Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Entre ícones do passado, referências do presente e caminhos para o futuro, veja como foi a edição deste ano
por
Vítor Nhoatto
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22/10/2024 - 12h

Ocorrido entre os dias 14 e 20 de outubro na capital francesa, o Mondial de l'Auto contou com mais de 500 mil visitantes, além de recados importantes para a indústria automobilística. As donas da casa — Alpine, Peugeot, Renault e Citroen — estiveram presentes, mas, mesmo assim, a presença chinesa continuou e chamou a atenção do público, das autoridades e das rivais. A DS, da Stellantis, foi a única francesa que não compareceu ao evento. 

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e segurança no trânsito foram amplamente abordados nas coletivas de imprensa, e traduzidos em parte nos lançamentos. Ao todo, 41 fabricantes de automóveis participaram do evento, o qual trouxe o brilho de volta à Bienal, tal qual como no Salão de Munique, em 2023.

Eletrificação em diferentes níveis

Antenado às ânsias do público e da indústria, houveram lançamentos de vários modelos eletrificados, em diferentes níveis e formatos. Nos últimos meses, as vendas de elétricos oscilaram negativamente na Europa, por conta de uma série de fatores, como altos custos de aquisição e o fim de incentivos governamentais. 

Com isso, marcas como Volkswagen, Ford e mesmo Volvo, reviram seus planos de eletrificação total — apesar da meta da União Europeia de banir os modelos movidos a combustão, já em 2035. O conglomerado Stellantis, por exemplo, investe em plataformas multi-energéticas, capazes de produzirem tanto híbridos, quanto elétricos, e apresentou seus últimos modelos em Paris. 

Construído sobre a e-CMP, — mesma base dos recém lançados no Brasil, Peugeot 2008 e 208 — o Alfa Romeo Junior Ibrida fez sua estreia ao público. Com a mesma motorização dos irmãos, motor 1.2 PureTech em conjunto a uma bateria de 48V, gerando 136 cavalos, o modelo complementa a linha do SUV urbano, disponível como 100% elétrico desde o começo do ano. 

Na Peugeot, as novidades foram maiores, apesar de nenhum modelo totalmente novo, diferente das compatriotas Alpine, Citroen e Renault. Em Paris, foi lançado o novo E-408, versão 100% elétrica do crossover baseado no 308. Sob a plataforma EMP2, compartilha o conjunto mecânico com o hatch, tanto nas versões a combustão quanto na novidade elétrica, e não muda visualmente. Além disso, foram apresentadas as versões Long Range dos E-3008 e E-5008. As autonomias passam de cerca de 500 km para 700 km, segundo o ciclo WLTP.

Em uma abordagem diferente, focada em modelos elétricos separados dos seus semelhantes a combustão, a Volkswagen apresentou o novo Tayron. Com expectativa de ser vendido no Brasil, é a versão Allspace do novo Tiguan, mas agora com nome próprio. O SUV de sete lugares estará disponível em duas versões diesel, gasolina, e híbridas plug-in, além de uma híbrida leve.

Volkswagen Tyron de frente branco ao lado de um Tayron de trás roxo
O Tayron é o sexto SUV a combustão da Volkswagen na Europa, entre Tiguan e Touareg. Foto: Divulgação/Volkswagen

As motorizações são as mesmas do Tiguan de nova geração, construído sobre a MQB evo. Isso se reflete em uma autonomia combinada de até 850 km nas versões plug-in, além de uma autonomia em modo 100% elétrico de cerca de 100 km, graças a uma bateria de 19.7 kWh.

Em uma abordagem semelhante em alguns aspectos a Volks, a britânica de coração, mas de propriedade alemã, a Mini, apresentou os seus novos JCW elétricos. Os primeiros modelos da divisão de desempenho da marca serão o Cooper, um hatch de três portas, e o crossover Aceman. Ambos são construídos sobre a plataforma desenvolvida em conjunto com a chinesa GWM, e prometem a emoção de um esportivo com seus mais de 250 cavalos, mas sem emissão de CO2.  

Mais uma ofensiva chinesa 

Sobre as construtoras chinesas, o Paris Expo Porte de Versailles foi novamente o palco para a estreia de modelos do país asiático, e até marcas inteiras. A GWM não compareceu desta vez, como era de se esperar após o anúncio de reestruturação europeia e fechamento do escritório na Alemanha em agosto deste ano. 

No entanto, a sua principal rival, a Build Your Dreams, brilhou, repetindo a estratégia de 2022. Seu estande contava, desta vez, com modelos já conhecidos do público, como Dolphin e Seal, mas também com o totalmente novo, Sealion 7, apresentado ao mercado europeu, e com um vislumbre da versão que será vendida no Brasil em breve.

Segundo a vice-presidente da marca, Stella Li, o novo SUV cupê do segmento D, reflete em como a BYD reage e escuta às demandas dos seus consumidores europeus, prometendo design, performance e autonomia de ponta.

E com uma estratégia ousada, que busca rapidamente conquistar o mundo, a Leapmotor debutou em Versailles. Com o amparo da Stellantis, — com quem fechou uma parceria bilionária pela administração global da marca — apresentou quatro elétricos. Carlos Tavares, CEO do conglomerado até 2026, esteve no evento e comentou que as montadoras têm mais a ganhar com a estratégia de se aliar às chinesas, ao invés de brigar com elas. Antes disso, ele visitou o estande da BYD, chamando a atenção da imprensa.  

O primeiro deles é um hatch subcompacto vendido por menos de 20 mil euros, o T03, o segundo é o C10, um SUV médio, por cerca de 36 mil euros. Ambos modelos com condução semi autônoma de nível 2 e confirmados para o Brasil. A versão de sete lugares, C16 também esteve no evento, ao lado do inédito B10, revelado no evento. O SUV do segmento C tem como rivais BYD Atto 3 (Yuan Plus no Brasil) e Volvo EX40, e estará disponível já no próximo ano na Europa.

Estande da Leapmotor rodeado de pessoas
Os modelos C16 (roxo), B10 (azul), C10 (verde) e T03 (turquesa) prometem agitar o mercado. Foto: Divulgação/LeapMotor

Para além das duas marcas, a Seres (com operações paralisadas no Brasil até então), a Xpeng, o grupo GAC e a Hongqi ocuparam o complexo de exposições francês. A última chamou a atenção com a estreia do sedã de luxo Guoya, rival dos alemães Classe S, Série 7 e A8. Enquanto isso, a GAC optou por uma abordagem mais demonstrativa de suas tecnologias, sem pretensões diretas de venda no continente. 

A história não se compra

Frente à concorrência cada vez maior das chinesas, eis o contra-ataque europeu, baseado amplamente no legado das marcas, algo com o qual as novatas não podem competir. No último Salão de Munique, o CEO do Grupo Volkswagen, Oliver Blume, destacou que o histórico estilístico das marcas é algo que não pode ser adquirido nem comprado, e será a principal chave para o público comprar os modelos europeus. 

Dito isso, nomes como BMW e Renault também vêm investindo em uma abordagem retrô futurista. Em relação à alemã premium, os conceitos Neue Klasse sedã e SUV foram apresentados pela primeira vez juntos. Com designs que remetem aos modelos dos anos 80, preveem a nova geração de elétricos da marca, esperados para 2025 e 2026.

Porém, foi no estande da Renault que a vibe passado e futuro, misturado com o charme e a funcionalidade, atraiu mais os olhares. Após o lançamento do aguardado R5, um hatch elétrico inspirado no icônico R5 dos anos 90, foi a vez do novo R4 voltar à vida.

Novo Renault 4 E-Tech azul em um fundo colorido
O novo Renault 4 E-Tech continua investido no passado da marca como diferencial. Foto: Divulgação/Renault

Construído sob a plataforma AmpR Small, é a versão SUV do R5, com quem compartilha a motorização e equipamentos. Com 4.14 metros de comprimento, funcionará como a versão 100% elétrica do Captur, contando com uma autonomia de mais de 400km no ciclo WLTP, carregamento rápido, todos os assistentes à condução modernos e muitas referências ao R4 dos anos 70. 

Construído na França, atraiu até mesmo os olhares do presidente francês, Emmanuel Macron. O político esteve no evento no dia de abertura ao público (15), e causou um leve tumulto ao fechar o estande em que visitava. Ele cumprimentou os executivos da marca e entrou no novo modelo, esse com expectativas de custar na casa dos 30 mil euros. 

Na ideia da ofensiva irreverente e estilosa, bem ao estilo francês, o protótipo do novo Renault Twingo esteve no evento. Agendado para ser lançado em 2026 (possivelmente no próximo Salão de Paris), promete tornar a mobilidade elétrica realmente acessível, com um preço na casa dos 20 mil euros no formato de um subcompacto, uma espécie em extinção.

Uma mobilidade de fato acessível?

Mas, ao se tratar de acessibilidade e democratização da eletricidade, outras marcas têm mais a dizer e entregar. Dentro do Grupo Renault, é a romena Dacia a representante de baixo custo. Se o nome da empresa não é conhecido aos brasileiros, com certeza seus modelos são. A fabricante de Sandero, Logan e Duster, vendidos sob o nome da Renault na América Latina e Turquia, apresentou em Paris o mais novo Bigster.  

O SUV é a aposta da marca para conquistar o segmento C, com 4.57 metros de comprimento e preços menores de 30 mil euros, cifra que hatches do segmento B atualmente custam. Baseado na mesma plataforma de Clio e Duster, a CMF-B, contará com opções a micro-híbridas de 48V, híbridas convencionais com baterias de 1.4 kWh, e versões movidas a GPL, populares em países como Espanha e Itália. 

Do outro lado do muro, a resposta da Stellantis ao sucesso da Dacia, — dona do modelo mais vendido da Europa em Julho deste ano na Europa, o Sandero — é a Citroën. A marca que já passou por muitas fases, desde o luxo e conforto do DS original, até a originalidade do Xsara e C4 Cactus, por exemplo, agora investirá no mercado de acesso. 

Estiveram no evento os novos C3 e C3 Aircross, bem diferentes das versões vendidas no Brasil, mas ainda na casa dos 20 mil euros. A reestilização do quadriciclo Ami foi apresentada, uma opção de locomoção elétrica por menos de 8 mil euros. E fechando os facelifts, os remodelados C4 e C4X (versão sedã do hatch compacto) foram lançados em Paris, agora com a nova identidade visual da marca.

Estande da Citroën rodeado de pessoas
A Citroën se reinventou com novos C3, C3 Aircross, C4, C4X e o protótipo verde do C5 Aircross 2026. Foto: Divulgação/Citroën

Além disso, o protótipo da nova geração do Citroën C5 Aircross foi revelado. Segundo a empresa, o modelo de produção será 95% igual ao conceito. No quesito motorização, será construído sobre a nova plataforma STLA Medium, que estreou com o novo 3008, e servirá de base para o novo Compass também. Suas principais vantagens incluem a possibilidade de versões híbridas e elétricas, com maior eficiência e autonomia de até 700 km, além de menores custos de produção pela sua modularidade.

Atendendo às demandas do mercado

Uma das principais ânsias da indústria é a diminuição dos custos na fabricação de elétricos, principalmente após a chegada das chinesas. No entanto, nem só de  grandes grupos é formado o setor, e parcerias são mais bem vindas que nunca. A Ford, por exemplo, se uniu à Volkswagen para produzir seus elétricos para a Europa, se prevenindo da taxação que Tesla, Volvo e Mini tentam evitar  com a fabricação dos seus modelos na China.

A americana/britânica apresentou ao público pela primeira vez o novo Capri, um SUV coupe construído sobre a plataforma MEB dos Volkswagen ID.3 e ID.4. O modelo continua o resgate de nomenclaturas clássicas da marca, como Puma e Mustang Mach-E, além da transmutação desses em SUVs, o que agrada ao mercado em geral, mas não tem a mesma reação aos mais saudosistas.

Do outro lado do globo, a sul-coreana Kia também busca conquistar o mercado europeu dos elétricos, sem dividir os custos com várias marcas. O mais novo lançamento do grupo Hyundai-Kia é o SUV urbano EV3, rival do Jeep Avenger, Peugeot e-2008 e Renault 4. 

Novo Kia EV3 verde de frente em um fundo branco
O EV3 é a aposta elétrica da Kia para o segmento B, o maior em vendas na Europa. Foto: Reprodução/InsideEVs

Os preços devem começar na casa dos 30 mil euros, o que não é barato para um carro do segmento B, mas é compatível aos rivais citados. O chamariz da marca, para além dos sete anos de garantia, é a tecnologia, refinamento e comodidade do modelo, quase como uma versão menor do SUV grande EV9, indicado ao prêmio Carro do Ano Europeu em 2024.

E em um segmento acima, mas em uma faixa de preço parecida, a checa Skoda, — essa sim de um grande conglomerado, a Volkswagen — apresentou o novo Elroq. Rival de modelos como BMW iX1 e Ford Explorer, começara na casa dos 33 mil euros, com uma autonomia de 560 km no ciclo WLTP.

Tentativas e erros

Paris ainda foi o palco para marcas menores, ou com menor relevância na Europa. No primeiro caso, a francesa Alpine que tomou os holofotes com o concept car A390 Beta, que antecipa o segundo modelo independente da Renault. 

Com um design agressivo, inspirado nos alpes, e com referências aos modelos de competição da empresa, será um crossover 100% elétrico construído sobre a plataforma do Nissan Aryia. Mesmo assim, a dinamicidade e performance única da marca, que hoje vende apenas o cupê A110, será mantida no carro de produção, anunciado para o ano que vem. 

Em meio aos europeus e chineses, ainda houve espaço para as estadunidenses Tesla e Cadillac. A empresa de Elon Musk deixou a desejar, sem um estande propriamente dito, ou sequer um tapete e divisórias entre seus modelos. Já no quesito novidade, nada de concreto. A picape Cybertruck foi apresentada oficialmente em solo europeu, mas nenhuma conformação de sua comercialização, ou lançamento do esperado Model Y remodelado e do táxi autônomo Cybercab, revelado três dias antes.

Já em relação a Cadillac, que tentou engatar nas vendas na União Europeia algumas vezes, as coisas foram diferentes. Desta vez focada na eletrificação, a empresa do Grupo General Motors trouxe o SUV de luxo Lyriq, além de lançar o Optiq, um pouco menor e com design menos extravagante na traseira. 

Novo Cadillac Optiq vermelho de frente no estamde da marca
Cadillac mira o Tesla Model Y com o novo Optiq, um SUV do segmento D com 4.82 metros. Foto: Reprodução/GM Authority

O Paris Motor Show 2024 certamente ficará para a história centenária do evento como um recálculo necessário e exitoso de rota. Marcas voltaram à mostra, lançamentos importantes ocorreram e o público compareceu. Além disso, mais uma vez o rumo que a indústria se encaminha foi destacado, um cenário crítico de reinvenção e reajustes.

A história de milhões de brasileiros nasce na falta
por
Gabriela Figueiredo Rios
Victoria Leal
|
21/09/2023 - 12h

Por Gabriela Figueiredo (texto) e Victoria Leal (audiovisual)

Vento no rosto, uma pradaria em tonalidade verde queimada e muito suor. Esta era a visão de Zé Braz enquanto trabalhava na plantação com seu pai, ainda na pré-adolescência. A vida começa cedo para quem nasce na falta. Eram muitos irmãos e apenas algumas mãos para dar conta de toda a demanda da casa. Os semblantes cansados dos pais refletiam a falta de condições para manter a dignidade de uma família. Ainda mais comum do que se imagina, é dar um jeito de sobreviver à falta de emprego de carteira assinada e escolaridade do primário. O jeito foi mudar de Iapu, interior de Minas Gerais, para São Paulo, em um movimento migratório em busca da sorte, como os milhares que levantaram as estruturas e história da capital. Zé Braz está primeiro entre estes milhares.

Os bicos para arrumar dinheiro vieram antes das apostas, mas elas não deixaram de vir. Em suas próprias palavras “começou primeiro com a bebida, depois o cigarro... aí o jogo. O jogo é terrível. Eu sei que a gente não pode colocar a culpa na bebida, mas todo mundo fazia na época. Jogava truco, baralho, sempre valendo dinheiro, aí apareceram novos jogos... jogava na loteria também, fazia esses jogos de montante com os caras do bar sabe [...]. Joguei no bicho, sempre ganhava miudeza, qualquer dinheiro que entrava já era alguma coisa. Mas aí pegava e gastava no bar.”

Zé representa apenas uma pequena parcela das pessoas que tiveram problemas com apostas no Brasil. Apesar de ter experiências apenas com apostas em jogos de bares, casos semelhantes com apostas esportivas online vem se tornando algo comum na vida dos brasileiros. Tão comum, que segundo a pesquisa Industry Insights, feita pelo jornal O Globo, para 12% das pessoas que responderam, as apostas são a principal fonte de renda. Para 67% dos brasileiros, apostar hoje é entretenimento e para 43% é negócio. O risco está se tornando comum. 

As apostas esportivas online funcionam por casas de apostas, que são os modelos mais populares hoje e mais simples. As pessoas escolhem uma situação dentro de um evento esportivo e apostam nas probabilidades com maiores chances de se concretizar dentro do jogo. Seja desde o cavalo que vai disparar em primeiro em uma corrida, até a quantidade de pênaltis em uma partida de futebol. Se o resultado se concretizar, os jogadores recebem um pagamento com base nessas probabilidades.

 Em ritmo crescente no Brasil, essa modalidade já era muito comum em países europeus, que praticavam alternativas “rentáveis” para dinamizar ainda mais os jogos. Por ser uma questão emergente no País e que se acentuou ainda mais por conta da pandemia, o mundo das apostas online é a forma mais fácil de se lucrar. Desde que você não esteja do lado mais fraco da corda.

E o lado mais fraco da corda é formado pelos milhares dos quais, não só Zé Braz fez parte, mas Mateus Haidar, de 27 anos, advogado e empresário, também somou. Mas o verde que o Mateus enxergava deste lado, era o tecido da mesa de poker, que começou presencialmente, mas logo passou para o online, “em sites como pokerstars e partypoker, naquela época só existiam sites gringos. Percebi que estava viciado quando perdia rapidamente o dinheiro que recebia trabalhando para as casas”.

Segundo pesquisa do Datahub, publicada pela Máquina do Esporte, o crescimento de empresas de apostas esportivas digitais no Brasil foi de 360%, entre 2020 e 2022. E seguindo o movimento publicitário de todo novo comércio emergente, não demorou muito para que as casas começassem a patrocinar influencers, pagar por anúncios e até investissem em mídias offline - anúncios em estádios e telas espalhadas pelas cidades - para atingir seu público alvo. 

Em uma polêmica recente, no mês de junho deste ano, o youtuber e influenciador digital Felipe Neto foi questionado de continuar apoiando e divulgando a casa de cassinos e apostas “Blaze” - que fechou contrato com o comunicador em 2022 - após ser acusada de calote na Internet pelos usuários, por não pagar os clientes que obtinham lucros financeiros. Outros influenciadores de grande impacto, como a advogada Deolane Bezerra, ex-esposa do funkeiro, Mc Kevin, também faz parte do grupo de pessoas patrocinadas pela empresa. A advogada tem mais de 5 milhões de seguidores no Instagram e também recomendava a casa em suas redes sociais. 

Em declaração à Agência Mural, o diretor, André Gelfi, do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, composto pelos grupos Bet365, Flutter, Entain, Betsson Group, Betway Group, Yolo Group, Netbet Group, KTO Group, Rei do Pitaco, Novibet, LeoVegas, Grupo OKTO e Pay4Fun, afirma que o instituto se preocupa com a proteção de menores de 18 anos na divulgação das casas de aposta que o compõe. 

O grupo desenvolveu uma nova cláusula que proíbe o direcionamento do conteúdo para menores de idade e a utilização de imagens de "pessoas ou personagens, reais ou fictícios, de relevância ou notoriedade pública que atraiam a atenção dos jovens”. Apesar da parcela significativa de casas de apostas que entendem e procuram minimizar o impacto negativo por meio da publicidade, não existe regulamentação oficial direcionada a publicidade de jogos para menores ou fiscalização de que a documentação cadastrada não seja de parentes maiores de idade, como também explicitado na reportagem da Agência Mural. 

DE OLHO NO PERIGO

Na pesquisa de perfil de apostadores do Panorama Mobile Time/Opinion Box, publicada em maio de 2023, foi identificado que o padrão médio dos jogadores é homem, jovem e de baixa renda. Na análise de faixa etária, 36% dos indivíduos no grupo de 16 a 29 anos já apostaram em plataformas de apostas esportivas e dos mais de dois mil entrevistados, 30% são das classes D e E.

O risco das apostas esportivas passa a existir no momento em que ela deixa de ser feita por entretenimento e começa a simbolizar algo vital, como a principal fonte de renda do indivíduo ou o lugar em que a fonte de renda é “investida” - que gera a sensação falsa de uma possibilidade segura de lucro. Em primeiro plano, porque as estatísticas esportivas não são baseadas em padrões fixos, mas probabilidades, como tendências históricas e estatísticas defensivas de um time, que podem variar a cada jogo. E em segundo plano, pelo aumento dos casos de manipulação de partidas de futebol, em que, segundo os dados da Sportradar, o futebol mundial registrou um aumento de 34% no número de partidas suspeitas, apenas em 2022.

Em terceiro plano, a psicóloga e analista Adriana Munford explica que o vício, ou seja, a incapacidade de deixar um padrão de lado, pela perda de autocontrole sobre a situação, é o que caracteriza a compulsão de jogadores que não conseguem deixar de apostar, mesmo depois da frustração da perda, inclusive com frequências variadas. 

 

Mas Adriana não é a única que alerta sobre os perigos de começar a apostar e transformar o jogo em uma parte essencial da vida. Mateus Haidar, depois de sobreviver às dificuldades de largar de vez o mundo das apostas, começou a criar conteúdos no TikTok e outras redes sociais para ajudar quem está endividado ou em situação extrema, correndo riscos de vida. 

“Todos os dias recebo mensagens de pessoas que estão flertando com o suicídio, fora os casos de suicídio consumados que aparecem na mídia, aparentemente o jogo patológico será um enorme problema de saúde pública muito em breve”. 

No fim, os atingidos pela expectativa da renda extra e lucro gerado pela efêmera probabilidade de ganhar algo que nunca tiveram, são os que nasceram na falta. Mais comum do que se imagina, é pensar que absolutamente nada pode nascer de uma falta, de algo que não existe. Mas foi ainda nessa vida que Zé Braz construiu a sua nova vida, antes de perder tudo. “Conheci minha ex-mulher, casamos, montamos uma casinha ali na Habitação [imóvel ofertado a pessoas de baixa renda em São Paulo] e eu segurei um pouco essa vida né [de apostas], arrumei um empreguinho registrado e comecei a pagar o INSS, mas a bebida continuou [vício], não deu pra parar não”. 

Zé Braz primeiro perdeu o amor, depois o emprego, uma parte do dinheiro, mas ficou com a casa, que era seu único abrigo, mesmo que só tivesse o físico. Mas não foi suficiente para preencher o vazio de não mais falar com a filha e dividir conselhos com alguém. Zé começou a refletir o semblante dos seus pais. “Fui e voltei pra vida do cão” o seguro desemprego virou jogo e antes de voltar para os bicos e tentar reconstruir a sua vida, fez lembranças no bar da Dona Lina. O bingo de Internet era mais fácil, bastava sacar 50 ou 100 cartelas de uma vez, com números prontos, para ver quem ganhou dessa vez. 

“Deixava todo o dinheiro do auxílio lá no bingo, na cachaça, até que não me deixaram jogar mais, a Dona Lina disse que não ia vender mais pra mim. Hoje eu vivo de bico de pintor, passo textura, grafiato e pequenos reparos, tô vivendo de aluguel porque vendi a casa na habitação e o dinheiro foi todo pra mulher, cachaça e jogo".

Entre vídeos de um minuto e jogos online como é possível encontrar o valor pedagógico no mundo digital
por
Bianca Novais
Maria Eduarda Camargo
|
18/09/2023 - 12h

Por Maria Eduarda Camargo (texto) e Bianca Novais (audiovisual)

 

Para Suelma Feitosa, mãe da Sofia de 8 anos, é difícil acompanhar o conteúdo que a filha vê na Internet. Como a menina estuda na Escola do Campo, no interior de Goiás, a rotina do nascer do sol e a longa distância até a escola se tornaram motivos para que o celular entrasse na mochila, e consequentemente no ambiente familiar. Desde vídeos no Youtube até jogos online, Sofia passa o entardecer no aparelho – que serve como um funil do universo infantil. Celebridades como Luccas Neto e Julia MineGirl, que hoje possuem um público de acesso majoritariamente infantil, fazem parte do interesse da garota pelo digital. Mas, na sala de aula, a rotina é outra: desenhos, massinha e brincadeiras ao ar livre fazem mais sucesso no ambiente.  Para minimizar esses efeitos negativos estão sendo usadas muitas estratégias pedagógicas.

 

 

Thaís Oliveira é professora do ensino fundamental na rede municipal de Guarulhos, em São Paulo. Em sua rotina de ensino entram jogos, atividades e pesquisas online mas ainda faltam recursos para que as tecnologias possam entrar com funcionalidade na classe. Mesmo assim, dentro de sala, as atividades manuais e escritas ainda são um dos pilares. A professora afirma que a falta da prática da escrita fora do ambiente escolar, fruto da facilidade ao acesso da tecnologia, é um dos pontos de perda desse novo mundo. O analfabetismo digital dos pais é um dos pontos de atenção para Thaís, que também se inclui em um grupo que tem dificuldade de acompanhar os avanços tecnológicos, mas que precisou correr atrás de se atualizar durante a pandemia de Covid-19.

 

A legislação mais recente sobre o tema, a Lei Federal 14.533 de janeiro de 2023, institui a Política Nacional de Educação Digital (PNED), prevendo o desenvovlimento da inclusão digital dentro da sala de aula, com investimento em infraestrutura e capacitação de educadores. O principal objetivo é deixar os alunos, de quaisquer níveis, a par dos avanços tecnológicos e familiarizados com as ferramentas digitais atuais. Já o desafio, é encontrar o equilíbrio entre os benefícios e os malefícios da exposição às telas, que ainda não estão completamente elucidados. 

 

Whatsapp, Instagram e TikTok. Esses são, em ordem, os sites mais utilizados por crianças e adolescentes na faixa dos nove aos 17 anos, de acordo com o CGI (Comitê Gestor da Internet). Em meros três minutos – o tempo máximo de vídeo permitido em todas as redes mencionadas – crianças pesquisam conteúdos como ajuda emocional e sexual, dietas e dicas para entrar em forma e tratamento de doenças. O mundo do curto prazo chegou aos pequenos, e com ele, a metamorfose da pedagogia teve que andar.

 

 

 

A pandemia de coronavírus, que durou de 2020 a 2023, forçou uma inclusão desorganizada de tecnologia nas salas de aula, visando minimizar o impacto que as medidas de distanciamento social causaram nos jovens em idade escolar. Segundo o relatório "O abismo digital no Brasil" da PwC, de 2022, 33,9 milhões de brasileiros não têm qualquer tipo de acesso à Internet, ao passo que 81% da população com 10 anos ou mais são usuários da rede mundial de computadores. Esse recorte etário se reflete na sala de aula de Maria de Lourdes Freitas, professora de ensino infantil na rede municipal de São Paulo, capital. Apesar de haver tablets para inclusão digital dos pequenos, a professora esclarece que a função do ensino infantil é o desenvolvimento de habilidades motoras e sociais.

 

 

Apesar disso, é comum em locais públicos como restaurantes ou shoppings observar crianças pequenas vidradas em telas. A estratégia é utilizada por pais que buscam "aquietar" os filhos, muitas vezes sem se preocuparem com os efeitos a longo prazo da exposição contínua a recursos tecnológicos de consumo passivo.

 

 

Fugindo da dicotomia de malefícios e benefícios, Thaís observa que o lugar da tecnologia na educação é, hoje em dia, sobre entender a possibilidade de acesso e como as ferramentas digitais podem se tornar aliadas no processo pedagógico.

 

 

A falta de acesso às tecnologias assistivas ainda atinge 90% da população com deficiência visual. 
por
Manuela Dias
Luísa Ayres
|
18/09/2023 - 12h

Por Manuela Dias (audiovisual) e Luísa Ayres (texto)

Tecnologia é o nome dado a aparelhos, sistemas e métodos criados para facilitar tarefas do cotidiano humano. Desde a pré-história, diversas delas foram desenvolvidas.  

Do machado à espaçonave, o mundo foi se reinventando e tentando contemplar cada vez mais as necessidades evolutivas e modernas da sociedade. Mas será que as ferramentas criadas até aqui foram pensadas para todos?  

Tecnologia e falsa acessibilidade 

Apesar da evolução tecnológica presenciada nos últimos séculos, que já nos proporciona trabalhar com conceitos como nanotecnologia e inteligência artificial, nem toda a população global tem tido acesso aos meios mais simples de todos esses recursos.  

Segundo dados da Oxfam (Comitê de Oxford para o Alívio da Fome), o desenvolvimento tecnológico ainda exclui metade da população mundial. Quando recortes como raça e gênero são feitos em meio a essas estatísticas, os dados são ainda mais alarmantes. Cerca de 90% das mulheres habitantes dos países mais pobres não têm acesso à internet, conforme indica a ONU (Organização das Nações Unidas). Além disso, de acordo com a pesquisa feita pela TIC Domicílios, 65% da população negra possui acesso à internet apenas através do celular.  

A disparidade vista através desses dados e da chamada “exclusão digital”, dificultam a democratização da tecnologia e de diversos outros meios importantes ao funcionamento do mundo contemporâneo. Infelizmente, pensar em uma realidade acessível tecnologicamente a todos ainda parece utópico.  A educação de milhares de crianças, sobretudo durante a última pandemia, bem como o acesso da população carente aos tratamentos e vacinas, exemplificou diversas facetas de um mesmo problema: a desigualdade social e a falta de acesso à recursos hoje, já vistos como básicos.   

Em um mundo onde ter acesso aos meios e ferramentas significa ter o poder em suas mãos, a concentração de renda e posse desta tecnologia é pensada como forma de controle e autoridade perante àqueles que delas não podem usufruir. A inclusão social sempre estará distante enquanto espaços e direitos forem negados, seja através do preconceito e discriminação ou exclusão econômica e tecnológica. 

PCD’s  

Nessa mesma perspectiva, outro recorte social se faz necessário para o desenvolvimento da crítica ao ilusório conceito de integração e proximidade tecnológica que tanto se fala, principalmente com o advento das redes sociais e com o barateamento de aparelhos. É preciso pensar o lugar que pessoas com deficiência ocupam na sociedade moderna, que apesar de tantos recursos, ainda oferece meios de assistência e apoio limitados a esta parcela da população. 

Não é incomum ver estabelecimentos sem sinalizações em braile ou mesmo sem acessibilidade através de rampas ou elevadores. Estas são demonstrações mais evidentes dos desafios cotidianos enfrentados por pessoas com deficiências visuais severas. Porém, o problema da integração social desses indivíduos vai muito além destes aparelhos e métodos de alcançabilidade mais típicos.  

Em uma pesquisa apresentada no último seminário organizado pela Fiocruz, estimou-se que cerca de 16% da população mundial apresente algum tipo de deficiência. É importante lembrar que existem diversos tipos e graus de deficiência, variando entre visual, auditiva, intelectual, psicossocial e até mesmo múltipla.  

Bengalas, linguagem de sinais, cadeiras de roda e tantos outros aparelhos mais popularizados facilitam a vida cotidiana de muitas das pessoas com algum tipo de deficiência. Ainda assim, pensar em instrumentos tão simples e que dificilmente possuem adaptações específicas a cada indivíduo e suas necessidades, é desconsiderar a complexidade e pluralidade de corpos que compõem esses dados.  

Deficiência visual 

Segundo a Pan American Health Organization, aproximadamente 1.3 bilhão de pessoas vivem com alguma forma de deficiência visual, também variada em graus de complexidade.  

Com isso, os principais órgãos de saúde ao redor do mundo, incluindo a Anvisa, classificam os graus de deficiência visual e cegueira baseados na tabela de Snellen, do seguinte modo:  

Nem todo mundo me vê

Legenda: A perdão de visão varia entre “leve” à “cegueira total”, conforme aponta a tabela. Reprodução: Luísa Ayres. 
 

Tecnologia assistiva

Desde o ano de 1988, nos Estados Unidos, o termo “tecnologia assistiva” é utilizado dentro da sociedade comum, política e jurídica. No Brasil, também pode ser visto como “Ajudas Técnicas” ou “Tecnologia de Apoio”.  De qualquer forma que seja grafado, o termo remete ao uso de tecnologias que visam apoiar e integrar socialmente quaisquer pessoas com algum tipo de deficiência.   No caso dos deficientes visuais, os personagens principais deste texto, pode-se falar em aparatos mais difundidos, como as bengalas e escritas em braile, até aparelhos extremamente caros e de difícil acesso.  

Em geral, existem cerca de 12 categorias de tecnologias assistivas, listadas a seguir:  

  • Auxílio para a vida diária: ferramentas mais básicas ligadas ao uso cotidiano mais básico e primeiras necessidades, como alimentação, tomar banho, se vestir, etc; 
  • Comunicação aumentativa e alternativa: permitem que pessoas mudas ou com limitações de fala possam se comunicar, como através das pranchas de comunicação ou vocalizadores; 
  • Recursos de acessibilidade ao computador: equipamentos eletrônicos como teclados especiais, softwares de leitores de tela, reconhecimento por voz e ditados que transformam falas em textos escritos; 
  • Sistemas de controle de ambiente: desenvolvidos para quem tem mobilidade reduzida, como aparelhos inteligentes que ligam e desligam luzes ou abrem portas, por exemplo; 
  • Projetos arquitetônicos acessíveis: são projetos pensados para pessoas com deficiência que necessitam de adaptações para que possam frequentar e usufruir dos espaços. É o caso das rampas, dos apoios ao lado de vasos sanitários em banheiros, etc; 
  • Órteses e próteses: trata-se de ferramentas ortopédicas que podem ajustar ou substituir partes do corpo; 
  • Adequação postural: produtos que promovem conforto e maior estabilidade no dia a dia, como encostos anatômicos para cadeiras de roda e posicionadores veiculares; 
  • Auxílios de mobilidade: O mais conhecido neste grupo é a cadeira de rodas. No entanto, os auxílios de mobilidade dizem respeito a qualquer veículo de auxílio, como andadores e scooters
  • Auxílio para pessoas cegas ou com deficiência visual: lupas, braille, leitores de tela ou até mesmo animais de estimação devidamente treinados como guias; 
  • Auxílios para pessoas surdas ou com deficiência auditiva: tradutores para línguas de sinais, telefones com teclado, sistemas de alerta visuais etc; 
  • Adaptações em veículos: rampas para cadeira de rodas, arranjos de pedais e demais utensílios que facilitem a direção de pessoas com deficiência; 
  • Esporte e Lazer: Para quem já assistiu as Paraolimpíadas ou aos jogos de GoalBall, sabe que diversos aparatos esportivos já estão sendo adaptados a pessoas com deficiência. As bolas que emitem sons, destinadas a pessoas com deficiência visual, as toucas com vibração, feitas para os nadadores saberem quando estão se aproximando das bordas das piscinas e até mesmo novas cadeiras de roda adaptadas e fabricadas pela BMW, são exemplos de que o esporte pode sim ser praticado por todos.  

No entanto, nem todas essas tecnologias e aparatos estão disponíveis para que todos ter uma melhor qualidade de vida.  

Segundo a Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) mais de um bilhão de pessoas necessitam atualmente de meios assistivos. Apesar do aumento de produtos e da alavancagem do setor de bens e tecnologia na economia mundial, os preços ainda são demasiadamente elevados. China, Estados Unidos, Alemanha, Japão e Coreia do Sul se destacam como pesquisadores e produtores. Tudo isso contribui para que somente uma em cada dez pessoas no mundo tenha acesso aos produtos assistivos de que precisa. Assim, 90% da população com deficiência visual continua a viver sem os recursos cabíveis às suas condições e necessidades. 

Esse é o caso da Fernanda, estudante de direito e integrante há três anos da Associação dos Deficientes Visuais de Sete Lagoas - ADVISETE, fundada dia 01/10/1984, que tem por objetivo o desenvolvimento de ações de apoio, proteção, informação, orientação e encaminhamentos aos usuários e seus familiares através do Serviço da Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência Visual de Média Complexidade. Fernanda também tem deficiência visual, o que nunca a impediu de lutar por seu espaço no sistema educacional e na sociedade. 

Ela diz que chegou na Advisete por acaso. Enquanto procurava por um serviço foi atendida pela Tati, assistente Social da Advisete. Foi assim que começou a participar de todas as oficinas, principalmente as de Braille. Hoje, além de integrar a equipe de colaboradores da Advisete, ela tem aproveitado o seu tempo livre para aprender coisas novas que possam ajudar em seu dia a dia - como usar a bengala corretamente e aprofundar a leitura do Braille.

Na Advisete existem oficinas de artesanato, informática, Braille e música, de forma gratuita. O objetivo é a autonomia da pessoa com deficiência, garante a assistente social da entidade.

Tecnologias assistivas para pessoas com deficiência visual

Legenda: Na Advisete, os alunos com deficiência visual têm a oportunidade de utilizar os teclados em Braille disponíveis na oficina de informática . Reprodução: Internet. 

É direito 

Segundo a Câmara dos Deputados “o projeto de Lei 708/23 obriga órgãos públicos a garantir condições de acessibilidade a todos os cidadãos, oferecendo a pessoas com deficiência recursos de tecnologia assistiva ou profissionais com habilitação em Libras e Braile”. Essa proposta, criada pelo deputado Márcio Honaiser (PDT-MA), viria a modificar o Estatuto da Pessoa com Deficiência e já está sendo analisada. 

É fundamental lembrar, contudo, que o decreto Nº 10.645, de 11 de março de 2021 já propõe o debate acerca do Plano Nacional de Tecnologia Assistiva. Ele visa, através do apoio à produção, regulamentação e promoção de acesso aos bens assistivos, inclusive através do Sistema Único de Saúde (SUS), a “eliminação, redução ou superação de barreiras à inclusão social”, bem como a “promoção da inserção da tecnologia assistiva no campo do trabalho, da educação, do cuidado e da proteção social”. 

Apesar do Decreto atrelar tais responsabilidades aos Ministérios da Educação; Cidadania; Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovações e ao antigo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o dever de implementação de tais tecnologias no dia a dia das pessoas com deficiência deve ser considerado em todos os demais setores da sociedade como direito básico delas.  

Teclado adaptado

Em um mundo cada vez mais digital, a acessibilidade se tornou uma pauta crucial na busca por inclusão, tendo a tecnologia como a sua maior aliada. Entre as diversas soluções inovadoras que têm surgido para melhorar a qualidade de vida de pessoas com deficiência visual, o "Teclado Adaptado" ganha destaque como uma ferramenta revolucionária para a alfabetização. 

Desenvolvido pelo engenheiro eletrônico Maicon Gonzaga, o Teclado Adaptado é um exemplo notável das tecnologias assistivas que estão transformando a maneira como os deficientes visuais interagem com o mundo digital. Segundo Gonzaga, a criação visa reduzir a curva de aprendizado de estudantes que enfrentam desafios de acessibilidade. Ele explica que o teclado que ele desenvolveu é específico para a alfabetização. Ele facilita e diminui a curva de aprendizado do estudante,.

Além do custo acessível que fica por volta dos sessenta reais, o Teclado para alfabetização em Braille possui um botão rotativo que permite ao usuário navegar pelo texto palavra por palavra ou caracter por caracter.  Assim, enquanto digita, o usuário consegue navegar e ouvir o texto. Ou seja, ele vai digitando e ouvindo as palavras simultaneamente.

Projetado para ser altamente intuitivo e de fácil uso, o Teclado Adaptado em Braille não é apenas para estudantes em processo de alfabetização, mas sim para pessoas de todas as idades.  

 

Tecnologias assistivas para pessoas com deficiência visual

Legenda: O teclado adaptado de Maicon, pertencente à marca Programatônica, leva dois dias para ser produzido. Reprodução: Maicon Gonzaga da Silva

Tecnologia X custos  

Enquanto as tecnologias assistivas têm desempenhado um papel vital na promoção da inclusão de pessoas com deficiência visual, um problema preocupante está surgindo como um obstáculo significativo: o custo. Embora esses dispositivos sejam projetados para facilitar a vida daqueles que dependem deles, seus preços muitas vezes inacessíveis estão criando barreiras financeiras que prejudicam a viabilização do produto e a inclusão dessas pessoas na sociedade. 

O engenheiro eletrônico Maicon Gonzaga, criador do Teclado Adaptado, têm se dedicado continuamente para a produção do seu eficiente dispositivo educativo, no entanto, devido à falta de apoio público e até mesmo particular, tem passado dificuldades para continuar com o projeto e compartilha sua preocupação. A ideia foi criar um kit completo para tornar independente a vida de alguém fisicamente desafiado pela cegueira dentro das escolas e universidades do Brasil, mas por conta da falta de verbas, esse serviço ficou praticamente inviável.

Na maioria das vezes, a aquisição de um teclado adaptado requer um investimento significativo, o que torna esses dispositivos fora do alcance de muitos. Isso, por sua vez, limita o acesso a oportunidades educacionais e profissionais, além de restringir a capacidade das pessoas com deficiência visual de participar plenamente da sociedade digital. 

A acessibilidade não deve ser um luxo, mas sim um direito de todos. A redução dos custos dos teclados adaptados para deficientes visuais é um passo crucial para garantir que a inclusão digital seja uma realidade para todos, independentemente de suas condições físicas ou financeiras. 

Legenda: Maicon explica melhor as funcionalidades e conceitos por trás do teclado assistivo. Reprodução: Maicon Gonzaga da Silva 

 
 

Como a tentativa do material 100% online nas escolas públicas escancarou a desigualdade digital
por
Fernanda Querne e Amanda Tescari
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03/10/2023 - 12h

Por Fernanda Querne (texto) e Amanda Tescari (audiovisual)


No final da Pré-História, na Idade dos Metais, ela já existia. Passou longe do Paleolítico e Neolítico. Era arte nas paredes. Emanava das necessidades e desejos daqueles que a pintavam. Essas são as pinturas rupestres. Assim, a escrita nasceu. Tanto para fins comerciais quanto  artísticos. E ela sempre evolui. Desenhos em rochas; manuscritos bíblicos, impressos de Gütenberg e, agora, em legendas do Instagram no smartphone

Desde então a civilização foi inundada por livros - a cada página que se passa, há edificação nos aprendizados de todos. Idosos, adultos, adolescentes e até crianças, ao serem alfabetizados, desfrutam da leitura. Entretanto, na nossa realidade Pós-Moderna, o Kindle ocupa o lugar do papel para a geração Tik-Tok. O digital não sairá da sociedade. Na verdade, a sociedade não sairá do digital por questão de sobrevivência. E, nesse sentido, a realidade vai sendo remodelada, criando novas dinâmicas de trabalho, de lazer e na educação.

A maior metrópole da América Latina não ficaria de fora de tais mudanças e aparentes avanços tecnológicos. No âmbito das políticas públicas relacionadas à educação, o que se teve foi a tentativa da implementação do material 100% digital na rede estadual de São Paulo. Por governança ou desgovernança de Tarcísio, o objetivo declarado era que esses equipamentos escolares “se adequassem ao currículo do Estado, mantendo a coerência pedagógica” - segundo a Secretaria de Educação de Estado. 

A proposta de inclusão do material digital veio, contudo, de uma ruptura com o Programa Nacional de Livros Didáticos, programa do Ministério da Educação junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Até então, foi este programa federal que se ocupou de levar o material didático de maneira adequada para cada nível educacional, desde a educação infantil até o ensino médio. 

Compreendida a importância de um material didático de qualidade para um bom desempenho escolar, a escolha desses livros passa por um processo minucioso até que seja efetivada. Nesse sentido, evidente que qualquer alteração na definição desses materiais deve seguir as mesmas cautelas, mas não foi a escolha do governador.

Segundo o governo estadual, a opção pela não adesão ao PNLD deu lugar à confecção de um material didático próprio, alinhado ao currículo do Estado. Diante disso, muitas questões foram levantadas por educadores, parlamentares e diversos setores da sociedade. Fica a dúvida sobre benefício do material 100% digital na rede pública estadual e a eficácia de se garantir a emancipação dos estudantes. Além disso, questionar o planejamento para os alunos que utilizarão esse material. São indagações sobre alguns dos pontos de dúvida dentro da nebulosidade de tal política. 

   

                                                               
                                                                                  Foto: Alexandre Lombardi/ Secom Sorocaba 

 

Em conversa no gabinete da vereadora Luana Alves (PSOL), que trabalhava depois das 19h00min, após uma entrevista ao Fantástico sobre a fala racista do então Camilo Cristófaro na Comissão Parlamentar de Inquérito dos aplicativos. Quando ouviu o nome de Tarcísio e o seu “plano infalível educacional”, os seus gestos mudaram. Antes, ouvia atentamente a pergunta. Depois, sua cabeça mexia para lá e para cá em sinal de reprovação ao projeto enquanto repetia sobre a falta de sentido do projeto.

E não pense que Alves compartilha dessa opinião por causa apenas do seu partido. Ela mencionou até que os aliados de Tarcísio desaprovaram o projeto aqui na Câmara Municipal. Há 28,2 milhões de pessoas acima de 10 anos sem acesso à Internet, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. É incongruente aderir ao material online sem um estudo prévio da educação e acesso digital. Até a Suíça com os seus recursos disponíveis desistiu da didática proposta sem livros físicos. 

Entre os educadores, a opinião permanece. A infraestrutura da escola está com superlotação das salas de aula; excluindo estudantes que são Pessoas Com Deficiências (PCDs) sem apoio e falta de comunicação entre educadores e Secretaria de Educação - explicou a professora da rede municipal, Fernanda Guimarães. Destacou também o desinteresse governamental na estrutura colegial: pensa que há pouco ou zero interesse em realmente implantar algo que funcione, se conhecessem a realidade escolar, perceberiam que o problema não está nos livros físicos, que aliás, são muito mais funcionais do que os digitais. - enfatizou Guimarães.

A funcionalidade do material online de Tarcísio não está desempenhando como o esperado. Com erros gravíssimos didáticos. Mencionaram que o D. Pedro II foi quem assinou a Lei Áurea e citaram que o Jânio Quadros foi o prefeito de São Paulo. Após pressão da mídia, a Secretaria de Educação só afastou os servidores responsáveis pela polêmica. Alves e Guimarães compartilham do sentimento de insuficiência governamental ao solucionarem o problema. A vereadora logo disse que Renato Feder, secretário de Educação do Estado de São Paulo, deveria sair do cargo e tentar ganhar dinheiro em outro lugar.

O Renato Feder é sócio da offshore Dragon Gem LLC, detentora de 28,16% das ações da Multilaser - empresa de capital aberto brasileira no segmento de eletrônicos e informática. Feder se envolve muito nesse mundo tecnológico, já que o secretário de Educação levou em frente a narrativa do material 100% digital sem hesitação. Expôs, rapidamente, que não seguiria o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Assim, o governo logo providenciou os livros serão comprados da empresa Bookwire Brazil Distribuição de Livros Digitais LTD.   

O tema da educação é basilar para a formação de uma sociedade mais crítica e capaz de superar suas contradições. Garantido formalmente na Constituição Federal, esse direito fundamental precisa se traduzir a partir de políticas públicas de qualidade e que realmente busquem efetivar e materializar esse direito na vida de todos os cidadãos. 

Nesse sentido, mais do que a letra da lei garantindo o acesso à Educação, cabe à Administração Pública encarar a conjuntura na qual está inserida e a realidade do acesso à tecnologia e do letramento digital antes de uma proposta drástica de mudança. 

Diante do cenário nacional, a vereadora Luana Alves crê que não há alguma perspectiva dessa desigualdade digital na educação ser uma pauta de relevância para o governo federal - infelizmente. A movimentação percebida por ela é em relação ao combate às fake news, pois já virou uma reivindicação ideológica do Partido dos Trabalhadores (PT). Contudo, não percebe nenhuma pauta que tenha como objeto uma preocupação com o letramento digital dessa nova geração.

A vereadora refletiu sobre como uma educação de fato mais digital, tem que ter uma ideia e uma política de conseguir de fato uma espécie de letramento digital.  Principalmente, com os adolescentes brasileiros. Alves explicou sobre a importância de ensinar a nova geração a diferença entre: anúncio, propaganda, reportagem e até mesmo fake news - o que há muito nesse mundo Pós-Moderno, para não permitir a desvinculação  com a realidade.

 

Evento que aconteceu entre 5 e 12 de setembro foi marcado por protestos e grandes lançamentos
por
Vitor Nhoatto
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13/09/2023 - 12h

Com cerca de 500 mil espectadores durante 8 dias de evento, o IAA Mobility Show  – em sua segunda edição em Munique, na Alemanha – não decepcionou, mas acendeu, mais uma vez, um alerta para a indústria automotiva europeia, em declínio. Marcas tradicionais como Peugeot, Toyota e Volvo se ausentaram, enquanto as chinesas ganharam grande relevância em terras germânicas.

Abrangendo todas as esferas da mobilidade urbana, o Salão de Munique contou com expositores de bicicletas, motocicletas, softwares, baterias e de veículos. A feira teve como foco um futuro mais sustentável, seguro e digital, com destaque às iniciativas de reciclagem, uso de materiais veganos e ecológicos, aplicação da inteligência artificial na indústria automobilística e a sua descarbonização.

 

Greenwashing

Duas pessoas segurando cartazes com escritos em Alemão, dentro de um lago com três carros parcialmente submersos, ao fundo o centro de exposições do Salão de Munique 2023 com uma fila de bandeiras de vários países ate a entrada, a qual conta com uma placa divulgando o evento escrita em inglês.
Protesto da ONG Greenpeace contra a indústria automobilística em frente ao local do IAA 2023
Foto: Greenpeace/Divulgação

Apesar da roupagem “verde” que o evento busca transmitir desde 2021, não sendo mais apenas um salão de automóvel tradicional, mas sim um local de apresentação e debate de novas tecnologias e ideias para um futuro amigo do meio ambiente, protestos ocorreram. 

A ONG Greenpeace realizou um protesto no dia anterior à abertura do evento, dedicado à imprensa, no lago que fica em frente ao centro de exposições. O ato contou com dois ativistas segurando cartazes em meio a três carros submersos, em alusão às mudanças climáticas. A mensagem em inglês era “Encolha agora ou afunde mais tarde”, uma crítica ao modelo de negócios da indústria automobilística que visa vender cada vez mais carros de forma direta, ao invés de aderir a iniciativas de mobilidade sustentável, que o próprio evento prega.

Além disso, no mesmo dia, mas desta vez na ponte Georg-Brauchle-Ring, próxima à sede da BMW, um grupo de ativistas do movimento “Extinction Rebellion” protestou com cartazes e bandeiras. O grupo pedia por uma indústria com menor emissão de poluentes, e por menos carros, que estão cada vez maiores, mais pesados e menos eficientes.

Mobilizações dessa natureza já haviam ocorrido na edição de 2021 do evento, e de maneira geral se intensificaram nos últimos meses pela Europa. Isso se deu principalmente pela desistência da União Europeia em banir os motores a combustão do continente até 2035, em um pedido do governo alemão que é contra a medida, e a favor do uso de combustíveis sintéticos.

 

Futuro de luxo Alemão

Carro conceito da BMW na cor branca sob uma plataforma cinza escura, em um ambiente moderno com uma planta ao lado direito, uma cortina cinza ao fundo
Conceito Neue Klasse no Salão de Munique, modelo conta com inspiração de modelos do passado
Foto: Caradisiac/Reprodução

Sendo um dos grandes lançamentos do IAA 2023, o conceito Neue Klasse promete iniciar uma nova era para a BMW. Segundo Oliver Zipse, presidente do conselho de administração da marca, “O BMW Vision Neue Klasse combina nossa capacidade de inovar nas principais áreas de eletrificação, digitalização e circularidade”.

Prometendo autonomia 30% maior, e uma eficiência energética 25% melhor que os atuais elétricos da marca, o conceito apresenta uma nova plataforma modular que originará seis modelos a partir de 2025. Em relação ao design, que inicia uma nova identidade visual, a empresa diz que 90% do que foi visto estará presente na sua versão de produção. O interior, livre de couro e cromados, em sintonia com a proposta de sustentabilidade, apresenta o novo conceito minimalista Panoramic Vision. A marca bávara ainda garante redução da pegada de carbono do modelo e a alta reciclabilidade do veículo, apesar de não especificar porcentagens.

Carro conceito da Mercedes na cor vermelha, estático de frente, em um fundo amarelo com uma passagem para uma sala branca
Concept CLA no estande da Mercedes, sedã prevê o caminho que a marca seguirá
Foto: NetCarShow/Reprodução

Outra grande estrela alemã foi o Concept CLA, construído sobre a nova plataforma MMA, que prevê a próxima geração de veículos de entrada da Mercedes. A nova arquitetura promete 750 km de autonomia, tração 4x4, e quatro novos modelos a partir de 2025. Seu interior conta com o novo software MB OS, e é dominado por uma tela touch ao longo de todo o painel, apesar de não abandonar os controles físicos. A empresa frisa o uso de materiais sustentáveis, no entanto abusa do couro e de cromados. Além disso, a companhia alega redução de 40% na pegada de carbono do veículo, comparado ao atual CLA, mas não falou sobre índices de reciclagem.

Durante a apresentação, Ola Kaellenius, presidente da Mercedes, ainda comentou sobre a sua visão de eletrificação, “Os custos variáveis de um carro elétrico são mais altos e continuarão sendo em um futuro próximo. Os que pesam sobre a produção dos elétricos incluem matérias-primas para baterias, desenvolvimento de software e preços da eletricidade”. Ele também destacou que a empresa focará na rentabilidade.

Sem nenhum grande lançamento, a Audi se limitou ao reestilizado Q8, e a um protótipo do aguardado Q6 e-tron. O novo SUV que por atrasos no desenvolvimento de seu software, viu seu lançamento ser adiado e teve apenas o seu interior mostrado.

 

Lançamentos de produção

Renault Scenic E-Tech na cor branca com o teto preto, de lateral parado em uma faixa de pedestre, com prédios ao fundo
Novo Renault Scenic E-Tech, crossover elétrico terá primeiras unidades entregues no inicio de 2024 Foto: Renault/Divulgação

Única representante francesa da mostra, a Renault fez a estreia mundial do novo Scénic E-Tech. O modelo baseado na mesma plataforma do Mégane E-Tech, – o qual será lançado no Brasil ainda esse ano – se apresenta na forma de um crossover elétrico, com cerca de 600 km de autonomia e recarga de 10% a 80% em apenas 30 minutos em um carregador super rápido.

O seu interior é 100% vegano e na versão Espirit Alpine, feito todo de tecido reciclado. Em consonância aos objetivos de sustentabilidade do programa Renaulution, a marca ainda destaca que 90% de todo o carro é reciclável, incluindo a sua bateria, fornecida pela LG, comprovando a possibilidade de uma cadeia de produção e uso de carros elétricos, ser circular e sustentável.

Novo Mini Cooper elétrico de lado na cor azul e teto branco a frente, e novo Mini Countryman ao fundo na cor cinza com teto dourado, ambos em um cenário totalmente branco
Novo Mini Cooper elétrico, e novo Mini Countryman, apresentado em sua versão elétrica - Foto: NetCarShow/Reprodução

Os modelos da MINI também foram destaque, com o salão sendo o palco dos novos Cooper e Countryman, ambos totalmente elétricos. O primeiro estreia uma nova plataforma dedicada aos elétricos desenvolvida em parceria com a GWM – marca que recentemente lançou na Europa e no Brasil o Ora 03. Na versão elétrica, ele estará disponível somente na versão de duas portas, enquanto a antiga geração continuará sendo comercializada com motores a gasolina, com duas ou quatro portas.

Já o novo Countryman, que compartilha a plataforma com o BMW X1, cresceu 13 centímetros no comprimento, se tornando o maior MINI de sempre. Tal como o hatch, o SUV apresenta a nova identidade da marca, minimalista. O interior é livre de produtos de origem animal, e conta com um novo sistema de infotenimento no topo do painel, feito de material reciclado. Foi apresentado na sua versão elétrica, mas variantes a gasolina e híbrida serão apresentadas posteriormente.

Por fim, o segundo modelo da nova era da smart, agora 50% da Mercedes e 50% da Geely, foi apresentado. O #3 é a versão esportiva do SUV #1, e segundo Dirk Adelman, CEO da smart Europe, o modelo é uma importante adição à linha de produtos da marca, “Estamos empolgados com o impacto que nosso primeiro SUV coupé terá no mercado europeu”.

 

Concorrência Chinesa

BYD Seal U a frente na cor azul de perfil e sedã Seal na mesma cor azul ao fundo, ambos no estande da marca no centro de exposições com um painel atrás escrito em inglês para diminuir a temperatura da Terra em um grau.
Estande da BYD no Salão de Munique com o SUV Seal U e o sedã Seal, elétricos foram lançados no evento - Foto: BYD Europe/Divulgação

Representando 40% de todos os expositores do IAA Mobility 2023, as marcas chinesas não param de crescer em número de vendas na Europa, preocupando as montadoras tradicionais. Tal soberania do país no cenário dos elétricos se deve a vários fatores, sendo o principal deles, a hegemonia na produção e propriedade dos minérios necessários às baterias. 

O principal alvo das marcas no evento foi a Tesla, então líder de vendas de elétricos no velho continente. A BYD, por exemplo, lançou o sedã Seal e o SUV Seal U, concorrentes diretos do Model 3 e Model Y, respectivamente. Ambos contam com cerca de 500 km de autonomia, muita tecnologia embarcada, e requinte digno de marcas premium.

SUV Xpeng G9 de frente na cor azul com um totem ao lado direito a frente, e sedã P7 de frente na cor verde clara com um totem ao lado, ambos ao ar livre com um monumento clássico ao fundo, e um painel escrito em inglês Olá Alemanha.
Estande da Xpeng no Open Space do IAA 2023 com o SUV G9 e o sedã P7 - Foto: Razão Automóvel/Reprodução

Além da Build Your Dreams, que também vem movimentando o mercado brasileiro, a Xpeng apresentou as suas respostas à marca de Elon Musk, o sedã P7 e o SUV G9 – que prometem tecnologia de ponta. "A Xpeng está entrando em um dos mercados mais competitivos do mundo, com clientes que esperam os mais elevados padrões. Pretendemos introduzir um novo patamar de sofisticação, com uma tecnologia impressionante capaz de definir uma nova era de mobilidade inteligente", disse Brian Gu, presidente da marca. 

Com grandes pretensões, a marca sino-americana SERES também esteve presente com os modelos elétricos 3, 5 e 7, SUVs do segmento C, D e E respectivamente. Os dois primeiros vendidos no Brasil. Outra marca que chamou a atenção foi a Avatr, propriedade da Changan, Huawei e CATL. A startup chinesa apresentou o elegante fastback 12. 

 

Resposta Norte-americana

Carro esportivo Ronin da marca Fisker a frente na cor prata, crossover PEAR logo atrás na cor azul, picape Alaskan ao fundo na cor laranja, e SUV Ocean do outro lado ao fundo na cor azul escuro, modelos estão em um estande prata com um telão ao fundo escrito Fisher
Estande da Fisker com os modelos Ronin a frente, PEAR em seguida, e Alaskan e Ocean ao fundo - Foto: Fisker/Divulgação

A californiana Fisker esteve presente e se destacou ao realizar no IAA 2023 a apresentação europeia dos seus três novos veículos elétricos, com previsões de entrega para 2025. Henrik Fisker, fundador da marca, afirmou que "Através de nossa combinação exclusiva de design, inovação e sustentabilidade, a Fisker está comprometida em trazer experiências únicas e emocionantes para os motoristas europeus que transcendem as categorias tradicionais de veículos”.

Com desempenho digno de superesportivo, o GT conversível de duas portas, Ronin foi o primeiro apresentado. Em seguida, com um design não convencional e com 35% menos peças do que um EV atual, para baixar os seus custos, o crossover PEAR fez sua estreia. Com 4,5m promete entregar versatilidade, autonomia e segurança por um preço acessível. Por fim, a picape Alaskan foi apresentada, ao lado do já lançado Ocean. De acordo com a empresa, será a mais leve e sustentável da categoria.

E face à ascensão das marcas chinesas no mercado europeu, em um pequeno estande, mas muito movimentado, a Tesla, que quase não participa de eventos desse tipo, marcou presença ao apresentar a versão atualizada do seu best-seller, o Model 3. O facelift conta com uma frente redesenhada, novas lanternas traseiras e melhorias no interior e equipamentos.

 

Legado e originalidade

Novo roadster MG Cyberster de lado na cor vermelha com a capota abaixada e os faróis acessos, em um fundo totalmente branco
Novo roadster elétrico Cyberster representa a volta às origens da marca - Foto: MG Media Centre/Divulgação

A inglesa MG, controlada pela chinesa SAIC desde 2008, realizou no evento a estreia europeia do novo Cyberster, primeiro esportivo da marca em décadas. O roadster, na versão com dois motores e tração integral, conta com 544 cavalos e aceleração de 0 a 100 em 3.2 segundos e remonta às origens da marca fundada em 1924, conhecida por seus modelos conversíveis e divertidos.

Carro conceito Volkswagen ID.GTI na cor branca do lado esquerdo de lado, Oliver Blume, CEO do Grupo Volkswagen, vestindo um terno cinza claro de mãos cruzadas ao meio, e carro conceito Cupra DarkRebel na cor cinza escuro ao lado direito de lado, ambos em um estande cinza com um grande tela ao fundo escrito em inglês o lema da coletiva de imprensa do grupo, Sucesso pelo Design
Volkswagen ID.GTI e Cupra DarkRebel juntos a Oliver Blume no estande do Grupo Volkswagen - Foto: Volkswagen-Group/Divulgação

Em uma coletiva de imprensa guiada pelo lema "Sucesso pelo Design", o Grupo Volkswagen apresentou vários modelos que refletem o seu slogan. A Porsche por exemplo, levou o conceito Mission X, sucessor dos icônicos 959, Carrera GT e 918 Spyder. O supercarro elétrico prevê o modelo de produção que será lançado nos próximos anos.

Mas a grande estrela do estande foi o Volkswagen ID.GTI. A versão esportiva do conceito ID.2all, tem produção confirmada para 2026 e promete emocionar. Segundo Thomas Schäfer, CEO da marca. “O GTI permanece esportivo, icônico, tecnologicamente progressivo e acessível, mas agora tem uma nova interpretação para o mundo de amanhã: elétrico, totalmente conectado e extremamente emotivo. Aqui, o prazer de dirigir e a sustentabilidade são uma combinação perfeita”.

O hot hatch é inspirado na primeira geração do Golf GTI, apresentada há 48 anos, e foi o maior exemplo da coletiva. De acordo com Oliver Blume, CEO do grupo, o legado histórico estilístico das marcas do conglomerado será a principal chave para conquistar a preferência do público, “é algo que não pode ser adquirido nem comprado”. Já a recém-emancipada Cupra, focará em originalidade e ousadia para cativar os compradores, como expresso pelo conceito DarkRebel. Fato é que diante de tantas concorrentes chinesas com produtos de qualidade invadindo o mercado, a indústria automotiva tradicional busca se reerguer, e tenta retomar as rédeas dessa nova era que já bate à porta, a qual já tem dono.