Comecei a escrever esse texto na pandemia, mas não terminei, estava na busca de contemplar minha incompletude
por
Manuela Amaral Silva
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13/06/2025 - 12h

A busca pela validação parece ser infinda. Alguns filósofos acreditam que, no estado de menor de idade, o homem é incapaz de dirigir a si mesmo, tornando-se assim dependente do governo dos outros - ou seja, não consegue exercer o pensamento crítico a nível de mudança, mas apenas se move pela trajetória do comodismo. Acho isso ainda pertinente nos dias atuais, e que nunca sairemos da menoridade enquanto dependermos dos outros para a nossa existência. Estamos nos autocondenando a uma vida cíclica e sem mudanças existenciais. As únicas mudanças que fazem diferença são as "notificações" que recebemos em nossos dispositivos de comunicação. 

O celular às vezes fica mudo, e eu também. Não sei se devo falar porque ainda não vi as notícias. Elas ainda não apareceram nas notificações do meu celular. Quero vê-las, explorar esse mundo digital e fugir do real; quero sumir em alguma conta com um user fake. E no final perceber que nunca foi real. Essa sociedade digital só existe no mundo irreal. Talvez um dia paremos de ver o mundo através da câmera do celular. Talvez eu esteja sendo pessimista por acreditar em minhas verdades, e tenho fé de que isso não permaneça como algo atemporal. Espero por mudança, mas que alguém se mova por mim. 

Um amor subjetivo nas redes sociais e a busca por idolatria de ambos os lados: onde querem mostrar um quê de superioridade pelas fotos e, ao mesmo tempo, querem ser tratados como iguais. Minha mãe tem depressão. Quando a vejo, às vezes fico deprimida também. Não entendo sua dor. Apenas a vejo. O afeto... sinto falta dele, apesar de sentir que ainda está aqui. Ele me recorda de sua existência às vezes da maneira mais dolorosa -- quando lembro-me de minha existência. "Esse amor que me fere é o mesmo que me cura, é o mesmo que possibilita", diz Adélia Prado e acrescenta: ponha cataplasma sobre as feridas". 

Uma crônica sobre escolher seu próprio caminho todos os dias
por
Manuela Amaral
Natália Matvyenko
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11/06/2025 - 12h

Laura escolheu seu nome. Aquele que veio ao mundo com ela, não lhe servia mais e pesava como roupa emprestada. Laura soava fácil, escorregava pela boca como algo que sempre foi dela. E assim ela se fez: Laura, de cabelos que já foram curtos e agora descem vermelhos pelos ombros, como fios de outono que nunca caem. Seu sorriso é frequente, mas não ingênuo. Carrega os cantos da boca para cima na maioria dos dias, como quem insiste em acreditar que a luz vale mais que a sombra ainda que às vezes duvide.

Entre os dedos, um cigarro; na mesa, uma xícara de café meio vazia. Quando nos encontramos, é assim: fumaça desenhando curvas no ar, o amargo do café na língua e ela, sempre ela, dizendo "venha ler o que estou escrevendo". Mas Laura quase nunca me deixa ler. Em vez disso, abre a boca e solta os pensamentos antes que eles cheguem ao papel. Fala de ideias que ainda estão se formando, de histórias que nascem tortas e que ela endireita com as mãos no ar, como quem amassa barro. Eu escuto, tentando acompanhar o fio invisível de sua lógica, enquanto o cigarro queima esquecido no cinzeiro.  

Ela ri alto, de uma risada que desafia qualquer melancolia. "Você tá bem?", pergunta, e eu minto às vezes, um "tudo ótimo" que ela desmonta com um olhar. Laura conhece as dores que a gente cala, porque carrega as dela sem disfarce: a transfobia que deixa marcas, o HIV que virou parte da história, mas não a definição dela. "Sou mais que um vírus", disse certa vez, enquanto acendia outro cigarro. "Sou mais que um corpo que o mundo quis decidir por mim".

Quero aprender com Laura. Não como quem estuda um livro, mas como quem observa o mar: sabendo que nunca se repete, que cada onda traz algo novo. Ela não é professora, mas ensina sem querer: sobre resistência, sobre a beleza que persiste mesmo quando o mundo insiste em negá-la. Suas histórias não são ficção, são memórias com as garras afiadas, e quando ela as conta, por um instante, vemos através dos seus olhos. E tudo fica mais claro: a vida, a luta, a coragem de existir apesar de.  Laura não pede pena, ela só quer viver, e isso a torna uma revolução inteira.

 

Comissão parlamentar de inquérito, ou comissão de personalidade Influente
por
Fernando Amaral, João Bueno e Pedro Banhara
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09/06/2025 - 12h

No silêncio do Senado, o primeiro ato da CPI das Bets desenhou um cenário mais de novela do que de tribunal. Era novembro de 2024 quando o nome “Fernandin OIG” ecoou pelos corredores. O empresário acusado de divulgar o “jogo do tigrinho”, caça-níquel virtual que se infiltrou nas redes sociais, e que agora respira o ar pesado da suspeita de lavagem de dinheiro. Logo ao lado, nas cadeiras reservadas ao público, a relatora pôs em pauta influenciadores peças-chave da engrenagem: Deolane, Gkay, Jojo Todynho, Virgínia Fonseca, e perguntou, sem medo, se o brilho dos likes escondia uma sombra rentável. A plateia reagiu com risos nervosos, e por trás dos memes, pipocavam relatórios de prejuízo, promessas quebradas e ações que prometem endurecer a regulação. 
 
Na rampa do Senado em Brasília, o ar estava tenso. A névoa burocrática foi interrompida por um perfume doce, talvez de baunilha, talvez de marketing bem calculado. Virgínia Fonseca acabava de chegar. Não chegou vestida para depor, chegou vestida para convencer. O moletom oversized, preto e confortável, não era apenas uma peça de roupa: era uma mensagem. Estampada no peito, a imagem da filha. No punho, o inseparável copo Stanley lilás, símbolo da mãe influenciadora dos tempos líquidos. Calça jogger, tênis branco limpo como reputação de publicidade, e o cabelão loiro alinhado até demais para quem diz estar nervosa, talvez tenha achado que a tal bet, era aquela boneca de beleza irretocável. 

Assim que adentrou ao salão da CPI, ela rompeu o protocolo com a leveza de quem está acostumada a romper telas: foi cumprimentando um por um dos senadores com beijo no rosto. Beijo aqui, beijo ali. Como se estivesse chegando num aniversário infantil. Como se os parlamentares fossem tios de grupo de WhatsApp. Como se a formalidade do Senado coubesse em um story do Instagram. Era o gesto final para compor o personagem: o da boa mãe, da boa moça, da mulher real, que só quer trabalhar e proteger os seus. O figurino já dizia isso — mas o beijo no rosto selava o personagem: "não sou ameaça, sou afeto". 

Hoje, quem tem rasgado fotos de casamento não é o ciúme, nem o tédio: é o jogo. A advogada Mérces da Silva Nunes bem que tentou não se espantar, mas ano após ano, o escritório dela virou confessionário de promessas quebradas e dívidas feitas no escuro. Conta, em entrevista à AGEMT, que chega de tudo, esposa descobrindo que o marido pegou empréstimo no nome da sogra, marido surpreso com a fatura do cartão estourada pela parceira, e até falsificação de assinatura em silêncio, como quem falsifica a esperança. 

E não se trata só de dinheiro. Mérces diz que "o vício em apostas é um destruidor de tudo, do fim de semana em família à confiança que sustentava o teto". Quando o jogo entra, o diálogo sai pela porta da frente. A convivência, que já andava manca, tropeça de vez. E então resta o divórcio, mas nem isso vem sem cálculo: quem não jogou,  quem tentou segurar a casa de pé. No fim, a aposta mais alta foi feita no casamento. E foi perdida", conclui Mérces. 

“É isso, que Deus abençoe a nossa audiência, e bora pra cima!”, diz Virgínia Fonseca ao se apresentar no Senado. O “bora pra cima”. Aquela expressão que pode significar tudo e absolutamente nada. Ali, no plenário, soou como tentativa de blindagem moral, ou quem sabe um mantra da positividade automática. Como se a CPI fosse um unboxing a ser apresentado, mas que com fé, skincare e foco, daria tudo certo. 

No fundo, ela queria mostrar que estava tranquila, leve, inofensiva, quase maternal. Uma mulher multitarefas que entre um café com leite da filha e uma publi no feed, teve que passar ali rapidinho no Senado pra esclarecer umas coisinhas. Quase um favor. Mas CPI, meu amigo, não é uma sala de estar. Ou não deveria ser. 

Enquanto ela sorria e cruzava as pernas como quem espera o café da tarde, em Carapicuíba, na fila do ônibus Jardim Popular, linha mais lotada da cidade da Grande São Paulo, Antônio Cláudio dos Santos, 42 anos, pai de três filhos, estava na tentativa daquele animal listrado soltar a carta e duplicar seu salário. 

“Todos os meus colegas de trabalho jogam, uns ganham 100, 200 reais por dia. Um outro colega fez o salário em apenas um dia. Parecia fácil, eu fui colocando de 20 em 20, e na tentativa de recuperar o perdido, meu salário se foi” – Relata Antônio, após ter perdido o salário do mês em apostas. Mas se a convocação de Virgínia Fonseca ao Senado parecia coisa de filme, o comportamento dos senadores foi digno de uma sitcom de comédia.

Em vez de interrogatório sério, o que se viu parecia tietagem de fãs adolescentes com cantores pop. O senador Cleitinho, por exemplo, largou o papel de fiscal da República para pedir uma selfie com a influenciadora (foto), e não parou por aí: pediu também um vídeo para a esposa, rasgou elogios e, por pouco, não pediu um autógrafo no crachá. Já o senador Kajuru parecia mais interessado em ser convidado para o próximo churrasco na mansão da Virgínia do que em discutir a tal cláusula da “desgraça alheia”. 

Enquanto isso, a relatora Soraya Thronicke, com cara de quem queria desligar o wi-fi do Senado inteiro, tentava manter a compostura no meio da bagunça. A audiência, que deveria investigar um esquema de bilhões em apostas online, virou praticamente uma coletiva de imprensa pós-festa. E assim, entre risadinhas, selfies e elogios embaraçosos, a CPI foi virando o que muitos já suspeitavam: mais um show de vaidades. 

E o resultado disso? Bom, o Instagram respondeu rápido: Virgínia perdeu mais de 117 mil seguidores em dois dias. Mas nada que tire o sono de quem ainda tem 53,2 milhões de pessoas assistindo tudo de camarote. No fim das contas, ela saiu da CPI como entrou, maquiada, milionária e ainda influente. Porque no Brasil, até escândalo pode virar engajamento e virar 71% OFF em todo o site da Wepink. 

CPI investiga supostas irregularidades no setor de apostas e o uso de influenciadores digitais na divulgação de jogos online
por
Luenir Gomes Batista
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09/06/2025 - 12h

No dia 13 de maio de 2025, Virgínia Fonseca foi convocada a prestar depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), popularmente apelidada de “CPI das Bets”. A influenciadora, que é uma das maiores figuras do marketing digital no Brasil, foi chamada para esclarecer sua relação com empresas de apostas online. Vestida de um moletom preto com o rosto da filha estampado, óculos, pouca maquiagem e equipe de mídia a postos, Virginia  já estava pronta para que a CPI se tornasse mais um de seus conteúdos.

Virgínia Fonseca:  -- Primeira vez, né? Tô um pouco nervosa... Mas enfim. Comecei na internet com 17 anos . Hoje tenho 26, fiz agora em abril.

Como quem atualiza o público sobre o feed da própria vida. Desde o início, garantiu que fazia tudo sozinha: o pai não apoiava, a mãe apoiava, mas deixava ela ir…

Virgínia Fonseca: --  E hoje eu sou tudo isso. Espero poder esclarecer todas as dúvidas aqui.

Talvez ela não soubesse, mas não estava em um programa do BBB. Diferente de outras testemunhas, que falaram com uma certa solenidade, Virgínia tratou o momento como quem entra ao vivo no próprio canal. 

Virgínia Fonseca: -- É isso. Que Deus abençoe a nossa audiência. Bora pra cima!

A frase, dita, arrancou risos da mesa. Alguns senadores não resistiram à ironia, riram também. Mas, em meio à descontração forçada, havia uma exceção: a senadora Soraya Thronicke manteve-se séria, impassível. Enquanto outros brincavam, ela parecia ser a única disposta a levar aquilo a sério. Foi então que veio o momento mais performático da manhã: a fala do deputado André Janones. Com uma postura mais próxima de um influencer do que de um parlamentar.

André Janones: -- Eu não vim aqui pra apontar o dedo pra você, não - disse o senador, como quem esqueceu ou preferiu esquecer que estava numa CPI. Em vez de inquirir, optou por discursar. Em vez de investigar, decidiu pregar. 

André Janones: -- Quero tocar seu coração como um cristão. 

Em vez de questionar a influenciadora sobre o impacto de suas campanhas de apostas, fez propaganda dos “pré-treinos” dela. “Inclusive, tomei um hoje. Maravilhoso.” E não parou aí: pediu que ela mandasse “um abraço pra esposa e sua filha”, como se ela não estivesse para testemunhar e sim como uma celebridade. Só não falou como o que deveria ser naquele momento: um fiscal do povo, diante de uma prática que movimenta bilhões e afeta milhões.

Certo de que a sessão viralizaria nas redes. A CPI agora havia se transformado em palco. E, como em todo show, o objetivo principal não era obter respostas, mas garantir audiência. O presidente da comissão, o senador Jorge Kajuru, interveio. A fala de Kajuru foi um raro momento de tentativa de ordem. Mas o ponto alto da seriedade viria depois, com a intervenção firme de Soraya Thronicke.

Soraya Thronicke: -- Entendo a forma de Vossa Excelência se pronunciar. Já estamos acostumados. Gostaria de tê-lo aqui todos os dias, assim o senhor veria que esta CPI é necessária, sim. Estamos legislando para proteger jogadores, e não lacrando por likes. Tem político que entrou aqui pensando que veio ser influencer. Não se aprofunda em nada, não entende de direito tributário, não lê a reforma da Previdência[…] Mesmo declarando apreço pessoal, fez questão de marcar o desacordo. 

Para o cientista político e pesquisador em comunicação digital Luiz Fernando Moreira, o que se viu foi menos um depoimento e mais um episódio. 

Luiz Fernando: — Quando uma influenciadora chega a uma CPI e transforma o depoimento em conteúdo, e quando parlamentares decidem atuar como fãs em vez de representantes do povo, temos um sinal claro de que a lógica do entretenimento venceu — afirmou Fernando. 

No fim das contas, a "CPI das Bets" se revelou menos uma comissão de inquérito e mais um espelho do nosso tempo: um palco onde a política tenta disputar atenção com o entretenimento. E o povo, esse sim, continua sendo plateia; assistindo, entre risos e likes, aos meros cortes em que se transformou o debate público.

De um lado, uma mulher rica e popular que prometia demais, do outro uma ministra tentando defender o meio ambiente
por
Lucca Cantarim dos Santos
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03/06/2025 - 12h

Recentemente, fui assistir a um espetáculo. O tema? Uma mulher rica e popular que prometia demais, não cumpria nada e recebia tudo. Ela contava sobre seus atos para autoridades de justiça que apenas riam, a abraçavam e tiravam fotos, alegando que era “aquela das redes sociais”, enquanto poucos (que eu achei os personagens mais coerentes) tentavam apontar os erros dela e fazê-la pagar por seus atos.

Parecia desafiar todo meu conceito de certo e errado, era tragicômico! As vestes da personagem não combinavam com o ambiente sério. A inocência e infantilidade eram bem atuadas, pois dava a impressão que a própria personagem tinha outra personagem para interpretar. Fiquei a peça inteira torcendo por uma reviravolta, que talvez a protagonista fosse punida não só pelos seus atos, mas por em contar sobre tanta destruição com um sorriso no rosto. Mas no fim, ela apenas saiu livre e com novos amigos dentre as autoridades.

Voltei ao teatro na semana seguinte, o produtor da peça decidiu criar uma nova história, se passando no mesmo universo sisudo, com personagens diferentes do mesmo grupo de autoridades. Dessa vez, uma idosa também influente, conhecida por defender causas ambientais, estava conversando sobre a criação de uma nova área de conservação marinha, mas a preocupação das autoridades com a exploração de petróleo era mais importante que o meio ambiente, e a mulher era tratada com humilhações e ataques extremamente misóginos.

Foi mais uma peça que me deixou na ponta da cadeira, angustiado, quase mastigando todas as minhas unhas enquanto eu rezava para a mulher (a única ali que tinha senso comum) sair por cima das ofensas. Mas no fim... Ela saiu dali, mas não sem bater de frente com as ofensas que recebia.

Nunca cheguei a entender o ponto das peças, a mulher que deveria ser criticada e punida por seus atos era tratada com carinho, amor e veneração apenas por ser a “famosa das redes sociais” enquanto a mulher que deveria ser apreciada e admirada por seu ativismo era criticada, sendo retratada como “aquela ministra chata de meio ambiente”. Até hoje fico ponderando sobre isso, sobre como os valores de respeito estão distorcidos, e sobre como é tão fácil, mesmo sendo uma pessoa ruim, fugir de suas responsabilidades uma vez que você tem dinheiro e influência. Bom... Ainda bem que eram apenas espetáculos.  

por
Victoria Nogueira
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09/05/2021 - 12h

A pandemia ainda nos mantinha confinados quando me pego ao abrir e fechar de páginas da internet. Os buscadores de imagens, como verdadeiros garçons, me serviam com fotos datadas da década de 70.

Embora não tenha vivido nenhum daqueles anos, não preciso lembrar o quão amargurada foi a política dessa época. A ditadura aqui instaurada apenas retocou na bandeira brasileira algo que já lhe havia sido concedido em tempos passados: a tristeza, atrelada à vergonha, e que contrastava com a expectativa de que tudo melhoraria. 

Como uma metáfora de esperança, que provavelmente era fruto de mera coincidência, um reduto de cores podia ser visto em fotografias capturadas ao contorno do Calçadão de Copacabana. Fuscas das mais diferentes tonalidades faziam dali um estacionamento a céu aberto. As crias da engenharia encaravam o mar ao fundo,  viam as “Garotas de Copacabana” desfilarem na areia da praia. Tão diferente de Brasília! Triste! Escura! Sob uma constante tempestade que, hoje perguntaria facilmente a um meteorologista, se, de fato, há de ter cessado.

Mas no Rio...Ah, no Rio! Havia espaço para o verde que moldava o Corcovado. Lá no alto, o azul e verde excessivos enchiam as janelas dos aviões que seguiam seus trilhos invisíveis rumo ao Galeão. Recepcionados de braços abertos pelo Cristo, não tardaria para que uma leva de gente trouxesse ao concreto carioca novas cores, cabelos e risadas. 

Sendo assim, se tratando de cores, o Rio entende bem, contrapondo tons claros e escuros ao longo de seu território. Quem não se lembrará do preto ocasionado pela doença miserável? Ou do amarelo que passa como bala aos ares dos morros cariocas lhes conferindo o vermelho “cor de sangue”? 

Mas, voltemos ao Rio cujas praias esbanjam cores, pés que sambam durante 365 dias, e televisões antenadas no Maracanã. O Rio de Janeiro, diziam eles, é alegria. É beleza, Pão de Açúcar, mulheres bonitas, carnaval. É uma aquarela. O resto? Que resto?

O ator estava internado há dois meses, e infelizmente não resistiu. Entenda o que essa morte representa e a comoção que gerou
por
Manuela Troccoli, Yerko Mauricio, Pietra Nobrega, João Carlos Ambra
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06/05/2021 - 12h

Se você é brasileiro, é praticamente impossível nunca ter escutado o nome do ícone Paulo Gustavo. Seja nas telas como Dona Hermínia no sucesso “Minha mãe é uma peça” - que rendeu três edições - ou em jornais e matérias que traziam o nome de um dos mais famosos humoristas brasileiros.


Na noite de segunda-feira (03/05), foi declarada a morte do ator, aos 42 anos, que estava internado desde o dia 13 março no Rio de Janeiro por complicações geradas devido ao vírus da COVID-19. Mas o que essa notícia tão triste e que abalou o Brasil, que está sob um momento de absoluta calamidade - representa?

A morte de Paulo Gustavo, marca o fim precoce e abrupto de uma carreira estelar, com poucos paralelos no nosso showbiz. Em pouco mais de 15 anos, o ator saiu do anonimato para o posto de maior chamariz de público do cinema brasileiro. A trilogia "Minha Mãe É uma Peça", estrelada por seu alter ego Dona Hermínia, vendeu cerca de 22 milhões de ingressos. O terceiro longa ostenta atualmente o título de maior bilheteria de filme nacional de todos os tempos, com uma renda bruta de R$143,9 milhões.

A notícia triste e inesperada para muitos ferveu nas redes sociais: só se fala de Paulo Gustavo, mas pouco se vê falando notícias esperançosas e positivas sobre o coronavírus; e muito se vê de “pequenas reuniões de amigos”, festas clandestinas e viagens incríveis. Este comportamento - recorrente nas redes - infelizmente nos incita a pensar o óbvio: as pessoas só passam a realmente ligar e se abalar com a pandemia quando os números viram pessoas; sejam próximas, conhecidas ou até idolatradas.

São mais de 400 mil mortes no Brasil, mas ninguém deu a mínima para o número espantoso. Paulo Gustavo faleceu e nas redes sociais havia milhares de pessoas fazendo “homenagem” à grande pessoa que ele era, mas não se lembraram que à mais de 2375 mortes por dia. Os fãs de Paulo Gustavo se comoveram com a notícia principalmente por ser tão inesperada; como é o caso de Gabriela, estudante de letras da PUC, que em entrevista realizada dois dias após a morte do ator afirma que "(...) mesmo com o estado dele se agravando e o tempo de UTI aumentando, eu nunca acreditei na possibilidade de que ele pudesse realmente morrer, isso parecia muito distante e abstrato".

Quando questionada sobre o motivo da morte do humorista, a resposta da estudante foi crucial. Em poucas palavras, Gabriela conta que o destino de Paulo Gustavo é apenas um retrato do que está de fato acontecendo na sociedade, e ainda comenta que inclusive, se ele não fosse quem ele é, teria partido ainda mais precocemente (...) mas não precisaríamos estar passando por isso ainda" e ainda completa: "quem de fato o matou não foi o vírus, foi a irresponsabilidade, negligência e desgoverno que o Brasil enfrenta hoje".

De fato, isso nos leva a pensar que a comoção que circunda o país desde esta segunda feira irá comover a população, e consequentemente, vão acabar se responsabilizando mais e tomando mais cuidado. Mas não é isso que futura profissional de letras conta, ao ser questionada a respeito do que se sucede a partir de agora, a estudante afirma: "(...) apenas comoção não vai ser o suficiente. O Brasil inteiro sentiu a morte de Paulo Gustavo e vai ainda sentir por muito tempo, mas o problema que estamos enfrentando hoje no país ultrapassa isso. Talvez agora se comovam mais com o número de mortes, mas não acredito que essa comoção trará reflexos diretos, como a redução de casos, por exemplo".

O recado que fica, é claro: se possível não saia de casa, e caso for necessário, tome todos os cuidados, use máscara e álcool em gel, não corra o risco de se contaminar. Podemos afirmar que a nossa saúde é o nosso bem mais precioso, nem o dinheiro compra a saúde.

Com a morte de Paulo Gustavo, fica o ensinamento para todo o Brasil, de que o Coronavírus não escolhe sexo, idade, classe social. Ele é um vírus letal. Com mais de um ano de pandemia, chegou a hora de respeitar e levar a sério as medidas restritivas. Paulo Gustavo com certeza marcou a história de nosso país para sempre. Deixou um legado que serviu de representação de vida para muitas famílias brasileiras, de um modo único e bem humorado.
Ele foi um símbolo de representatividade para a comunidade lgbtqia +, com os filmes “Minha mãe é uma peça”, ele conseguiu reunir o Brasil todo para ver um casamento entre dois homens de uma forma emocionante e engraçada.

Ele será eternizado, e com certeza mudou a vida de muitas pessoas, Paulo era amor, generosidade e humor. Um dos maiores artistas que tivemos a honra de ter. Portanto, se cuide. Cuide de quem você ama, da sua família e amigos. Cuide do próximo. Juntos somos mais fortes. Vamos passar por tudo isso de uma forma responsável e consciente.