Por Paula Moraes
Durante o incêndio da Cinemateca em 29 de julho, que resultou na queima de arquivos surgiu a questão sobre a importância da preservação da memória audiovisual histórica do País. Dessa maneira, questiona-se qual seria a melhor maneira de se preservar as produções digitalizando-as para um formato que pode se tornar datado ou guardando os originais e, consequentemente, perdendo a chance de apresentá-los como parte da história da produção audiovisual.
As produções de audiovisual tiveram seu início em 1887, com a criação de câmeras com cartuchos de filme com bitola de 8mm feito de celuloide, criadas por Hannibal Goodwin. Em 1888, as bitolas foram patenteadas pela empresa Kodak. Futuramente foram criados outros formatos de bitola, como a 35mm em 1889, que é o principal formato utilizado até hoje, inclusive para os filmes em IMAX, ou a 16mm em 1923, que era usado especialmente em documentários, filmes experimentais, filmes de treinamento e por cineastas independentes, e parou de ser utilizada nos anos 80. Com a patente da Kodak, a câmera passou a ser acessível para todos. A bitola com celuloide parou de ser usado por ser considerado altamente explosivo, e em 1950 foi trocado pelo de poliéster. Ele manteve o formato original de 8mm, mas passou a ser chamado de Super-8.
A digitalização do cinema começou a ser feita nos anos 80. Ela começou nas áreas sonoras dos filmes, e logo se estendeu para a pós produção, nas áreas de efeitos especiais e edição. E depois disso, foram criadas as câmeras digitais. Em 1995 foi lançada a filmadora Digital Video (DV), que apresentava uma qualidade superior há imagem e não desgastava está ao longo do tempo, como acontecia com o filme de poliéster. A DV também proporcionava um baixo custo de equipamento para as produtoras, e permitia que os atores e diretores tivessem mais liberdade durante as filmagens, além de permitir o registro de cenas mais longas. Em 1998 foi gravado o distribuído o primeiro filme gravado com uma câmera MiniDV, “A Festa” de Thomas Vinterberg Festen.
Com o início das câmeras digitais, as câmeras de filme passaram a ser cada vez menos utilizadas. Em 2011 três grandes empresas do setor deixaram de produzir câmeras analógicas, a Arri, a Panavision e a Aanton, substituindo-as por modelos digitais, como a Kaufman. Essa troca fez com que os filmes passassem a serem feitos com câmeras digitais. Por conta disso, pararam de ser produzidos projetores de filmes, e os cinemas passaram a ter que se modernizar e comprar projetores digitais. À vista disso, para que fosse possível passar filmes antigos considerados clássicos, os estúdios de cinema passam a digitalizar seus filmes antigos.
Existem duas maneiras de digitalizar filmes. A primeira é a “Digitalização” que proporciona qualidade Full HD, mas só consegue ser feito com bitolas 8 mm, Super 8 e 16mm em bom estado. Neste processo, o filme é digitalizado quadro a quadro com um scanner, permitindo corrigir erros de edição, restauração de cores e sonorização. A segunda maneira é a “Telecinagem”, que é usada como recuperação e restauração de bitolas 8mm, Super 8 e 16mm, que estão em mau estado de conservação. O resultado da qualidade da imagem é inferior ao da digitalização, apenas resolução 720×480.
Para a técnica de conservação de acervo, Antônia Silva, as maiores dificuldades que um acervo de filmes podem passar é a luz, que queima os filmes, o calor, a umidade, a poeira, a gordura, a poluição e técnicas incorretas de limpeza. Para Silva, a digitalização de filmes é essencial para a preservação da história do audiovisual de cada país. “O risco de que filmes importantes da história do cinema desapareçam para sempre em algumas décadas é grande. Há muito se fala que o celuloide não resiste ao tempo”, explica.
Entretanto, escolher o formato de digitalização não é tão fácil. Os dados digitais são legíveis apenas por um certo tempo. À medida que software e hardware avançam, tornam o formato rapidamente ultrapassado, fazendo com que estes precisem ser convertidos novamente para formatos cada vez mais atuais.
Após o cancelamento do Met Gala de 2020 em decorrência da pandemia da Covid-19, todos os holofotes estavam voltados para um dos eventos de moda mais famosos e esperados que ocorreu nesta segunda-feira (13/09) em Nova York, o Met Gala 2021. Com uma lista extensa e diversa de celebridades, a edição deste ano foi dividida em dois temas: "Na América: Um Léxico da Moda", que ocorreu esta semana, e "Na América: Uma Antologia da Moda", que estreará no dia 5 de maio de 2022.
A lista de convidados é feita pela editora-chefe da Vogue USA, Anna Wintour, e as celebridades devem se vestir de acordo com o tema escolhido para a edição em questão. Envolvendo temas estilo estadunidense, foram vistas muitas roupas que carregavam importantes símbolos da cultura local e da história do país, bem como o fez a poetisa Amanda Gorman, ao fazer referências à Estátua da Liberdade no seu visual.
A moda em si é um ciclo que contempla as necessidades e movimentos culturais, sociais e políticos de cada época. Para a melhor análise histórica, uma linha do tempo do estilo estadunidense pode ser traçada:
A identidade de moda do país se iniciou a partir do meio do século 19 até o início do século 20, com o surgimento do estilo cowboy: chapéu country, peças de couro, franjas, botas, colete e camurça. Algumas das celebridades que trouxeram essa leitura para o evento foram Jennifer Lopez, Maluma e Leon Bridges.

Sendo um dos símbolos da moda dos anos de 1920, o clássico vestido preto básico ganhou espaço durante o evento. Criado por Coco Chanel em 1919, o “black dress” - vestido feito no tecido crepe com mangas compridas e justas - causou certa estranheza quando a peça foi lançada, uma vez que na época, a cor preta era símbolo de luto e portanto, não era usada no cotidiano pelas pessoas. Entretanto, essa visão passou a ser contestada por volta de 1926, quando a Vogue dos EUA apelidou o modelo de “a Ford da estilista” e afirmando que dentro de pouco tempo, o vestido seria uma nova tendência.
O “pretinho básico” tornou-se ainda mais popular ao ter sido referência para os clássicos figurinos de Audrey Hepburn, no filme “Bonequinha de Luxo” (1961). Adaptando-se ao Met Gala, Troye Sivan se inspirou em tal peça para a sua composição no evento, utilizando um decote arredondado, baixo e com recortes na cintura. Além disso, Sivan acrescentou à referência um colar de prata, que lembra a gargantilha de diamantes usada por Hepburn no filme.

Em relação à década de 1950, outras referências foram observadas, principalmente na escolha dos tecidos para compor os vestuários. É importante ressaltar que após o período das grandes guerras, a moda enfrentou uma considerável revolução. Com tecidos mais leves e maleáveis e a adoção do corte, até então masculino, como calças, foi apropriado pela moda feminina. Vale destacar a influência crescente do jeans, tecido adotado por Lupita Nyong'o em seu vestido para o evento, que reconheceu a importância e impacto que ele trouxe na história dos EUA.

Outro estilo que ganhou destaque na noite foi o hippie, que se categoriza pelos tecidos leves e coloridos. Esse movimento se tornou ainda mais popular com o Festival Woodstock, que teve a sua primeira edição em 1969, recebendo artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Jefferson Airplane. Lourdes Maria Ciccone Leon, filha da cantora Madonna, fez referência ao famoso estilo de Cher no evento, com cabelo longo preto, vestido com cores vibrantes e recortes ao longo da cintura, busto e costas.

O período de 1970 foi marcado também pelos vestidos floridos, muitos acessórios e houve uma série de referências nas peças usadas pelas celebridades presentes. Nos EUA, estilistas como Roy Halston Frowick e Calvin Klein se destacaram por buscar fazer roupas sofisticadas e ao mesmo tempo concisas. No Met Gala 2021, a atriz Lili Reinhart utilizou um vestido rosa claro e com diversas flores coloridas originárias de cada estado do país.

A década de 1980 se destacou pela popularização dos ternos, saias e vestidos longos. A ostentação de dinheiro se tornou parte do vestuário, bem como se viam nos filmes em que as atrizes usavam acessórios caros e bolsas de coleção. Em contraposição a esse novo estilo, nasceu o movimento Punk, que se opunha à sociedade de consumo. Tachas, roupas pretas de couro, coturnos e alfinetes se tornaram populares e foram usadas por celebridades no evento, como Evan Mock.

Já os anos de 1990, foram marcados pela diversidade de estilos, uma vez que variam entre jeans coloridos e blusas básicas de malha fina. Calças despojadas, bermudas e camisas xadrez foram marco também dessa década a partir das coleções feitas por Perry Ellis e Marc Jacobs. Entre outros visuais, está a calça de cintura alta e o jeans rasgado. O cinema também teve grande influência na moda desse período, como o filme Matrix (1999) que inspirou a atriz Maisie Williams em sua composição para o evento.

Mais inspirações Hollywoodianas ocorreram no Met Gala deste ano. Releituras de trajes clássicos do cinema como o de Emily Blunt, inspirado no vestido atemporal usado por Hedy Lamarr no filme “Ziegfeld Girl”, de 1941 e também o de Kendall Jenner, inspirado na atriz Audrey Hepburn no filme “My fair lady“, de 1964.

O protesto por meio da moda também foi visto. O mais comentado foi o de Jeremy Pope, cantor, ator e ativista no movimento negro. Pope apresentou uma composição que fazia alusão a escravidão nos Estados Unidos. Com roupa branca e uma grande capa, que relembra os grandes sacos de algodão carregados nas costas dos escravos. O ator postou em seu instagram uma foto de seu traje, juntamente com um registro da época; na legenda um discurso emocionante: “Eles plantaram sementes de beleza. Serviram em campos com força indescritível, e colheram uma espécie de excelência que iria ser relembrada por eles durante séculos. Para que pudéssemos um dia nos levantar, nos alongarmos em direção ao sol, e contar a história deles”.

Este evento mostra o quanto a moda em si é volátil e que se baseia em desejos momentâneos de mercado, que com o tempo, saem de uso. A indústria têxtil adotou a forma de produção capitalista e se deixou influenciar pela dinâmica de superprodução: fazer muitas peças de acordo com as principais tendências do momento, com o objetivo de vender a maior quantidade possível - e, consequentemente, lucrar ainda mais. Esse método ganhou considerável incentivo nos EUA no período em que houve a chamada “crise do petróleo”. Nesse sentido, procura-se no meio a mão de obra barata, de modo criar um ciclo análogo à escravidão. Dentro do contexto mencionado, nasceu o termo “fast fashion”, junto às atuais lojas de departamento.
Ao não ter a qualidade das peças como prioridade, o meio ambiente é uma das principais vítimas desse processo. De acordo com um relatório feito pela McKinsey & Company e Global Fashion Agenda, essas roupas fast fashion são utilizadas menos de cinco vezes pelos consumidores e geram 400% mais emissões de carbono do que peças comuns - que são utilizadas 50 vezes. Vale lembrar que esse tipo de produção não polui apenas por conta da emissão de carbono, - uma vez que a fibra têxtil mais empregada na produção é o poliéster, um plástico - que demora cerca de 200 anos para se decompor. Além disso, para produzir fibras têxteis, é preciso desmatar, utilizar fertilizantes, agrotóxicos, extrair petróleo e transportar, entre outras formas de poluição.
Sendo assim, o Met Gala 2021 reforça a importância de se consumir uma moda consciente e que não esteja apegada apenas às tendências; mas também ao registro sociocultural que envolve toda a história milenar da produção de tecidos e de peças em si.
Em março de 2020, quando foi declarada a pandemia do novo coronavírus pela OMS, as aglomerações e os eventos sociais foram suspensos. Em meio ao cenário da crise de saúde brasileira, os profissionais da cultura foram duramente prejudicados, com 458 mil postos de trabalho, tanto formais quanto informais, perdidos ao final do ano passado, em comparação com o último trimestre de 2019, segundo informações do Painel de Dados do Observatório Itaú Cultural.
Antes da pandemia, o segmento cultural, junto com o setor criativo, movimentava cerca de R$ 171,5 bilhões por ano, correspondente a quase 3% da riqueza nacional. A previsão era de que esses segmentos gerassem R$ 43,7 bilhões para o PIB brasileiro até 2021, porem 35% desse valor deixou de ser gerado devido às paralisações causadas pela crise do novo coronavírus, como foi apresentado nos resultados preliminares da pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, divulgados em 29 de abril e feita pela Universidade de São Paulo (USP).
No terceiro trimestre de 2020 que a Lei Aldir Blanc entrou em vigor, prevendo uma renda emergencial de três parcelas de R$ 600 para profissionais da cultura, além de um subsídio mensal de R$ 3 mil a R$10 mil para a manutenção de pequenas empresas, organizações culturais e espaços artísticos que ficaram paralisados.
Também foi disponibilizado um montante de R$ 3 bilhões, repassado pelo governo federal para o pagamento desse auxílio. Porém, segundo o Ministério do Turismo em abril de 2021, 25% desse valor, que corresponde a R$ 773,9 milhões, não foram utilizados nos 120 dias do prazo inicial, permanecendo, assim, nas contas dos Executivos locais.
Esse atraso na utilização da verba destinada aos profissionais da cultura ocorreu devido a irregularidade de diversas regulamentações que deveriam ser feitas por prefeitos e governadores dentro do prazo inicial. Assim, em 21 de abril de 2021, foi aprovado um projeto de lei que reformulou a Lei Aldir Blanc, permitindo aos Estados e Municípios a utilização do saldo remanescente do montante até dia 31 de dezembro.
A prorrogação da lei foi vista como uma vitória por muitos do setor cultural, já que ainda não existe um meio viável para criar ambientes presenciais seguros para muitos segmentos artísticos, e o auxílio permite que muitos profissionais mantenham seus trabalhos.
O ator, pesquisador e estudante Pitágoras Lemos ressalta que a Lei Aldir Blanc foi sancionada em um momento altamente necessário, porém nada é perfeito. “Para muitas pessoas pode parecer só um ‘legal, ganhei 600 reais’, mas nós (artistas) precisamos continuar trabalhando, e pra isso eu preciso apresentar uma peça, uma dança, uma performance. E eu, que faço teatro, sei lidar com o público, mas não sei lidar com edição de imagem, então eu vou ter que contratar alguém que saiba, e aí esses 600 reais já se transformaram em 500, em 400... Isso é o suficiente para uma compra do mês?”
Compartilhando a mesma visão acerca do auxílio, a dançarina, professora e estudante Deborah Lugli também ressalta que continuar trabalhando não precisa significar um trabalho contínuo ou automático, e sim de forma que seja possível e acessível para cada profissional no meio virtual. “É preciso olhar para o todo, e não apenas para o individual. Então, esses coletivos que se juntaram para repensar o setor cultural devem continuar a se fortalecer, é preciso olhar para o todo”, adiciona.
Porém, os impactos no meio cultural vão muito além das questões financeiras e do auxílio emergencial. A vida longe dos palcos físicos e sem a possibilidade de trocar experiências e sensações com o público dificultam muito o trabalho dos artistas, assim como a diminuição das oportunidades no mercado de trabalho e a maneira com que o governo tem tratado as questões referentes ao setor.
“Quando a gente está finalizando a graduação, é um momento complicado, é um momento de caminharmos com as próprias pernas, mas descobrir isso no meio de uma crise sanitária, em um momento que tudo se transformou, é bastante difícil de lidar, porque a cena mudou, e ter estudado a cena presencial e me formar na cena digital nesse período da crise é algo difícil de entender”, aponta Deborah.
Já para Pitágoras, a falta de contato com os espectadores é o principal desafio: “Há a perda da troca, da crítica. O que é apresentar para uma tela? Como é para o público receber isso? Nós não sabemos mais, tudo é mediado pelo computador, não há mais troca física”.
Sem mais a possibilidade de juntar um público, as peças via Zoom, lives no Instagram, exposições virtuais e até ensaios fotográficos via FaceTime explodiram por todo o país, e mesmo entre tantas dificuldades, os artistas ainda veem no cenário digital, uma premissa para o futuro, afirmando que dificilmente haverá o rompimento com o virtual, por já ter se tornado uma camada incorporada à arte, capaz de conectar pessoas de todo o Brasil e do mundo em um único lugar.
Ainda assim, as soluções à distância não são o bastante para manter economicamente os mais de 6 milhões de profissionais que trabalham no segmento cultural, tornando um subsídio do Estado uma necessidade para todo o setor, que deverá ser o último a retomar as atividades presenciais, em razão das medidas sanitárias necessárias para tal acontecimento.
Foto da capa: O ator Luis Carlos Shinoda, fundador do Cangaias Coletivo Teatral. Imagem de divulgação da peça "Na colônia penal", transmitida pelo YouTube.
No ano de 2019, em um podcast que analisa as postagens de Britney Spears no Instagram, um áudio de um advogado anônimo foi revelado onde o mesmo expressava suas dúvidas e críticas sobre como o pai e equipe da cantora lidava com a tutela e a vida pessoal de Spears. Após a disseminação do áudio, os fãs da cantora ressurgiram com o movimento #FreeBritney, pedindo a liberdade total da artista da tutela que vive sob desde 2008. No dia 23 de Junho de 2021, a cantora norte-americana finalmente quebrou seu silêncio e deu veracidade às suspeitas que seus fãs tinham. Em uma audiência pública transmitida online por áudio, a artista revelou que em 2018, foi obrigada a performar em sua turnê em Vegas após ser ameaçada por sua equipe. Mais tarde, depois de se recusar a incluir um passo de dança em uma de suas performances, foi forçada a se registrar em uma casa de reabilitação em Beverly Hills, na Califórnia.
Seguindo o ocorrido, seus medicamentos foram trocados sem seu consentimento e Britney revelou se sentir bêbada com os efeitos do lítio, sua nova pílula. Em uma de suas falas mais chocantes e repercutidas, a cantora revelou que quer se casar e ter novos filhos, mas a equipe da tutela não a deixa, inclusive proibindo Spears de retirar seu DIU, método contraceptivo que é forçada a utilizar. Spears também sinalizou abusos cometidos por seu pai e o resto de sua família; em um momento afirmou que todos merecem estar na prisão e que pretende processá-los.
Após a audiência, alguns artistas publicaram em suas redes sociais mensagens em apoio a Britney. A cantora Mariah Carey escreveu em seu twitter: "Te amamos Britney! Continue forte"; a atriz Keke Palmer postou em seu Instagram um texto apoiando Spears; o ator, cantor e ex-namorado de Britney, Justin Timberlake afirmou em uma de suas redes sociais: "Nenhuma mulher deve ser restringida de fazer decisões sobre seu próprio corpo." A próxima audiência está marcada para 14 de Julho de 2021.

Com a desculpa da circulação do vírus e a forte necessidade de culpar alguém pelo acontecimento, as práticas xenofóbicas ganharam um novo contexto. Antes mesmo do início da quarentena no Brasil, a estudante Camila Odahara Monteiro, 19 anos, com descendência japonesa, vivenciou um momento de piada de cunho xenofobico no metrô de São Paulo, quando dois meninos brancos passaram por ela rindo e a chamaram de “corona”, devido a seus traços asiáticos. A jovem disse que costuma responder às provocações, mas desta vez não soube como reagir ao comentário devido ao choque.
O Brasil possui mais de dois milhões de pessoas que se autodeclararam de cor amarela, como apontam os Dados do IBGE. São asiáticos e descendentes, em sua maioria japoneses, coreanos e chineses. Estes se tornaram os maiores alvos de comentários racistas após frases twittadas em março de 2020 por Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo Estado de São Paulo (PSL), responsabilizando a China pela proliferação do vírus e a acusando de espionagem por meio de sua estrutura 5G.
O instituto Ibrachina, responsável por fortalecer as relações entre Brasil e China, abordou a influência dos líderes, ao apontar que todas as atitudes, comentários ou ações têm potencial em repercutir entre seus seguidores. “Algumas vezes, as pessoas não pensam sobre a questão e adotam a postura do influenciador. Em outras, entendem que a forma como pensam e sentem está sendo “validada”. Isso os empodera para externalizar atitudes que estão em desacordo com os princípios de respeito ao próximo, e de acordo com princípios legais.”
O ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi um dos líderes que demonstrou suporte ao racismo contra descendentes asiáticos, com comentários disseminando ódio, principalmente contra a China, assim como Eduardo Bolsonaro (PSL). Em resposta aos ataques cresceu o movimento Stop Asian Hate nos Estados Unidos (Pare o ódio asiático), com intuito de colocar fim a qualquer insulto ou ação xenofóbica direcionada ao povo e cultura asiática, por meio de denúncias e manifestações nas redes sociais. A campanha teve início em março de 2020, período inicial da pandemia.
Com o tempo, o movimento também gerou impacto no Brasil, a influenciadora e atriz Ana Hikari, a primeira descendente asiática a protagonizar uma novela da rede Globo, traz consigo uma importância muito grande ao meio artístico e ao movimento, contribuindo fortemente na divulgação de informações, explicações e manifestações em prol da campanha.
Mas não só no meio político houve ações inapropriadas. Influenciadoras, principalmente voltadas à maquiagem, trouxeram uma nova técnica para ensinarem a seus seguidores, o foxy eye, procedimento que utiliza cílios postiços e delineador para alongar os olhos, aproximando-se dos traços asiáticos. De acordo com a publicitária Melissa Ery, que tem ascendência asiática, é uma ação incômoda, pois traz a ideia de que características asiáticas, que sempre foram motivos de zombarias, só ficam bonitas quando uma garota branca as está usando.
Com uma explicação histórica muito antiga, a xenofobia no Brasil é algo forte e ainda presente. O processo migratório asiático, essencialmente japonês, intensificou-se após o fim da escravidão negra. Em 1906 ocorreu a entrada de 15 mil japoneses no território brasileiro. Após acordo realizado entre os dois países esses imigrantes foram submetidos a uma escravidão velada, um cenário que se apresentou quando cafeicultores brasileiros depararam-se com escassez de mão de obra para seu plantio. Acordos feitos com a China possibilitaram contratar descendentes para trabalharem por um salário injusto, jornadas exaustivas e nenhum direito garantido.
Mesmo com a intensa interação das culturas asiáticas e brasileiras, a formação do pensamento eugênico fortaleceu e marcou a História com ações políticas anti-nipônicas, como o Regime de Cotas, que limitava as correntes migratórias, principalmente a amarela. Revistas retratando a inferioridade e a estranheza deles circularam, reforçando a não miscigenação com asiáticos.

O cenário pandêmico tornou o problema mais visível e intenso, como aponta o Instituto: “O que chega na mídia geralmente são casos extremos, mas as pessoas também manifestam xenofobia de formas sutis”. Piadas, gestos e a criação de esteriótipos, são práticas marcantes na sociedade. Júlia Haruko Minamihara, 18 anos, com descendência japonesa, identificou pela primeira vez essa situação em 2018, após ouvir risadinhas e piadinhas por sua aparência e ser chamada de “japa”.
O racismo amarelo, também chamado de micro racismo, é perpetuado pela falta de conhecimento e interesse popular, mesmo o assunto sendo colocado em evidência. Júlia também relata que por muitas vezes escutou de pessoas próximas “Não há necessidade de mudar a forma como eu te chamo, sempre te chamei de “japa””, identificando a descrença na necessidade de mudanças.
Apesar disso, racismo e xenofobia são classificados como “crimes de ódio”. “O racismo é crime inafiançável, de acordo com o inciso XLII do artigo 5º da Constituição Brasileira e xenofobia também é crime. O artigo 140, inciso 3º do Código Penal, trata sobre injúria racial e abarca o conceito de xenofobia”, como levantou o Instituto Ibrachina. Eles também orientam a gravar a situação caso presencial, tirar prints de publicações, denunciar às plataformas e salvar links, quando o ataque ocorre nas redes sociais. E assim, encaminhar as denúncias à Polícia Federal, ou procurar o DECRADI, Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, são formas de combater ações preconceituosas.