Especialista alerta para riscos do uso acrítico de plataformas de IA na educação
por
Thomas Fernandez
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04/10/2025 - 12h

A inteligência artificial (IA) ganhou rapidamente espaço em diferentes setores da sociedade, e a educação não ficou de fora dessa tendência. Plataformas capazes de corrigir redações, recomendar atividades personalizadas e até mesmo substituir parte das tarefas do professor estão em alta.

A promessa, vendida por empresas de tecnologia e gestores entusiasmados, é de que a IA pode democratizar o ensino, personalizar a aprendizagem e aliviar a carga de trabalho docente. Não por acaso, de acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), sete em cada dez estudantes do Ensino Médio já utilizam ferramentas de IA generativa em trabalhos escolares, mas apenas 32% afirmam ter recebido orientação na escola sobre como usar esses recursos de forma pedagógica. 

Há quem veja nesse movimento um risco de precarização do trabalho dos professores, transformando a inovação em mais uma engrenagem de uma lógica de cortes de custos e desvalorização profissional. Afinal, a inteligência artificial na educação é realmente uma aliada do professor ou pode acabar sendo um instrumento de substituição e perda de direitos? 

Em entrevista à AGEMT, Pedro Maia, cientista de dados e pesquisador em ética e tecnologia, alerta para o risco de que a IA seja utilizada como justificativa para reduzir a presença e a importância dos professores. Para ele, é preciso estar atento à lógica de mercado que move grande parte das inovações tecnológicas aplicadas à educação: “O risco é que as escolas passem a enxergar a inteligência artificial não como apoio, mas como substituição. Se uma plataforma consegue corrigir automaticamente atividades e sugerir trilhas de estudo, a tentação de reduzir o quadro docente e cortar custos é enorme”, explica. 

Segundo Maia, isso poderia levar a uma precarização ainda maior do trabalho docente, em um cenário no qual professores já enfrentam baixos salários, excesso de carga horária e falta de condições adequadas de trabalho. “A promessa de eficiência pode esconder a intenção de enxugar gastos. É a lógica neoliberal aplicada à educação: menos investimento em pessoas, mais aposta em soluções padronizadas”, acrescenta.

Pedro Maia, cientista de dados.
Pedro Maia, cientista de dados. Foto: Arquivo Pessoal.

 

Maia também chama atenção para o risco de aprofundar desigualdades: “Nesse cenário, a IA não democratiza, mas acentua a exclusão. O aluno da periferia continua com menos oportunidades que o de elite, ainda que ambos usem supostamente a mesma tecnologia”. Esse alerta encontra respaldo nos números. Em 2023, 69% dos estudantes já conheciam a IA; em 2024, esse índice subiu para 80%, segundo levantamento nacional feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES).

No entanto, nem todos têm acesso à mesma qualidade de ferramentas ou de acompanhamento pedagógico. Enquanto escolas privadas de ponta conseguem incorporar plataformas sofisticadas, parte da rede pública depende de versões limitadas, com pouco ou nenhum suporte docente.

Mesmo assim, o cenário não é apenas de resistência. Pesquisas feitas pela SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), mostram que 74,8% dos professores acreditam que a IA pode ser aliada no processo de ensino, e 39,2% já utilizam a tecnologia regularmente em sala de aula. Esses dados revelam uma categoria dividida, mas que enxerga potencial na tecnologia quando aplicada como ferramenta de apoio, não como substituição. 

Além disso, iniciativas públicas começam a surgir. O governo federal, em parceria com a UNESCO e a Huawei, lançou o projeto “Open Schools” na Bahia e no Pará. Ambos locais foram escolhidos pela falta de infraestrutura educacional, conectividade e recursos tecnológicos. A iniciativa foca na formação de professores em competências digitais e uso de IA, além de investimentos em conectividade e infraestrutura. O objetivo é reduzir desigualdades e preparar a rede pública para essa transição.

A coexistência desses dois pontos de vista - o risco de precarização e a promessa de apoio pedagógico - evidencia o dilema atual: A IA pode ser tanto aliada quanto algoz, dependendo da forma como for implementada. Se o objetivo for cortar custos, há risco de enfraquecer a profissão docente. Mas se, por outro lado, houver investimento em formação, infraestrutura e regulação, ela pode abrir espaço para práticas pedagógicas mais ricas e inclusivas.

O que está em jogo, portanto, não é apenas a chegada de uma nova tecnologia, mas o modelo de educação que o país pretende construir. A questão central permanece: a inteligência artificial será um recurso a serviço de professores e alunos ou mais um instrumento de precarização do trabalho em nome da eficiência econômica?

Enquanto não há consenso, cresce a urgência em debater publicamente os rumos dessa transformação. O futuro da escola não depende apenas das máquinas, mas das escolhas políticas, sociais e econômicas que definirão como, para quem e com quais propósitos a tecnologia será utilizada.

“Professor, amante da literatura e do bom jazz” era como ele se descrevia nas redes sociais; amigos e alunos lamentam a partida
por
Maria Eduarda Camargo
Khauan Wood
Bianca Novais
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29/09/2025 - 12h

O professor doutor José Salvador Faro, de 78 anos, morreu na madrugada desta segunda-feira (29), no hospital Samaritano Higienópolis, em São Paulo capital. 

Morre, aos 78 anos, o professor José Salvador Faro
Morre, aos 78 anos, o professor José Salvador Faro.
Foto: @cursojornalismopucsp via Instagram.

O velório será realizado no Cemitério São Paulo, localizado na Rua Cardeal Arcoverde, em Pinheiros, nesta segunda, a partir das 13h. Às 17h, o corpo seguirá para cremação em Jandira, município da região metropolitana de São Paulo.

Historiador pela Universidade de São Paulo (USP), Faro seguiu seus estudos no campo da comunicação no mestrado e doutorado, na Universidade Metodista de São Paulo (1992) e na USP (1996), respectivamente. Dedicou-se à produção acadêmica, com mais de cem artigos e quatro livros publicados, ao longo de mais de 30 anos de carreira.

Desde 2000, fazia parte do corpo docente da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde lecionou com paixão e entusiasmo nos cursos de comunicação da instituição.

Nas redes sociais, amigos, colegas de trabalho e alunos lamentaram a partida do professor.

Luisa Ayres, estudante de jornalismo da PUC-SP, lembra como eram as aulas: “Fui aluna, monitora e grande admiradora do Faro. Como era gratificante termos um professor que ainda prezava por sentarmos em círculo e conversarmos, discutirmos, ouvirmos e olharmos uns nos olhos do outro”.

Luisa guarda com carinho pequenos detalhes da convivência diária com o professor Faro: “O sorriso, o jeitinho de estar lendo suas notícias e escrevendo para seu blog sempre nos momentos que antecediam as aulas. A preocupação às quartas à noite com o jogo do Corinthians que se desenrolava no mesmo horário”. 

Victoria Silva, também aluna de jornalismo, destaca como Faro lecionava com empolgação dentro e fora das salas de aula: “Nas reuniões da iniciação científica, ele sempre chegava com o seu entusiasmo e conversava outros mil assuntos que não se relacionavam com o tema, mas sempre pertinentes com a realidade. Isso mostra como em qualquer momento, mesmo que fora das salas de aula, José Salvador Faro ensinou.

Faro fazia tratamento contra o câncer desde 2022, mas se manteve na sala de aula até o primeiro semestre de 2025, quando precisou se afastar para cuidar da saúde. 

“Fica aqui nosso muito obrigado, Salvador! Sua história e suas aulas com certeza salvaram muitos de nós”, se despede Luisa.

“Vai deixar muita saudade! Sua trajetória vai continuar ensinando, suas aulas vão continuar nas mentes e sua risada nos corações”, garante Victoria.

José Salvador Faro deixa a esposa Rozana Faro, as filhas Paula e Patrícia e o enteado Pedro.

A AGEMT lamenta a partida do professor Faro, que com alegria, paixão e confiança em seus estudantes, colaborou para a formação de senso crítico e ética de centenas de jornalistas e comunicadores ao longo de sua docência.

 

Quando o padrão de beleza tem idade, o que resta é virar resistência
por
Laila Santos
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19/09/2025 - 12h

Não é segredo que envelhecer é visto como inimigo geral da nação pela maioria das pessoas, principalmente mulheres, que lidam com suas próprias inseguranças e com a pressão imposta pelos outros nesse processo. Com o passar do tempo e a intensificação da era digital, parece que essa fase da vida bate na porta cada vez mais cedo. Uma sociedade que atrela a jovialidade à beleza e acredita estar sempre atrasada não é uma combinação amigável para quem está envelhecendo.

O molde representado na mídia e nos meios digitais tem forte influência nessa negação da idade porque valoriza o oposto. Nesse sistema, o idoso é visto como insuficiente e desatualizado, o que é lido como desnecessário, e isso resulta na invisibilidade de suas causas e dores.

A estudante de Psicologia Rafaelly Ketellyn, de 20 anos, dividiu o que escutava sobre o envelhecimento na infância: “Eu escutava que envelhecer era sinônimo de limitação, doença e solidão. Parecia ser sempre algo pesado, quase como se fosse o fim da linha e poucas vezes era falado sobre o lado positivo, como o aprendizado acumulado e a experiência.”

Já Maria Marinalva, de 55 anos, disse que, quando criança, ouvia que quanto mais a pessoa envelhece, mais ela fica chata e ranzinza. Ela afirma que não quer se encaixar nesse rótulo.

Segundo o relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) divulgado em junho deste ano, o Brasil é o segundo país que mais realiza procedimentos estéticos não cirúrgicos. Entre as intervenções mais recorrentes estão: toxina botulínica, mais conhecida como Botox (45,7%), ácido hialurônico (22,9%) e procedimento de rejuvenescimento da pele com efeito lifting (7,9%). Todos esses métodos buscam, de alguma forma, retardadores de envelhecimento. O primeiro pode eliminar linhas de expressão; o segundo é usado para restaurar a elasticidade da pele, consequentemente, promete prevenir rugas; e o terceiro, por si só, já carrega a promessa de apagar os sinais da idade.

Atualmente, chegar à velhice se tornou ainda mais indesejado, por conta do padrão criado pelas redes sociais. A alta porcentagem de procedimentos estéticos é um reflexo disso. A juventude sempre foi um dos requisitos para mulheres na TV, como as “Paquitas”, assistentes de palco da apresentadora Xuxa, as dançarinas do Faustão ou até as Panicats. Hoje em dia, essa lógica migrou para a internet, cada vez mais presente na nossa rotina. Criadoras de conteúdo jovens têm mais patrocinadores e visibilidade.

Você é quem cria a sua fonte da juventude

Contra essa onda de pessoas que veem o envelhecimento como um pesadelo, há quem levante a bandeira de maturidade mais alto. Rafaelly lida naturalmente com esse processo da vida e pensa ser parte dela, embora entenda que não seja uma situação simples. Porém, sabe que é inevitável e tenta levar esse fato como uma oportunidade de amadurecimento e ganho de sabedoria. Para ela, o lado positivo do tempo é o de poder colher frutos que já plantou, uma chance de viver novas etapas e aprender a valorizar o presente.

O tempo como vilão está presente em diversas obras, como filmes, livros e mitos. O longa-metragem A Substância, estrelado por Demi Moore e Margaret Qualley, traz luz sobre o envelhecimento na indústria do entretenimento e critica a pressão para manter a juventude e a beleza, especialmente sobre as mulheres. No livro O Retrato de Dorian Gray, o personagem principal se sujeita a um pacto para nunca ficar velho e manter sua aparência jovem para sempre. Além disso, há também o mito da fonte da juventude, representada em vários trabalhos, por exemplo, Os Trapalhões e a Árvore da Juventude, que, por incrível que pareça, nunca envelhece.

Marinalva também tem um pensamento mais aliviado com a passagem de idade. Ela compartilhou que lida super bem com isso e não deixa a mente envelhecer com o corpo. Acredita que precisamos aprender a aceitar para não ver isso como um grande problema. Porque a idade mais avançada faz parte da vida e acontece com todos.

Muitas mulheres buscam se encaixar no padrão imposto pela sociedade e sofrem com isso, porque é um ideal impossível de sustentar para sempre. Enquanto houver vida, não há como fugir da passagem do tempo e o que resta é aprender a lidar com isso e, principalmente, não deixar de viver por causa disso. 

Especialistas em arbitragem comemoram a decisão e ressaltam a importância da qualificação, para além da tecnologia
por
Tamara Ferreira Santos
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29/09/2025 - 12h

Por Tamara Ferreira

 

No dia 10 de agosto de 2024, após o empate por 1 a 1 contra o Flamengo, pela 22ª rodada do Campeonato Brasileiro, Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, disparou contra a arbitragem brasileira, classificando o sistema como arcaico e dizendo não confiar no VAR, nos árbitros e nem nas televisões. O treinador declarou, inclusive, que só passaria a acreditar e confiar nas decisões dos lances quando a tecnologia fosse modificada. Na época, era o segundo jogo seguido da equipe contra o Rubro-Negro. No duelo anterior, realizado no dia 7, pelas oitavas de final da Copa do Brasil, Flaco López chegou a marcar, mas o impedimento foi assinalado — decisão contestada por amantes do futebol e, principalmente, palmeirenses, que reclamaram da falta de critério na marcação das linhas.

Parece distante, já que o lance ocorreu em 2024, mas o que não faltam são gols anulados por impedimentos milimétricos que, pela fama da arbitragem brasileira, geram dúvida se estavam irregulares ou não. Muitos desses lances, a olho nu, aparentam ser legais.

Recentemente, Samir Xaud, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) deu diversas declarações afirmando a chegada do impedimento semiautomático ao Brasil em 2026 para a disputa do Campeonato Brasileiro e da Copa do Brasil. Popularizado na Copa do Mundo do Catar, em 2022, a tecnologia também foi utilizada na Champions League e na Copa do Mundo de Clubes de 2025, além de ser protagonista nos dois jogos da final do Campeonato Paulista deste ano. O sistema usa de 12 câmeras especiais para recriar o lance em 3D e dar o veredito final do lance aos responsáveis pela arbitragem. O VAR que se conhece hoje custa mais de R$ 20 mil por partida, porém, estima-se que o novo sistema vai custar cerca de R$ 100 mil por jogo. Samir declarou no programa Seleção, do SporTV, que é um investimento alto, mas o trata como uma ferramenta importante e necessária para diminuir ainda mais os erros da arbitragem, reforçando sua ideia de transformar a arbitragem brasileira na melhor do mundo.

Sálvio Spínola, ex-árbitro e comentarista da Record, comemorou a utilização da nova tecnologia a partir do próximo ano. Assim como Abel, ele classificou o modelo atual como arcaico, por ser baseado em uma computação gráfica manual, na qual o árbitro de vídeo precisa traçar as linhas azul e vermelha sobre o ombro ou outra parte do corpo. Para Sálvio, o novo sistema é mais preciso, exige menos intervenção humana, garante decisões mais rápidas e confiáveis e, consequentemente, traz mais segurança ao público e aos profissionais envolvidos no jogo.

Paulo Vinícius Coelho, mais conhecido como PVC, jornalista e comentarista da Paramount+ e do UOL, vê o impedimento semiautomático como algo objetivo, já que a máquina será responsável por determinar a distância do atacante em relação ao último marcador, encerrando assim as discussões sobre impedimentos milimétricos e o trabalho manual de traçar linhas.

A 17ª rodada do Brasileirão deste ano também trouxe polêmicas, desta vez, em dois jogos diferentes, com lances muito parecidos, onde um o gol foi confirmado e no outro o impedimento foi assinalado. 

Em São Paulo x Fluminense, Ferreirinha marcou de cabeça após cruzamento de Marcos Antônio, ampliando para 2 a 0. Pouco depois, em Cruzeiro x Ceará, Marcos Victor fez o terceiro do Vozão, mas o gol foi anulado. O problema é que, nos dois lances, as linhas estavam praticamente sobrepostas e de acordo com a regra que a CBF tornou válida a partir de 2025, nos casos em que as linhas traçadas (a vermelha, do atacante, e a azul do defensor), ficassem uma em cima da outra, mesmo que o atacante esteja à frente, o impedimento seria desmarcado e o gol validado — o que não aconteceu no gol do Ceará. 

Renato Gaúcho, técnico do Flu, não poupou críticas à arbitragem, afirmando que toda rodada há uma polêmica com o VAR. Segundo ele, se a imagem mostrada no telão do Morumbis for a oficial, Ferreirinha estaria impedido e o gol deveria ter sido anulado. Irritado, disse ainda que erros como esse podem custar posições, rebaixar clubes e até definir o campeão.

Já Renata Ruel, ex-árbitra e comentarista da ESPN, destacou que a chegada do impedimento semiautomático ao Brasil é fundamental por sua precisão. Ela lembrou que o sistema atual pode errar até 30 centímetros por lance, margem significativa para jogadas milimétricas. Também ressaltou que as longas análises atrapalham a dinâmica do jogo e que as linhas atuais não passam credibilidade, já que não se sabe ao certo de onde são traçadas e qual é o frame da bola.

Samir Xaud, também declarou, desta vez ao BTB Sports que, a princípio, a entidade arcará com os custos da tecnologia, mas que futuramente o custo passará por um processo de transição para os clubes — o que preocupa, especialmente os de menor expressão, que já enfrentam dificuldades financeiras.

Sobre isso, Sálvio afirma que alguns estádios do Brasil não têm infraestrutura suficiente e não estão preparados para adotar a tecnologia, dependendo inclusive dos clubes que subirem para a Série A do Campeonato Brasileiro. Ele classifica a implementação em todas as fases da Copa do Brasil como algo praticamente inviável, acreditando que só deve ocorrer a partir das oitavas de final ou fases seguintes. O comentarista também ressaltou a necessidade de tempo hábil para preparar os estádios.

PVC destacou também que, além da tecnologia, a entidade precisa investir nos árbitros, oferecendo mais treinamento em diferentes tipos de lances, para que tenham autonomia e segurança — fatores que hoje ainda não são vistos com frequência. O jornalista lembrou que, durante Copas do Mundo, a arbitragem brasileira costuma se sair bem, mas no cenário nacional o desempenho cai. Para ele, não falta qualidade, mas sim confiança.

Uma fala que remete ao lance inusitado ocorrido no jogo de volta entre Corinthians e Athletico-PR, pelas quartas de final da Copa do Brasil, em 10 de setembro. Na ocasião, Diego, árbitro de vídeo, chamou Davi, árbitro principal, para revisar um pênalti marcado a favor do Athletico, afirmando: “Eu tenho o sentimento de que está fora (da área), está bom? Mas é sentimento.”

Momento do toque na mão de Matheuzinho que resultou em pênalti em Corinthians x Athletico-PR pela Copa do Brasil — Foto: Reprodução/CBF
Momento do toque na mão de Matheuzinho que resultou em pênalti em Corinthians x Athletico-PR pela Copa do Brasil — Foto: Reprodução/CBF

Davi, com personalidade, rebateu de imediato: “Nós não trabalhamos com sentimento, e sim com imagens.” Como o lance foi considerado inconclusivo, a decisão de campo foi mantida.

Além do semiautomático e da qualificação da arbitragem, torcedores e especialistas defendem a adoção de outras tecnologias, como o chip na bola. Isso evitaria dúvidas em jogadas como o gol de Yago Pikachu, do Fortaleza, contra o Sport, pela sexta rodada do Campeonato Brasileiro. Naquele lance, a bola bateu na trave e quicou próxima à linha, mas sem clareza se entrou ou não. No próprio áudio divulgado pela CBF, os árbitros não chegaram a um consenso, e a decisão de campo foi mantida. Para a comentarista Renata, o uso do chip, junto do semiautomático, é essencial para garantir a precisão e a credibilidade das decisões.

Fato é que a implementação da tecnologia será fundamental para o futebol brasileiro, prometendo transformar o cenário da arbitragem. Porém, ainda será necessário analisar como a CBF conduzirá esse processo, já que os clubes vivem realidades distintas, especialmente no aspecto financeiro. O próprio presidente da entidade já admitiu que o sistema é caro e que haverá transferência de responsabilidade.

Apesar dos desafios, torcedores, atletas e especialistas concordam que a tecnologia é indispensável para reduzir polêmicas. O caminho até 2026, contudo, exigirá investimentos em infraestrutura, capacitação e planejamento. Afinal, como destacou PVC, o objetivo é acabar com discussões que em outros lugares já não existem.

Entenda como a privatização do transporte público influencia na sua segurança
por
Amanda Campos
Gabriela Blanco
Lorena Basilia
Manuela Schenk
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10/06/2025 - 12h

Após o trágico acidente na linha 5-lilás que matou um homem de 35 anos, o assunto segurança no transporte público vem sendo amplamente discutido, principalmente quando se fala das vias privadas. A reportagem a seguir fala sobre a falta de segurança na mobilidade urbana na cidade de São Paulo. Em entrevista à AGEMT, o especialista Igor Bonifácio responde algumas das perguntas mais recorrentes sobre o assunto. Assista. 

 

 

 

Conhecido por seu humor ácido, o tabloide desafiou a censura ao tratar de temas espinhosos como política em plena ditadura
por
Giovanna Montanhan
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24/09/2024 - 12h

O jornal "O Pasquim" surgiu no final dos anos 1960 como uma publicação alternativa que deixou sua marca no jornalismo e na cultura brasileira, por jornalistas e cartunistas como Jaguar, Millôr Fernandes, Ziraldo, Henfil, Tarso de Castro e Paulo Francis, destacou-se por sua abordagem irreverente, humor mordaz e crítica contundente ao período mais repressivo que dominava o Brasil na época. O semanário chegava a vender mais de 200 mil exemplares, um número bastante expressivo, dadas as circunstâncias. A partir disso, o periódico rapidamente se tornou um símbolo de resistência e contestação.

Suas páginas não só abordavam questões políticas e sociais de forma sarcástica e provocativa, mas também ofereciam um espaço para manifestações culturais de vanguarda, dando voz a escritores, músicos e artistas plásticos. A irreverência e o tom crítico do jornal influenciaram toda uma geração de jornalistas e intelectuais, que viam nele uma trincheira de resistência à ditadura e à repressão moralista da época.

"O Pasquim" foi um veículo de comunicação essencial durante os anos de chumbo da ditadura militar (1964-1985), oferecendo uma plataforma para a liberdade de expressão em uma época de intensa censura e apagamento social. Seus textos afiados, charges ousadas e entrevistas com figuras intelectuais e de renome desafiaram o status quo e abriram espaço para o debate político e social. A capacidade do jornal de criticar o regime, muitas vezes através de um humor sarcástico, fez dele uma leitura obrigatória para aqueles que buscavam uma visão alternativa àquela imposta tradicionalmente.

Em entrevista, o coordenador do curso de História da PUC-SP e editor da Revista Projeto História (https://revistas.pucsp.br/index.php/revph), Prof. Dr. Luiz Antônio Dias, afirmou que, embora houvesse diversos jornais de resistência, cada um com sua trajetória e importância, O Pasquim destacou-se indiscutivelmente como o mais influente. E assim como os demais de mídia alternativa da época, sofreu duramente as consequências de sua postura combativa, chegando a enfrentar ameaças frequentes de fechamento, prisões de colaboradores e uma censura implacável. Ao refletir sobre os dias de hoje, surge o questionamento de se um periódico como O Pasquim teria espaço no cenário atual. Dias acredita que um veículo de comunicação como este citado acima, sustentado por uma equipe igualmente talentosa, seria de extrema relevância para oferecer uma crítica bem-humorada, mas ao mesmo tempo séria e consistente, em resposta aos discursos reacionários e ao avanço das pautas conservadoras que permeiam a sociedade contemporânea. No entanto, reconhece que as redes sociais seriam uma concorrência significativa para uma publicação desse tipo nos dias atuais, ressaltando que um conteúdo de qualidade semelhante ao que O Pasquim produzia seria um alento diante da superficialidade e fugacidade que marcam grande parte das interações nas plataformas digitais.

Edições Memoráveis:

Algumas edições de O Pasquim se tornaram icônicas e marcaram momentos importantes, gerando uma série de discussões calorosas na sociedade tradicional brasileira. Uma das capas mais famosas é a que apresenta a atriz Leila Diniz, de biquíni e grávida na praia. Essa imagem, publicada na década de 1970, chocou as pessoas conservadoras da época e rapidamente se tornou um símbolo do movimento feminista e da luta contra o moralismo. Sua imagem representava um embate direto aos padrões conservadores que estavam infiltrados na população do país naquele período. Assim que foi publicada, gerou um enorme impacto e consolidou a reputação do jornal como um veículo altamente provocador.

Outra edição de grande repercussão foi escrita integralmente pelo compositor e escritor Chico Buarque de Hollanda durante seu exílio na Itália. No ano de estreia do jornal, Chico utilizou o nome fictício "Julinho da Adelaide" para evitar a censura e as perseguições do regime militar. Segundo o veículo O Estado de S. Paulo, foi revelado no jornal Última Hora, que esse pseudônimo foi criado com a colaboração do escritor Mário Prata, que o ajudou a driblar a repressão. Esse episódio entrou para a história, sendo lembrado não apenas pela astúcia do cantor em contornar a censura, mas também pelo conteúdo que misturava crítica política, ironia e música.

"O Pasquim" também foi palco de diversas polêmicas, especialmente em um período em que a fronteira entre crítica social e entretenimento era muitas vezes tênue. Entre as muitas controvérsias, destacam-se aquelas que envolvem o tratamento dado às mulheres em suas páginas. Embora o jornal tenha sido um bastião de liberdade de expressão e resistência à coerção, ele também foi criticado por uma abordagem frequentemente machista em seus conteúdos. Muitos dos textos publicados reproduziam estereótipos de gênero e, por vezes, sexualizavam as mulheres de maneira explícita.

Polêmicas:

Destaque para dois dos casos mais memoráveis: ao noticiar a morte da escritora Louella O. Parsons, em 1972, as palavras utilizadas para descrevê-la foram: "gorda e ‘feíssima’". Outro caso foi quando o cartunista Ziraldo publicou um jogo de palavras cruzadas, em 1976, que incluía uma "mulher ‘gordona’, feia, desajeitada", segundo as palavras descritas no jornal.

As páginas também possuíam incontáveis referências jocosas aos homossexuais e transexuais, sem deixar de mencionar os comentários desagradáveis sobre negros e asiáticos. Em 1974, uma charge tirava sarro dos chineses ao se referir a eles da seguinte maneira "(...) reconhecemos 900 milhões de chineses. Como? Se são todos iguais."

O termômetro também esquentava quando "O Pasquim" e o colunista social Ibrahim Sued trocavam uma série de farpas. Como um representante da imprensa tradicional e de costumes conservadores. Sued era facilmente um alvo para o tom incisivo adotado pelo jornal. O periódico publicava piadas e comentários, com frequência, que ironizavam o estilo de vida da alta sociedade carioca e, consequentemente, afetavam a coluna de Ibrahim.

Em uma das edições, o jornal parodiou o estilo de Sued, incluindo suas frases de efeito e sua maneira peculiar de escrever sobre os bastidores da sociedade. A abordagem irreverente do O Pasquim contrastava com a seriedade e a pompa da coluna de Ibrahim, o que gerava, sem dificuldade, incontáveis provocações. Em resposta, o jornalista chegou a criticar abertamente os editores e cartunistas em seus textos, acusando-os de serem demasiadamente "desbocados" e "grosseiros".

Outro episódio emblemático foi quando O Pasquim ironizou a cobertura que Ibrahim Sued fazia das festas da elite e da alta sociedade, descrevendo-o como alguém que "bajulava os ricos e poderosos". A sátira era uma forma de criticar o jornalismo social da época, que frequentemente deixava de lado questões políticas e sociais em favor de um conteúdo frívolo.

O fim de uma era

No entanto, com o término da ditadura em 1985 e o processo de redemocratização, O Pasquim perdeu parte de sua função de resistência política. Além disso, mudanças no mercado editorial e a fragmentação de seu público-alvo contribuíram para o declínio de sua popularidade. Em 1991, com dificuldades financeiras e sem a mesma relevância política que antes o sustentava, o jornal encerrou suas atividades, marcando o fim de uma era para a imprensa alternativa no Brasil.

O Pasquim, em sua essência, simbolizou a coragem de enfrentar poderes autoritários com inteligência, humor e irreverência, servindo como uma espécie de luz no fim do túnel em tempos nebulosos.

Hoje, habitamos em um cenário global marcado por inúmeras tentativas de controlar narrativas e suprimir vozes dissidentes, e a lição deixada pelo jornal é mais relevante do que nunca.

Seu espírito crítico e combativo nos lembra da importância de uma imprensa imponente, que marcou o período da contracultura e não se intimidou diante das ameaças à liberdade. Em um momento em que as polarizações políticas e o avanço de discursos reacionários buscam minar o diálogo e a diversidade de opiniões, é crucial reforçar a necessidade de preservar veículos de comunicação que promovam o pensamento livre e o debate construtivo. O legado do jornal nos convida a refletir sobre a importância de garantir, sempre, que as ideias possam circular tranquilamente, para que o futuro não repita os erros do passado.

 

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 Reprodução/ Fundação Biblioteca Nacional

 

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

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Foto: Divulgação/ Sebo virtual - Conrado Leiloeiro

 

 

 

 

 

 

O hábito de usar o celular à noite gera insônia e desequilíbrio entre o descanso e hiperconectividade
por
Thais Oliveira Souza
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01/10/2024 - 12h

Por Thais Oliveira

 

 

 

Na tela do celular, o relógio marca meia-noite. O tempo passou e a culpa veio à tona, mas isso não a atrapalha de continuar rolando o Instagram por horas ou até mesmo de compartilhar vídeos do Tiktok com os amigos que estão dormindo. O dia começou por volta das 6h00min, logo após desligar o despertador pela terceira vez e a noite mal dormida levou Heloísa, uma advogada de 27 anos, que mora em um apartamento decorado com plantas e com cheiro de capim limão, ao questionamento de se deveria, ou não, levantar e ir ao trabalho. 

O ciclo de consumo de conteúdo e a hiperconectividade impactam diretamente na qualidade do sono, relata o professor doutor Pedro Calabrez, especialista em Psicologia e Neurociências Aplicadas. Heloísa comenta que sente o vazio após passar horas nas redes sociais se perdendo em fotos e histórias alheias e deixando de viver a própria vida. Devido ao acesso em massa à Internet, os usuários sentem a pressão de estar sempre atualizados, recebendo durante o dia, múltiplas informações que interrompem a produção de melatonina e interferem nas horas de descanso, criando um ciclo vicioso que prolonga a insônia e afeta o bem-estar. 

O destino de Heloísa estava predestinado, independente das poucas horas dormidas. Na mão, um café coado forte com um pedaço de pão francês, enquanto apoia o celular em sua perna para continuar assistindo os vídeos compartilhados e, responder rapidamente às mensagens do Whatsapp, pois era 7h00min da manhã e estava atrasada para o seu compromisso. Heloisa explicou que durante o trabalho no escritório o celular nunca estava em suas mãos e por isso não conseguiria responder tão rápido. Foi preciso confiar em sua palavra e aguardar por seis horas o seu retorno. 

O avanço tecnológico trouxe muitos benefícios para o cotidiano, mas também, alguns desafios que passam despercebidos, como o uso do celular à noite. Nesses ambientes corporativos para troca de mensagens digitais as pessoas vivem em um mundo infinito, onde milhares de notícias surgem por segundo e impede o sono de jovens e adultos. O número de usuários que sofrem com a insônia vêm aumentando a cada década, principalmente depois da pandemia. Dados da Associação Brasileira do Sono (ABS) apontam cerca de 73 milhões de brasileiros nessas condições. São horas virando de um lado para o outro na cama sem entender o motivo da dificuldade de fechar os olhos e descansar.

Durante os dias que Heloísa trabalha em casa, o uso do celular é constante. Ao acordar, percebe que está na hora de bater o ponto, são 9h00min e ela não escovou os dentes. Pega o notebook e vai direto verificar os duzentos e-mails que chegaram de uma noite para outra, mas ao lado, coloca uma série para assistir no celular. Heloisa diz que isso ajuda a se concentrar melhor nas tarefas automáticas e assim, foram dois, três, quatro episódios de um dorama na Netflix e algumas horas de vídeos assistidos no Tik Tok. 

A dependência por notificações instantâneas e a necessidade constante de estar conectado cria um ciclo vicioso que prejudica a saúde tanto física quanto mental. Ao mergulhar no universo digital antes de dormir ou de fazer uma tarefa importante, o cérebro recebe um sinal contraditório, confundindo o dia e a noite. As consequências vão além da falta de sono, afetando a capacidade de tomar decisões, a memória e até mesmo a imunidade. Para Heloísa, estes ambientes são uma bolha de comparação e de produtividade, parece que todos conseguem dormir cedo e acordar às cinco da manhã para correr 21km na rua. Esses conteúdos geram uma grande frustração e o sentimento de atraso na vida de quem se deita sem conseguir descansar. É como viver em um modo de alerta automático, impedindo o corpo de entrar em estado de relaxamento profundo e reparador. 

Heloísa chega do trabalho antes do seu marido Luciano e adianta o jantar, porém apenas às 21h35min, depois de tomar banho e mexer um pouco mais no celular, pois sente que perdeu alguma notícia importante e precisa se informar novamente, tira o alho da geladeira, pega o arroz, coloca a panela no fogo e logo se distrai com uma notificação de mensagem de sua mãe perguntando como estão as coisas. Áudios vão e vem e nada de arroz no fogo.

A madrugada chega e as notificações continuam subindo na tela. Para Heloisa, que vive na correria do dia a dia, o seu momento de lazer é deitar e ficar por horas navegando até conseguir pegar no sono, entretanto, o inesperado acontece, a insônia bate na porta e a luz azul do celular ganha intensidade em meio a escuridão do quarto. Essa exposição emitida antes de dormir desregula o relógio biológico e aumenta os níveis de alerta no corpo, desencadeando problemas temporários e crônicos para a saúde.

De acordo com Calabrez, conforme o cérebro envelhece, a capacidade de atingir o sono profundo diminui​. Recomenda que, para entrar em estado de sono profundo, é preciso evitar qualquer tipo de luz artificial, entre às dez da noite e às quatro da manhã. Essas luzes derrubam a produção natural da melatonina, hormônio produzido pela glândula pineal no cérebro que sinaliza ao corpo a hora de dormir, e a sua ausência gera a sensação de cansaço, indisposição e dificuldade em focar nas tarefas. Pessoas que usam dispositivos digitais à noite relatam um sono mais fragmentado e encaram a noite obscura sem ruído externo, mas com um grito insistente dentro de si, o que pode levar a um aumento de até 20% na sensação de sonolência diurna. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 45% da população mundial sofre de algum tipo de distúrbio do sono, e o uso excessivo do tempo de tela em celulares, notebooks e televisão à noite é o principal fator que contribui para o aumento desse número.

O uso da tecnologia na vida de Heloísa tem sido um grande desafio, desde que começou a trabalhar em casa. A ansiedade e o desânimo são sentimentos comuns no seu cotidiano e o seu principal refúgio está vinculado ao uso de aparelhos eletrônicos para relaxar e dormir, porém nem sempre ela descansa ou dorme profundamente. A luz azul continua pela madrugada diante dos olhos dela.

Caracterizado por seu humor crítico e corrosivo, impresso se posicionou como resistência frente a Ditadura Militar no país
por
Philipe Mor
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23/09/2024 - 12h

No dia 21 de maio de 1964, pouco tempo após a instauração do Regime Militar no Brasil, Milton Viola Fernandes, mais conhecido como Millôr Fernandes, lançou o jornal “Pif Paf”. A revista, caracterizada por traços críticos, humorísticos e debochados, tinha como objetivo se posicionar como oposição as práticas do período de golpe e repressão que assombraram o país por mais de 20 anos. Além disso, o impresso, que foi censurado e durou apenas oito edições, foi o responsável por abrir as portas para um novo movimento na história das mídias brasileiras: o “Jornalismo Alternativo”.

Página de Pif-Paf n.1, de 21 de maio de 1964. Acervo Millôr Fernandes / IMS
Página de Pif-Paf n.1, de 21 de maio de 1964. Acervo Millôr Fernandes / IMS

Nascido em 16 de agosto de 1923, no Rio de Janeiro, mesmo local do lançamento do periódico, Millôr Fernandes é considerado como um dos expoentes da imprensa alternativa no Brasil. O dramaturgo e escritor brasileiro dono de um estilo próprio e de um humor ácido e inconfundível definia a si mesmo como jornalista.

Conhecido por seus textos críticos e sátiros ao mesmo tempo, Millôr trabalhou em diversos veículos brasileiros de comunicação e deixou sua marca por onde passou. Responsável por peças teatrais, que abordavam temas como liberdade, moral e política, Fernandes se tornou símbolo do nascimento do jornalismo alternativo no Brasil com a publicação do primeiro “Pif Paf”.

Para Silvio Roberto Mieli, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e professor de Jornalismo na Universidade, Millôr Fernandes “era o que se pode definir como o gênio da raça”. De acordo com ele, o escritor brasileiro “era um cara muito antenado com o seu tempo, muito ligado, inclusive às novas tecnologias”. Além disso, segundo Silvio “essa mistura de frasista, filósofo e anarquista, com um humor refinado e certeiro, nos ajudaria muito a compreender a realidade brasileira da época, relatada nas páginas do Pif Paf".

O impresso de Millôr Fernandes, lançado pouco tempo após o início da Ditadura Militar, se destacou como uma das primeiras manifestações de jornalismo alternativo no país. Responsável por desempenhar um papel crucial no enfrentamento do regime ditatorial no Brasil, o periódico funcionou como um símbolo de resistência em um período marcado pela repressão e censura.

De acordo com Silvio Mieli, “é insuficiente, muito pouco, nos referirmos ao golpe de 64 só como um retrocesso social, político e econômico. Não foi só um atraso, mas uma espécie de recalque existencial.  Uma mudança de rota de um país que poderia ter sido e que não foi. Um golpe fascista mesmo, que representa paralisia e violência”.

Diante desse cenário, o “Pif Paf” emergiu como uma voz contrária, que desafiava as regras e expunha os abusos da Ditadura por meio de uma abordagem crítica e bem-humorada. A proposta editorial do jornal era clara: utilizar sátiras para expor as falhas e injustiças do regime militar.

Millôr Fernandes e sua equipe utilizavam uma combinação de textos incisivos, ilustrações e crônicas provocativas para abordar assuntos políticos e sociais. Essa estratégia não apenas atraía leitores, mas também estimulava o pensamento crítico e incentivava a discussão sobre temas que eram tabus na mídia tradicional.

Silvio revela que “em geral, a tática era de, através de uma escrita primorosa, mostrar, acima de tudo, o quão pobre e tosco era o projeto do regime militar”. Mieli também afirma que “era uma tática de contraste mesmo. Diante de um regime absolutamente pobre, tosco, ignorante, você fazer exatamente o oposto”.

Página de Pif-Paf, n.3, p.24, de 22 de junho de 1964. Millôr Fernandes (texto) e Vilmar (desenho). Acervo Millôr Fernandes / IMS
Página de Pif-Paf, n.3, p.24, de 22 de junho de 1964. Millôr Fernandes (texto) e Vilmar (desenho). Acervo Millôr Fernandes / IMS

O professor da PUC-SP também afirma que “a partir do nome do jornal, já se tinha uma ideia do que essa gente queria com a revista”. Eles buscavam estabelecer um pacto lúdico com o leitor, “um jogo de cartas”. “Vamos brincar, vamos brincar com as coisas, vamos brincar com a realidade e encarar essa ditadura pelo aspecto do bom humor”.

Apesar do impacto político e social causado pelo impresso, na oitava edição, com uma fotomontagem que representava o general Castelo Branco comendo uma perna de Carlos Lacerda, o jornal chegou ao fim. No texto final, Millôr advertiu: “se o governo continuar deixando que circule esta revista, dentro em breve cairemos numa democracia”. Após a declaração do dramaturgo brasileiro, o periódico foi apreendido nas bancas pela polícia e não voltou a circular.

Por meio de uma abordagem inovadora e corajosa, o jornal de Millôr Fernandes ajudou a abrir caminho para uma maior diversidade de vozes e perspectivas na mídia brasileira. O “Pif Paf”, mesmo com a curta existência, influenciou a forma como a informação seria abordada e disseminada nos anos seguintes.

Para Mieli, a revista de Millôr “foi a mãe inspiradora de uma das mais conhecidas experiências da imprensa alternativa dos anos 70: o Pasquim”. Silvio também acredita que “o embrião do Pasquim está todo lá nos oito números da Pif Paf. É claro que houve uma mudança geracional, outras pessoas entraram no projeto da Pasquim depois. Mas a base da equipe era a mesma”.

Página de Pif-Paf, n.4, p.8 (à esquerda) e p. 24 (à direita), de 6 de julho de 1964. Acervo Millôr Fernandes / IMS
Página de Pif-Paf, n.4, p.8 (à esquerda) e p. 24 (à direita), de 6 de julho de 1964. Acervo Millôr Fernandes / IMS

De acordo com o pesquisador em Jornalismo Contra Hegemônico, “é incrível a atualidade da revista e a qualidade do trabalho de Millôr, é como se fosse um conteúdo atemporal. Se você digitalizar todo o material da Pif Paf, colocar na internet e tirar a data original, muita gente vai achar que esse conteúdo foi produzido agora. Mas ele já tem 60 anos!”. Para Silvio Mieli, “o maior legado, sem dúvida, deixado pela revista é o da valorização da linguagem e da inteligência do leitor”.

 

Entre crises e avanços, o semanário representou o partido durante os anos de abertura política.
por
Matheus Almeida
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23/09/2024 - 12h

“Voz da Unidade surge para ser expressão e veículo de uma corrente de pensamento, cuja linha de ação está orientada para ajudar a classe operária e todas as forças democráticas do país a conseguirem que a solução dos problemas políticos, econômicos e sociais que afligem a nação se dê em benefício das grandes massas do nosso povo, rompendo com os privilégios dos monopólios, banqueiros e latifundiários. E buscará contribuir para que esta classe operária, e com ela a maioria do povo brasileiro, amadureça para a compreensão de que o socialismo é capaz de oferecer soluções definitivas para seus problemas fundamentais.” 

Foi assim que o jornal Voz da Unidade descreveu seu objetivo em sua primeira edição, publicada em 30 de março de 1980. Ao custo de 20 cruzeiros, o periódico chega às bancas de São Paulo publicado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), no contexto da abertura democrática e fim da censura aos meios de comunicação, o jornal pôde ser publicado legalmente, porém a própria existência do partido que o fazia ainda era proibida. 

Depois de sobreviver aos anos de repressão no âmbito clandestino, o PCB buscava voltar à tona, participando do debate referente a abertura política do Brasil e tentando atrair novos filiados e seguidores. O nome foi escolhido pelos diretores do partido para representar algo que foi oprimido por muito tempo na história do país, e só naquele momento podia voltar ao debate público: a voz dos comunistas. Não só a deles como também dos socialistas e marxistas em geral, o que gerou a parte da unidade. 

A história do Voz se confunde com a do PCB enquanto sua organização e produção. No começo, com a volta dos exilados políticos, houve um embate de ideias entre os chamados Eurocomunistas e o Centro Pragmático. O Eurocomunismo era uma corrente que propunha a superação do leninismo e o avanço do socialismo por vias democráticas, sem uma quebra total com o capitalismo. Já o centro do partido era composto por marxista-leninistas mais tradicionais. 

Em entrevista, a bibliotecária e Mestre em Memória Social, Andréa Côrtes Torres afirma que era um período de mudança e discussão dentro do PCB: 

“Com a volta ao Brasil dos exilados políticos, houve as primeiras emoções de otimismo, inclusive dirigentes do PCB que também retornaram ao país. Entretanto, veio à tona publicamente as diferenças e embates entre os integrantes do Comitê Central. A questão era quanto aos novos passos políticos que o Partido deveria dar no processo em curso, ou seja, na saída dos militares do governo. Giocondo Dias defendeu a unidade de todas as forças de oposição na conquista da democracia, iniciando a campanha pela legalização do Partido. Discordando de Prestes, Armênio Guedes não acreditava que a passagem ao regime socialista no Brasil se faria por luta armada, pois isto, na opinião dele, resultaria num socialismo de tipo autoritário e não democrático.” 

Capa do Voz de 1980

Durante seus primeiros anos de publicação, o Voz da Unidade era redigido pela ala considerada renovadora do partido. Assim, a ideia era ser amplo e mais democrático, já que o PCB era historicamente visto na opinião pública como totalitário. 

“Esse jeito novo de caminhar era considerado, pela ala renovadora do Partido composta pelos eurocomunistas, como um movimento de restauração e de renovação para a construção não só de um partido de massas, democrático e nacional, plenamente autônomo, mas igualmente de um partido laico, ou seja, independente da influência do modelo soviético e de fundamentos filosóficos e obrigatórios, adequando os princípios marxistas às condições do mundo atual entre as nações, que se constituíam em diálogo e negociação.”  Diz Andéa.

O jornal contava com diferentes editorias, buscando trazer o posicionamento do partido em diversos âmbitos da sociedade. Não só, porém, apresentando seus ideais como unicamente verdadeiros, mas também buscava dialogar com outras áreas da sociedade, que não aqueles já adeptos ao partido. 

“Com a abertura política, o Partido, por meio do Voz da Unidade, desejava ingressar com tudo na vida política do país, trazendo em suas colunas questões nacionais, internacionais, políticas e sociais. Suas seções eram distribuídas em: cartas, política, sindicalismo, economia, educação, internacional, cultura, questões da mulher cidadã e esportes. Gildo Marçal Brandão, primeiro editor-chefe do jornal, enfatizou que o PCB, após anos sem ‘voz’, deveria reconquistar a sua legalidade, com influência real e decisiva na totalidade da vida política brasileira, abarcando tanto os do campo quanto os da metrópole.”  Afirma a bibliotecária.

O jornal aprofundava-se principalmente em assuntos relacionados ao comunismo na prática. Por exemplo, na seção de educação a luta pelo ensino básico e superior gratuito de qualidade, além de noticiar eventos de movimentos estudantis. No caderno internacional falava-se do socialismo e comunismo em outros países como Cuba e, já em declínio, União Soviética. No âmbito da cultura, discutiam livros, peças e filmes que traziam reflexão sobre a realidade no capitalismo. Por último, no esporte, não se falava apenas do futebol objetivamente, mas buscava refletir em como as questões políticas recaiam também dentro de campo. 

Um pouco mais tarde, já em 1981, houve uma mudança no Conselho Editorial do Voz. Escolheu-se que os eurocomunistas não podiam representar o partido, visto que eles eram minoria e até considerados pelos mais tradicionais como uma ala que desestabilizava a imagem da legenda. 

O periódico continuou assim até o fim da sua existência em 1991. Sendo também afetados pelo cenário político internacional da queda do Muro de Berlim, o desmanche da União Soviética, as guerras nos Bálcãs e o fim da Guerra Fria, o PCB decidiu que precisava seguir novos rumos. Novamente em crise, o partido convocou nesse mesmo ano, o seu IX Congresso, nele se discutiu que estavam pouco inseridos nas lutas sindicais, sendo superados pelo jovem Partido dos Trabalhadores (PT), que surgiu com o sindicato dos metalúrgicos. Também o desempenho ruim nas eleições e foi constatado uma ineficiência do Voz da Unidade como instrumento partidário, esse que já não era mais legitimado pela militância. 

Apesar de existir durante um momento de muita turbulência no PCB, o Voz foi seu veículo de comunicação principal dentro de uma época de muito movimento político no Brasil, entre a abertura da ditadura militar para a democracia, as diretas já, e finalmente a legalidade que o partido tanto buscou durante quase 50 anos de luta. 

Esta análise busca explorar os fatores psicológicos e sociais que impulsionam a decisão de buscar e valorizar bolsas de marca luxuosas, examinando o custo emocional, financeiro e cultural associado a essa escolha
por
Giovanna Montanhan
|
17/09/2024 - 12h

Ao entrar em uma pequena loja escondida em uma das muitas galerias do bairro da Liberdade, numa tentativa de escapar do calor escaldante que dominava a cidade de São Paulo e procurar mulheres para entrevistar, fui imediatamente tomada por um cheiro quase sufocante de mofo misturado a um aromatizador de ambientes. Pilhas de bolsas se acumulavam em prateleiras apertadas, criando uma atmosfera opressiva. A vendedora, Márcia, com o rosto perfeitamente maquiado, oferecia sorrisos milimetricamente calculados, afirmando com confiança que todas as peças eram verdadeiras.

Márcia vestia uma camiseta de gola V com o logo da Gucci estampado, daquelas que você reconhece à primeira vista e já sabe que não é original. Combinava a camiseta com uma calça jeans sem marca aparente e um batom vermelho forte, que estava meio borrado para além do contorno labial. Ela me garantiu que a Louis Vuitton que eu examinava era autêntica. “Essa aqui acabou de chegar. Dá pra ver pela costura, e é exatamente como a original", disse ela, apontando para as alças de couro da bolsa, que aparentava estar desgastada, com manchas de dedos bem visíveis.

A loja era apertada, e segundo a vendedora, não ficava vazia por muito tempo. Durante o período em que estive ali, algumas curiosas entraram e passaram alguns minutos manipulando as bolsas. Foi nesse cenário que Vera, uma mulher de 52 anos, examinava cuidadosamente uma bolsa Chanel em meio à desordem. Seus cabelos loiros estavam impecavelmente pintados e penteados, ela vestia um kaftan longo em tons de azul, formando uma espiral que lembrava a estampa característica do designer italiano Emilio Pucci, embora claramente não fosse. Afinal, quem tem condições de comprar uma bolsa autêntica provavelmente poderia adquirir roupas de grife, e não frequentaria lugares como aquela galeria.

Apesar da precisão na imitação da bolsa que estava analisando, Vera parecia indiferente. Para ela, o que realmente importava era a imagem que a peça transmitia. Sem hesitar, enquanto acariciava os detalhes dourados, ela me confidenciou que seu sonho sempre foi possuir uma Chanel, e que o simples fato de ter um exemplar – mesmo que falso – a fazia sentir-se elegante e poderosa. Embora soubesse que a bolsa não era original, o prazer de tê-la em mãos parecia compensar a falta de autenticidade. O preço da original, disse, era exorbitante, e ela não via necessidade de gastar tanto para obter "o mesmo efeito".

Naquela tarde, algumas horas depois, Lúcia, de 42 anos, vestia uma blusa preta larga, calça pantalona da mesma tonalidade e sandálias anabela baixas em tom creme. Ela teclava no celular enquanto observava as prateleiras abarrotadas de bolsas Louis Vuitton, Chanel, Prada, Miu Miu e Hermès. Percebi que ela parecia um pouco receosa de se abrir com uma total desconhecida, então resolvi fingir que também estava interessada em comprar uma bolsa.

Lúcia contou que frequenta aquele lugar há bastante tempo e, para ela, o valor das imitações compensa muito, já que o preço das originais beira o absurdo. Ela ressaltou que as peças nas prateleiras possuem uma aparência tão similar às originais que ninguém percebe a diferença, a menos que a pessoa tenha muito conhecimento ou se aproxime demais. Para Lúcia, as imitações ofereciam uma maneira acessível de expressar seu estilo sem carregar o peso financeiro das grifes. Apesar de não ter uma marca favorita, gostava da sensação de caminhar pelas ruas com uma bolsa que, aos olhos dos outros, era vista como um símbolo de status social.

Naquele espaço abafado, entre as bolsas amontoadas, o burburinho das vozes de outros consumidores ecoava pelas lojas vizinhas que dividiam o mesmo espaço. O que se destacava não era apenas o comércio em si, mas o valor simbólico que aquelas peças carregavam para as mulheres que frequentavam o local com regularidade. Para elas, as bolsas iam muito além de simples acessórios; eram símbolos de status, de pertencimento a um mundo de luxo e exclusividade, mesmo que apenas pela aparência.

A busca por um produto de luxo, ainda que ilusório, era quase tangível. A cada gesto, a cada conversa, ficava claro que as consumidoras estavam menos preocupadas com a autenticidade do item e mais focadas no que ele poderia lhes proporcionar: uma sensação de pertencimento, poder e sucesso. Não se tratava apenas de possuir uma bolsa, mas de construir uma imagem de sofisticação e status. Vera deixou isso claro ao afirmar que ninguém iria parar na rua para questionar se o produto era original ou não. Carregá-lo já era o suficiente para atrair olhares diferentes, conferindo-lhe a distinção que tanto buscava.

Essa busca por símbolos de status se torna ainda mais complexa quando analisada à luz das explicações da psiquiatra Mariana Pampanelli. Para ela, esses itens de luxo – mesmo que falsificados – cumprem diversas funções psicológicas, dependendo do contexto. O anseio por prestígio social, seja para se sobressair aos demais ou para fortalecer a própria autoestima, figura entre os principais impulsionadores. E esse valor, que ela enfatizou, é determinado pelo ambiente cultural em que o indivíduo está inserido. Em alguns círculos, possuir uma bolsa de grife é apenas um reflexo natural da riqueza. Em outros, representa uma tentativa de ascensão, de se destacar do meio social em que vivem.

As redes sociais, claro, ampliam ainda mais essa dinâmica. Mariana afirmou que a comparação constante com os outros, impulsionada pelas redes sociais, intensifica o desejo por determinados itens. Ela acrescentou dizendo que as pessoas buscam estar à altura das imagens que veem na tela, e os itens de luxo são uma forma de alcançar isso. No entanto, ela também alertou para o perigo dessas compras impulsivas, pois quando o desejo por status ultrapassa o planejamento financeiro, o resultado geralmente é o arrependimento, acompanhado de uma sensação de perda de controle sobre a própria vida.

Essa constante exposição à desigualdade social intensifica o desejo de pertencer a uma classe social privilegiada. Para muitas pessoas, adquirir uma falsificação é a única forma de sentir que estão participando dessa narrativa de luxo e exclusividade, ainda que de maneira temporária. A psiquiatra explica que o item falsificado oferece uma ilusão de pertencimento, e mesmo sabendo que não é real, a pessoa se sente parte daquele mundo, ainda que por um momento. Esse sentimento é amplificado pela percepção de injustiça social, levando muitos a crer que, se não podem adquirir o item original, ao menos podem simular essa posse.

O que essas mulheres buscavam nas bolsas falsificadas não era o objeto em si, mas tudo o que ele representava. A sensação de carregar um item de luxo, mesmo que não fosse real, dava a elas a sensação de poder e pertencimento. E, nesse mundo de aparências, isso era o suficiente. A autenticidade do produto tornava-se secundária diante da necessidade de se sentir parte de algo maior, de projetar uma imagem que, na prática, não condizia com suas realidades.

 

O ‘’Grande Irmão’’ do Luxo: Vigilância na Era das Falsificações

No vórtice das redes sociais,  onde cada curtida se transforma em moeda e cada seguidor em um troféu, um perfil no Instagram emergiu como uma caçadora implacável. "The Fake Birkin Slayer" (@thefakebirkinslayer) tornou-se um oráculo em um mundo onde a busca pelo luxo não é apenas desejo, mas flerta com a obsessão. Sua missão principal é desmascarar as falsificações que se infiltram nos feeds dos usuários da rede, compartilhando nos stories o emoji que representa um par de olhos atentos. Não é apenas uma página de denúncias, mas um espelho implacável da ambição humana de conquistar o que está para além do alcance.

No epicentro desse turbilhão de desejos está a Birkin, a intocável criação da grife francesa Hermès. Muito além de ser uma simples bolsa, ela personifica um símbolo de status e poder, desejada tanto por fashionistas quanto por aqueles que almejam ingressar em um mundo que não os acolhe naturalmente, com a mesma intensidade de quem busca água em um deserto árido. Poucos têm o privilégio de atravessar as portas da exclusividade, e menos ainda conseguem segurar uma Birkin autêntica em suas mãos. Ela é a promessa de pertencimento a um círculo fechado, onde o luxo não é apenas um adorno, mas a própria identidade.

Mas como todo objeto de desejo, a Birkin tem seu lado sombrio. Na penumbra das transações secretas e nas esquinas mais discretas da internet, as imitações florescem como ervas daninhas. E "The Fake Birkin Slayer" está presente, assumindo o papel de uma justiceira digital, desmascarando com precisão quase cirúrgica os defeitos nas réplicas exibidas por aqueles que ousam postá-las. Cada nova publicação é uma sentença para quem ousou tentar enganar o olhar observador, uma exposição pública da farsa do luxo.

A Hermès, com sua produção controlada, faz de cada Birkin uma raridade. Não basta ter uma conta bancária cheia. É preciso ter acesso, influência e, sobretudo, paciência. A escassez faz o coração desejar mais, e essa falta é cuidadosamente mantida. A bolsa, que nunca está à espera nas prateleiras das boutiques, carrega consigo o peso de uma conquista — ou, para muitos, de uma frustração constante.

E é nesse limiar entre o desejo e a frustração que a falsificação encontra o terreno fértil. Para alguns, segurar uma imitação é o mais próximo que chegarão de sentir o toque do inalcançável. O brilho falso de uma Birkin não é apenas uma mentira para os outros, mas também uma ilusão auto infligida, uma tentativa desesperada de pertencer a um mundo de aparências que, no fundo, todos sabem ser efêmero. O conforto de segurar uma réplica, mesmo que por breves momentos, oferece um respiro na longa corrida pelo prestígio.

A caçada de "The Fake Birkin Slayer" revela algo maior do que apenas o desejo por autenticidade: escancara a era em que vivemos, onde o valor de um objeto não reside mais no que ele é, mas na história que ele conta. E, no palco das redes sociais, onde cada foto é uma performance encenada e cada postagem um ato de exibição, a autenticidade é a última fronteira. Quem possui o real, exerce o poder, mas, para muitos, sobra apenas a sombra do que poderia ter sido.

A Ética do Consumo e o Futuro do Luxo

Nos bastidores reluzentes do mercado de luxo, onde o brilho das vitrines oculta um submundo nebuloso, as falsificações surgem como sombras inquietantes, desafiando não apenas as marcas, mas também a moralidade de quem as consome. De um lado, há quem veja na compra de uma imitação a chance de tocar, ainda que de forma enganosa, o poder e a exclusividade que as grifes prometem. De outro, há uma realidade mais sombria: o impacto desse comércio clandestino na economia global e a exploração humana que muitas vezes alimenta esse ciclo.

Essas falsificações, frequentemente produzidas em fábricas clandestinas na China, onde a mão de obra escrava opera longe dos holofotes, trazem à tona uma questão ética ainda mais profunda. Ao comprar um produto falsificado, não se adquire apenas uma réplica de luxo; compactua-se, ainda que indiretamente, com a exploração de trabalhadores submetidos a condições desumanas, mal remunerados e forçados a produzir incessantemente para alimentar um mercado que prospera sobre suas costas. Nesse cenário, o glamour associado ao objeto de desejo torna-se, de certa forma, cúmplice de uma cadeia de injustiças.

Nesse contexto, o futuro do luxo parece caminhar sobre um terreno não muito fértil. As grandes etiquetas enfrentam não apenas o desafio de manter sua exclusividade, mas também a ameaça crescente das falsificações, que não só diluem sua imagem, mas também perpetuam a exploração da mão de obra barata. A questão agora não é mais apenas sobre como manter o controle sobre o mercado de luxo, mas sobre o que esse mercado significa num mundo onde o valor de um produto vai além de seu preço — está vinculado à ética de como é feito e por quem.

Enquanto isso, as consumidoras continuam a navegar entre o desejo de possuir o impossível e o dilema moral que surge ao considerar o verdadeiro preço de suas escolhas. A cada compra, consciente ou não, elas caminham por um território onde luxo e exploração se entrelaçam, onde o brilho de uma bolsa Hermès, Chanel ou Louis Vuitton pode estar manchado pelo suor de trabalhadores esquecidos, relegados ao anonimato. E assim, enquanto o mercado de falsificações prospera, o preço a ser pago — tanto financeiramente quanto eticamente — se torna mais difícil de ignorar.

O debate sobre as falsificações não é apenas sobre as réplicas em si, mas sobre o que estamos dispostos a sacrificar em nome do luxo. Não se trata apenas de quem pode ou não comprar o autêntico, mas de quem somos como consumidores, e de como nossas escolhas ressoam em uma cadeia global de produção onde o verdadeiro custo do desejo muitas vezes permanece invisível.

As bolsas de luxo, com todo o seu brilho e exclusividade, são muito mais do que simples acessórios. Elas carregam o peso simbólico de um mundo que valoriza a imagem sobre a substância, o ter sobre o ser. Cada peça é uma promessa de que se pode adentrar em um círculo restrito, onde o prestígio e o poder parecem estar ao alcance de quem as porta. Porém, seja autêntica ou falsificada, a verdade que essas bolsas revelam é a mesma: elas são objetos que tentam preencher um vazio que vai muito além do material.

Para alguns, possuir uma dessas bolsas é uma forma de validar sua personalidade em um mundo onde o sucesso é medido pelo que se exibe. Para outros, a imitação é a única maneira de participar dessa narrativa, ainda que apenas temporariamente. No entanto, seja no couro genuíno ou na réplica meticulosamente elaborada, a busca pelo pertencimento raramente encontra sua satisfação. A bolsa, por mais rara ou desejada que seja, não tem o poder de transformar quem a carrega. O luxo que ela promete é falacioso, efêmero, e deixa para trás apenas o eco de um desejo que nunca se apaga.

E assim, o ciclo continua. O fascínio pelo luxo persiste, alimentado pela fantasia de que, ao segurá-la, se pode finalmente tocar o inatingível. Mas, no fundo, o que as bolsas de luxo realmente oferecem é a mesma ilusão que o próprio mercado capitalista vende: uma busca interminável por algo que nenhum artefato, por mais exclusivo que seja, será capaz de entregar. Afinal, o verdadeiro valor nunca esteve no objeto, mas no fetiche que a mercadoria representa.