Uma análise sobre a passagem do físico e teórico alemão pelo Brasil e o apagamento das mulheres na ciência
por
Natália Matvyenko Maciel Almeida
Joana Grigório
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16/11/2025 - 12h

Em 1925, Albert Einstein desembarcou na américa do sul, na cidade do Rio de Janeiro, para uma sequência de palestras e nesse vídeo exploramos uma parte dos relatos escritos em seu diário e a falta de registros de pessoas racializadas e também de mulheres nas conferências.

Referências utilizadas para esse vídeo: 

1. Tolmasquim, Alfredo Tiomno. Einstein, o Viajante da Relatividade na América do Sul (2003)
Este livro oferece um olhar detalhado sobre a visita de Albert Einstein à América do Sul, incluindo sua passagem pelo Brasil. O autor explora a recepção do cientista e seu impacto no cenário científico da época.

2. Haag, Carlos. "Tropical Relativity" (2004)
Artigo publicado na revista Pesquisa FAPESP, que aborda os diários de viagem de Einstein na América do Sul, com destaque para suas observações sobre o Brasil e suas interações com a ciência local.

3. Moreira, Ildeu de Castro. Entrevista: Visita de Einstein ao Rio de Janeiro promoveu valorização da ciência pura (2025)
Entrevista com Ildeu de Castro Moreira, que discute o impacto da visita de Einstein ao Rio de Janeiro, enfatizando a valorização da ciência fundamental e os desdobramentos para a pesquisa no Brasil.

4. Fundação Oswaldo Cruz. Museu tem atrações em homenagem aos 100 anos da visita de Einstein (2025)
A Fundação Oswaldo Cruz celebra o centenário da visita de Einstein ao Brasil com exposições e atividades que relembram a importância histórica dessa passagem do cientista.

5. Observatório Nacional. 100 Anos de Einstein no Brasil (2025)
O Observatório Nacional comemora o centenário da visita de Einstein ao Brasil com uma série de palestras e reflexões sobre o impacto de sua passagem no campo científico brasileiro.

6. Rosenkranz, Ze'ev (org.). The Travel Diaries of Albert Einstein (2018)
Esta coletânea organiza os diários de viagem de Einstein, incluindo suas observações sobre diferentes regiões do mundo, com destaque para seus comentários sobre a América do Sul, e apresenta uma análise crítica sobre seus pontos de vista racializados.

7. Artigos de divulgação histórica sobre os diários de Einstein e racismo
Diversas publicações, como matérias da History.com e do The Guardian, discutem as anotações de Einstein sobre suas viagens à Ásia e outros lugares, destacando seus comentários sobre raça e cultura.

Nota de Checagem de Fatos
As informações sobre a visita de Einstein ao Brasil e seu impacto no país, incluindo o papel de Carlos Chagas e a análise dos diários de viagem, foram baseadas em fontes como Fiocruz, Observatório Nacional, e pesquisas de Ildeu de Castro Moreira. As reflexões sobre os comentários racializados de Einstein seguem a análise crítica adotada por estudiosos como Tolmasquim, Haag e Rosenkranz.

Releitura transmídia da estadia do físico no Rio de Janeiro em 1925
por |
03/11/2025 - 12h

Em maio de 1925, Albert Einstein visitou o Rio de Janeiro por uma semana hospedando-se no Hotel Glória, quarto 400. Apesar da recepção calorosa como celebridade, sua passagem foi um desastre cômico. A comitiva que o cercava não tinha um único físico ou matemático - apenas médicos, advogados, políticos e militares da elite social brasileira. No Clube de Engenharia, falou para uma plateia lotada que não entendia alemão nem suas ideias, em uma sala barulhenta e sem acústica. Na Academia de Ciências, teve que ouvir três discursos vazios em francês mal falado, incluindo um sobre "a influência da Relatividade na Biologia". O ápice foi quando o jurista Pontes de Miranda tentou desafiá-lo em alemão com considerações sobre metafísica e direito. Einstein levou de presente um papagaio que repetia "Data venia, Herr Einstein", lembrando-o sempre, com humor, da "ciência" dos doutores brasileiros.

“Einstein: visualize o impossível” é um projeto dos estudantes do quarto semestre de jornalismo da PUC-SP, da disciplina de jornalismo transmídia. O projeto aborda, de diferentes maneiras, uma releitura da icônica visita do físico ao Brasil em 1925. Todos os relatos estão em um site especial. Além de produções visuais e sonoras, o especial propõe uma narrativa em quadrinhos que conecta ciência, história e imaginação, tendo como cenário o Observatório Nacional (espaço que recebeu Albert Einstein). 

A produção contou com a colaboração de Bruno Matos, vice-diretor da Escola Estadual Professor Walter Ribas de Andrade. Já o vídeo “Os impactos de Albert Einstein na educação brasileira explicado por doguinhos” apresenta as contribuições das teorias do cientista para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a partir da entrevista com o professor de física Dediel Oliveira.  

Em “Diário do Einstein”, o leitor encontra coletânea de depoimentos em formato de diário sobre a passagem de Albert Einstein pelo Rio de Janeiro no ano de 1925, comentando ao longo de cada dia, pontos turísticos e palestras presenciadas por ele. No podcast "A carta que revolucionou a corrida armamentista", discute carta assinada pelo físico Albert Einstein em agosto de 1939, que alertava o presidente dos EUA, Franklin D.Roosevelt, sobre o potencial da Alemanha nazista em desenvolver uma bomba atômica.

O vídeo vertical “Einstein no Brasil” narra o encontro do físico com Carlos Chagas, marcando um momento científico crucial. A produção destaca a troca intelectual entre os dois grandes nomes da época. Por fim, é possível compreender uma sutil crítica sobre a omissão de um encontro com cientistas mulheres consagradas, como Bertha Lutz. Em “Einstein: uma análise de sua trajetória política”, as cartas de Einstein e seus discursos que expressavam preocupação com a violência e os conflitos no Oriente Médio são revisitadas. Nas declarações, o físico defende uma convivência justa entre judeus e árabes, e o projeto analisa como suas palavras ecoam no contexto atual da guerra entre Israel e Palestina, mostrando que o tempo passa, mas as perguntas sobre humanidade e coexistência continuam urgentes. 

Finalmente, o livro "Os Sonhos de Einstein", de Alan Lightman, pela Cia das Letras, apresenta uma série de sonhos imaginários que o jovem Albert Einstein teria tido enquanto desenvolvia a Teoria da Relatividade, em 1905. Em cada um deles, o tempo funciona de um jeito diferente, às vezes para, volta ou corre mais rápido e essas variações servem para refletir sobre a vida, as lembranças e as escolhas humanas. "Neste mundo, a textura do tempo parece ser pegajosa. Porções de cidades aderem a algum momento na história e não se soltam. Do mesmo modo, algumas pessoas ficam presas em algum ponto de suas vidas e não se libertam".
 

O uso excessivo do celular está moldando comportamentos e lucros empresariais das Big Techs
por
Julia Cesar Rangel
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27/10/2025 - 12h

Por Julia Cesar

 

O som começa suave, quase hipnótico. A vinheta colorida anuncia: “Cocomelon!”. Em segundos, os olhos se fixam na tela, o corpo se acalma e o mundo ao redor desaparece. Por trás dessa inocente animação infantil, há uma equipe bilionária que lucra com cada clique, cada minuto de atenção e cada vídeo que não para de rodar.

Nos últimos anos, o uso excessivo do celular tem preocupado especialistas, pais e educadores. Plataformas e canais, especialmente os voltados para o público infantil, estão sendo desenhados para capturar e reter o olhar humano o máximo possível. No caso das crianças, os efeitos são ainda mais intensos, já que seus cérebros ainda não estão totalmente formados para compreender o que é viciante e prejudicial.

A mãe Bianca Rangel, por exemplo, percebeu esse impacto em casa. O pequeno Gael, de 3 anos, começou a reconhecer a música do Cocomelon apenas pelo primeiro segundo de som. Ele largava qualquer brinquedo para correr até o celular. No início, Bianca achava a cena fofa, mas com o tempo notou que o filho ficava irritado e chateado quando o aparelho era desligado.

Preocupada, ela tentou limitar o tempo de tela, mas enfrentou forte resistência. Foi então que decidiu buscar orientação profissional e entendeu que substituir o tempo de tela por atividades com “dopamina boa” não era apenas uma escolha, e sim uma necessidade.

De acordo com a psicóloga Mayara Contim, formada pela USP e atualmente atuando na escola St. Nicholas, esse tipo de comportamento é resultado de mecanismos psicológicos cuidadosamente estudados pelas plataformas. Ela explica que não se trata apenas do Cocomelon: hoje, vídeos são planejados para ativar o sistema de recompensa do cérebro. As músicas, as cores e o ritmo acelerado são pensados para liberar dopamina, o hormônio ligado ao prazer imediato. Isso cria um ciclo de dependência semelhante ao que ocorre com jogos e redes sociais entre adultos e adolescentes.

A psicóloga ressalta que o problema não está apenas nas crianças. Segundo ela, os adultos também são vítimas desse design, já que as redes sociais funcionam com a mesma lógica de manter o usuário rolando infinitamente. No entanto, o impacto é mais grave nas crianças, pois seus cérebros ainda estão em desenvolvimento.

Um estudo recente da Common Sense Media apontou que, em média, crianças de até cinco anos passam quase três horas por dia em frente a telas. O dado assusta, mas reflete uma realidade cotidiana: celulares se tornaram babás digitais, distrações práticas para pais cansados e ferramentas de lucro para empresas que vendem publicidade a cada visualização.

Bianca admite que o uso do celular facilitava sua rotina. Enquanto o filho assistia aos vídeos, ela conseguia trabalhar ou realizar tarefas domésticas. Com o tempo, porém, percebeu que estava trocando momentos de qualidade com o filho por alguns minutos de silêncio.

Para Mayara Contim, o primeiro passo é não culpar os pais, e sim compreender o contexto. Ela destaca que vivemos em um mundo hiperconectado e que o caminho está na consciência e nos limites. O ideal, segundo a psicóloga, é que os pais assistam junto com as crianças, conversem sobre o conteúdo e ofereçam outras formas de estímulo — como brincadeiras, leitura e contato com a natureza.

Enquanto isso, a indústria continua explorando cada segundo de atenção possível. Canais como Cocomelon acumulam bilhões de visualizações e lucros altíssimos com publicidade, licenciamento e produtos derivados. O looping digital virou negócio, e nós, espectadores, nos tornamos o produto.

Mayara resume a lógica de forma direta: a atenção é a nova moeda. E, no fim, essa frase ecoa como um alerta — quanto mais tempo passamos presos às telas, mais alguém, do outro lado, está lucrando com isso.

O Brasil é pioneiro na criação de um medicamento que regenere a medula óssea de pacientes
por
manuela schenk scussiato
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03/11/2025 - 12h

Por Manuela Schenk

 

Não fora uma sexta-feira qualquer para Júlia. A caminho do ponto de ônibus para voltar para sua casa após um dia de aula na faculdade um motorista embriagado atropelou-a e fugiu sem prestar socorro que mudou sua vida para sempre quando tinha apenas 19 anos. Júlia teve lesões nas vértebras T8, T9 e T10 que a deixaram paraplégica depois de cinco dias em coma quando recebeu a notícia de que jamais andaria novamente.

Hoje Júlia tem 22 anos e teve que reaprender a viver. Coisas que jamais imaginou ter dificuldades agora são grandes conquistas, como quando conseguiu tomar banho sozinha pela primeira vez ou quando pode se deitar na própria cama sem auxílio. Escadas se tornaram rampas, seu restaurante favorito virou delivery, já que não possui acessibilidade para que ela consiga entrar na cadeira de rodas. As festas que frequentava semanalmente agora são eventos anuais, pois a locomoção dentro de uma balada é quase impossível para alguém que não consegue usar as próprias pernas.

No início se adaptar parecia impossível, noites mal dormidas quando chorava no travesseiro até seus olhos cederem. Depois de receber alta do hospital ela foi encaminhada para terapia, consultas três vezes por semana que depois de dois anos se tornaram duas. A fisioterapia que antes era uma tortura aos poucos se tornou um momento divertido.

Nos anos que se passaram Júlia conheceu mais pessoas na mesma situação que ela e de pouco a pouco sua nova vida se tornou mais tolerável, mas mesmo depois de quase 4 anos do acidente ela ainda tem dias ruins, sua autoestima nunca mais foi a mesma já que por muito tempo não conseguia se arrumar como antes. Júlia conta que o momento mais difícil da vida dela foi descobrir que seu caso não tinha cura. Sem possibilidade de tratamento ou cirurgia, uma menina que antes era ativa, amava se exercitar, sair com suas amigas, passear com sua cachorrinha, agora se vê forçada a reaprender a viver.   

É possível perceber as dificuldades que marcam a vida das pessoas que são afetadas pela paraplegia. Infelizmente muitos casos não são reversíveis, mas graças a estudos de um grupo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o mundo pode estar mais próximo de encontrar uma cura para uma deficiência que interrompe a vida de tantas pessoas.

A pesquisa, desenvolvida no Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, representa um marco para a medicina brasileira. O medicamento experimental chamado Polilaminina foi criado a partir de uma proteína natural da placenta humana, capaz de estimular a regeneração das células nervosas. Em estudos com animais, especialmente cães que haviam perdido os movimentos, o tratamento apresentou resultados impressionantes: alguns conseguiram voltar a andar mesmo após anos de paralisia. Esse avanço chamou a atenção da comunidade científica internacional e fez com que o Ministério da Saúde e a Anvisa classificassem o estudo como de prioridade absoluta no País.

A equipe liderada por Tatiana Sampaio começou o estudo da eficiência polilaminina para promover a regeneração de fibras nervosas/axônios e reconectar áreas lesadas da medula espinhal começou em 2007, embasado em outro estudo da faculdade que iniciou em 1998. São quase três décadas de trabalho árduo que trouxeram a equipe ao sucesso que é exposto para o mundo hoje, com seis dos oito pacientes humanos recuperando, parcial ou completamente, os movimentos que lhes foram tomados. 

Além dos testes clínicos em andamento, o projeto da UFRJ tem recebido apoio de instituições públicas e privadas, como o Laboratório Cristália, que colabora na etapa de desenvolvimento farmacêutico e produção em larga escala da substância. O próximo passo dos pesquisadores é a realização de estudos em uma quantidade maior de voluntários, o que permitirá avaliar com mais precisão a segurança e a eficácia do medicamento. Caso os resultados se confirmem, o Brasil poderá ser o primeiro país a oferecer um tratamento realmente regenerativo para lesões medulares, uma conquista inédita na história da ciência.

Para Júlia e milhares de pessoas que convivem com a paraplegia, essa descoberta reacende uma esperança que parecia perdida. Mesmo que o caminho até a cura ainda seja longo, cada passo da pesquisa representa uma vitória contra a limitação imposta pela lesão medular. A história de Júlia mostra a força de quem se reinventa diante da adversidade. O que a ciência da UFRJ faz agora é provar que o impossível pode estar mais perto do que se imagina. Aquilo que antes era apenas sonho, agora começa a ganhar forma nas mãos de pesquisadores brasileiros dedicados a devolver o movimento e com ele a liberdade a tantas vidas interrompidas.

Especialista alerta para riscos do uso acrítico de plataformas de IA na educação
por
Thomas Fernandez
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04/10/2025 - 12h

A inteligência artificial (IA) ganhou rapidamente espaço em diferentes setores da sociedade, e a educação não ficou de fora dessa tendência. Plataformas capazes de corrigir redações, recomendar atividades personalizadas e até mesmo substituir parte das tarefas do professor estão em alta.

A promessa, vendida por empresas de tecnologia e gestores entusiasmados, é de que a IA pode democratizar o ensino, personalizar a aprendizagem e aliviar a carga de trabalho docente. Não por acaso, de acordo com o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), sete em cada dez estudantes do Ensino Médio já utilizam ferramentas de IA generativa em trabalhos escolares, mas apenas 32% afirmam ter recebido orientação na escola sobre como usar esses recursos de forma pedagógica. 

Há quem veja nesse movimento um risco de precarização do trabalho dos professores, transformando a inovação em mais uma engrenagem de uma lógica de cortes de custos e desvalorização profissional. Afinal, a inteligência artificial na educação é realmente uma aliada do professor ou pode acabar sendo um instrumento de substituição e perda de direitos? 

Em entrevista à AGEMT, Pedro Maia, cientista de dados e pesquisador em ética e tecnologia, alerta para o risco de que a IA seja utilizada como justificativa para reduzir a presença e a importância dos professores. Para ele, é preciso estar atento à lógica de mercado que move grande parte das inovações tecnológicas aplicadas à educação: “O risco é que as escolas passem a enxergar a inteligência artificial não como apoio, mas como substituição. Se uma plataforma consegue corrigir automaticamente atividades e sugerir trilhas de estudo, a tentação de reduzir o quadro docente e cortar custos é enorme”, explica. 

Segundo Maia, isso poderia levar a uma precarização ainda maior do trabalho docente, em um cenário no qual professores já enfrentam baixos salários, excesso de carga horária e falta de condições adequadas de trabalho. “A promessa de eficiência pode esconder a intenção de enxugar gastos. É a lógica neoliberal aplicada à educação: menos investimento em pessoas, mais aposta em soluções padronizadas”, acrescenta.

Pedro Maia, cientista de dados.
Pedro Maia, cientista de dados. Foto: Arquivo Pessoal.

 

Maia também chama atenção para o risco de aprofundar desigualdades: “Nesse cenário, a IA não democratiza, mas acentua a exclusão. O aluno da periferia continua com menos oportunidades que o de elite, ainda que ambos usem supostamente a mesma tecnologia”. Esse alerta encontra respaldo nos números. Em 2023, 69% dos estudantes já conheciam a IA; em 2024, esse índice subiu para 80%, segundo levantamento nacional feito pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES).

No entanto, nem todos têm acesso à mesma qualidade de ferramentas ou de acompanhamento pedagógico. Enquanto escolas privadas de ponta conseguem incorporar plataformas sofisticadas, parte da rede pública depende de versões limitadas, com pouco ou nenhum suporte docente.

Mesmo assim, o cenário não é apenas de resistência. Pesquisas feitas pela SEMESP (Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo), mostram que 74,8% dos professores acreditam que a IA pode ser aliada no processo de ensino, e 39,2% já utilizam a tecnologia regularmente em sala de aula. Esses dados revelam uma categoria dividida, mas que enxerga potencial na tecnologia quando aplicada como ferramenta de apoio, não como substituição. 

Além disso, iniciativas públicas começam a surgir. O governo federal, em parceria com a UNESCO e a Huawei, lançou o projeto “Open Schools” na Bahia e no Pará. Ambos locais foram escolhidos pela falta de infraestrutura educacional, conectividade e recursos tecnológicos. A iniciativa foca na formação de professores em competências digitais e uso de IA, além de investimentos em conectividade e infraestrutura. O objetivo é reduzir desigualdades e preparar a rede pública para essa transição.

A coexistência desses dois pontos de vista - o risco de precarização e a promessa de apoio pedagógico - evidencia o dilema atual: A IA pode ser tanto aliada quanto algoz, dependendo da forma como for implementada. Se o objetivo for cortar custos, há risco de enfraquecer a profissão docente. Mas se, por outro lado, houver investimento em formação, infraestrutura e regulação, ela pode abrir espaço para práticas pedagógicas mais ricas e inclusivas.

O que está em jogo, portanto, não é apenas a chegada de uma nova tecnologia, mas o modelo de educação que o país pretende construir. A questão central permanece: a inteligência artificial será um recurso a serviço de professores e alunos ou mais um instrumento de precarização do trabalho em nome da eficiência econômica?

Enquanto não há consenso, cresce a urgência em debater publicamente os rumos dessa transformação. O futuro da escola não depende apenas das máquinas, mas das escolhas políticas, sociais e econômicas que definirão como, para quem e com quais propósitos a tecnologia será utilizada.

O maior evento de jornalismo investigativo da América Latina teve formato misto e abrangente com foco em temas atuais.
por
Maria Ferreira dos Santos
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08/08/2022 - 12h

O Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo deste ano teve formato híbrido após dois anos remoto. O evento promovido pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) desde 2005, começou nesta quarta(03) e acabou hoje(07). 

Os primeiros dias de conferência foram gratuitos e online, as palestras transmitidas ficarão disponíveis até o dia 07 de setembro. Enquanto a programação dos demais dias aconteceu no campus da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), localizado em Higienópolis, São Paulo, com entrada mediante compra de ingresso e sem qualquer transmissão virtual.

Segundo Cristina Zahar, diretora-executiva da Abraji, o fato de parte do evento ter sido feito via web e gratuitamente não afetou a qualidade do conteúdo, tampouco recebeu menos dedicação da diretoria. Na abertura do Congresso, a presidente da Associação, Natalia Mazotte, afirmou que vê nesse modelo uma “oportunidade imensa de incluir mais jornalistas e estudantes de todo Brasil”. Mazotte acrescentou que o seminário teria 100 atividades e mais de 250 palestrantes e mediadores.

 

Cristina Zahar,  diretora-executiva da Abraji, em conversa com o estudante Camilo Mota, participante do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Cristina Zahar,  diretora-executiva da Abraji, em conversa com o repórter Camilo Mota. Foto: Maria Ferreira dos Santos

 

O estudante de jornalismo da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) Jonathan Monteiro fez questão de participar do congresso e por isso veio do Rio Janeiro à São Paulo numa viagem de ônibus que durou seis horas. Quando questionado se a viagem valeu a pena, Jonathan hesitou ao dizer que sim, pois em determinada palestra na sexta-feira, alegou ser o único preto presente. “Agora no segundo dia [sábado, 06], a gente já vê mais pessoas pretas e pardas”, completou o universitário. As pautas da comunidade preta, inclusive, foram temas de painéis do evento.

As mesas proporcionadas dialogavam diretamente com as necessidades e os acontecimentos atuais. Com foco no panorama eleitoral, a violência contra jornalistas, a cobertura climática, ameaças à democracia, o cenário político de países da América Latina, a Guerra na Ucrânia, combate à desinformação e checagem de fatos.

Também aconteceram atividades que debatiam sobre o modo midiático de retratar pessoas de grupos sub-representados, como indígenas, pretos, mulheres e a comunidade LGBTQIAP+. Câe Vasconcellos, jornalista e autor do livro “Transresistência: pessoas trans no mercado de trabalho”, esteve presente no painel “A cobertura da pauta trans no Brasil” e comentou do seu desejo de ver mais histórias positivas de pessoas trans sendo compartilhadas e ganhando espaço no jornalismo.

Ademais, ao longo desses cinco dias foi lembrada a trajetória de Tim Lopes, repórter assassinado enquanto fazia uma reportagem sobre o abuso de poder no tráfico de drogas no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro. A criação da Abraji foi justamente uma resposta ao que aconteceu com Tim, por isso, a celebração dos vinte anos da instituição o homenageou, além de convidar sua família e colegas de profissão para compor os debates sobre os temas de seus trabalhos.

 

Jornalista Marcelo Moreira durante a palestra “20 anos da morte de Tim Lopes: o que mudou na cobertura das periferias?“ neste sábado (06) no 17° Congresso ABRAJI. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Jornalista Marcelo Moreira durante a palestra “20 anos da morte de Tim Lopes: o que mudou na cobertura das periferias?“ neste sábado (06) no 17° Congresso Abraji. Foto: Maria Ferreira dos Santos

Em entrevista exclusiva, Fernando Molica, um dos fundadores da Abraji, declarou que estava achando o evento fantástico. ”A gente nunca imaginou que a ABRAJI teria essa dimensão”, Molica ainda brincou dizendo que “dá até vontade sair daqui e ser jornalista”. 

Infelizmente, Tim Lopes não é o único repórter a ser assassinado por conta da profissão, muito pelo contrário, vários convidados afirmaram que recebem ou já receberam ameaças, provando que esse cenário de retaliação à imprensa está longe de mudar. A última atração do sábado (06) foi “Dom Phillips e Bruno Pereira: como chegamos até aqui"; em seu início, houve a apresentação de diversos nomes de jornalistas que faleceram nos últimos doze meses, sendo que muitos têm como causa da morte a mesma que Dom, Bruno e Tim: o desejo de mostrar aquilo que querem esconder.

Por ter uma magnitude internacional, diversos convidados eram de outros países como é o caso de Mattia Fossati, jornalista italiano e autor do livro “Narcos Carioca:  Una Storia di Mafie e Favelas”. Fossati se sentiu honrado pelo convite e confessou que até ficou nervoso para sua palestra, entretanto reforçou a importância da ocasião.  “Porque estamos passando por um ataque muito forte contra a liberdade de imprensa, é fundamental estar aqui”, explicou.

Fossati participou de uma mesa presencial, bem como o salvadorenho Carlos Dada, fundador e diretor do site de notícias El Faro, Jennifer Ortiz, fundadora do Nicaragua Investiga, Ben Welsh, editor do Departamento de Dados e Gráficos do Los Angeles Times e Haley Willis, jornalista do New York Times.

 

Ben Welsh, editor do Departamento de Dados e Gráficos do Los Angeles Times, e Natalia Mazotte, presidente da Abraji neste sábado (06) durante palestra. Foto: Maria Ferreira dos Santos.
Ben Welsh, editor do Departamento de Dados e Gráficos do Los Angeles Times, e Natalia Mazotte, presidente da Abraji neste sábado (06) durante palestra. Foto: Maria Ferreira dos Santos.

Já a versão online contou com a participação dos noruegueses Natalie Remøe Hansen, Erlend Ofte Arntsen, Kristoffer Kumar, autores da reportagem que deu origem ao documentário O Golpista do Tinder (Netflix); a peruana Paola Ugaz e as mexicanas Maria Teresa Montaño Delgado e Gabriela Martinez participaram da mesa “Ameaças a mulheres jornalistas na América Latina”;  o francês Laurent Richard, diretor do Projeto Pegasus, da Forbidden Stories, que revelou a espionagem de ativistas e jornalistas por governos; as ucranianas Katerina Sergatskova e Sevgil Musayeva, que estão cobrindo a guerra. E Julia Angwin, estadunidense fundadora da The Markup, criada para investigar o uso dos algoritmos na sociedade; o engenheiro Christopher Bouzy, do Bot Sentinel, focado no combate à desinformação.

”Imprensa livre é livre de ataques” é a frase que passa antes de começar as transmissões online do 17° Congresso de Jornalismo Investigativo”. Foto: Maria Ferreira dos Santos.
”Imprensa livre é livre de ataques” é a frase que passa antes de começar as transmissões online do 17° Congresso de Jornalismo Investigativo”. Foto: Maria Ferreira dos Santos.

Tanto nos chats das transmissões quanto nos espaços da FAAP, foi possível observar a forte presença de estudantes de jornalismo. Isso é fundamental, segundo o Coordenador do Núcleo Investigativo da CNN Brasil, José Brito, pois o congresso proporciona o conhecimento da existência de “técnicas e ferramentas que podem ser implantadas no dia a dia [do jornalismo investigativo]  vai ajudar” a formar esses futuros profissionais.

Com exclusividade aos repórteres Camilo Mota e Maria Ferreira dos Santos, a jornalista do UOL Juliana Dal Piva aconselhou aos profissionais em pré-serviço para não terem pressa de trabalhar. “Aproveitem muito esse momento para estudar porque vai chegar a hora montar a mão na massa”, esclareceu Dal Piva.

O conselho de Juliana aos estudantes de jornalismo junta-se com as dicas dadas pela Adriana Farias em sua conta no instagram @jornalismoinvestigativo9. Ambas as profissionais estavam como palestrantes na conferência, Farias disse que foi uma honra ter recebido o convite para participar, pois para ela esse é o congresso mais importante da área e, consequentemente, o mais esperado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Acabou neste domingo (10/07) a 26° Bienal Internacional do Livro de São Paulo, localizado no Expo Center Norte o evento teve início sábado (02) após quatro anos sem acontecer.
por
Maria Ferreira dos Santos
Sônia Xavier
Malu Araújo
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10/07/2022 - 12h

Depois de uma lacuna de quatro anos devido a pandemia de Covid-19, a Bienal do Livro finalmente ganhou uma nova edição. A feira literária que aconteceu entre os dias 02 e 10 de julho tinha como previsão receber 500 mil visitantes nos 65 mil m² de ocupação do Expo Center Norte.

Além de ter contado com 185 expositores, o evento também teve uma programação cultural de cerca de 1300 horas, distribuídas por mais de 800 atrações. E o que mais os leitores queriam eram os encontros diretos com os autores para conseguir o sonhado autógrafo. A organização preferiu distribuir senhas através de seu site que se esgotaram rapidamente. Mesmo assim, formaram-se imensas filas nas mesas dos escritores, com direito a aglomeração de pessoas tanto dentro quanto fora da Bienal.

O evento dividiu as atrações em oito espaços, trazendo programações multiculturais entrelaçadas com a literatura. A Arena Cultural, por exemplo, foi pensada para gerar contato do visitante com autores nacionais e internacionais. Entre os convidados estavam nomes como Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, a jornalista Miriam Leitão, a empresária Nathalia Arcuri e o escritor Maurício de Souza.

O escritor Maurício de Souza na Arena Cultural da Bienal do Livro no sábado (02). Foto: Maria Ferreira dos Santos
O escritor Maurício de Souza na Arena Cultural da Bienal do Livro no sábado (02). Foto: Maria Ferreira dos Santos

Já o Cozinhando com Palavras apresentou o universo gastronômico com chefs, jornalistas e autores ligados ao ramo. O local permitiu aos visitantes interações por meio de palestras,  mesas de autógrafos e, ainda, degustações de pratos preparados durante os bate-papos. 

O Espaço Infantil, por sua vez, contou com programação para toda a família, com narrações de histórias, oficinas temáticas e atividades de curta duração. O ambiente foi marcado por debates relacionados à inclusão com foco no público infantil, como na mesa "Apresentação de Personagens Inclusivos - Dorinha e Luca'', personagens com deficiência criados por Maurício de Souza, e a “Roda de Leitura em Braille”. 

 

Com curadoria da Câmara Brasileira do Livro (CBL) e do Sesc São Paulo, o Salão de Ideias foi planejado para promover discussões sobre questões de grande relevância social e cultural. Feminismo, política, empreendedorismo e literatura periférica foram alguns dos assuntos abordados nas palestras.

Entrada do Salão de Ideias na Bienal do Livro. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Entrada do Salão de Ideias na Bienal do Livro. Foto: Maria Ferreira dos Santos

O Sesc contou com três espaços distintos no evento,além da curadoria do Salão de Ideias, dispôs do Auditório das Edições Sesc no qual apresentou discussões sobre temas como os 

100 anos da Arte Moderna, racismo, games e sexualidade, e contou com nomes como Rita Von Hunty, Edney Silvestre e Eliete Negreiros. Já os Bibliosescs - Praça da História e Praça da Palavra-  foram palcos para atividades como saraus, contação de histórias e apresentações musicais. 

 Encenação da peça infantil “A Bruxinha” no Bibliosesc - Praça da História. Foto: Malu Araújo
Encenação da peça infantil “A Bruxinha” no Bibliosesc - Praça da História. Foto: Malu Araújo

Cordel e Repente trouxe conteúdos relacionados ao universo da produção de cordéis e da xilogravura. O espaço teve intenso cronograma de apresentações musicais, declamação de cordéis, shows e outras atividades relativas ao tema.

Fachada do espaço Cordel e Repente na Bienal do Livro. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Fachada do espaço Cordel e Repente na Bienal do Livro. Foto: Maria Ferreira dos Santos

O Papo de Mercado, com curadoria a cargo de Leonardo Neto, foi palco para bate-papos referentes ao âmbito editorial entrelaçados com tecnologia, sustentabilidade e adaptações do universo literário para o audiovisual. Mayra Lucas, Juliano Griebeler e Bruna Vieira foram personalidades que passaram pelo espaço.

Papo de Mercado durante a palestra “Direitos de Autor em Tempos de Blockchain, Inteligência Artificial, NFT e Metaverso”, na mesa estão Gustavo Martins de Almeida, Fernanda Gomes Garcia, Jens Klingelhöfer e Fredy Forero, da esquerda para a direita. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Papo de Mercado durante a palestra “Direitos de Autor em Tempos de Blockchain, Inteligência Artificial, NFT e Metaverso”, na mesa estão Gustavo Martins de Almeida, Fernanda Gomes Garcia, Jens Klingelhöfer e Fredy Forero, da esquerda para a direita. Foto: Maria Ferreira dos Santos

O Pavilhão do convidado de honra deste ano, Portugal, foi cenário para interseções entre a cultura portuguesa e brasileira. Houve conversas sobre as particularidades de ambas as literaturas, espaço para bate-papos entre editores brasileiros e portugueses e diálogos sobre os 200 anos de Independência. 

Troca de presentes, realizada no Pavilhão de Portugal, entre o escritor timorense Luís Cardoso e o brasileiro Cristino Wapichana. Foto: Sônia Xavier
Troca de presentes, realizada no Pavilhão de Portugal, entre o escritor timorense Luís Cardoso e o brasileiro Cristino Wapichana. Foto: Sônia Xavier

Apesar de tanta programação, há aqueles que vão, principalmente, para comprar livros como a coordenadora escolar Cláudia Rodrigues Figueredo, a antiga professora de literatura frequenta a Bienal há mais de dez anos e esse ano veio acompanhada da filha Giovanna (19) como maneira de incentivar a leitura desta. “Para mim é realmente emocionante estar de volta à Bienal”, declarou a docente referindo-se ao período de quatro anos sem o evento.

Há também aqueles que vão com o intuito de vender suas próprias obras, como a escritora Déa Henrique. A autora do livro infantil “Um Inesperado Kamba” explicou que seu livro surgiu de uma necessidade pessoal ao observar que seus filhos não conheciam histórias africanas. “Eu percebi a importância disso [literatura africana] para as crianças, principalmente para aquelas que têm afrodescendência. Porque elas não têm contato, então trazer esse universo da África para elas aqui no Brasil. Para mim e  para as minhas crianças foi importante, então acredito que para outras também seja”, disse Déa.

A escritora Déa Henrique com seu livro “Um Inesperado Kamba” na Bienal do Livro no sábado (02). Foto: Maria Ferreira dos Santos.
A escritora Déa Henrique com seu livro “Um Inesperado Kamba” na Bienal do Livro no sábado (02). Foto: Maria Ferreira dos Santos.

A visão de Déa Henrique sobre a literatura como necessidade é compartilhada também por Vanda Franco Pedrosa. Para ela, é possível “enxergar nos livros o resultado do aprendizado humano, os livros nos mostram isso.  Você abre um livro e se enxerga, enxerga o outro e o mundo em que ele está vivendo”. Ambas estavam emocionadas com a ocasião, Déa comentou que sua mãe mesmo de cadeira de rodas estava presente só para prestigiá-la, já Vanda acredita que “da onde eu venho uma professora chegar à Bienal é um evento, é um fato histórico”.

Vanda Franco Pedrosa autografando seu livro “A Tecelã do Seu Destino”. Foto: Malu Araújo
Vanda Franco Pedrosa autografando seu livro “A Tecelã do Seu Destino”. Foto: Malu Araújo

Juntam-se a esse time de escritoras da Bienal,  Isabella Falce e Letícia Bartulihe. Falce, autora de “Intoxicada Por Um Relacionamento Abusivo”, livro com teor autobiográfico, disse que viu na escrita um processo terapêutico mesmo que “complicado” devido ao assunto retratado. Hoje, Isabella se diz muito orgulhosa por ter uma publicação sua. “Porque eu tenho ajudado tanta gente, tantas mulheres me procuram querendo saber se há vida após relacionamento abusivo[...] a gente precisa tirar uma força para entender a grandiosidade de uma mulher”. Já Bartulihe desenvolveu a escrita como hobby, com quinze anos ela divulgou digitalmente seu primeiro livro “sem pretensão nenhuma”, mas ao ver o número de leituras alcançadas resolveu levar seu trabalho ao papel impresso.

Escritora Isabella Falce na Bienal do Livro. Foto: Malu Araújo
Escritora Isabella Falce na  26º Bienal do Livro. Foto: Malu Araújo
Letícia Bartulihe com seus livros na Bienal do Livro. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Letícia Bartulihe com seus livros na 26º Bienal do Livro. Foto: Maria Ferreira dos Santos

Não deixando de fora o contexto político desse ano e sua importância para a história brasileira, a Bienal proporcionou um universo multicultural, convidando grandes intelectuais para debater diversos temas.

Como exemplificação para tal, há o momento em que a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz discorreu sobre o imaginário europeu na construção da história do país,  durante a mesa “Falamos de Quem Quando Falamos do Outro?”. Ao tocar nesse passado, Lilia ressaltou a necessidade de se fazer vigilância cidadã perante aos ataques à democracia feito no âmbito político, destacando ser imprescindível fazer desse ano um ano de oportunidade e mudança para o Brasil.

Da esquerda para direita vê-se Valter Hugo Mãe, Lilia Schwarcz, Cristino Wapichana e Isabel Lucas no Pavilhão de Portugal no sábado (02). Foto: Maria Ferreira dos Santos.
Da esquerda para direita vê-se Valter Hugo Mãe, Lilia Schwarcz, Cristino Wapichana e Isabel Lucas no Pavilhão de Portugal no sábado (02). Foto: Maria Ferreira dos Santos.

 Em outra mesa sobre “Educação Política”, a advogada Gabriela Prioli defendeu a importância de fazer uma discussão política que considere a diversidade e que crie um diálogo inclusivo na sociedade. Gabriela salientou também a importância do público na construção do diálogo, reafirmando que a discussão é formada principalmente pelas pessoas que estão engajadas e que a partir disso “vão votar de maneira diferente [...] vão tornar a política diferente para que ela seja mais diversa e consequentemente melhor.”

Gabriela Prioli e Juliana Souza no debate “Educação Política” no Salão de Ideias no domingo (03). Foto: Maria Ferreira dos Santos
Gabriela Prioli e Juliana Souza no debate “Educação Política” no Salão de Ideias no domingo (03). Foto: Maria Ferreira dos Santos

 Em consonância com essas falas, a jornalista Miriam Leitão, que foi ameaçada durante o governo Bolsonaro, enfatizou na mesa “Ser Jornalista No Brasil” como o poder público tem utilizado da desinformação nas redes para construir suas narrativas. A profissional de imprensa nomeou a estratégia como a “mentira que é divulgada como método”, tendo assim uma finalidade. Em seguida, Miriam acentuou a importância de se “olhar os pequenos detalhes nos grandes acontecimentos”, referindo-se às ameaças à democracia colocadas na esfera pública por meio das falas do presidente, sendo contundente ao dizer que “o maior risco é não se perceber o tamanho do risco”.

 Além disso, o evento também trouxe pontos acerca do isolamento causado pela pandemia de covid-19. Na mesa " A Morte Faz Parte da Vida", a doutora Ana Cláudia Quintana, em conjunto com mais dois autores Ana Michelle e Renato Noguera discutiram sobre a importância dos cuidados paliativos, o preparo para morte e a forma de se enxergar o luto em diferentes culturas. 

Da esquerda para direita vê-se Renato Noguera, Ana Cláudia Quintana Arantes, Ana Michelle Soares e Rafaela Camargo. Foto: Maria Ferreira dos Santos
Da esquerda para direita vê-se Renato Noguera, Ana Cláudia Quintana Arantes, Ana Michelle Soares e Rafaela Camargo. Foto: Maria Ferreira dos Santos

 Além de autora, Ana Michelle também é paciente em tratamento, ela luta contra o câncer há mais de 10 anos, durante a mesa ela disse que viu as pessoas perderem o controle por causa do isolamento, uma sensação que já lhe era familiar antes da pandemia. Michele disse esperar que a pandemia tenha sido um despertar para as pessoas entenderem que o único tempo é o agora.

A próxima Bienal do Livro em São Paulo está prevista para 2024, a feira mais aguardada pelos leitores, recria o Brasil cultural que tanto almejamos ter.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Durante evento na PUC-SP, o professor Fernando Haddad, pré-candidato do PT ao governo de São Paulo, ressaltou o papel do movimento estudantil, da produção acadêmica e científica no atual cenário brasileiro
por
Camilo Mota
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20/05/2022 - 12h
Em conversa com estudantes, o Ministro da Educação dos Governos Lula e Dilma ressaltou o papel da mobilização estudantil e a produção acadêmica.
Em conversa com estudantes, o Ministro da Educação dos Governos Lula e Dilma ressaltou o papel da mobilização estudantil e a produção acadêmica. Foto: Alexandre Carrasco.

O pré-candidato ao governo do Estado Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores, participou de uma roda viva realizada pelas entidades estudantis da universidade. Após a fala de estudantes e personalidades, que estiveram presentes e abriram as perguntas, o professor, que foi Ministro da educação durante os governos Lula e Dilma, respondeu a perguntas do corpo estudantil, responsável pela realização do evento.

“Eu gostaria de começar falando da força que vocês precisam saber que têm. Talvez alguns de vocês saibam, mas todos precisam saber a força que têm nessa conjuntura política que o Brasil está vivendo”, declarou Haddad. Logo depois, o ex-prefeito da capital paulista enfatizou que, desde 2018, dizia às pessoas que o abordavam após a vitória de Bolsonaro que não fugiria da responsabilidade democrática e luta por direitos.

“Nós vamos estar juntos aqui cercando fileiras pela Liberdade, pela democracia, pela soberania e por pior que seja o cenário, a gente sabia que o desastre ia ser enorme, porque ninguém coloca o Bolsonaro na presidência da República sem saber no que vai dar”. Para Haddad, Bolsonaro já se mostrava como é, “uma pessoa grotesca” e que “a cada dia dá péssimos exemplos para o país”, pontuou.

Ao longo da sua fala, o professor universitário chamou a atenção para a “confusão” que Bolsonaro está criando sobre das eleições: “por maior que seja confusão que ele queira criar, ele vai tentar criar confusão, ele já está tentando criar confusão. Isso vai acontecer, em parte, por causa do que aconteceu na universidade brasileira, não é por outra razão. Em parte, é pela mobilização nos campi universitários desse país.”

O ex-Ministro enfatizou que, enquanto a população brasileira era de cerca de 70 milhões de habitantes em 1964, hoje ela é três vezes maior, acima de 210 milhões. “Só que naquele ano nós éramos 200 mil universitários e hoje nós somos 40 vezes mais”. Esses números, para ele, trazem a dimensão do poder que essa parte da sociedade tem. E a maneira de derrotar Bolsonaro é nas urnas. “Vocês vão vencer e vocês são a geração que vai radicalizar a democracia no país.”

Haddad em roda viva na PUC-SP
Haddad em roda viva organizada por movimentos estudantis da PUC-SP. Foto: Maria Ferreira dos Santos.

O evento foi realizado pela Associação de Pós-Graduandos (APG PUC/SP), o Centro Acadêmico Benevides Paixão (Jornalismo), o Coletivo Contestação e o Coletivo Reconvexo (Direito), a União Estadual dos Estudantes (UEE) e o DZ PT Perdizes, na Quadra do campus Monte Alegre na terça-feira (17). A Profa. Maria Amália, reitora da universidade, esteve presente e saudou o professor após as demais entidades:

“Essa universidade foi invadida em 1977, porque defendia naquele momento a ciência, a sociedade brasileira, o progresso da ciência, e permitiu que aqui acontecesse um encontro estudantil. A Ditadura invadiu a universidade, levou estudantes e professores presos. Levou material e a universidade resistiu. Ela tinha uma reitora mulher. Dona Nadir. Isto fortaleceu a universidade. Então, quando a gente diz a PUC tem uma história, a PUC tem uma história. De defesa do Brasil, de defesa da universidade como lugar de diálogo, de discussão, de desavença, mas principalmente de reflexão, de formação de produção de conhecimento”.

O evento ainda contou com a participação de algumas personalidades, estudantes, representantes de entidades estudantis e indígenas e políticos e pré-candidatos de partidos de centro-esquerda.

O Ministro e professor da Universidade de São Paulo concebeu uma entrevista exclusiva para a Agemt antes do início do evento, durante conversa com as entidades estudantis promotoras e a reitoria da universidade.

Ministro, o senhor tem relação próxima com a PUC-SP. O senhor deu um depoimento no Tribunal do Genocídio, que foi realizado no Tuca no ano passado, também deu uma aula magna sobre educação antes do início do 2º semestre de letivo de 2021 e é conselheiro da universidade. O que a PUC-SP representa para o senhor e para a educação do país?

Acho que não é nem na minha vida, mas na vida de São Paulo. A PUC-SP é uma das instituições mais respeitáveis da cidade, que tem muitas instituições, mas os quadros que a PUC forma e formou, para São Paulo e para o Brasil, todo mundo tem como referência. O corpo docente, o corpo discente, as entidades, todas elas, estudantis ou não, os vários reitores, a reitora atual – Profa. Maria Amália - que passaram por aqui. Quer dizer, tem um simbolismo que transcende as fronteiras do Estado. As PUCs em geral, mas a PUC-SP em particular. Então, como toda instituição que presta um serviço inestimável, ela merece o respeito de todo mundo e ela tem o respeito do mundo. E é bom que seja assim. Essas instituições que formam os quadros dirigentes do país, que querem transformar para melhor o Brasil, tenham o respeito e o selo da instituição que as formaram.

O senhor também já deu algumas pistas sobre a mobilização dos estudantes. Esse evento foi exclusivamente organizado pelos movimentos estudantis, majoritariamente, de diversos cursos e níveis. Como o senhor analisa atuação do movimento estudantil no âmbito acadêmico e no atual cenário brasileiro?

Eu venho dizendo que a população Universitária Brasileira triplicou de tamanho. Só para você ter uma ideia, no golpe de 1964, uma população de cerca de 70 milhões de brasileiros só tinha 200 mil universitários. A população brasileira desde então triplicou enquanto a população universitária se multiplicou por 40. Ou seja, vocês têm que ter a exata medida do que vocês representam no país hoje. O peso específico da população universitária é muito grande e eu acho que é assentar na ordem do dia que essa massa crítica nova e diversa e representativa da nacionalidade tome consciência da sua força, porque eu tenho certeza do que eu estou falando. O Brasil depende como nunca, hoje, desse exército de inteligência, de energia, que é fruto de muita luta social e de governos progressistas que abriram a porta das universidades para o filho do trabalhador, para a população negra. É uma realidade inteiramente nova e nós temos que usar essa força para o bem do país

Sobre o jornalismo, vimos na cobertura das eleições de 2018 que parte da grande imprensa evitou chamar o então candidato Bolsonaro por aquilo que ele já representava, evitando inclusive denominá-lo como um candidato de extrema direita. O senhor acredita que essa relação vai ocorrer novamente e como o jornalismo deveria a partir de agora se portar a partir do que estamos vivendo?

Eu não confio muito na grande imprensa até para não me decepcionar. Quem sabe eles, que cobraram tanto autocrítica, façam a deles e se comporte de uma maneira diferente em 2022. Porque, assim, é quase um acinte uma pessoa que passou a vida inteira dentro de uma biblioteca ou trabalhando em empresas familiares ou dedicada ao serviço público ser comparado com um psicopata. Foi isso que eles fizeram em 2018. Quiseram nivelar tudo por baixo e deu no que deu. 665 mil mortes – pela covid-19 -, a educação destruída, cultura destruída, o meio ambiente destruído, a Ciência e Tecnologia destruída. E aí? Isso não tem responsável? Quem normalizou o bolsonarismo, quem naturalizou as ações do Bolsonaro? Isso não seria possível sem a atuação da grande imprensa. E a imprensa alternativa ainda tem um alcance muito limitado para mobilizar um país. Oxalá venha ter o tamanho necessário para se contrapor à maior fake News, que foi da própria imprensa, não foi do Bolsonaro. A maior fake News foi vender para o país que o Bolsonaro é uma pessoa normal. Quando nós sabíamos que se tratava de uma pessoa totalmente desequilibrada e perigosa.

Para finalizar, como o senhor vê inclusive no âmbito da própria esquerda, o papel da comunicação?

A comunicação é um campo em aberto. Você faz mal ou bom uso da comunicação. Inclusive o que nos separa ou o que nos une é a comunicação. É por meio da comunicação que você cria fantasmas, você cria assombração, você estigmatiza pessoas, cultiva intolerância e pela mesma comunicação você faz o oposto disso. Você convida a reflexão, convida o juízo crítico. A humanidade é isso, a disputa permanente de valores, de símbolos e princípios que norteiam a vida em comunidade. O que nós precisamos fazer é escapar desse projeto protofascista que está instalado no Brasil, porque isso aí impede inclusive que o outro lado seja um jogador desse tabuleiro. O objetivo do Bolsonaro é aniquilar os seus adversários tidos por ele como inimigos. Isso faz muita diferença, você tratar o diferente como inimigo e não como um interlocutor legítimo.  Esse é o paradoxo que nós estamos vivendo hoje.

Obrigado, professor.

Cineasta conhecido pelo filme “Dois Filhos de Francisco (2005)” morreu neste sábado (14) devido a um ataque fulminante.
por
Maria Ferreira dos Santos
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15/05/2022 - 12h

Breno Silveira estava no interior de Pernambuco gravando “Dona Vitória”, filme que conta com Fernanda Montenegro no papel-título, quando sofreu um ataque cardíaco fulminante neste sábado (14) . A morte foi anunciada pela Conspiração Filmes através das redes sociais. “Vamos chorar pelo nosso amigo e diretor genial, que nos deixa filmes, séries e documentários incríveis. Nos seus projetos, Breno Silveira sempre imprimiu sua busca incansável pela excelência e soube como poucos usar a força do seu olhar para retratar o Brasil”, escreveu a empresa na qual Silveira era sócio.

Breno tem em seu currículo grandes sucessos do cinema brasileiro, como diretor de fotografia trabalhou na produção “Eu Tu Eles (2000)”, de Andrucha Waddington, que foi selecionada para participar da mostra Um Certo Olhar, do Festival de Cannes. Essa obra tem como elenco nomes como Regina Casé, Lima Duarte e Luiz Carlos Vasconcelos, além de ter canções de Gilberto Gil na trilha sonora. Ainda como diretor de fotografia Silveira também colaborou em “Carlota Joaquina(1995)”,”Traição (1998)”, “Gêmeas(1999)” e tantos outros.

O filme “Dois Filhos de Francisco(2005)”, pelo qual o cineasta ficou conhecido, foi a sua estreia como diretor e, logo de cara, tornou-se o filme mais assistido nos cinemas naquele ano, com mais de cinco milhões de espectadores. A história retrata a trajetória da dupla sertaneja Zezé Di Camargo e Luciano, o longa-metragem recebeu dez indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e ganhou em quatro categorias, sendo uma delas a de melhor filme.

Ainda no cenário de casos reais, Silveira fez “Gonzaga: de pai para filho”, neste, o retrato é do sanfoneiro Luiz Gonzaga e seu filho Gonzaguinha, a obra também lhe rendeu prêmios e uma boa bilheteria. No âmbito das séries, o cineasta realizou “1 Contra Todos”, considerada a obra brasileira mais indicada ao Emmy Internacional, e a recente “Dom” pela Prime Vídeo, que mostra a percepção do pai de Pedro Machado Lomba Neto, o Pedro Dom, sobre a trajetória do seu filho de menino da classe média à bandido e dependente químico.

 

Coordenadora do curso de “Arte: História, Crítica e Curadoria” da PUC-SP destaca a importância do artista para a identidade cultural do país.
por
Gustavo Pereira
Isadora Taveira
Laura Melo
Marcelo Zanardo
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30/03/2022 - 12h

Em entrevista à AGEMT a coordenadora do curso de “Arte: História, Crítica e Curadoria” da PUC-SP Priscila Almeida enaltece a grande carreira de Elifas, “Ele teve em torno de 40 anos de carreira, inúmeros trabalhos, com uma produção muito grande em capas de discos. Assinou obras do Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Elis Regina. Ele também fez ilustrações de capas de livros, por exemplo da Clarice Lispector”.

A professora complementa dizendo, “A linguagem visual dele, principalmente a conhecida no campo da discografia é bastante pautada em cores vivas, que de alguma maneira dialogam com a cultura popular brasileira e geralmente trabalha com retratos emotivos que humanizam e evocam imagens de um povo brasileiro sofrido, trabalhando também com os signos políticos e que fazem parte da história do país”.

Almeida conta ainda qual é sua obra preferida de Andreato, “ele tem no campo das artes plásticas um painel que foi montado no corredor de acesso ao Plenário da Câmara dos Deputados, onde ele homenageia alguns políticos que tiveram os seus mandatos cassados na época da ditadura civil militar no Brasil. É uma obra que faz parte do resgate da história da ditadura militar, uma obra grande, que tem em torno de 5 metros de comprimento por 1,70 de altura e ela participa como um documento desse período histórico trágico do país”. Ela se refere à tela A Verdade, ainda que tardia, concluída e doada em 2012 para a Câmara. Ela foi exposta durante as homenagens daquele ano a parlamentares cassados pela ditadura e mostra cenas de tortura praticadas pelo regime contra cidadãos brasileiros nos chamados “anos de chumbo” (1968-1974). O quadro ficou um mês exposto na casa legislativa e depois foi levado para um depósito, longe do público, onde está até hoje. Na época, deputados exigiram a retirada por considerar as cenas retratadas, “constrangedoras”.  

Para a docente, “desde os anos 60, o trabalho dele (Elifas Andreato) no campo da ilustração, do design gráfico, fez aqui a história da cultura da produção brasileira”.