Comecei a escrever esse texto na pandemia, mas não terminei, estava na busca de contemplar minha incompletude
por
Manuela Amaral Silva
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13/06/2025 - 12h

A busca pela validação parece ser infinda. Alguns filósofos acreditam que, no estado de menor de idade, o homem é incapaz de dirigir a si mesmo, tornando-se assim dependente do governo dos outros - ou seja, não consegue exercer o pensamento crítico a nível de mudança, mas apenas se move pela trajetória do comodismo. Acho isso ainda pertinente nos dias atuais, e que nunca sairemos da menoridade enquanto dependermos dos outros para a nossa existência. Estamos nos autocondenando a uma vida cíclica e sem mudanças existenciais. As únicas mudanças que fazem diferença são as "notificações" que recebemos em nossos dispositivos de comunicação. 

O celular às vezes fica mudo, e eu também. Não sei se devo falar porque ainda não vi as notícias. Elas ainda não apareceram nas notificações do meu celular. Quero vê-las, explorar esse mundo digital e fugir do real; quero sumir em alguma conta com um user fake. E no final perceber que nunca foi real. Essa sociedade digital só existe no mundo irreal. Talvez um dia paremos de ver o mundo através da câmera do celular. Talvez eu esteja sendo pessimista por acreditar em minhas verdades, e tenho fé de que isso não permaneça como algo atemporal. Espero por mudança, mas que alguém se mova por mim. 

Um amor subjetivo nas redes sociais e a busca por idolatria de ambos os lados: onde querem mostrar um quê de superioridade pelas fotos e, ao mesmo tempo, querem ser tratados como iguais. Minha mãe tem depressão. Quando a vejo, às vezes fico deprimida também. Não entendo sua dor. Apenas a vejo. O afeto... sinto falta dele, apesar de sentir que ainda está aqui. Ele me recorda de sua existência às vezes da maneira mais dolorosa -- quando lembro-me de minha existência. "Esse amor que me fere é o mesmo que me cura, é o mesmo que possibilita", diz Adélia Prado e acrescenta: ponha cataplasma sobre as feridas". 

Uma crônica sobre escolher seu próprio caminho todos os dias
por
Manuela Amaral
Natália Matvyenko
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11/06/2025 - 12h

Laura escolheu seu nome. Aquele que veio ao mundo com ela, não lhe servia mais e pesava como roupa emprestada. Laura soava fácil, escorregava pela boca como algo que sempre foi dela. E assim ela se fez: Laura, de cabelos que já foram curtos e agora descem vermelhos pelos ombros, como fios de outono que nunca caem. Seu sorriso é frequente, mas não ingênuo. Carrega os cantos da boca para cima na maioria dos dias, como quem insiste em acreditar que a luz vale mais que a sombra ainda que às vezes duvide.

Entre os dedos, um cigarro; na mesa, uma xícara de café meio vazia. Quando nos encontramos, é assim: fumaça desenhando curvas no ar, o amargo do café na língua e ela, sempre ela, dizendo "venha ler o que estou escrevendo". Mas Laura quase nunca me deixa ler. Em vez disso, abre a boca e solta os pensamentos antes que eles cheguem ao papel. Fala de ideias que ainda estão se formando, de histórias que nascem tortas e que ela endireita com as mãos no ar, como quem amassa barro. Eu escuto, tentando acompanhar o fio invisível de sua lógica, enquanto o cigarro queima esquecido no cinzeiro.  

Ela ri alto, de uma risada que desafia qualquer melancolia. "Você tá bem?", pergunta, e eu minto às vezes, um "tudo ótimo" que ela desmonta com um olhar. Laura conhece as dores que a gente cala, porque carrega as dela sem disfarce: a transfobia que deixa marcas, o HIV que virou parte da história, mas não a definição dela. "Sou mais que um vírus", disse certa vez, enquanto acendia outro cigarro. "Sou mais que um corpo que o mundo quis decidir por mim".

Quero aprender com Laura. Não como quem estuda um livro, mas como quem observa o mar: sabendo que nunca se repete, que cada onda traz algo novo. Ela não é professora, mas ensina sem querer: sobre resistência, sobre a beleza que persiste mesmo quando o mundo insiste em negá-la. Suas histórias não são ficção, são memórias com as garras afiadas, e quando ela as conta, por um instante, vemos através dos seus olhos. E tudo fica mais claro: a vida, a luta, a coragem de existir apesar de.  Laura não pede pena, ela só quer viver, e isso a torna uma revolução inteira.

 

Comissão parlamentar de inquérito, ou comissão de personalidade Influente
por
Fernando Amaral, João Bueno e Pedro Banhara
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09/06/2025 - 12h

No silêncio do Senado, o primeiro ato da CPI das Bets desenhou um cenário mais de novela do que de tribunal. Era novembro de 2024 quando o nome “Fernandin OIG” ecoou pelos corredores. O empresário acusado de divulgar o “jogo do tigrinho”, caça-níquel virtual que se infiltrou nas redes sociais, e que agora respira o ar pesado da suspeita de lavagem de dinheiro. Logo ao lado, nas cadeiras reservadas ao público, a relatora pôs em pauta influenciadores peças-chave da engrenagem: Deolane, Gkay, Jojo Todynho, Virgínia Fonseca, e perguntou, sem medo, se o brilho dos likes escondia uma sombra rentável. A plateia reagiu com risos nervosos, e por trás dos memes, pipocavam relatórios de prejuízo, promessas quebradas e ações que prometem endurecer a regulação. 
 
Na rampa do Senado em Brasília, o ar estava tenso. A névoa burocrática foi interrompida por um perfume doce, talvez de baunilha, talvez de marketing bem calculado. Virgínia Fonseca acabava de chegar. Não chegou vestida para depor, chegou vestida para convencer. O moletom oversized, preto e confortável, não era apenas uma peça de roupa: era uma mensagem. Estampada no peito, a imagem da filha. No punho, o inseparável copo Stanley lilás, símbolo da mãe influenciadora dos tempos líquidos. Calça jogger, tênis branco limpo como reputação de publicidade, e o cabelão loiro alinhado até demais para quem diz estar nervosa, talvez tenha achado que a tal bet, era aquela boneca de beleza irretocável. 

Assim que adentrou ao salão da CPI, ela rompeu o protocolo com a leveza de quem está acostumada a romper telas: foi cumprimentando um por um dos senadores com beijo no rosto. Beijo aqui, beijo ali. Como se estivesse chegando num aniversário infantil. Como se os parlamentares fossem tios de grupo de WhatsApp. Como se a formalidade do Senado coubesse em um story do Instagram. Era o gesto final para compor o personagem: o da boa mãe, da boa moça, da mulher real, que só quer trabalhar e proteger os seus. O figurino já dizia isso — mas o beijo no rosto selava o personagem: "não sou ameaça, sou afeto". 

Hoje, quem tem rasgado fotos de casamento não é o ciúme, nem o tédio: é o jogo. A advogada Mérces da Silva Nunes bem que tentou não se espantar, mas ano após ano, o escritório dela virou confessionário de promessas quebradas e dívidas feitas no escuro. Conta, em entrevista à AGEMT, que chega de tudo, esposa descobrindo que o marido pegou empréstimo no nome da sogra, marido surpreso com a fatura do cartão estourada pela parceira, e até falsificação de assinatura em silêncio, como quem falsifica a esperança. 

E não se trata só de dinheiro. Mérces diz que "o vício em apostas é um destruidor de tudo, do fim de semana em família à confiança que sustentava o teto". Quando o jogo entra, o diálogo sai pela porta da frente. A convivência, que já andava manca, tropeça de vez. E então resta o divórcio, mas nem isso vem sem cálculo: quem não jogou,  quem tentou segurar a casa de pé. No fim, a aposta mais alta foi feita no casamento. E foi perdida", conclui Mérces. 

“É isso, que Deus abençoe a nossa audiência, e bora pra cima!”, diz Virgínia Fonseca ao se apresentar no Senado. O “bora pra cima”. Aquela expressão que pode significar tudo e absolutamente nada. Ali, no plenário, soou como tentativa de blindagem moral, ou quem sabe um mantra da positividade automática. Como se a CPI fosse um unboxing a ser apresentado, mas que com fé, skincare e foco, daria tudo certo. 

No fundo, ela queria mostrar que estava tranquila, leve, inofensiva, quase maternal. Uma mulher multitarefas que entre um café com leite da filha e uma publi no feed, teve que passar ali rapidinho no Senado pra esclarecer umas coisinhas. Quase um favor. Mas CPI, meu amigo, não é uma sala de estar. Ou não deveria ser. 

Enquanto ela sorria e cruzava as pernas como quem espera o café da tarde, em Carapicuíba, na fila do ônibus Jardim Popular, linha mais lotada da cidade da Grande São Paulo, Antônio Cláudio dos Santos, 42 anos, pai de três filhos, estava na tentativa daquele animal listrado soltar a carta e duplicar seu salário. 

“Todos os meus colegas de trabalho jogam, uns ganham 100, 200 reais por dia. Um outro colega fez o salário em apenas um dia. Parecia fácil, eu fui colocando de 20 em 20, e na tentativa de recuperar o perdido, meu salário se foi” – Relata Antônio, após ter perdido o salário do mês em apostas. Mas se a convocação de Virgínia Fonseca ao Senado parecia coisa de filme, o comportamento dos senadores foi digno de uma sitcom de comédia.

Em vez de interrogatório sério, o que se viu parecia tietagem de fãs adolescentes com cantores pop. O senador Cleitinho, por exemplo, largou o papel de fiscal da República para pedir uma selfie com a influenciadora (foto), e não parou por aí: pediu também um vídeo para a esposa, rasgou elogios e, por pouco, não pediu um autógrafo no crachá. Já o senador Kajuru parecia mais interessado em ser convidado para o próximo churrasco na mansão da Virgínia do que em discutir a tal cláusula da “desgraça alheia”. 

Enquanto isso, a relatora Soraya Thronicke, com cara de quem queria desligar o wi-fi do Senado inteiro, tentava manter a compostura no meio da bagunça. A audiência, que deveria investigar um esquema de bilhões em apostas online, virou praticamente uma coletiva de imprensa pós-festa. E assim, entre risadinhas, selfies e elogios embaraçosos, a CPI foi virando o que muitos já suspeitavam: mais um show de vaidades. 

E o resultado disso? Bom, o Instagram respondeu rápido: Virgínia perdeu mais de 117 mil seguidores em dois dias. Mas nada que tire o sono de quem ainda tem 53,2 milhões de pessoas assistindo tudo de camarote. No fim das contas, ela saiu da CPI como entrou, maquiada, milionária e ainda influente. Porque no Brasil, até escândalo pode virar engajamento e virar 71% OFF em todo o site da Wepink. 

CPI investiga supostas irregularidades no setor de apostas e o uso de influenciadores digitais na divulgação de jogos online
por
Luenir Gomes Batista
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09/06/2025 - 12h

No dia 13 de maio de 2025, Virgínia Fonseca foi convocada a prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), popularmente apelidada de “CPI das Bets”. A influenciadora, que é uma das maiores figuras do marketing digital no Brasil, foi chamada para esclarecer sua relação com empresas de apostas online. Vestida de um moletom preto com o rosto da filha estampado, óculos, pouca maquiagem e equipe de mídia a postos, Virginia  já estava pronta para que a CPI se tornasse mais um de seus conteúdos.

Virgínia Fonseca:  -- Primeira vez, né? Tô um pouco nervosa... Mas enfim. Comecei na internet com 17 anos . Hoje tenho 26, fiz agora em abril.

Como quem atualiza o público sobre o feed da própria vida. Desde o início, garantiu que fazia tudo sozinha: o pai não apoiava, a mãe apoiava, mas deixava ela ir…

Virgínia Fonseca: --  E hoje eu sou tudo isso. Espero poder esclarecer todas as dúvidas aqui.

Talvez ela não soubesse, mas não estava em um programa do BBB. Diferente de outras testemunhas, que falaram com uma certa solenidade, Virgínia tratou o momento como quem entra ao vivo no próprio canal. 

Virgínia Fonseca: -- É isso. Que Deus abençoe a nossa audiência. Bora pra cima!

A frase, dita, arrancou risos da mesa. Alguns senadores não resistiram à ironia, riram também. Mas, em meio à descontração forçada, havia uma exceção: a senadora Soraya Thronicke manteve-se séria, impassível. Enquanto outros brincavam, ela parecia ser a única disposta a levar aquilo a sério. Foi então que veio o momento mais performático da manhã: a fala do deputado André Janones. Com uma postura mais próxima de um influencer do que de um parlamentar.

André Janones: -- Eu não vim aqui pra apontar o dedo pra você, não - disse o senador, como quem esqueceu ou preferiu esquecer que estava numa CPI. Em vez de inquirir, optou por discursar. Em vez de investigar, decidiu pregar. 

André Janones: -- Quero tocar seu coração como um cristão. 

Em vez de questionar a influenciadora sobre o impacto de suas campanhas de apostas, fez propaganda dos “pré-treinos” dela. “Inclusive, tomei um hoje. Maravilhoso.” E não parou aí: pediu que ela mandasse “um abraço pra esposa e sua filha”, como se ela não estivesse para testemunhar e sim como uma celebridade. Só não falou como o que deveria ser naquele momento: um fiscal do povo, diante de uma prática que movimenta bilhões e afeta milhões.

Certo de que a sessão viralizaria nas redes. A CPI agora havia se transformado em palco. E, como em todo show, o objetivo principal não era obter respostas, mas garantir audiência. O presidente da comissão, o senador Jorge Kajuru, interveio. A fala de Kajuru foi um raro momento de tentativa de ordem. Mas o ponto alto da seriedade viria depois, com a intervenção firme de Soraya Thronicke.

Soraya Thronicke: -- Entendo a forma de Vossa Excelência se pronunciar. Já estamos acostumados. Gostaria de tê-lo aqui todos os dias, assim o senhor veria que esta CPI é necessária, sim. Estamos legislando para proteger jogadores, e não lacrando por likes. Tem político que entrou aqui pensando que veio ser influencer. Não se aprofunda em nada, não entende de direito tributário, não lê a reforma da Previdência[…] Mesmo declarando apreço pessoal, fez questão de marcar o desacordo. 

Para o cientista político e pesquisador em comunicação digital Luiz Fernando Moreira, o que se viu foi menos um depoimento e mais um episódio. 

Luiz Fernando: — Quando uma influenciadora chega a uma CPI e transforma o depoimento em conteúdo, e quando parlamentares decidem atuar como fãs em vez de representantes do povo, temos um sinal claro de que a lógica do entretenimento venceu — afirmou Fernando. 

No fim das contas, a "CPI das Bets" se revelou menos uma comissão de inquérito e mais um espelho do nosso tempo: um palco onde a política tenta disputar atenção com o entretenimento. E o povo, esse sim, continua sendo plateia; assistindo, entre risos e likes, aos meros cortes em que se transformou o debate público.

De um lado, uma mulher rica e popular que prometia demais, do outro uma ministra tentando defender o meio ambiente
por
Lucca Cantarim dos Santos
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03/06/2025 - 12h

Recentemente, fui assistir a um espetáculo. O tema? Uma mulher rica e popular que prometia demais, não cumpria nada e recebia tudo. Ela contava sobre seus atos para autoridades de justiça que apenas riam, a abraçavam e tiravam fotos, alegando que era “aquela das redes sociais”, enquanto poucos (que eu achei os personagens mais coerentes) tentavam apontar os erros dela e fazê-la pagar por seus atos.

Parecia desafiar todo meu conceito de certo e errado, era tragicômico! As vestes da personagem não combinavam com o ambiente sério. A inocência e infantilidade eram bem atuadas, pois dava a impressão que a própria personagem tinha outra personagem para interpretar. Fiquei a peça inteira torcendo por uma reviravolta, que talvez a protagonista fosse punida não só pelos seus atos, mas por em contar sobre tanta destruição com um sorriso no rosto. Mas no fim, ela apenas saiu livre e com novos amigos dentre as autoridades.

Voltei ao teatro na semana seguinte, o produtor da peça decidiu criar uma nova história, se passando no mesmo universo sisudo, com personagens diferentes do mesmo grupo de autoridades. Dessa vez, uma idosa também influente, conhecida por defender causas ambientais, estava conversando sobre a criação de uma nova área de conservação marinha, mas a preocupação das autoridades com a exploração de petróleo era mais importante que o meio ambiente, e a mulher era tratada com humilhações e ataques extremamente misóginos.

Foi mais uma peça que me deixou na ponta da cadeira, angustiado, quase mastigando todas as minhas unhas enquanto eu rezava para a mulher (a única ali que tinha senso comum) sair por cima das ofensas. Mas no fim... Ela saiu dali, mas não sem bater de frente com as ofensas que recebia.

Nunca cheguei a entender o ponto das peças, a mulher que deveria ser criticada e punida por seus atos era tratada com carinho, amor e veneração apenas por ser a “famosa das redes sociais” enquanto a mulher que deveria ser apreciada e admirada por seu ativismo era criticada, sendo retratada como “aquela ministra chata de meio ambiente”. Até hoje fico ponderando sobre isso, sobre como os valores de respeito estão distorcidos, e sobre como é tão fácil, mesmo sendo uma pessoa ruim, fugir de suas responsabilidades uma vez que você tem dinheiro e influência. Bom... Ainda bem que eram apenas espetáculos.  

por
Luan Leão
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09/04/2022 - 12h

Nadismo.

É quase inequívoco que as artes em geral levam o ser humano à distração, ao relaxamento. Ficamos presos na série que maratonamos na madrugada, no livro que lemos no final da tarde, abusamos do repeat nos aplicativos de música, e é natural, e até esperado, que essas coisas venham trazer relaxamento para o corpo e a mente. 

Quando falamos de sono, uma das dicas que sempre surgem é: “coloca uma música para relaxar”, confesso que sou apaixonado por música e não dispenso ouvir algo sempre que posso, mas, mais do que ouvir algo, não tem nada mais relaxante, prazeroso e cômodo do que não fazer nada. 

Em uma entrevista no extinto Programa do Porchat, a jornalista e apresentadora Marília Gabriela foi perguntada sobre isso, o que ela gostava de fazer no tempo livre. A resposta foi imediata de bate e pronto, sem medo das reações: fazer nada!

Marília Gabriela
Marília Gabriela no Programa do Porchat. Foto: Reprodução Record TV

É preciso coragem para admitir que fazer nada é um exercício, afinal, em um mundo que aparentar ser, vale mais que o ser, alguém que tem prazer em não fazer nada é um perdido na vida, alguém vadio, com tempo de sobra e sem compromisso com nada e nem ninguém. Errado! O não fazer nada exige do sujeito uma concentração ímpar. 

Tem que estar ali, não só o corpo, a mente também, e é neste ponto que é preciso a atenção. A mente nunca está não fazendo nada, até porque sempre estamos pensando em alguma coisa, mas a mente de quando não fazemos nada ela pode até pensar coisas relevantes, mas a obrigação dela naquele momento é fazer nada, sem preocupações, sem dilemas, apenas, não fazer nada. 

Podemos associar o não fazer nada a dormir, e de todo não estaria errado, mas não fazer nada vai além do exercício, é um estado de espírito que você decide estar. 

Para fugir do caos, para descansar a mente, para recarregar as energias, a melhor escolha que fazemos, tendo apenas como compromisso o nosso relaxamento, é não fazer nada. E no final, não fazer nada, já é fazer alguma coisa. 

 

Plural, histórico, belo, as obras retrataram a vivacidade do Brasil em períodos que o dia era cinza, em que os anos eram chumbo. 
por
Luan Leão
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29/03/2022 - 12h

Um dos principais capistas da MPB, Elifas Andreato nos deixou na manhã desta terça-feira (29), aos 76 anos. Com cores fortes e de traços únicos, as capas de Elifas expressavam a alma dos inúmeros discos, LP’s, CD’s e DVD 's. Existe despedida possível para artistas da grandeza de Andreato ? 

 

Defensor da democracia e com obra marcada pela defesa dos direitos humanos, Andreato expande aquilo que entendemos como artista. Plural, histórico, belo, as obras de Elifas retrataram a vivacidade do Brasil em períodos que o dia era cinza, em que os anos eram chumbo. 

 

O paranaense de Rolândia levava para as suas capas alma, uma alma multicolorida e musical. E Andreato fazia com uma sensibilidade que só alguém de alma grande conseguiria fazer, alguém que acreditava em um país daquela forma, um país multicolorido. Elifas criou a identidade visual das capas de discos do final do século XX, você talvez não saiba, mas já admirou a obra dele sem o conhecer. 

 

O “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque, é um dos trabalhos mais conhecidos de Andreato. Hoje o Brasil acordou cantando uma faixa desse disco, “Pedaço de Mim”. 

 

“Ó pedaço de mim

Ó metade exilada de mim

Leva os teus sinais 

Que a saudade dói como um barco” 

 

Como vamos nos despedir de Elifas e de sua obra ? Não existe despedida possível. 

 

As ilustrações de Elifas ficam como acalento para um país arrasado por perdas recentes. Um país que tem perdido a cor. Um país pintado de ódio. A cultura brasileira não perde um símbolo, ganha uma missão. 

 

A missão de fazer o Brasil vivo, belo e multicolorido, como Elifas Andreato fez em toda a sua vida. 

 

A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana.Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira, 05/10, mas a sua arte não a deixará morrer.
por
Luan Leão
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06/11/2021 - 12h

A morte inesperada nos mostra a fragilidade humana. Não que seja desconhecida, pelo contrário, todos sabem o quanto o ser humano é frágil e efêmero. Talvez a única certeza da vida seja a morte, e apesar de saber disso, não temos preparo para vivenciar esse processo. 

Um artista não morre, porque sua obra não o deixa morrer. Artistas são eternos na memória cultural. Marília Mendonça nos deixou nesta sexta-feira (05), mas a sua arte não a deixará morrer. Marília foi um fenômeno da música brasileira, uma artista completa. Instrumentista, cantora, compositora, é quase impossível que alguém nunca a tenha escutado no Brasil. Às vezes escutou sem querer, pelo som alto do carro que passou na rua tocando: “apaixonadinha, você me deixou, apaixonadinha, você me deixou”. O Brasil se rendeu ao talento de Marília, estava encantado. Encantado não, apaixonadinho.

A goiana de 26 anos de idade era presença certa na trilha sonora das festas de muitas famílias. Rainha da sofrência, Marília nos fazia sofrer como ninguém. Aliás, sofrer pela voz de Marília não era sofrer. Até quem não tem motivo para sofrer, coloca a mão no peito e balança de um lado para o outro cantarolando: “Tá espalhando por aí que eu esfriei, que eu 'tô' mal, que eu 'tô' sem sal, realmente eu 'tô', sem saudade de você, eu já fiz foi te esquecer”. Obviamente, alguém que canta isso nas condições já ditas, não esqueceu, e sente muita saudade. Mas sofrer com Marília não é sofrer, virou quase um hobby. 

Um dos principais nomes do cenário sertanejo atual, Marília empoderou mulheres, fazia da dor de um coração partido poesia, e com isso um afago nos sofredores. 

Quando nos deparamos com uma situação assim, constatamos o que já é do conhecimento de todos: somos breves! Todos sentem, porque se foi uma mãe, uma filha, uma neta, um alguém que faz parte da memória afetiva do país. Esses fatores aproximam ainda mais todos da dor da perda, do sentimento de que precisamos cada vez mais valorizar o agora. A perda súbita deixa as lacunas do que não aconteceu, do que não vai acontecer, afinal, já foi.

Não existe manual de como lidar com o luto, cada um o vive à sua maneira. Idas repentinas nos deixam mais frágeis, porque passamos a refletir sobre como estamos vivendo. É doloroso quando vemos alguém deixar os seus sem ao menos se despedir, sem um último abraço, um último “eu te amo”. E dói porque estamos tão suscetíveis quanto. A incerteza amedronta, e tudo é incerto.

É incerto que viveremos o que planejamos. É incerto que teremos tempo de deixar para depois aquela conversa, aquele beijo, aquele abraço. É incerto. O escritor José Saramago escreveu que quando pudermos olhar, temos que ver. Quando pudermos ver, temos que reparar. Ao reparar, humanizamos o próximo, deixamos de ver de forma insensível o que acontece à nossa volta. 

Somos breves demais para deixar para depois. O “depois” é um tempo que não temos controle, e nem sabemos se chegará. Breves demais para não aproveitar o agora. 

Marília deixa filho, familiares, amigos e uma multidão de fãs e admiradores da sua música, do ser humano Marília Dias Mendonça. 

É Marília, vai doer demais escutar o seu “bye, bye”. 

 

O anseio gerado pela expectativa de determinada mensagem já me tirou noites de sono, me fazendo sonhar de olhos abertos pelas madrugadas.
por
Victoria Nogueira
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28/06/2021 - 12h

A semana, norteada por aparatos tecnológicos, não poderia ser melhor descrita pelo envio e recebimento de e-mails. Abro a caixa de entrada: de segunda à sexta, entulhada por arquivos que chegam aos montes. No fim de semana, finalmente, dão uma trégua. E, quando aparecem no almoço de sábado ou jantar de domingo, certamente são para lembrar-me de finalizar a compra de um produto esquecido no carrinho da loja virtual.

O anseio gerado pela expectativa de determinada mensagem já me tirou noites de sono, me fazendo sonhar de olhos abertos pelas madrugadas. E, só quem viveu sabe, a decepção que é abrir a caixa de entrada e não encontrar nada ali para além das propagandas implorando para serem notadas. Ou, na pior das hipóteses, as contas do mês que chegaram...de novo! Não há tecnologia que nos salve dos boletos aguardando pagamento.

Encaro o correio eletrônico como metáforas que simbolizam a passagem do tempo, uma retrospectiva da vida moderna. Afinal, basta comparar os e-mails de janeiro aos de dezembro. O que aconteceu neste período? Histórias que tomaram outros caminhos, se apaixonaram, se despediram de entes e amigos queridos, se viram diante de episódios jamais imaginados. São tantos rumos que poderiam ser recontados a partir da narrativa deixada pelos substitutos das cartas. Não obstante, não raro incorporam os papéis de jornais ou livrarias, lhe recomendando autores nunca lidos anteriormente, te levando para a notícia tão fresca quanto uma melancia recém tirada da geladeira. Como leitora, me sinto plenamente derrotada pelos algoritmos quando sou obrigada a assumir que dada recomendação estava certa. “Por que eu não havia lido isso antes?”.

Como uma cronista amadora que se vê rascunhando acerca do mundo que tem à volta, faço da caixa de entrada um verdadeiro acervo de lembranças. Sendo incapaz de escrever sobre todas elas, me pego bisbilhotando os textos que exalam formalidade, sempre terminados em “abraço” ou “atenciosamente”. Dou risada. Mando cópia para outras pessoas. Me transporto para o passado enquanto recordo os momentos especiais cujos detalhes seriam apagados da memória se não fossem, claro, os e-mails.

                                                                   Email Envelope Símbolo Com - Fotografias de stock e mais imagens de Apoio -  iStock

 

Reprodução: iStock

Na calçada do Parque Trianon, jovens ligados a movimentos estudantis improvisam um ensaio de bateria, enquanto outros, escrevem faixas com palavras de ordem como “Comida no Prato e Vacina no Braço”
por
Eduardo Rocha da Luz - RA00074318
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18/06/2021 - 12h

Em 29 de maio de 2021, promoveu-se, em várias capitais do Brasil, manifestações contra as conduções das políticas públicas do presidente Jair Bolsonaro sobre a pandemia. Mas como promover esses atos em plena pandemia, onde o distanciamento social, higienização das mãos e uso constante de máscaras se faz necessário? E mais ainda, como registrar esse acontecimento de forma segura?


Dias antes, ao longo da semana que antecipou o ato, pouco se ouviu falar sobre o que viria a ser realizado. Apenas algumas poucas menções surgiam em redes sociais e na internet no geral. Parecia algo especulativo, nada realmente certo. Até que no dia 27 de maio, em uma chamada simples e rápida em emissora de TV, a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) confirma o ato, marcado para dali 2 dias, em frente ao MASP (Museu de arte de São Paulo), às 16hs. Certo, tinha uma oficialização exposta. Não se tratava apenas de especulação.

Ao chegar na região da Avenida Paulista, por volta das 11hs, o que se podia ver, eram em sua maioria, transeuntes descompromissados, com seus afazeres cotidianos, alguns pedintes e vendedores ambulantes. Nada que indicasse o que viria a se tornar aquele local. Em dado momento, tenho a atenção atraída para um carro estacionado em um recuo de calçada, em frente ao Parque Trianon. Do porta malas desse veículo, um casal, paramentados com luvas, máscaras e óculos de proteção, retiram marmitex e realizam a distribuição às pessoas em situação de rua, que rapidamente e de forma organizada, entram em fila, para receber o alimento.


Aguardo até que terminem seus afazeres e me aproximo para tentar uma conversa. Os dois se mostram bem extrovertidos e até é possível ver a alegria, em seus olhos, ao falar sobre a ação que realizam com o “Projeto Guarda-Chuva - Combate a Fome de Ponta a Ponta”. Onde, em resumo, são arrecadados alimentos em restaurantes da região e distribuídos por voluntários. Como que por um passe de mágica, enquanto conversávamos, um caminhão de som “aparece” em frente ao MASP, barracas estão montadas na calçada, algumas bandeiras hasteadas e uma pequena movimentação de pessoas é percebida. Me despeço do casal e atenho a observar a nova movimentação.


Neste momento me dou conta que o grande vão livre do MASP, não está tão livre como deveria ser, pois esse está cercado por grades de contenção e dentro delas, guardas municipais vigiam o movimento. É possível ver que na barraca montada pela APEOESP, além dos adesivos, que costumam ser comuns, são distribuídos máscaras de proteção PFF e aplicação de álcool em gel aos que se aproximam. Na calçada do Parque Trianon, jovens ligados a movimentos estudantis improvisam um ensaio de bateria, enquanto outros, escrevem faixas com palavras de ordem, como “Comida no Prato e Vacina no Braço”. A movimentação dos transeuntes descompromissados dá lugar a todo o tipo de pessoas, homens e mulheres desacompanhados, famílias com crianças, casais héteros e homoafetivos, idosos, policiais militares, muitos policiais militares. Em comum, todos usando suas máscaras de proteção.


Por volta das 14hs, como que ordenando que voltassem para suas casas, uma chuva torrencial deságua sobre nossas cabeças, dando início à dispersão dos poucos que até aquele momento, ali se encontravam. Mas essa chuva mostrou a que veio. Apenas para acalmar os ânimos dos que pudessem estar mais exaltados. Chuva passageira. Alguém sobe no caminhão de som e inicia uma chamada melodiosa: “Pode chover, pode molhar, eu tô na rua é pra mudar”. Essa chamada ecoou ao longe, fazendo com que as pessoas a atendessem e viessem para a rua.

Quase que de imediato, surgiam mais e mais pessoas, com cartazes feitos em casa, escrito com garranchos ilegíveis. Cada qual com seu pedido ou questionamento: “Fora genocida”, “Chega de Cloroquina, cadê nossa vacina”, “Bolsonaro mata mais que a Covid”, entre tantos outros. Aquele quarteirão em frente ao MASP já não comporta a multidão, que já havia invadido a Avenida Paulista. Nesse momento já são 3 quarteirões, lotados de manifestantes mascarados com suas N95 e munidos de cartazes. Uma pequena tropa de homens vestidos de preto, arrastam uma enorme faixa pelo chão e na sequência à estende. O que se pode ler é: “Gaviões da Fiel contra o comendador da morte” e o brasão do Corinthians. Perto dali, outro caminhão de som, mais palavras de ordem. Uma bateria toca um ritmo chamativo e constante, mais pessoas mascaradas chegam, mais cartazes, mais pedidos de vacinas.

Às 17hs decidi ir embora, meu registro estava finalizado. Minha contribuição já estava feita. Chegou o momento de me besuntar de álcool em gel e ir pra casa. Esperar o noticiário da noite e me regozijar das imagens aéreas que seriam mostradas, ver proporção que tomou essa manifestação pacífica. A manifestação não foi pautada pelos grandes veículos de imprensa.

Clique aqui para vivenciar essa manifestação