A nova cinebiografia de Bob Dylan simplifica o início de carreira do astro e dilui suas fúrias com o mundo
por
Clara Dell'Armelina
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10/03/2025 - 12h
(Timothée Chalamet e Elle Fanning em cena do filme "Um Completo Desconhecido"/Foto de Macall Polay)
(Timothée Chalamet e Elle Fanning em cena do filme "Um Completo Desconhecido"/Foto de Macall Polay)

         Indicado a oito estatuetas no Oscar de 2025, mas não tendo vencido nenhuma, “Um Completo Desconhecido” (2024) é um filme que faz jus ao nome: o telespectador senta na poltrona de cinema e encara o protagonista do início ao fim como um completo desconhecido – por mais que, pelo menos em teoria, o filme seja uma biografia. Com uma história cansativa e hollywoodiana, cheia de personagens caricatos e estereotipados, as duas horas e vinte do novo longa de James Mangold resumem-se a uma playlist da discografia de Bob Dylan com músicas tocadas a cada dez minutos e a história de sua traição em função de um egocentrismo e de sua personalidade excessivamente presunçosa, traços que me parecem quase obrigatórios em narrativas que Hollywood tenta fazer de grandes artistas.

         No início do filme, o que vemos na tela é um homem sem dinheiro e sem teto chegando a Nova York no ano de 1961. Por uma falta de profundidade no enredo, não sabemos e nem saberemos de onde veio e o que busca. Ele apenas carrega consigo o romantizado sonho de tocar para seu ídolo debilitado no hospital, Woody Guthrie. Durante a visita ao doente, Dylan conhece um amigo próximo de Guthrie, o músico Pete Seeger, que lhe oferece um lugar para passar a noite. As poucas linhas dramáticas no encabeçamento da história - Quem eram as pessoas no carro de Pete? Quem Bob conhece na cidade? Onde ele vai morar? Como ele começa sua carreira musical? - fazem parecer como se as estrelas estivessem alinhadas desde o início para Bob Dylan, dando um caráter inverossímil.

         Seeger tem papel fundamental na introdução de Bob Dylan ao mundo da música, mas o jovem astro parece sempre ter uma postura ingrata para com ele, em função de seu desprezo a se reduzir a gêneros musicais e ao que a indústria musical exige, o que o faz enfrentar seu primeiro conflito profissional: a gravadora, Columbia, rejeita suas músicas originais e só o deixa fazer covers de clássicos folk.

         Fato é que, após o episódio de encontro entre Dylan e o músico Pete Seeger, o filme parece contar uma história atropelada. Com o protagonista, logo em sua primeira noite de um show sem compromisso, tendo a presença de profissionais da indústria musical que imediatamente oferecem-se para representá-lo. E de uma mulher, Joan Baez (Monica Barbaro) também do ramo musical, que parece já admirá-lo reciprocamente. Assim, logo nos primeiros minutos de filme, o protagonista é cercado do sonho americano estereotipado: uma mulher e oportunidade na carreira musical.

         Em uma apresentação, Dylan conhece quem viria a ser sua futura namorada, Sylvie Russo (Elle Fanning), e clichês no momento de traçar as personagens é o que menos falta. Sylvie, por exemplo, é a clássica namorada politizada e pintora, mas que incorpora uma personalidade correta demais para as expectativas de Bob Dylan. Assim, ele encara sua amante e companheira de carreira, Joan Baez, traçada como uma mulher mais solta e tranquila, como uma válvula de escape para o cansaço que seu namoro lhe traz.

(Timothée Chalamet e Monica Barbaro cantando em cena do filme "Um Completo Desconhecido"/Foto de  Divulgação/20th Century) Divulgação/20th Century
(Timothée Chalamet e Monica Barbaro cantando em cena do filme "Um Completo Desconhecido"/Foto de Divulgação/20th Century)

         Mas estes perfis de personagens clichês florescem ainda mais nos empresários responsáveis pela carreira dos músicos: homens brancos, espalhafatosos, com charuto na mão e que reprimem o artista de sair dos padrões – até o momento em que são desobedecidos e o artista alcança seu sucesso supremo.

         O filme apenas retrata seu lado público, aquele que o mundo já conhece. Foca excessivamente em suas relações românticas em detrimento de suas singularidades como pessoa. Não conhecemos o eu de Bob além de sua arrogância, deixando de fora até os Beatles, cuja popularidade deu um exemplo que o atingiu como um raio. Além disso, em certo ponto do filme, James Mangold parece entender que, para contar a história de um astro da música, o essencial é empurrar uma chuva incessante de músicas de sua discografia, contando pouca história e tocando muita música.

         O roteiro parece vincular a mudança estilística de Bob meramente ao seu entusiasmo por Little Richard e Buddy Holly, e ao seu prazer em ouvir o amigo Bob Neuwirth (Will Harrison) tocar guitarra elétrica. No final, o personagem de Bob não expressa nenhum motivo mais básico do que o desejo de não envelhecer cantando “Blowin' in the Wind”, culminando em sua apresentação de rock elétrico no Festival Newport Folk (1965) que gerou opiniões das mais controversas.

         Se a ideia da cinebiografia de um artista é alcançar plateias maiores, além dos próprios fãs, é necessário um certo didatismo para explicar quem é seu protagonista e porque ele mereceu virar tema de um filme. Mas nem isso “Um Completo Desconhecido” (2025) faz. A história superficialmente contada faz com que não conheçamos bem a história de vida do próprio protagonista. Os espectadores que não sabiam da biografia de Bob Dylan, após o filme, passam a saber apenas que lhe desagradava ser encaixado em padrões de gêneros musicais, como o folk, e que era alguém complicado no quesito de relacionamentos, mas em que estas duas informações o fazem merecedor do protagonismo do filme?

 

Um Completo Desconhecido (A Complete Unknown) — EUA, 2024

Direção: James Mangold

Roteiro: James Mangold, Jay Cocks, Elijah Wald

Elenco: Timothée Chalamet, Joe Tippett, Edward Norton, Eriko Hatsune, Peter Gray Lewis, Peter Gerety, Lenny Grossman, David Wenzel, Scoot McNairy, Riley Hashimoto, Eloise Peyrot, Maya Feldman, Monica Barbaro, Dan Fogler, Reza Salazar, David Alan Basche, James Austin Johnson, Joshua Henry, Boyd Holbrook, Elle Fanning

Duração: 141 min

Contrariando expectativas do público, o longa foi o grande vencedor da noite, sendo consagrado em cinco categorias
por
Thaís de Matos
Giovanna Hagger
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10/03/2025 - 12h

“Anora” ganhou o principal prêmio da noite no Oscar 2025 no último domingo (02) em Los Angeles. Além de melhor filme, o longa levou mais outras quatro estatuetas.

A atriz, Mikey Madison, carregando sua estatueta do Oscar ao lado do diretor, Sean Baker, também carregando sua estatueta.
Mikey Madison ao lado de Sean Baker, diretor da película. FOTO: Carlos Barria/Reuters

 

A obra conta a história de Ani (Mikey Madison), dançarina e profissional do sexo, que vê uma oportunidade de sair dessa vida ao se casar com um oligarca russo, Vanya (Mark Eidelstein). A protagonista vê sua felicidade ser interrompida quando a poderosa família do rapaz chega aos Estados Unidos com a intenção de acabar com o casamento.

Na mesma noite, o filme também foi consagrado com os prêmios de Melhor Direção, Melhor Atriz (Mikey Madison), Melhor Roteiro Original e Melhor Edição. Das seis indicações, a produção não conquistou somente a categoria de Melhor Ator Coadjuvante com Yura Borisov, Kieran Culkin em “A Verdadeira Dor” levou a estatueta.

Após o anúncio de “Anora” como Melhor Filme, os produtores Alex Coco, Samantha Quan e o diretor Sean Baker receberam suas estatuetas e destacaram a importância do cinema independente em seus discursos. “À todos os sonhadores e jovens cineastas por aí: contem as histórias que vocês querem contar, contem as histórias que te movem. Eu prometo que vocês nunca vão se arrepender”, disse Quan.

Coco comentou o valor da produção (6 milhões de dólares) e ressaltou que foi toda feita em Nova York com uma equipe de 40 funcionários. “Nós fizemos esse filme de forma independente; se você está tentando fazer filmes independentes, por favor continue fazendo, nós precisamos de mais, essa é a prova.” Por fim, após os agradecimentos a Academia e a equipe, Baker exclamou um pedido de “vida longa ao filme independente”.

Da esquerda para a direita, os produtores Samantha Quan, Sean Baker e Alex Coco.
Da esquerda para a direita, os produtores Samantha Quan, Sean Baker e Alex Coco. FOTO: Monica Schipper/Getty Images

 

"Anora" ter ganho seis estatuetas dividiu a opinião dos críticos cinematográficos e do público. Alguns portais, como o Omelete, acharam muito justo os prêmios recebidos pelo filme por representar as trabalhadoras do sexo no cinema. Entretanto, outros, como o jornal Metrópole, avaliam que a obra reforça alguns estereótipos e que, por sua visão, o público pode acabar subjugando a realidade dessas mulheres.

Além do Oscar, “Anora” também venceu premiações como a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2024, Melhor Filme no Critics Choice Awards e Melhor Comédia ou Musical no Globo de Ouro, fora outros triunfos. 

"Anora" estreou nos cinemas brasileiros em 23 de janeiro de 2025 e atualmente continua em cartaz, sem uma data prévia para entrar nos streamings.

Confira o trailer do filme abaixo:

Mostra “Todo Mundo” exibe equipamentos e produções que exaltam o trabalho do fotógrafo
por
Sophia Razel
Letícia Alcântara
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25/11/2024 - 12h

O Instituto Moreira Salles recebe, até 9 de março de 2025, a exposição gratuita “Todo Mundo”. A mostra celebra a trajetória do cineasta e fotógrafo Thomaz Farkas, exprimindo sua contribuição para o cenário cultural brasileiro. 

Fotos em preto e branco de torcedores no estádio do Pacaembu, em 1942
Fotos de Thomaz Farkas, de  torcedores no estádio do Pacaembu, em 1942 - Foto: Sophia Razel

Farkas, filho de imigrantes húngaros, chegou ao Brasil ainda muito novo, em meados de 1940. Em suas fotos, documentava as diferenças sociais e as nuances do cotidiano com sensibilidade e maestria. O fotógrafo tinha um olhar único e capturava com louvor o cenário e o modo de vida brasileiro. 

Cinco pessoas sentadas assistindo um filme em um telão
Visitantes atentos  assistindo a um dos documentários do cineasta em telão presente na exposição - Foto: Sophia Razel

Um dos seus trabalhos mais famosos, a “Caravana Farkas”, produzido entre os anos de 1960 e 1970, foi um marco no cinema brasileiro. A Caravana foi idealizada a partir do desejo do fotógrafo em explorar e documentar tradições e comunidades que não tinham voz e visibilidade, sendo considerado um marco no audiovisual. 

 

Tela com miniaturas de fotos estampadas em painel
Mosaico fotográfico colorido com imagens do projeto “Caravana Farkas”, que retrata o cotidiano de brasileiros - Foto: Sophia Razel

 

Mulher em pé assistindo um vídeo em uma sala branca. com cartazes na parede
Visitante assiste vídeo da curadora Rosely Nakagawa, próxima à fotografias, documentos e cartazes produzidos por Farkas. Por: Letícia Alcântara
Manuscrito de Thomas Farkas estampado na parede, em que narra seu amor pela fotografia
Manuscrito de Farkas que fala da relação do fotógrafo com a fotografia - Por: Letícia Alcântara
Câmeras fotográficas analógicas em uma estante de vidro
Modelos variados de câmeras clássicas que representam o  profissionalismo e pioneirismo de Thomaz Farkas - Por: Sophia Razel
Pôster vermelho com letras pretas escrito "Fotótica" e, ao lado, pôster bege com fotografias em preto e branco e letras
Pôster da Fopoctica, loja e galeria fundada em São Paulo pelo fotógrafo (à esquerda), e pôster da Cinemateca (à direita) - Por: Letícia Alcântara

Ao colocar seu foco sobre pessoas comuns, o fotógrafo destaca a beleza e a riqueza do Brasil em seus aspectos mais simples, e, ao mesmo tempo, muito significativos.

Fotos em preto e branco do projeto "Caravana Farkas"
Fotos em preto e branco o que contém imagens do projeto “Caravana Farkas”, retratando mais algumas imagens do cotidiano dos brasileiros - Foto: Letícia Alcântara

A exposição está disponível para visitação de terça a domingo, das 10h às 20h. As obras se distribuem entre o 7° e 8° andar do Instituto Moreira Salles, localizado na Avenida Paulista, 2424.

Fotógrafo Thomaz Farkas segurando uma câmera na mão
Imagem de Thomaz Farkas, já mais velho, junto com frase que expressa sua paixão pela fotografia - Foto: Letícia Alcântara

 

Documentário sobre sistema prisional gera debate sobre a sensibilização de reclusos
por
Maria Eduarda dos Anjos
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31/10/2024 - 12h

Dirigido por Débora Gobitta, o documentário “Liberta!” percorre a realidade da ressocialização no Brasil e o impacto que a literatura tem no ecossistema carcerário, dentro e fora das prisões. O objetivo principal é humanizar, sob a visão do público, uma parcela de mais de 663 mil brasileiros privados de liberdade, segundo levantamento da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) em 2024. A obra pontua as origens escravocratas do código penal brasileiro, enquanto coloca o sistema prisional como o “maior navio negreiro da atualidade”, em como as políticas de reintegração social atuais são ineficientes. 

A Lei de Execução Penal, desde 2011, conta com a possibilidade de diminuição de tempo de reclusão por estudo. Dentre as práticas está a leitura, que comprovada pela escrita de uma resenha sobre a obra literária, pode encurtar até 4 dias de penitência. Limitado, o recurso pode ser usado para a leitura de até 12 livros ao ano, rendendo 48 dias. Uma bibliotecária conta que, apesar de começarem a ler pela barganha, muitos excedem o limite de livros por mês para diminuir a pena e adotam a literatura como a companheira do tempo de tempo de prisão. 

O longa retrata uma indignação revigorante também daqueles que dão as diretrizes do funcionamento do sistema penal e não estão de acordo com a herança escravocrata e punitivista que ele carrega, além da parte que a mídia tem em propagar uma histeria coletiva que cria no senso público uma necessidade por medidas como a prisão preventiva, que até o fim de 2023, deteve cerca de 213 mil pessoas em aguardo de julgamento em situações precárias e celas superlotadas. 

cartaz de divulgação do filme/ reprodução
Cartaz de divulgação do filme/ reprodução

O documentário ultrapassa o rótulo de “preso” ou “oficial de justiça”, com  entrevistas que focam no impacto transformador que o contato com a leitura teve em cada um dos detentos, ex-detentos, assistentes sociais, professores e juristas, para tirar do individual exemplos de práticas que poderiam ser a regra do coletivo. A literatura alimenta o universo interno dessas pessoas e desperta um interesse pelo conhecimento que é importante a jornada de vida após a liberdade.

Talvez a história mais tocante foi a da parceria desenvolvida entre Jaime Queiroga, coordenador do Sarau Asas Abertas, e Gih Trajano, poeta e slammer (poeta que participa de batalhas de poesia): ele estava prestes a desistir da poesia, e ela, prestes a entrar de volta para o crime, como contam no longa. O primeiro contato ainda no cárcere foi ruidoso, mas logo desenvolveram uma parceria e amizade que se materializou no “Encontro de Ideias Audiovisuais”, na Cinemateca Brasileira.
Durante o bate-papo após a sessão, os realizadores do filme agradeceram a todos que fizeram aquilo possível e estavam na plateia, em uma maratona de aplausos que mostrava como “Liberta!” se preocupou não só em mostrar, mas ser ferramenta ativa da reintegração de quem já passou pelo sistema prisional. Gih foi imortalizada pela Academia de Letras do Cárcere, e usa a arte como ferramenta de trabalho e de libertação, uma forma de “vingança”, como declama em um dos poemas citados no filme.
Patricia Villela Marino, presidente do instituto Humanistas 360, que auxilia recém egressas a retomarem suas vidas do lado de fora, era uma das convidadas e co-produtoras do documentário, e levou quase uma fileira inteira de integrantes do projeto a se levantarem para receber sua homenagem.

Como documentário de impacto social, a exibição de “Liberta!” é direcionada principalmente a grupos educacionais ou que lidem diretamente com a restrição de liberdade, o que já o levou à Fundação Casa, Penitenciária Maria Julia Maranhão em João Pessoa, UNICAMP e UFRGS, e chegará na Alesp, segundo a produtora Daniela Conde.
Na sessão da Cinemateca Brasileira, após ser questionada sobre o que a sociedade civil pode fazer, responde: “Mobilizar a sociedade civil, e o filme foi pensado para isso. A grande intenção é que ele chegue nos policiais penais, que ainda são muito resistentes à organizações da sociedade civil entrar nos presídios, por mais que haja espaço É claro que ninguém muda o sistema sozinho, mas é uma importantíssima redução de danos, e redução interessa muito”.
 

Com 417 filmes, o festival explora a diversidade da cinematografia mundial
por
Beatriz Yamamoto
Maria Eduarda Jussiani
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30/10/2024 - 12h

A 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o maior evento de cinema do Brasil, começou na quinta-feira, 17 de outubro, trazendo uma ampla seleção de filmes de diversas partes do mundo. Contando com 417 produções de 82 países, a Mostra promete exibir longas premiados e novas vozes do cinema global até o dia 30 de outubro. 

As exibições ocorrem em 19 salas da capital paulista, com grande concentração na região da Avenida Paulista e Rua Augusta, que se transformam no epicentro cultural da cidade durante o evento. Além disso, a Cinemateca Nacional, pela segunda vez consecutiva, é um espaço importante da Mostra, abrigando não apenas sessões tradicionais, mas também apresentações especiais e gratuitas.

Nesta edição, o cinema indiano ganha destaque como tema central, proporcionando ao público brasileiro uma nova perspectiva sobre a diversidade e riqueza da cinematografia mundial. O jornalista Matheus Mans, especialista em audiovisual e membro votante da Online Film Critics Society, comenta a escolha: “Eu fiquei muito feliz e bastante surpreso com a escolha da Índia como tema da Mostra de São Paulo de 2024. Apesar de ser um cinema que está sendo redescoberto fora dos limites da Índia, ainda há um estigma forte no Brasil. Muita gente pensa apenas nas produções com danças e altos valores de produção, mas o cinema indiano tem pérolas maravilhosas.”

 

Poster
Imagem: Reprodução / 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

 

O cartaz da Mostra é uma arte de Satyajit Ray, retirada do storyboard de “A Canção da Estrada” (1955), seu primeiro longa. Ray, cineasta, artista gráfico, compositor e escritor, será homenageado com a exibição de sete de seus filmes, feitos entre  1955 e 1966. Essa homenagem destaca a cinematografia da Índia, que conta com cerca de 30 filmes na programação. As obras refletem a diversidade do cinema indiano, com a participação de diretores, atores e produtores no evento.

A programação também inclui títulos que oferecem diversos olhares sobre o Oriente Médio, com três filmes do cineasta palestino Michel Khleifi, além de obras restauradas do cinema brasileiro. A Mostra homenageia Rogério Sganzerla com a versão digitalizada de “Abismu” e celebra os 40 anos de “Paris, Texas” (1984), os 20 anos de “Os Educadores” (2004) e o centenário do italiano Marcello Mastroianni, com a exibição de “Marcello Mio” (2024), de Christophe Honoré, além de seis filmes estrelados por ele.

Reconhecida por promover o cinema brasileiro, a Mostra oferece visibilidade a novos cineastas. Matheus ressalta a importância do evento para o reconhecimento de novos talentos, mas acredita que ainda há espaço para uma maior valorização: “É importante para o cineasta ser exibido ali, passar por uma validação crítica, mas poderia haver um trabalho mais forte para que esses profissionais tenham uma projeção nacional mais ampla, além da bolha cinéfila.”

A troca de experiências entre cineastas nacionais e internacionais é outro ponto fundamental da Mostra, que ao longo dos anos tem se consolidado como um espaço de diálogo criativo. Mans reforça a relevância dessa interação: “O Brasil precisa dessas parcerias, principalmente em um mercado audiovisual que muitas vezes não tem o investimento necessário para grandes projetos. A Mostra é um ponto importante para fomentar essas conexões.”

Entre as produções destacam-se o aguardado “The Shrouds”, de David Cronenberg, o vencedor da Palma de Ouro “Anora”, de Sean Baker, e a obra nacional “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, prometendo uma sessão especial com a presença do diretor e elenco. “Com certeza vai ser uma daquelas sessões históricas da Mostra que não dá para perder”, afirma Matheus Mans.

Este ano, a Mostra conta com a 1ª edição da Mostrinha, uma iniciativa voltada para a nova geração, dedicada à infância e à juventude, que apresenta 22 títulos em sessões espalhadas pela cidade. Entre os filmes estão “Ponyo: Uma Amizade que Veio do Mar” e “O Serviço de Entregas da Kiki”, do Studio Ghibli, além de produções nacionais como “Castelo Rá-Tim-Bum” e “O Menino Maluquinho”. A Mostra também exibe 27 títulos com recursos de acessibilidade, incluindo coproduções brasileiras, documentários, ficções e animações.

Os ingressos para o evento variam entre R$15,00 e R$30,00, com opções de pacotes e credenciais permanentes disponíveis para compra online e nas bilheteiras dos cinemas participantes. Além disso, há sessões gratuitas espalhadas pela cidade, tornando o evento acessível a um público ainda mais amplo.

Com uma programação diversa e imperdível, a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo reforça sua posição como um dos eventos mais relevantes do calendário cultural do país.

Para saber mais sobre a Mostra, acesse: 48.mostra.org

“É um gênero que chegou para ficar”, afirma o cineasta Maurício Eça sobre o 'true crime'.
por
Maria Ferreira dos Santos
Marcello R. Toledo
|
07/06/2022 - 12h

Dificilmente uma notícia circulada nos jornais fica limitada ao campo jornalístico. É comum que haja enormes desdobramentos a respeito do fato após a sua divulgação, seja se tornando assunto de debates ou até mesmo virando livro ou produção cinematográfica. É o que acontece, por exemplo, com crimes que chocam uma grande parcela de pessoas. Há casos dos quais é possível dizer que horrorizam o mundo inteiro. É nesse contexto que surge o gênero true crime.

O true crime é o termo em inglês designado para tratar das obras sobre crimes reais. Indo muito além do “baseado em fatos reais”, essas realizações normalmente têm alto teor jornalístico e jurídico , contendo entrevistas, autos de processos, gravações feitas em tribunais, imagens da cobertura da imprensa e diversos outros. “Fazer true crime é um processo muito sério, foi preciso ter um acompanhamento jurídico muito forte, porque a gente está falando de vidas, de vítimas e de pessoas que ainda estão entre nós”, disse Maurício Eça, diretor dos filmes “A Menina que Matou os Pais” e “O Menino que Matou Meus Pais”.

O trabalho de Eça, lançado pela Amazon Prime Video em outubro de 2021, retrata o assassinato do casal Manfred e Marísia von Richthofen a pauladas pelo genro Daniel Cravinhos e seu irmão Cristian. Apesar da maneira agressiva do crime, o que chocou o Brasil em 2002 foi o envolvimento da filha das vítimas, Suzane von Richthofen, como mandante. O cineasta disse que todo o processo de produção foi trabalhoso. “Todo o pessoal da equipe, os atores, os produtores, todos sabiam muito bem onde estavam pisando, tudo com um respeito imenso e sabendo os limites. Nós tivemos um cuidado absurdo e acho que isso fez a diferença”.

Foto do cenário dos filmes “A Menina Que Matou os Pais” e “O Menino Que Matou Meus Pais”, com os atores Carla Diaz como Suzane von Richthofen e Leonardo Bittencourt como Daniel Cravinhos Foto/Divulgação: Stella Carvalho/Galeria Distribuidora/Amazon
Foto do cenário dos filmes “A Menina Que Matou os Pais” e “O Menino Que Matou Meus Pais”, com os atores Carla Diaz como Suzane von Richthofen e Leonardo Bittencourt como Daniel Cravinhos Foto/Divulgação: Stella Carvalho/Galeria Distribuidora/Amazon

 

Em entrevista à AGEMT, Maurício relembrou algumas críticas feitas à realização dos longas-metragens, muitas delas eram ditas por pessoas que não sabiam ao certo como seria executado o projeto. A maioria se perguntava se os assassinos iriam receber cachê por isso, quando na verdade todo o procedimento foi feito com base nos documentos da época, não necessitando, assim, da ajuda dos criminosos. Portanto, além de não terem qualquer envolvimento com a iniciativa, os criminosos não receberam valor algum. “O que nos guia é o processo [judicial]”, declarou o diretor de cinema. 

Ainda sobre a aceitação do público, ele reiterou que alguns espectadores procuram “respostas simples que não existem”, porque a verdade sobre o crime é conhecida somente pelos que estavam ali presentes. Assim, o intuito do true crime não é julgar ou inocentar alguém, mas apresentar o que se sabe sobre o ocorrido. Maurício acrescenta: “nosso objetivo em nenhum momento foi glamourizar essa história ou defender eles, era realmente mostrar [...]muitas vezes não tem que justificar, a gente tem que mostrar! Por que você vai justificar o que o cara fez? Não dá para justificar. É complicado né”.

Questionado sobre o porquê da categoria já ser tão popular fora do Brasil e só agora ter ganhado espaço por aqui, Maurício declarou que  “o true crime já está sendo consumido no Brasil há muito tempo, mas só agora ele está sendo aceito em produções locais”. O diretor completa que parte do motivo de tal crescimento talvez seja devido a conjunturas do nosso tempo “a pandemia acelerou muito isso, tem um pouco de inconformismo, um pouco de curiosidade, acho que tem um pouco disso tudo”. Ele conta também o quão difícil foi convencer os investidores a produzirem tais filmes, “Foram anos para conseguir convencer as pessoas a fazerem esses filmes. Elas consomem tanta coisa gringa, por que não consumir do brasileiro?

É no mínimo curioso o interesse das pessoas por histórias muitas vezes sangrentas de crimes. Esse gênero cresce cada vez mais e no Brasil ainda temos diversos filmes e documentários sendo produzidos para o futuro, como confirmou o cineasta. A psicóloga e psicanalista Ana Carolina Valim, resgata os estudos de psicanálise de  Jacques Alain Miller para explicar tanto interesse em um gênero trágico. Para ele, segundo Ana, “nada é mais humano do que o crime”. “Rejeitamos o crime porque ele mesmo nos faz humanos ao não cometê-lo. Por conseguinte, são os mesmos seres humanos que os cometem, pois foram eles mesmos que o inventaram. Não existe crime na natureza animal [...] os animais não sentem culpa por matar ”, esclarece Valim. Ainda sob esse aspecto, a profissional traz o debate acerca do entendimento da sociedade sobre o ato de matar: “Assistimos crimes de várias modalidades em nossas telas. Gostamos daquele que mata pelo bem e repudiamos aquele que mata pelo mal. Entretanto, o que não observamos é que essas duas figuras possuem o denominador comum: matar. Os super-heróis também causam fascínio na grande massa consumidora de ficções. Mas qual a diferença entre o herói que mata pelo bem e o monstro que mata pelo mal?”. 

 

Parte importante da conscientização do autismo é desconstruir os estereótipos criados pelo audiovisual.
por
Maria Ferreira dos Santos
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26/04/2022 - 12h

 

Enganam-se aqueles que acreditam que o cinema é somente entretenimento, na verdade, toda a sua história é marcada por filmes que têm a intenção de fazer denúncias e conscientizar seus espectadores. O clássico “Tempos Modernos(1936)” de Charlie Chaplin, por exemplo, expõe a desumanização e exploração do trabalhador no período da Grande Depressão com cenas cômicas, como quando o personagem Carlitos é puxado por uma máquina de produção e entra em suas engrenagens.

De Chaplin para cá muita coisa mudou, inclusive a facilidade de se assistir às produções audiovisuais. Mais de um século depois da estreia de Carlitos na tela grande, temos diversas plataformas digitais que permitem acesso a inúmeros filmes, séries e documentários sobre os mais vastos temas. Isso significa que as pessoas estão mais informadas sobre realidades que não a delas? Não necessariamente. Isso porque, infelizmente, o cinema pode criar estereótipos acerca de um assunto.

 Reprodução: Cena do filme Tempos Modernos (1936).

É o que acontece com a comunidade neurodivergente ou atípica, isto é, indivíduos que apresentam o desenvolvimento neurológico diferente daquele esperado. Há múltiplos diagnósticos e níveis entre as próprias condições, sendo o TEA (Transtorno do Espectro Autista) uma das mais notórias pela mídia audiovisual.

O estigma criado em torno do TEA está vinculado com a imagem de “autista gênio”, normalmente essa personagem é superdotada com habilidades de raciocínio lógico e matemático; em contrapartida não consegue relacionar-se e comunicar-se de maneira efetiva com as pessoas ao seu redor, nessas narrativas é comum o personagem nem mesmo falar.

Um exemplo está no filme “Código Para o Inferno”(1998), em que um agente do FBI interpretado por Bruce Willis passa a proteger Simon Lynch (Miko Hughes), um menino de nove anos autista que, sem o menor esforço, desvenda um "indecifrável" código do governo americano que tinha custado dois bilhões de dólares. Há também “O Contador” (2016) que exibe a história do autista Christian Wolff (Ben Affleck) que fez da matemática sua língua materna e, assim, desempenha sua atividade profissional de maneira excepcional num escritório de contabilidade; entretanto atua também em trabalhos de lavagem dinheiro para os principais bandidos do mundo e, logo, descobre uma fraude de dezenas de milhões de dólares, o que coloca sua vida em risco.

 Reprodução: Cena do filme Código Para o Inferno (1998).

 Para Alexandre Barbosa, pai de Alice, diagnosticada com autismo antes dos dois anos, essas produções não trazem uma visão realista, e sim uma visão romantizada. Tal construção pode ser perigosa, segundo a psicóloga Thamara Bensi, uma vez que “estamos lidando com um Espectro, não temos um fenótipo comportamental e nem cognitivo único e isso pode gerar no senso comum um estereótipo limitante e irreal”.

Ainda sob essa perspectiva Bensi reforça que “A sociedade precisa ter ciência de que o autismo é um Espectro, no qual, essa população dependendo do repertório precisa de mais ou menos suporte. Todos os autistas possuem suas potencialidades e seus pontos a serem desenvolvidos”. O posicionamento da profissional se assemelha ao da cineasta Letícia Soares, com a frase “Ninguém é igual ou limitado a uma lista de sintomas, cada um vive o mundo de uma forma”, assim ela dá início a um dos seus vídeos publicados no YouTube no seu canal Aspie Aventura. É nele que Soares apresenta uma série documental performática, em conjunto com outros atípicos, na qual mostra que “cada um curte uma coisa diferente. Nos aventuramos juntos e as pessoas também conhecem meu modo de pensar”.


Diante disso, torna-se perceptível a necessidade de uma maior responsabilidade da sétima arte em representar essa comunidade. O  bacharel em História e estudante de Licenciatura, William Morgado, diagnosticado com TEA aos doze anos, defende que neurodivergentes devem ser retratados como qualquer outra pessoa “com intelecto capaz de mostrar como somos; e que sabemos nos inserir na sociedade”.

 

Mercado até a pouco dominado pela Netflix, o ramo de serviços de streaming, é o novo foco de gigantes de Hollywood
por
Gabriel Lourenço Schiavoni
|
31/03/2022 - 12h

A história sobre a trajetória, explosão e mudança na cultura de consumo de filmes e séries provocadas pela Netflix na última década, já é perceptível no cotidiano de todos nós. Entretanto, muito se engana quem pensa que a expansão do mercado de streaming iria parar por aí, já nos últimos meses começamos a ver a nova etapa dessa história: A Guerra dos Serviços.

Com a voraz adesão do público à Netflix, somado a mudança de comportamento que o serviço causou nos consumidores, trazendo uma enorme variedade de obras disponíveis para acesso com a pouco cliques de distância, tudo sem deixar o conforto de casa, passou a impactar de forma negativa as bilheterias de cinema, que por sua vez já não eram prioridade, e também afetando drasticamente os planos de televisão à cabo que passaram a ser totalmente substituídos em diversas casas por uma assinatura da Netflix. Esses impactos negativos, incentivou em grandes produtoras como HBO, Disney e Paramount, além de gigantes da tecnologia como a Amazon o desejo de criar novos serviços de streaming, que viessem para capitalizar em cima de um publico, que por muito tempo, viu a Nettflix dominar um mercado em crescente expansão.

A resposta das concorrentes à Netflix, passou a vir de forma intensa nos últimos anos, com diversos serviços de streaming exclusivos surgindo, mas também retirando suas obras de demais serviços. Entre os diversos casos, o mais discutido foi o da Disney, que retirou seus sucessos da Netflix, entre eles, filmes da Marvel, conteúdos da saga Star Wars e da Pixar.

Com estes conteúdos ficando cada vez mais espalhados, não somente a Netflix sentiu um grave impacto na perda de seu catálogo, assim como o público se viu refém de decidir quais serviços englobariam melhor sua preferência e orçamento, uma vez que os catálogos de filmes estão cada vez mais separados entre diversos serviços distintos. Lucas (23), escritor em um blog voltado aos filmes da Marvel, entrevistado sobre a maneira como escolhe os serviços de sua preferência disse: “preço e catálogo exclusivo são as prioridades no momento das escolha (…) opto pelo Amazon Prime pelo custo benefício, e também pelos serviços da HBO e Disney por terem as series exclusivas que mais me interessam”. Também questionado sobre a vontade de consumir algum conteúdo que tenha disponibilidade apenas em outros serviços, Lucas afirma que “normalmente tento assistir em casa de amigos quando surge uma oportunidade, mas em momentos no qual a necessidade grita mais alto, acabo recorrendo a pirataria”.

Os impactos dessa concorrência, podem ser visto em dados revelados pela em relatórios financeiros da empresa,  os dados demonstram que ao decorrer de 2021 ocorreu uma queda se 75% na quantidade de novos assinantes quando comparada ao ano de 2020.

Infelizmente, no futuro próximo, essa guerra entre os serviços deve ganhar mais força. Lucas, questionado sobre expectativas para o futuro, diz: “espero que nos próximos meses, os serviços passem a oferecer planos de assinatura conjunta, ou preços mais acessíveis, assim, possibilitando um acesso a uma maior quantidade de assinaturas ao mesmo tempo”.

No segundo episódio do programa, Ivan Paganotti explica as principais táticas de manipulação da imprensa, mostrando ao público como identificá-las
por
Enrico Nunes, Esther Ursulino, Gabrielly Mendes e Isabela Mendes
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22/10/2021 - 12h

 

Produzido por estudantes de jornalismo da PUC-SP, o segundo episódio do podcast “Fato ou Picuinha?” desfaz o mito de que informações tendenciosas partem apenas de veículos anônimos sem credibilidade. Para isso, os alunos analisam a reportagem veiculada pela Record nos dias 09 e 10 de outubro, na qual Cristina Seguí, blogueira de extrema direita, relaciona o narcotráfico e o crime organizado a partidos de esquerda da Europa e América latina - sem apresentar provas. Para discutir a temática, participa também Ivan Paganotti, professor, doutor em ciências da comunicação e co-fundador do curso de alfabetização midiática Vaza, Falsiane!.  

Clique aqui para conferir “Desinformação na Grande Mídia, com Ivan Paganotti”, disponível em todas as plataformas de streaming. 

 

Segundo episódio aborda a digitalização dos suportes sonoros
por
Guilherme Tirelli, Hadass Leventhal e Júlia Zuin
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22/10/2021 - 12h

Nesta sexta-feira (22), os alunos Guilherme Tirelli, Hadass Leventhal e Júlia Zuin lançaram o segundo capítulo do Podcast "Jornada Jornalística", no qual discutem a progressão do armazenamento musical em dispositivos exteriores. Heitor Araújo, dono da loja de vinis Tracks Gavea no Rio de Janeiro, participa do episódio, revelando detalhes sobre sua própria jornada com os diferentes tipos de mídia.

O episódio está disponível em https://open.spotify.com/episode/46gD9PvqiJ3CaXd5w84Let