“Era um momento tão ruim que, para mim, a única saída era a morte, o suicídio”, confessa Samara Sosthenes, atual covereadora do mandato coletivo “Quilombo Periférico”, ao relembrar de sua vida há dois anos atrás. A sua vontade de permanecer viva só retornou quando ela viu Robeyoncé Lima, co-deputada estadual de Pernambuco e Erica Malunguinho, deputada estadual de São Paulo, serem eleitas como mulheres trans, em seus respectivos cargos, e viu o potencial de mudança que as minorias na política possuem. “Hoje, eu estou tendo a oportunidade de legislar com essas pessoas e eu penso que não posso morrer porque é a minha vez de fazer essa diferença. Enxergar mulheres como eu se elegendo e atuando daquele jeito salvou a minha vida”, diz.
Em 2015, Samara Sosthenes foi morar, por necessidade financeira, em uma ocupação do MTST, no extremo sul da capital paulista. Dentro desse contexto, ela começou a conviver com diferentes histórias e a entender a questão da luta por moradia no país. Quando iniciou seus estudos na Uneafro Brasil, da qual hoje é coordenadora de um núcleo da Luz, ela também teve contato com os problemas da educação brasileira atual. “Todo meu aprendizado político foi fruto do meu contato com os movimentos sociais, sejam eles por moradia, por educação ou pelos direitos das mulheres. Tudo o que eu sei é por conta deles.”
Assim como Samara, Dafne Sena, covereadora da “Bancada Feminista” pelo PSOL, aliou-se à política na cidade de São Paulo, mas com foco na causa ambiental. "Eu me organizei, me filiei ao partido quando mudei para São Paulo, há uns seis ou sete anos. Sempre estive organizada nos movimentos ambientais e em várias outras iniciativas aqui na cidade, como pela igualdade de gênero".
Mesmo antes de participar assiduamente dos movimentos sociais, a covereadora já discutia política em casa, com sua mãe e seus avós. Além disso, Dafne é adepta ao veganismo: “já fazem uns bons anos que sou vegana, sempre estive junto aos ativistas, nesse movimento que aqui no Brasil a gente chama de 'veganismo popular', uma proposta ligada à agroecologia e reforma agrária, contrapondo a vertente liberal, que se alia ao próprio mercado e ao agronegócio."

A política ainda é demasiadamente masculina, o que traz a tona, a cada dia, a dificuldade de ser mulher dentro da câmara: "estar nesses espaços, no Brasil de sempre — mas principalmente no de hoje em dia — é um enfrentamento constante". Permanecer nesses ambientes é fortalecer a resistência e ultrapassar obstáculos diários, "se ficarmos presos em estereótipos nunca vamos entender de fato a luta que é necessária, pois, no momento em que estamos, a ideia de 'passar a boiada' significa a destruição absoluta das nossas condições de vida."
Sobre esses estereótipos, Dafne revelou ser muito difícil tentar alcançar as expectativas colocadas em uma mulher eleita. Geralmente, elas rondam em torno da própria falta de representatividade, já que, como não há muitos integrantes de minorias dentro da política, é sobre os poucos existentes que recai a responsabilidade de expor essas demandas. “A cada pauta adicionada na nossa luta, também acrescentamos mais elementos do que as pessoas esperam que a gente seja e que nunca vamos conseguir atender”.
Além disso, também existem os ideais criados pelos adversários políticos e as dificuldades que são enfrentadas para garantir que determinadas ações sejam realizadas. “É um movimento de muita auto reflexão, às vezes, mas principalmente um movimento de tentar permanecer nesses espaços apesar de todas as contradições e todos os elementos que são colocados como obstáculos”.

Da mesma maneira que Dafne enfrenta dificuldade por ser mulher dentro da política, Samara também sofreu não apenas por ser uma mulher negra, mas também por ser trans. Na madrugada do dia 31 de janeiro, a covereadora afirmou que um vizinho ouviu barulhos de disparos na frente de sua casa, uma situação parecida com o que ocorreu com as vereadoras Erika Hilton e Carolina Iara”, ambas mulheres trans. A Polícia Civil teria concluído que não houve atentado nem no caso de Iara, nem de Sosthenes e, durante o andamento das investigações, ambas tiveram que andar acompanhadas de seguranças particulares.
Samara ainda reiterou que, desde a morte de Marielle Franco, os ataques a todo tipo de minorias na política têm aumentado intensamente e que, provavelmente, são causados por conta do crescimento da representatividade dentro da política e são mais direcionados a lideranças femininas, pretas e periféricas. “Nossos corpos na política são novidade e eles sabem o efeito que causamos: a política está mudando, mas isso também causa uma reação do outro lado; o lado branco, sexista, cisgênero, acompanhado por bancadas do boi, da bala e da Bíblia. Então esses ataques vêm por conta do medo, porque a única maneira que eles sabem responder é com a violência.”
Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, principalmente no contexto pandêmico, Dafne afirma continuar na luta, se apegando à imagens de um futuro melhor. “É exaustivo sim, cansa. Tem épocas de profunda desesperança, mas eu entendo isso como uma tarefa histórica. Sinto que perdemos a solidariedade intergeracional, o entendimento de que as mudanças que queremos ver no mundo não necessariamente vão acontecer enquanto eu estou nele, mas acontecerão enquanto outras mulheres estiverem, aquelas que virão depois de mim”, revela.
Esse pensamento de fazer um trabalho que vai além de si é o que manteve Samara viva há dois anos e ainda é o que a sustenta nessa luta. “Acredito muito no poder da representatividade, porque do mesmo jeito que me espelhei em diversas mulheres como eu, muitas pessoas vêm me dizer que sou uma inspiração. Eu me sinto muito lisonjeada, mas também muito pressionada, porque a gente pensa “quem sou eu para servir de inspiração?”, mas só o fato de estarmos vivos, resistindo e lutando já é motivo de inspiração suficiente.” afirma esperançosa, Samara Sosthenes.
É difícil definir a moda dos anos 90. A década foi definitivamente marcante, tanto para os millenials que estavam em ascensão, quanto para a Geração Z, que estava começando a aparecer.
Um choque de tendências estava por vir, ao mesmo tempo em que itens tão discretos e minimalistas da Calvin Klein quanto marcantes ainda fazem parte dos nossos guarda-roupas: vestidos tipo slip, botas Doc Martens, gargantilhas e tops, por exemplo.
Enquanto a década de 80 é lembrada pelas calças coloridas, jaquetas bufantes ou de couro, os cabelos armados e uma obsessão por roupas de grife, como se pode perceber no filme “Top Gun" – muito marcante na época, o início dos anos 90 foi decididamente de baixa inovação, por assim dizer.
Para o stylist Francisco Costa, a moda dos anos 90 era usada como uniforme do Trap e do Hip-Hop, naquela época estilo adquirido inicialmente pelos afros, “a moda dos anos 90 originou-se de pessoas negras, como Michael Jordan que hoje é um dos maiores astro pop do mundo. Não é atoa que uma das peças que mais marca a volta da moda anos 90 no mundo, é o tênis Nike Jordan .”. O stylist ainda ressalta o tempo em que a moda serviu como forma protesto aqui no Brasil, com a ex-banda de rap, os Racionais MC 'S. O grupo representava a população periférica que lutava pelos seus direitos. Desta forma, a roupa dos rappers virou uniforme de combate à desigualdade.
Já proprietária da loja Mysa, Bruna Perez, que tem como objetivo resgatar a moda dos anos 90 e 2000, e aumentar a autoestima de suas consumidoras, afirma que de lá pra cá a moda mudou e traz consigo algumas alterações nos trajes, “ A calça de cintura alta é uma das principais marcas dos anos 90, mas tem muita gente que não gosta. Se você não se sente bem com alguma dessas peças, a produção de moda brasileira hoje, te apresenta outras opções. Independente da moda, você tem que usar o que te representa e o que te faz se sentir bem consigo mesma.”.

Nos dias de hoje está sendo comum a volta do que estava em alta em décadas passadas, mas com uma readaptação de acordo com o momento: CDs e DVDs agora em serviços de streamings, programas antes somente para rádio que se revolucionou com o podcast, e o mesmo aconteceu com a moda. O estilo de roupas da série “Friends” (1994) ou do filme “As Patricinhas de Beverly Hills” (1995) estão nos guarda-roupas dessa geração, mas com variações e releituras para a sociedade contemporânea, “ Partindo do princípio que ‘nada a gente cria, tudo se copia’, tudo é uma releitura de tudo sempre. Ou seja, uma readaptação da antiga” - ressalta a banda Blanc Sec.
Dessa forma, é possível ver este retorno por meio de filmes, séries e novelas atuais, como exemplifica a banda com a série "Stranger Things” (2016), que tem uma estética dos anos 90 mas com as câmeras e o olhar atual, intervindo nas formas dos fãs se vestirem. E com um mundo cada vez mais conectado por meio das redes sociais e o surgimento de blogueiras, que influenciam seus seguidores, sendo de uma maneira positiva ou não, a como agir e até mesmo se vestir. “Muitas meninas me chamam e dizem que encontraram seu lifestyle depois que conheceram a mim e a minha loja”, ressalta Bruna.
MODA E AUTO CONHECIMENTO
A moda vai muito além de vestir uma roupa, mas sim, uma forma de se expressar e de se comunicar com o mundo, como já abordado neste texto, “a gente tem que se sentir livre para se expressar através das roupas, sem as amarras da sociedade. (...) Crie o seu momento, por meio da sua tendência e da sua expressão”, aponta a banda Blanc Sec.
"Meu vô gostava de vestir moletom, que tinha a ver com a personalidade e com a expressão dele” - explica Cauê Gantus (17), integrante da banda Blanc Sec. Entender a moda para compreender a personalidade de alguém está diretamente conectado, e o audiovisual utiliza desse mecanismo para escrever um personagem e uma narrativa, um exemplo é a série “O Gambito da Rainha” (2020), que se passa na década de 60 e que possui um figurino baseado de acordo com o auto conhecimento de Beth, personagem principal, ao decorrer da série e do momento que ela estava vivendo.
Ou seja, o comportamento de alguém influencia suas escolhas de roupa e na imagem que será passada para a sociedade. Para Bruna Perez, o surgimento da sua loja ocorreu quando ela se auto conheceu e compreendeu o seu estilo, querendo passá-lo para outras pessoas.

Em meio a pandemia, ao home office e ao ensino à distância, a moda está se transformando, “as pessoas estão criando suas próprias tendências, se conhecendo (...) criou-se uma nova percepção do que eu posso vestir, posso colocar um terno com uma calça de pijama por baixo, uma nova ‘não-tendência’” - ressalta a banda Blanc Sec.
25 anos atrás, ao final do dia 17 de abril de 1996 no sul do Pará, 21 trabalhadores rurais foram mortos pela polícia em um conflito armado. A tragédia ficou conhecida como o massacre de Eldorado dos Carajás. Hoje, com a conjuntura política do governo Bolsonaro, observa-se que as questões do campo ainda estão longe de serem resolvidas.
Antes do massacre
No ano anterior à chacina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) organizou milhares de famílias em um acampamento à beira da estrada para protestar pela expropriação da Fazenda Macaxeira, propriedade que consideravam improdutiva. Em resposta às reivindicações, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inspecionou a área, mas concluiu que o sítio era produtivo. Na época, o MST informou que essa decisão foi tomada por conta de um suborno ao superintendente do Instituto no Pará.
Em março de 1996, as 3.500 famílias acampadas nas estradas retomaram as negociações com o Incra ao ocuparem as terras da fazenda. Ao mesmo tempo, também se reuniram com políticos paraenses, advogando pela mesma causa. O Instituto de Terras do Pará (ITERPA) passou a mediar o acordo entre os camponeses e o Incra, estabelecendo que enviaria 12 toneladas de alimentos e 70 caixas de remédios ao grupo.
Porém, os trabalhadores rurais não receberam o que lhes havia sido prometido. Assim, no mês seguinte, parte das famílias acampadas decidiu fazer uma marcha até Belém em protesto pela efetivação das medidas acordadas e a disponibilização da Fazenda Macaxeira.
Em 16 de abril do mesmo ano, os militantes bloquearam uma estrada próxima ao município de Eldorado dos Carajás, demandando por suprimentos básicos e meios de transporte para continuar sua caminhada. O grupo negociou, desta vez, com o comandante da Companhia Independente de Policiamento do Meio Ambiente (CIPOMA), que lhes garantiu a chegada de alimentos e ônibus.
Na manhã do dia seguinte, o grupo foi informado de que o acordo havia sido anulado. Deste modo, os fazendeiros continuaram a bloquear a estrada; agora, na altura da curva S, em Eldorado dos Carajás. Algumas horas depois, estavam cercados por policiais dos municípios de Parauapebas e Marabá. Não se sabe de fato quem iniciou o ataque. Entretanto, não há dúvidas de que o dia terminou com 19 camponeses mortos e 56 feridos. No total, 21 trabalhadores faleceram.
Depois do massacre
No laudo de Badan Palhares, médico legista que analisou o caso, consta que sete vítimas haviam sido lesionadas por golpes de foice, e, em seguida, executadas a tiros. Depois do confronto, o coronel Mário Pantoja, comandante da ação, reconheceu que os guardas haviam exagerado em sua abordagem violenta.
Hoje, Francisco Moura, membro da direção nacional do MST, indigna-se com a reação jurídica aos acontecimentos. “Não temos nada o que comemorar”, diz ele. “25 anos do massacre de Eldorado dos Carajás. 25 anos de impunidade nesse país”.
Dos 155 policiais envolvidos no conflito, somente dois foram condenados. Os comandantes Mário Pantoja e José Maria Oliveira, como réus primários, responderam ao processo em liberdade. Ambos foram condenados e presos em 2004, mas, menos de um ano depois, foram soltos por conta de um habeas corpus do Supremo Tribunal Federal (STF) que os permitiu recorrer de suas sentenças em liberdade.
Depois que as sentenças transitaram em julgado, o Tribunal de Justiça do Estado do Pará determinou a prisão de Oliveira. Pantoja se entregou espontaneamente, e 16 anos depois, em abril de 2012, os dois foram presos novamente. Quatro anos depois, o coronel Pantoja passou a cumprir prisão domiciliar por motivos de saúde. Ao final de 2020, morreu contaminado pela COVID-19. Já Oliveira segue em prisão domiciliar desde 2018.
“Para nós que participamos do massacre, fica a dor dos camponeses, a dor das famílias, a dor do MST de não ter um julgamento justo”, relata Moura. Além da isenção dos envolvidos, o líder do MST critica a falta de compromisso do governo com o amparo das vítimas restantes. “Podemos dizer que o estado do Pará é negligente sobre essa questão do massacre”. Somente alguns sobreviventes da chacina foram indenizados. “Outros vivem com muita dificuldade no campo porque o massacre tirou a maioria deles do trabalho rural”, revela.
Dia Internacional da Luta Camponesa
Apesar do luto, o líder do MST reconhece algumas conquistas decorrentes do conflito. João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores nacionais da organização, relembra que “nós tivemos um período que poderia ter sido feita a reforma agrária no Brasil, que foi no governo Jango. No golpe. Depois disso, a reforma agrária ficou paralisada por praticamente 50 anos”. Somente algumas décadas depois, com os massacres de Corumbiara e Eldorado dos Carajás, houve “o primeiro grande momento de popularização do tema questão agrária”. A despeito das perdas, o militante comemora a conquista do Dia Internacional da Luta Camponesa. “No Brasil, é um dia decretado pelo congresso nacional”. O “dia de luta pela reforma agrária”, como coloca Rodrigues, é reconhecido por organizações de mais de 80 países pelo mundo, segundo o coordenador.
Hoje em dia
Os líderes do MST se mantêm atentos aos projetos políticos atuais, pois consideram que o massacre dos Carajás é emblemático da vida do trabalhador rural brasileiro. “Estamos voltando a 1850”, alerta Rodrigues. “Chegamos 25 anos depois ainda com uma quantidade imensa de famílias sem terra e acampadas. São quase 200 mil famílias que vivem nas condições mais adversas na beira-estrada”.
Moura descreve que “nós do MST temos lutado diuturnamente para não acontecer mais massacres que nem o dos Carajás, o de Corumbiara, e todos os outros silenciosamente que estão acontecendo aqui na região amazônica”. O ativista adverte sobre as mortes que ocorrem “na calada da noite”.
“Tem muita morte silenciosa de indígenas, camponeses e quilombolas aqui na nossa região que a gente não sabe e não tem resultado final”, denuncia.
A violência contra militantes pela reforma agrária se encontra fortalecida por falas violentas ditas pelo presidente Jair Bolsonaro. Por exemplo, antes de ser eleito, no dia 13 de julho de 2018, em visita à cidade de Eldorado dos Carajás, o político exclamou que “quem tinha que estar preso é a liderança do MST, que provocaram esse episódio, esses canalhas, esses vagabundos, e não o coronel da polícia militar que estava cumprindo o seu papel. Deixo claro, os policiais reagiram para não morrer trucidados com armas brancas desses bandidos do MST”. Quase 3 anos depois, as medidas tomadas durante sua administração demonstram que sua interpretação continua intacta.
A reforma agrária no governo de Jair Bolsonaro
A reforma agrária permanece um empecilho no governo de Jair Bolsonaro. Contrário à reforma, o presidente nunca escondeu o seu posicionamento em prol dos grandes latifundiários. Inclusive foi eleito com apoio satisfatório por parte da bancada ruralista que enxerga, na figura de Bolsonaro, uma oportunidade de expandir o agronegócio nas regiões norte e centro-oeste do país.
“Em todos os países desenvolvidos foi feito algum programa de reforma agrária. Pelo capitalismo para desenvolver o interior do país, a produção de matéria prima, indústria, gerar renda e ocupação de território, ou pelas experiências revolucionárias socialistas, como foi a mexicana, cubana, chinesa. No Brasil, você tem o processo inverso. É um dos países com maior concentração de terra”, afirma Rodrigues.
A luta pela reforma agrária contrasta com os altos níveis de desmatamento na Amazônia. No mesmo ano de 2020, de acordo com dados divulgados pelo MAAP (Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina), a floresta teve perda de 2,3 milhões de hectares, sendo 65% deles no Brasil, o terceiro pior registro nos últimos 20 anos. As áreas devastadas estariam diretamente ligadas à expansão da pecuária extensiva na região.
"Quem preserva a Amazônia são as comunidades indígenas, ativistas, e a pequena agricultura. Enquanto tivermos o Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente, e o Bolsonaro, a Amazônia será terra arrasada porque eles não têm compromisso com a preservação ambiental, com os extrativistas e com as comunidades que vivem lá”, ressalta o dirigente nacional do MST.
A degradação da floresta atrelada à expansão do agronegócio, bem como a recusa do poder Executivo em consolidar um projeto de reforma agrária, são fatores que acirram os conflitos no campo e culminam em massacres, a exemplo do visto em Eldorado dos Carajás. Para Rodrigues, a reforma agrária pode ser feita, simplesmente, com a caneta do Governo Federal. Ela apenas precisa precisa do orçamento aprovado pelo Congresso. “Então, hoje, o problema de não ter uma reforma no Brasil é a forma de concepção de mundo deste governo genocida chamado Bolsonaro. É ele que não quer”, destaca.
Jair Bolsonaro, antes de assumir a presidência, já colecionava ataques aos movimentos que lutam pela reforma agrária. O mais recente foi no dia 15 de abril deste ano quando, por meio de suas redes sociais, publicou um vídeo em que acusava o MST de estar agindo violentamente contra assentados no sul da Bahia. Em resposta, o movimento afirmou que não tem envolvimento com o caso, e que espera que as investigações encontrem os responsáveis.
As homenagens às vítimas do massacre de Eldorado dos Carajás
Todos os anos são prestadas homenagens às vidas perdidas no massacre de Eldorado dos Carajás. Desde 2020, no entanto, elas têm sido diferentes em razão da COVID-19. “Por conta da pandemia, temos focado nas ações de solidariedade. Todos os estados estão com ações planejadas, especialmente de doação de alimentos. Também vamos fazer, em muitos lugares, paralisações com faixas, cartazes, algumas chamas que mantêm viva a memória de Eldorado dos Carajás ”, destaca Marina dos Santos, integrante do setor de frente de massas do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.
Hoje, o local que foi cenário do massacre é considerado sagrado pelo MST. O espaço abriga o Monumento das Castanheiras Queimadas, reduto formado por árvores mortas que representam as vítimas do conflito. Além disso, a fazenda Macaxeira, que era posse de um dos mandantes do crime, foi desapropriada e atualmente integra o assentamento 17 de abril, data que marca o conflito e é comemorado o Dia Mundial da Luta pela Terra. Segundo Marina dos Santos, integrante do setor de frente de massas do MST, “Abril, desde o massacre do Eldorado dos Carajás, é o mês com letra maiúscula. Porque ele é um mês de luto, em memória aos mártires do massacre de Eldorado dos Carajás, mas ele é, também, um mês de lutas. De lutas onde a gente dialoga com a sociedade as bandeiras de reforma agrária, popular, as bandeiras da produção, as bandeiras de uma sociedade mais justa e igualitária”.
Um ano de ensino remoto no Brasil. Foi no mês de março de 2020 que as escolas públicas e particulares de São Paulo fecharam as portas pela primeira vez em anos. Isso se dá em virtude de conter o avanço do vírus. A medida afetou mais de 5 milhões de crianças e adolescentes, segundo o Ministério da Educação. São Paulo foi o primeiro Estado brasileiro a fechar as instituições de ensino e naquele momento pouco se sabia sobre a Covid-19.
Passado um ano, no que é considerado o pior colapso hospitalar e sanitário da história, 18 estados brasileiros ainda se veem obrigados a manter o ensino em forma remota. 95% das nações conseguiram retomar o sistema híbrido, contudo,o Brasil não tem nenhum tipo de protocolo para a volta às aulas 100%. A empresa de Fonoaudiologia SIKAF indica que o apoio interdisciplinar nesse momento é imprescindível e a volta às aulas presenciais mesmo que com carga horária reduzida é algo que ajudaria nesse colapso da educação,“ O desenvolvimento foi totalmente prejudicado, e permanece com muitos déficits. Os anos de 2020 e 2021 comprometem o desenvolvimento escolar e social das crianças. As consequências já estão surgindo e alguns aprendizados não serão recuperados” explicam Katia Tzirnazoglou e Simone Maria, sócias-proprietárias da SIKAF.
A psicopedagoga Quézia Bombonatto reafirma que a falta de interação entre crianças e adolescentes no período escolar pode causar danos cognitivos profundos nos jovens, “mesmo com ações de ensino remoto bem estruturadas, a suspensão temporária das aulas presenciais deverá criar lacunas significativas no aprendizado e consequentemente no desenvolvimento cognitivo dos estudantes”.
De acordo com a profissional, o isolamento não favorece as nossas formas de vivências e de aprendizagens, uma vez que não passam só pelos aspectos cognitivos, mas pelas necessidades afetivo-emocionais encontradas na sala de aula. Portanto, o isolamento representou uma situação de privação, provocando danos significativos tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto psíquico.
No entanto, Quézia explica que ainda é cedo afirmar que são danos permanentes, uma vez que as escolas estão buscando formas alternativas para suprir as lacunas no ensino geradas pelo isolamento. Porém, evidências mostram que o impacto é muito maior para aqueles indivíduos que se encontram em situação de vulnerabilidade. Que muitas vezes precisam dividir o cômodo com outras pessoas, não têm internet de qualidade capaz de suportar a transmissão da aula, moram em regiões violentas, e outros motivos, que só dificultam ainda mais o aprendizado e a absorção do conteúdo transmitido em aula.
Quando questionada sobre a volta às aulas, ou ensino híbrido, ressaltou, “tem que se considerar que o retorno às aulas presenciais, ao mesmo tempo que se faz necessário e é desejável, também gera certo grau de insegurança e medo. Para tanto, é importante contar com o preparo psicológico dos vários grupos envolvidos com a escolarização. Isto poderá ser realizado criando-se espaços para trocas, conversas sobre como foram as experiências impostas no período de isolamento, como uso de redes, de mídias diversas, as novas propostas de aprendizagens, as facilidades ou dificuldades que perceberam, os ganhos ou perdas que avaliam que tiveram.”
Em relação às propostas do Ministério da Educação, a psicopedagoga diz ter acompanhado alguns entendimentos feitos entre estados e municípios, por intermediação do Conselho de Secretários Estaduais de Educação e da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação. Foram propostas que visam o desenvolvimento de soluções frente às demandas das escolas e em busca de adequações para o enfrentamento da crise em virtude das perdas decorrentes do fechamento das escolas levando em conta as situações econômico-sociais-culturais diversas por conta da extensão do nosso país, e as desigualdades que se tornaram mais evidentes ainda nesse contexto.
Sabe-se também, que a dificuldade do ensino remoto atinge professores na mesma medida. Não só os alunos perdem o interesse e sentem dificuldades, como o próprio docente também se vê em uma situação difícil. É o que Katiane Verazani, bacharel e licenciatura em história, com mestrado em história econômica pela FFLCH-USP, conta. “Na tela só há letras, e a sensação de que falamos para o vazio, ou para ninguém, pois muitas vezes não respondem as perguntas, há um silêncio mortal. Inúmeras vezes tive a certeza de estar sozinha, os alunos apenas faziam login e deixavam suas letras lá, mas não estavam, e numa sala de aula não é possível fazer isso, pois, por mais que os pensamentos não possam ser controlados, eu posso trazê-los de volta de alguma forma, mudando a dinâmica num piscar de olhos.”
Ouve-se com frequência que o ambiente doméstico gera distrações e inconveniências para os alunos, que muitas vezes escolhem não ligar as câmeras, mas Katiane aponta que o mesmo ocorre com professores, “Estar em frente a uma tela, expondo minha casa, minha família, meu universo privado... A invasão de privacidade é o que mais me incomoda e é algo que não se fala e não se pensa a respeito da vida do professor.” O mesmo vale para o aproveitamento das aulas, enquanto alunos não conseguem absorver o conteúdo ou sentem dificuldades, ela ainda diz que também não sente o rendimento das aulas, estando inserida em um sistema híbrido na escola privada onde trabalha.
A preocupação dos docentes e alunos com o sistema híbrido e remoto, segundo Katiane, está sendo pensada pela equipe das escolas e professores, mas em relação ao posicionamento do Ministério da Educação, não houve medida alguma que tenha alcançado a instituição que ela trabalha “Não mudou em nada minha realidade. Todas as mudanças foram resultados das ações da gestão escolar e dos professores, que agiram bravamente para se adaptar o mais rápido possível à nova realidade.”
Por Henrique Sales Barros
Certo dia, no início de março de 2021, a estudante de medicina Ana Júlia Araújo, de 20 anos, relata ter ido, acompanhada de uma professora, até o setor de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do Hospital Geral de Carapicuíba, na Grande São Paulo, onde estagiava desde o começo de fevereiro.
Na ala, a jovem estudante avistou um paciente que não parecia ter muito além de seus 20 anos. O enfermo estava isolado em uma sala, que possuía diversas orientações na porta alertando sobre os cuidados ao se entrar no ambiente, como uso obrigatório de face shield, roupa de proteção etc.
— “Professora, o que aquele paciente tem?” — perguntou Ana Júlia.
Inclinando o rosto aos poucos, como quem quisesse evitar responder à pergunta, a professora suspirou e, por fim, deu retorno ao questionamento:
— “Olha… Aquele paciente ali é um ‘covidaço’.”
— “Mas qual é a história dele?”
— “Ele tem 23 anos.”
— “Mas como está o quadro dele?”
— “Não passa de hoje” — respondeu a professora, em tom de lamentação.
Aquele foi o último dia de Ana Júlia em Carapicuíba antes da suspensão dos estágios devido ao aumento no número de novas internações por covid-19 na unidade, e a estudante não teve mais notícias do jovem com “covidaço”. Era o reflexo do estouro da segunda onda da pandemia no hospital.
Iago Valoti, 24, estudante do quarto ano da graduação de medicina da PUC-SP, em Sorocaba, no interior de São Paulo, iniciou o primeiro semestre de internato no Hospital Santa Lucinda, ligado à universidade, também no início de março, aprendendo a realizar cirurgias em pacientes — mas algumas operações começaram a ser postergadas.
Materiais necessários para cirurgias, como kits de medicamentos sedativos, começaram a faltar nas mesas de cirurgias. O motivo: o número de pacientes com covid-19 com necessidade de intubação e ventilação mecânica cresceu exponencialmente, e a prioridade passou a ser atendê-los.
“A gente acaba vendo algumas cirurgias, mas algumas um pouquinho mais complexas, que teria que dar uma anestesia geral em algum paciente, a gente não está podendo realizar”, diz.
Em 2020, o pico da média móvel de novas internações de pacientes com suspeita ou confirmados com covid-19 no Departamento Regional de Saúde de Sorocaba, segundo dados do governo de SP, foi de 66 novos internados, registrado em 20 de julho. Em 2021, até agora, o pico chegou a 140, em 25 de março — 112% maior que o do ano passado.
As cirurgias que começaram a ser canceladas foram as consideradas eletivas, sem caráter de emergência. Ao fazer atendimentos pré-operatórios e agendar os procedimentos com os pacientes, o estudante passou a ser orientado a alertá-los de que nada garantia que as operações seriam realizadas nas datas previstas.
“A gente tenta deixar da maneira mais clara de que ele (paciente) precisa de cirurgia, mas que não é de urgência, então é difícil essa comunicação. A gente entende como aluno, entende que a atenção tem que ser voltada para a pandemia, mas às vezes o paciente pode acabar não entendendo isso”, relata.

Suspensões
Valoti não teve o internato no Hospital Santa Lucinda suspenso, o que o estudante avalia como positivo. Quando estiver formado, afinal, o futuro médico não poderá parar os trabalhos caso ocorra uma pandemia como a do novo coronavírus, de fácil transmissão e perigosamente mortal — muito pelo contrário.
A posição que a PUC-SP teve com a segunda onda da pandemia em 2021 foi o oposto da que a universidade tomou em março de 2020, quando optou por suspender não só as atividades presenciais e os estágios ambulatoriais como também os internatos. "A faculdade tentou proteger os alunos, parando tudo no ano passado”, avalia Valoti.
Ainda sim, o estudante passou a temer dois cenários de incerteza devido ao estouro da segunda onda da pandemia em Sorocaba: os internatos voltarem a ser cancelados ou, se continuassem mantidos, os internos passassem a atender pacientes com covid-19, prática que vem sendo evitada de forma generalizada pelas faculdades e hospitais.
Já Ana Júlia, que estuda no Centro Universitário São Camilo, em São Paulo, passou a ter atividades práticas em um centro de simulação no bairro da Pompeia, na zona oeste de São Paulo, no lugar do estágio. Por ser um ambiente controlado, ao invés de pacientes de carne e osso, a estudante passou a lidar com bonecos anatômicos.
“Eu vou para o centro de simulação e vou conversar com boneco, fazer exame físico em um boneco, vou avaliar tudo que tenho que avaliar em um boneco. É essa ‘prática’ que eu estou tendo, bem entre aspas, porque não substitui o paciente de maneira nenhuma”, ressalta.
As atividades em laboratórios e em centros de simulação são as únicas atividades presenciais que Ana Júlia vem tendo. As idas a estes lugares, por questão de segurança, não são feitas com a sala toda e nem sempre: ocorrem em grupos menores, de forma semanal ou em períodos de intervalo que podem variar de duas a três semanas.

Formação e aprendizado
Com dificuldades para se familiarizar com as aulas virtuais, Valoti avalia que 2020, em termos de aprendizado, foi um ano ruim. “Acabo me distraindo muito fácil. Foi um ano que não consegui aproveitar muito”, diz. Ainda sim, o estudante da PUC-SP enxerga que qualquer prejuízo de conteúdo que vem tendo pode ser recuperado no futuro.
“É o que os professores falam: a gente (estudantes) faz a nossa faculdade”, diz. “Nós vamos acabar tendo o conteúdo, isso eles (professores) não vão deixar passar, mas, às vezes, será de uma forma diferente: algo talvez mais reduzido, e aí nós vamos ter que buscar mais [conteúdo] por conta própria do que o professor ficar passando ali”, afirma.
Já Ana Júlia, por estar no início da graduação, pensa que ainda possui muito tempo pela frente para recuperar qualquer conteúdo perdido. Ainda há quatro anos de faculdade pela frente, afinal. "Eu vou ter tempo de aprender”, diz.
“Nós temos professores muito bons, conseguimos se adaptar muito bem ao modo EaD (Ensino à Distância), e a parte prática, que a gente teoricamente perdeu, nós não perdemos porque nós ainda temos quatro anos de curso. Acredito que nós não vamos ficar assim por muito tempo”, diz.
“Ou pelo menos não por quatro anos — pelo amor de Deus!”