente interrompidas em reuniões, têm suas ideias apropriadas e sentem-se culpadas por não atender a padrões inatingíveis”, afirma. Esses comportamentos, somados, alimentam o que ela chama de gaslighting internalizado — quando a mulher passa a duvidar da própria percepção da realidade, muitas vezes se culpando ou se calando.

Foto da Psicóloga entrevistada
Bruna Batista Schneider Psicóloga (Reprodução/foto: @psicbrunaschneider)

Diante da repercussão negativa, plataformas como Instagram, TikTok e YouTube foram pressionadas por usuários a tomar medidas contra os conteúdos publicados por Breno Faria. Em resposta, algumas redes iniciaram investigações internas para verificar possíveis violações às diretrizes de uso, mas sem respostas ainda. A mobilização também chegou ao meio acadêmico e a entidades de defesa dos direitos das mulheres. O Instituto Maria da Penha divulgou uma nota de repúdio, não direcionada ao influenciador, mas sim classificando as declarações de Breno Faria como “violência simbólica com potencial de naturalizar a desigualdade”. Já o Observatório de Gênero e Mídia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) anunciou um relatório em elaboração sobre a influência de figuras públicas na perpetuação do machismo nas redes.

Embora os efeitos do machismo sejam devastadores, há formas de enfrentá-lo. Entre as estratégias terapêuticas recomendadas estão o fortalecimento do diálogo interno positivo, a criação de redes de apoio e a prática do autocuidado contínuo. “É fundamental que essas mulheres reconheçam que o problema não está nelas, mas sim em um sistema que as desvaloriza. A psicoterapia ajuda a desconstruir essas crenças internalizadas e a resgatar a autonomia e o prazer de existir”, afirma Schneider. Ela também destaca a importância de estabelecer limites, celebrar conquistas, mesmo que pequenas, e buscar ambientes seguros para compartilhar vivências.

A polêmica em torno das declarações de Breno Faria expõe, mais uma vez, como discursos normalizados nas redes sociais podem alimentar estruturas opressoras e perpetuar padrões nocivos. Mais do que episódios isolados, casos como esse evidenciam o impacto psicológico real que o machismo ainda exerce sobre milhões de mulheres — muitas vezes de forma silenciosa e invisível.

Diante disso, cresce a cobrança por posicionamentos mais firmes das plataformas digitais e pela responsabilização de influenciadores que propagam ideias discriminatórias. Ao mesmo tempo, especialistas reforçam a importância de uma rede de apoio emocional, de espaços seguros para escuta e da promoção de uma cultura que valorize, acolha e respeite as mulheres em sua pluralidade. Enquanto o debate segue nas redes, no meio acadêmico e nos consultórios de terapia, uma certeza se impõe: não se trata de censurar opiniões, mas de reconhecer que palavras têm peso — e, em muitos casos, causam feridas profundas. Combater o machismo cotidiano é, acima de tudo, um compromisso com a saúde mental, a dignidade e a equidade de gênero.  Ouça a reportagem.

 

 

Segundo a ONU em 60% dos casos os crimes são cometidos por parceiros ou membros da família
por
Leticia Alcântara
Sophia Razel
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02/12/2024 - 12h
Escadaria com cruz e flores representando luto
Escadaria marcada por cruzes e girassóis simboliza luto pela morte de mulheres Imagem: Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Na segunda-feira, 25 de novembro, Dia Internacional Pela Eliminação Da Violência contra as Mulheres,  a Organização das Nações Unidas (ONU)   divulgou os dados de mapeamento de assassinatos de meninas e mulheres ao redor do mundo em 2023. Ao todo, 85 mil mulheres foram assassinadas  no ano passado, o equivalente a 140 vítimas por dia e uma a cada dez minutos, dessas, 64% foram assassinadas em ambiente doméstico por seus próprios parceiros.

 

Gráfico mostra proporção de vitimas mulheres vs homens
O gráfico “Proporção de vítimas de homicídio masculino e feminino mortas por parceiros íntimos ou outros familiares (2023)” compara a porcentagem de homicídios cometidos por parceiros íntimos ou familiares, diferenciando entre homens e mulheres. Ele mostra que apenas  11,8% dos homens assassinados foram mortos por parceiros íntimos ou familiares, enquanto a porcentagem de mulheres é de 60,2%.Fonte: UNODC Homicide Dataset (2023).

 

Segundo o relatório, o continente africano registrou a maior incidência de casos de feminicídio, seguido pelas Américas e pela Oceânia. O feminicídio é o assassinato de mulheres motivado por razões de gênero, ou seja, quando a violência ocorre pelo simples fato de a vítima ser mulher.

 

Feminicidios por região
O gráfico “Taxa estimada de feminicídios por parceiros íntimos ou familiares por 100.000 mulheres, por região (2023)” revela as taxas regionais de feminicídios por parceiros íntimos ou familiares em 2023, destacando a África com a maior taxa, seguida pelas Américas e Oceania, enquanto Europa e Ásia têm os índices mais baixos. Fonte: Estimativas da UNODC com base no UNODC Homicide Dataset (2023).

 

Brasil registra recorde de feminicídios 

O cenário brasileiro é igualmente preocupante. De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, durante o ano passado, o país bateu recorde de casos de feminicídio, ocorrendo um caso a cada 6 horas, totalizando 1.463 registros. O Conselho Nacional de Justiça brasileiro iniciou, no dia 20 de novembro, os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher, campanha que visa debater as questões de violência de gênero no país.

Na ocasião da divulgação do relatório, foi destacado que os números não refletem fielmente o cenário e que a pandemia de COVID-19 reduziu pela metade a quantidade de países que coletam ou divulgam informações sobre mulheres vítimas de violência por parceiros.

Ainda segundo a ONU, os números coletados são alarmantes, evidenciam a gravidade da violência de gênero e a necessidade de ações para enfrentamento do problema, que é global.

Confira o relatório completo AQUI.

 

 

Reconhecer e homenagear mulheres faz parte do processo de luta e resistência desse grupo.
por
Maria Ferreira dos Santos
Giuliana Barrios Zanin
Carolina Rouchou
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09/03/2023 - 12h

O dia 08 de março para as mulheres é, como todos os outros dias, um dia de luta. Não é uma data comercial tampouco uma data romântica, por isso, presentear uma mulher com flores talvez não seja a melhor opção. O problema não está nas flores, muito pelo contrário. A questão é que infelizmente as flores não resolvem temas como a opressão e o apagamento histórico das mulheres.

Por isso, no dia 08 de março é importante lembrar de mulheres que lutaram contra a opressão e o apagamento. Por isso, como forma de homenagear mulheres inspiradoras e não deixa-lás num lugar de esquecimento, esse texto homenageia sete mulheres jornalistas e suas histórias.

 

Marie Colvin (EUA)

Foto: Dave M. Benett/Getty Images
Foto: Dave M. Benett/Getty Images

Correspondente de relações exteriores do Sunday Times de Londres, conhecida por cobrir locais de conflito principalmente no Oriente Médio, foi assassinada na Síria em 2012 enquanto cobria a guerra na cidade de Homs.

Em 2016 sua família abriu um processo contra o governo Sírio ao saber que esse estava envolvido em seu assassinato. Em 2019 eles ganham o processo e recebem 302 milhões de dólares do governo sírio.

 

Constance Cummings-John (Serra Leoa)

Foto: arquivo
Foto: Arquivo

Em 1936, Constance recebe uma bolsa de estudos nos EUA e vai trabalhar na Cornell University. Lá vivencia a violência racial e os impactos do colonialismo, assim torna a educação sua principal bandeira de luta e depois da Segunda Guerra participa de movimentos pan-africanos e movimentos pela educação feminina.

 

Mona Eltahawy (Egito)

Foto: Salam Plan
Foto: Salam Plan

Jornalista e comentarista egípcio-americana que escreveu sobre os direitos das mulheres no Oriente Médio e Norte da África. Já publicou no The Guardian, the International Herald-Tribune, The Washington Post, U.S. News & World Report and The New York Times. Ela tem sido uma crítica da violência de gênero na região e tem defendido a igualdade de gênero e a libertação das mulheres. Seu livro "Headscarves and Hymens: Why the Middle East Needs a Sexual Revolution" é uma poderosa crítica ao tratamento dado às mulheres na região. 

 

Elisabeth Adekogbe (Nigéria)

Foto: Arquivo
Foto: Arquivo

Inspetora de preços durante o período da II Guerra Mundial,  como professora, diretora de escola e jornalista, se tornou uma das mais importantes ativistas dos direitos das mulheres, fundando em 1952 o movimento conhecido como Women Movement of Nigeria – WMO (Movimento das Mulheres da Nigéria). Dois anos mais tarde, em 1954, Elizabeth Adekogbe  participou da direção do Council of Women’s Societies of Nigerian and the Cameroons (Conselho das Sociedades de Mulheres da Nigéria e dos Camarões), que em 1959 foi  uma das importantes coalizões que atuou durante o período da independência do país.

 

Maria Ressa (Filipinas)

Rappler News / AFP
Foto: Rappler News / AFP

Em 2012, Maria Ressa ajudou a fundar o Rappler, um website jornalístico que começou como uma página no Facebook e que tinha por objetivo lutar pela democracia e liberdade de informação nas Filipinas.E cada a repercussão de seu trabalho, ganhou o Prêmio Nobel da Paz juntamente do seu parceiro russo Dmitry Muratov. Foi incluída na lista Personalidade do Ano 2018 da revista Time como membro de um grupo de jornalistas de todo o mundo que combatem notícias falsas.Ela foi presa por "difamação cibernética" em meio a acusações de vários casos de notícias falsas e sonegação de impostos corporativos em 13 de fevereiro de 2019. Em 15 de junho de 2020, um tribunal de Manila a considerou culpada de ciberlibel. Em 2023, seu processo ainda está em aberto, mas já dissolveu 4 dos 7 processos movidos pelo Governo do País.

Jineth Bedoya Lima (Colômbia)

Foto: Alamy
Foto: Alamy

Jineth Bedoya Lima cobriu o conflito armado da Colômbia assim como o processo de paz e casos de violência sexual a mulheres.

Em 2000, enquanto trabalhava para o Jornal El Espectador, ela foi sequestrada e estuprada. Três anos depois, militantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Farc, sequestraram a repórter que atuava para o jornal El Tiempo.

Glória Maria (Brasil)

Foto: Divulgação / Paulo Belote
Foto: Divulgação / Paulo Belote

Foi a primeira jornalista negra na televisão brasileira, além de ter sido a primeira comunicadora a transmitir uma matéria na televisão com cor. Sua primeira aparição foi nos anos 70, durante o governo Médici e, desde então, viajou ao mundo e vivenciou as diversas culturas de cada país, com a esperança de mostrar aos brasileiros a sua coragem e força. Foi uma figura importante para o jornalismo, para o feminismo, para a representatividade negra.

 

Feministas negras conquistam palcos do Hip Hop, Rap e Trap na cena brasileira
por
José Pedro dos Santos
Ian Valente
Francisco Vecchia
|
02/06/2022 - 12h

O feminismo negro surgiu a partir de mulheres que não se sentiam representadas dentro das pautas do feminismo hegemônico. O movimento feminino existente em meados da década de 1980 era representado majoritariamente por mulheres brancas e de classe média. As populações femininas negras e periféricas se encontravam marginalizadas tanto da sociedade como do movimento das mulheres. Visto que tanto o feminismo hegemônico não pensava nestas mulheres negras, como as próprias pautas do movimento se mostravam insuficientes para a emancipação de mulheres que além de serem oprimidas pelo patriarcado também sofreram racismo. 

O “hip-hop” abraçou de sua maneira este novo feminismo; todavia, como o machismo é onipresente na sociedade, ate mesmo em um movimento negro as mulheres precisaram e precisam lutar parra se fazerem ouvidas.

A cena do rap foi construída com bases masculinas, entretanto mulheres ocupam este espaço para mostrar realidade questões de gênero que não são abordadas pelo patriarcado. O cenário nacional ganhou as primeiras vozes femininas no final da década de 1980, quando surgiu Dina Di, nome artístico de Viviane Lopes Matia, ela afirmava que o homem pode ver, mas não pode sentir o medo que cada mulher sente durante sua vida. Além disso a rapper comentava sobre a forma como os homens definem as mulheres no rap, com palavras que questionam a imagem do sexo feminino, fazendo com que as artistas se sentissem obrigadas a se vestirem com roupas largas ou masculinas.

Nos anos 2000 o Rappers MV Bill se juntou com Kamila CDD, e lançaram a música “estilo vagabundo” que retrata uma discussão de um casal, onde ela não se cala e afronta as ações e argumentos machistas e misóginos masculinos dentro do relacionamento. “tu tá muito confiante, me tratando tipo Amelia. Cansei de ser boba e me vestir tipo uma velha.” 

Alguns anos depois as irmãs gêmeas Tasha e Tracie Okereke surgiam na cena do Hip-Hop nacional com o blog e movimento Expensive shit, que tinha como intenção valorizar a autoestima e autonomia de jovens periféricos e negros pelo conhecimento, moda e cultura. 

Em 2019 a dupla lançou o EP Rouff, em parceria com a cantora Ashira. O trabalho tem 6 músicas compostas por diversos produtores famosos da cena do rap, como Mu540, Devasto, CESRV e Pizzol, além da direção artística do rapper DonCesão e ser lançado pelo selo Ceia Ent.

O trabalho seguinte delas, “Diretoria'', é um EP feito em parceria com Pizzol, onde as cantoras falam sobre conquistas e empoderamento, que se relaciona com toda a trajetória delas como ativistas e cantoras. No portal popline, Tasha e Tracie afirmam que apesar de ser um álbum mais denso, Diretoria foi mais divertido, apesar de tudo o que alguém marginalizado dizer ser politizado, segundo elas o álbum traz uma proposta mais leve do que Rouff.

Ainda na entrevista as duas se dizem se considerar ativistas periféricas, não querendo se limitar dentro de um grupo ou área de atuação, já que seus trabalhos giram em prol da luta das pessoas negras.

O que a sexualização dos corpos femininos diz sobre a sociedade atual e como a indústria lucra com o "empoderamento" das mulheres.
por
Isadora Verardo Taveira
Laura Melo de Carvalho
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29/06/2022 - 12h

Quando falamos sobre o papel da mulher na sociedade, inúmeros padrões e estereótipos vem à mente de maneira automática. Mesmo com os avanços acerca da existência feminina em uma sociedade extremamente patriarcal, o machismo ainda segue atrás de cada passo em direção à emancipação das mulheres, que precisam se reafirmar a cada minuto diante de um país que resiste em renunciar ao conservadorismo. Atualmente, com o sucesso de cantoras do pop e funk brasileiro como “Anitta” e “Luísa Sonza", o debate sobre o tema da sexualização dos corpos femininos veio à tona e divide opiniões nas redes sociais: empoderamento ou objetificação?

A relação de poder com o próprio corpo mudou de acordo com as conquistas femininas, assim como o aumento da representatividade e o crescimento do número de mulheres nos espaços de poder. Em entrevista para o GNT, a cantora e produtora musical Larissa Luz afirma que alcançar o poder financeiro é um passo enorme para a liberdade: "Se para isso a mulher escolhe sensualizar e vender a sua sensualidade, isso não é legítimo? A diferença agora está nesse lugar, elas escolhem” - completa. Entretanto, a linha entre conquistar espaços que nunca foram alcançados por figuras femininas e servir ao patriarcado e a uma indústria que sempre lucrou com mulheres é extremamente tênue. A historiadora e criadora de conteúdo digital Amanda Maia aborda a pauta com ênfase no processo histórico: “Existe um movimento, a terceira onda feminista, que vai dizer justamente que a beleza é um sistema monetário, além de patriarcal. Foi instaurado a questão da mulher padrão, no sentido de as mulheres competirem entre si, em vias de conquistarem os espaços que os homens já tinham adquirido”.

Com a ascensão do capitalismo e a ditadura da beleza, a imagem feminina e o estereótipo do “corpo violão” da mulher brasileira - primeiramente indígena matriz da miscigenação, e depois negras, descendentes das africanas escravizadas - viraram produtos. A colonização do Brasil ressalta a objetificação e erotização do corpo das mulheres brasileiras, e como coloca Amanda, os homens europeus vieram e iniciaram o processo de miscigenação, abusando das mulheres indígenas. E hoje, é documentada a visão que eles tinham sobre o corpo da mulher, com esse arquétipo da brasileira e de sua hipersexualização. A imagem das mulheres com corpos estruturais, garota de Ipanema do corpo dourado, ou Anitta e Luísa são alguns dos exemplos que a mídia machista transformou em produtos, como posiciona Amanda, “Eu acho que é uma questão de como o capitalismo afeta a mulher em si, eu vendo pro público masculino uma ideia erótica e para as mulheres uma ideia de meta a ser atingida porque cria um padrão inalcançável”.

Diferente do inalcançável, na cena do funk e pop nacional surge com a tomada dos lugares predominantemente masculinos o empoderamento da imagem feminina. Entretanto, é necessário destacar que mesmo ocupando espaços que sempre foram dos homens, as mulheres que estão nessas posições são, em sua maioria, brancas e se encaixam nos padrões estéticos que a sociedade estabelece. A sexualização do corpo da mulher nasceu junto com a miscigenação no brasil e hoje está interligada com a cultura do país. Mulheres negras, mesmo com os grandes avanços obtidos ao longo dos anos e com o crescimento da representatividade, ainda são alvos de racismo e muitas vezes colocadas em posições de subalternidade, além da notória hipersexualização sobre os corpos pretos. A historiadora afirma que é necessário, no recorte brasileiro, separar as questões étnicas e sociais, “A mulher preta vai ser mais erotizada que a mulher branca, se a gente fosse datar uma época em que começou essa sexualização seria a colonização, com os homens europeus que vieram e iniciaram o processo de miscigenação, abusando das mulheres indígenas”.

Nessa mesma linha de discussão, é possível estabelecer um paralelo comparativo com a obra de Paul B. Preciado, “Testo Junkie”. O filósofo espanhol afirma que dado em certo momento histórico, com a criação de medicamentos como Viagra e os anticoncepcionais, o surgimento da indústria pornográfica e o feminismo liberal, o sexo se tornou um produto audiovisual e mercantilizado, e desde então, o mundo vive em uma "era famarcopornopolítica". Na atualidade somos nós mesmos que transformamos nossos corpos em produtos comerciáveis e mercadológicos, que são vendidos de forma naturalizada em plataformas digitais e muitas vezes camuflado por trás de um falso empoderamento. Para além da questão de gênero, esse fenômeno vai mais adiante do machismo, e questiona o uso da nossa própria identidade em prol de um esquema de lucratividade do sistema capitalista. Nessa lógica é válido pontuar que, mesmo que de maneira disfarçada, a sociedade sempre segue a lógica da indústria e daquilo que vende. Independente de mulheres estarem no topo, as estruturas da sociedade patriarcal ainda permanecem estabelecidas, ainda que estejam se adaptando às demandas da geração atual. “Eu entendo que esse processo sexual de cantoras do pop é uma questão monetária, por mais que exista um empoderamento, uma questão do feminismo liberal, eu me posiciono contra porque elas estão vendendo a imagem delas, isso não contaria como um movimento social, uma luta de fato feminista.” - complementa Amanda.

Fica claro que, como na colonização, tanto quanto com Anitta e Luísa Sonza, o capitalismo na sociedade patriarcal usa das mulheres e de seus corpos para seus benefícios, em lucro, em prazer ou em prol do sistema. Hoje, algumas mulheres, como no feminismo liberal que Amanda cita, viram na exposição de seus corpos o empoderamento e a sororidade. Logo, se instaurou na sociedade um paradoxo dentro da questão da sexualização do corpo feminino, as vítimas indígenas do colonialismo não negam que houve violência, objetificação e erotização no processo de miscigenação do país. Entretanto, apesar de ainda ferir, principalmente corpos pretos, mulheres lucrando com sua própria imagem pode ser visto como empoderamento e uma maneira de ‘passar por cima’ de uma sociedade estruturada no patriarcalismo. Assim, mesmo que de algum modo a sexualização do corpo feminino - que atualmente parte das próprias mulheres – seja problemática, é importante valorizar a conquista do movimento feminista, uma vez que as mulheres agora possuem a chance de escolher sua própria narrativa, além de ser estritamente necessário questionar a sociedade e a indústria audiovisual, que é moldada em referências de um Brasil extremamente conservador, patriarcal e misógino.

Mesmo com sucesso de novos empreendimentos, a desigualdade grita e mulheres anseiam por mudança.
por
Laura Paro
Lídia Rodrigues
|
28/04/2022 - 12h
Foto: Getty Images.
Foto: Getty Images.

 

“As pessoas confiam mais nos homens” afirma a professora de educação física, Vanessa Rodrigues, criadora do projeto “Envelheça Forte”, mesmo com alto índice de contratação, a desigualdade em relação aos profissionais homens da área da saúde é gritante, assunto que foi alvo de pesquisas da SEBRAE, mostram que mulheres empreendedoras conseguiram guardar muito menos dinheiro do que os homens em 2021, sendo 47% abaixo; o que explica a diferença entre os gêneros nesse sentido é a hipótese de que, quem fatura menos, guarda menos, sendo resultado da altíssima diferença de salários entre homens e mulheres – pessoas do sexo feminino chegam a ganhar até 34% a menos do que os homens ganham. As mulheres negras são ainda mais inferiorizadas nesse sentido. “Uma das minhas maiores metas é poder contribuir com o desenvolvimento financeiro de outras mulheres negras no país”, diz Alyne Campos, criadora da loja Iwosan e do projeto Jaleco com História.

      “Não queria depender de ninguém, queria tomar todas as atitudes e resoluções do meu jeito sem nenhuma interferência, principalmente masculina”, diz Márcia Fernandes, criadora da “Love Lettering” que nasceu durante a pandemia. Pesquisas realizadas pelo G1 apontam que, com o avanço da Covid-19, mulheres foram as mais impactadas pela crise; porém, pôde-se perceber que a insegurança financeira do ano pandêmico fez com que se tornasse grande o número de novas microempreendedoras no país.

Segundo dados da SEBRAE do ano de 2021, o número de mulheres donas de negócios na pandemia têm renda média menor do que a de empresários homens e suas empregabilidades reduziram em 15% em anos pandêmicos. Dessa forma, fica clara a existência de dificuldades financeiras ao desenvolver novos empreendimentos. Fernandes, afirma que teve que passar por muitos momentos difíceis, "a maior dificuldade foi pagar aluguel, condomínio e impostos altos” e que “a solução foi trabalhar mais e vender mais''. A empresária pontua também que mesmo já trabalhando como empresária há 32 anos, seu objetivo segue sendo “pagar com tranquilidade todas as contas e ter uma vida mais tranquila e agora com a presença do seu próprio negócio.”

Por outro lado, Campos e Rodrigues ressaltam que o desenvolvimento desses projetos resultou num avanço muito grande em suas vidas profissionais, pois garantiu independência e conforto no caos da pandemia. Mesmo assim, a professora não deixa de enfatizar que seu maior obstáculo foi conseguir cobrar o real valor do seu trabalho num período de insegurança financeira, principalmente feminina do país.

 

Dia das mães: A despolitização das pautas relacionadas à maternidade e do cuidado com a infância e a exclusão de mulheres no mercado de trabalho e nos espaços públicos
por
Patrícia Mamede
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28/04/2022 - 12h

A maternidade e os cuidados com a infância têm sido discussões recorrentes dentro do movimento feminista - materialista. No entanto, dentro da agenda política são pautas pouco mencionadas por aparentar ser uma discussão que diz respeito única e exclusivamente às mulheres, portanto, secundárias, de menor importância. Brisa Kamulenge, formada em ciências sociais pela USP, mãe, feminista e ativista, aponta um descaso vigente em relação as pautas relacionadas à maternidade, "Como a gente tem um processo de atomização dos movimentos políticos organizados, essas pautas são vistas como especificamente de mulheres, quando na verdade não são’’. A inviabilização das discussões em relação à infância causa um impacto direto na vida das mulheres e na sua autonomia e liberdade individual, afetando sua inserção no mercado de trabalho e, consequentemente, sua ascensão financeira.

Em 2017, uma pesquisa levantada pelo IBGE detectou que em 2015, mais de 11 milhões de mulheres criavam seus filhos sozinhas. Em 2019, o Conselho Nacional de Justiça revelou dados levantados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) que apontam para um número de 5.494.267 milhões de crianças que não possuem o nome do pai nos seus registros. Os dados que ressaltam o número alarmante de mães solos, têm uma relação direta com a pobreza feminina. O IBGE aponta que 63% das famílias chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza. No terceiro trimestre de 2020, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, informa que 8,5 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho comparado ao mesmo período do ano anterior.

Brisa explica que a romantização da maternidade é uma ideologia fundamental para frear o avanço das mulheres nos espaços de poder. "Foi um processo paralelo, no momento em que as mulheres começam a ter aspirações de poder a resposta vai ser atar a mulher à maternidade, aí [a maternidade] se torna a razão de ser da vida das mulheres’’. Ela acrescenta que não há possibilidade de construir mudanças efetivas que possam beneficiar mulheres, mães e crianças sem mexer nas estruturas. "Me parece um pouco fantasioso ou ilusório pensar que tem como existir uma sociedade mais acolhedora para mães e crianças sem mexer em tudo, porque está tudo estruturado sobre a exploração do trabalho não remunerado das mulheres’’, e complementa, "o neoliberalismo está intrinsecamente relacionado às formas mais intensas de exploração do trabalho feminino’’.

O problema não está apenas na dificuldade de inserção no mercado de trabalho, mas ele é, em grande parte, resultado da falta de políticas públicas para a socialização dos trabalhos de cuidados. ‘’Apesar de todos os esforços dessas mulheres, elas são admitidas por conta da maior ou menor, em geral maior, conformidade delas às regras masculinas, e uma dessas regras é elas se comportarem como se não tivessem filhos’’, coloca Brisa, ‘’se a mulher perder oportunidades de crescimento dentro de alguma empresa ou ter o emprego ameaçado porque teve que exercer a maternidade, então esse é um espaço hostil às mães’’.

Associada à falta de políticas públicas de socialização do trabalho de cuidar, a desigualdade salarial faz com que as mulheres tenham que abdicar do emprego para cuidar dos filhos, ‘’se a mãe ganha X e o marido ganha 2X, quem é que vai sair do trabalho para cuidar da criança? Obviamente a mãe. Então pagar mais para os homens não é um acaso. Os dados mostram que no Brasil, mulheres brancas têm mais tempo de estudos e mais qualificação do que homens brancos, no entanto, elas ganham menos que os homens. Mesmo que tenham vantagens sobre homens negros e mulheres negras, tendo em vista os homens de sua própria raça, elas estão em desvantagem’’, contextualiza a cientista social.

A criação de creches públicas de qualidade e em quantidade suficiente é uma política pouco implementada mas que seria imprescindível para as mães não abandonarem os estudos ou desistir da carreira, ‘’Quando meu filho nasceu, eu estudava na USP e lá tinha um sistema de amparo social muito bom naquela ocasião. Então a creche [da USP], por exemplo, era um lugar que as crianças podiam ficar até 12 horas. A creche foi a mãe que eu não tive, a rede social que eu não tive e foi fundamental para que eu pudesse me dedicar quase integralmente ao meu curso. E quando eu saí estava capacitada para entrar no mercado de trabalho’’, enfatiza Brisa.

A pandemia, e o consequente fechamento das creches e escolas, dificultou demasiadamente a vida das mães que não podem, sob hipótese alguma, abrir mão do trabalho, "’especialmente às mulheres empobrecidas, negras, indígenas e racializadas, em geral, ainda tem a questão de conciliar trabalho e os cuidados com os filhos. Porque nem sempre elas têm para quem delegar, então essas crianças vão ficar numa situação de vulnerabilidade, de precariedade, tendo, muitas vezes, que contar com a sorte’’, adverte Brisa.

A maternidade compulsória é um debate que está começando a ganhar alguma visibilidade, "a gente é muito manipulada afetivamente. Pensando no contexto brasileiro, a mulher não tem incentivo nenhum para ser mãe em vista da quantidade de prejuízos que a maternidade traz para a mulher trabalhadora. Ela reduz as oportunidades de trabalho, as chances de crescimento na carreira, reduz as possibilidades de aperfeiçoamento e qualificação’’, mas ainda assim existe uma pressão social que empurra as mulheres à ideia romantizada de criar uma criança.

Outro exemplo de dificuldade de exercer a maternidade é a falta de espaços receptivos para crianças na vida pública cotidiana, "’é tudo muito mais difícil. Se você resolve entrar num banco e precisa ficar ali uma hora esperando, normalmente não tem nada ali que pode ser usado para distrair uma criança. Não tem nenhum cantinho da infância’’, coloca a cientista.

"Outro dia eu fui comprar esses óculos e aconteceu uma coisa muito interessante. Fui numa ótica que era administrada por uma mulher e tinha um cantinho muito bonitinho com livros, brinquedos. Eu fiquei provavelmente o dobro ou o triplo de tempo que eu teria ficado para escolher meus óculos se não tivesse nenhum espaço ali para minha filha se entreter, se sentir acolhida’’, e acrescenta, "o espaço público, se ele vai ser frequentado por mães, ele precisa estar adequado para crianças de alguma maneira’’.

Apesar da maternidade compulsória e dos cuidados com a infância serem pautas cada vez mais discutidas entre mulheres, criar a consciência de que essas são pautas coletivas poderá viabilizar políticas que beneficiem não apenas as mulheres e as crianças, mas toda a sociedade. ‘’O menosprezo às crianças, visível na falta de espaços seguros e adequados para elas na vida pública, é reflexo do menosprezo à mulher’’, pontua Brisa. "O cuidado das crianças é uma responsabilidade de todos os adultos. A culpa que insufla nas mães advém justamente da impossibilidade de darmos conta sozinhas desse trabalho numa sociedade que segrega as crianças”.

A cientista social ainda destaca a importância do pensar criticamente a maternidade, "eu defendo muito o pensar criticamente a maternidade. Ponderar seriamente sobre o não-lugar das crianças na sociedade e optar por exercê-la apenas como expressão do amor às crianças, sabe?

Com quantas crianças uma mulher conviveu antes de optar por ser mãe? Por quanto tempo conviveu com elas após se tornar adulta? A candidata a mãe perceberá que crianças são tratadas como propriedade privada, portanto, como um problema privado. Amar crianças pressupõe libertá-las da condição de ‘negócio privado’ e isso exige a transformação de toda a sociedade para recebê-las como agentes sociais plenos e livres’’.