Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Muitas tecnologias auxiliam o trabalho de peritos criminais
por
Rodrigo Vaz Guimarães Mendonça
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09/09/2021 - 12h

Por Rodrigo Mendonça

      Entre as várias divisões das polícias no Brasil uma delas é a Polícia Técnico-Científica, mais conhecida somente como Polícia Científica, que por lei é subordinada aos governos estaduais, ou seja, trabalhadores dessa área são por definição legal, servidores públicos. O trabalho dos policiais dessa área implica no conhecimento de áreas da ciência e tem como uma de suas obrigações encontrar ou proporcionar as chamadas prova técnicas ou provas periciais. Em 17 de setembro de 2009, durante o governo do então presidente Luiz Inacio Lula da Silva e do ministro da casa civil Tarso Genro, foi sancionada a lei n° 12.030 que até os dias atuais regulamenta a profissão do perito criminal, um dos profissionais da polícia científica.

A importância da perícia criminal se dá pois é o órgão policial responsável por recolher e examinar resquícios de crimes sejam eles provas de que determinada situação aconteceu ou de que determinado objeto foi utilizado. Uma das áreas de atuação de um perito é com audiovisual e eletrônicos e um dos exames periciais realizados por profissionais dessa área é o exame de imagem que se responsabiliza fazer reconhecimento fácil de suspeitos de um crime para verificar se uma pessoa acusada de cometer um delito é realmente quem aparece em uma gravação ou em um relato de uma vítima ou testemunha é realmente essa pessoa.

O trabalho do perito criminal é importante para que  se uma pena for aplicada não seja da maneira errada, incriminando um inocente por exemplo. Muitas vexes, uma vítima de um delito que se confunde o suspeito com outra pessoa e trabalho do perito  garantir que isso seja corrigido, por meio da análise de imagens Existem também casos em que o próprio material recebido pela polícia é checado para constatar sua veracidade pois muitas vezes recebem material falso que se não for analisado pode levar alguém inocente a ser preso ou pagar uma multa.

Uma das tecnologias em uso por peritos no Brasil são programas que permitem a rápida localização de documentos por meio do uso de palavras chaves como Processador de Evidências Digitais (Iped). Tecnologias como essa são de grande importância para o trabalho dos peritos ser  feito em menos tempo o possível dado a grande quantidade de casos que tem que analisar.

Polícia científica do estado de São Paulo

Toda imagem recebida pela polícia científica é minuciosamente verifica, cada pixel é examinado para evitar fraudes. Uma das maneiras que isso é feito é por meio de programas que possibilitam a leitura do código binário (uma série de números 0 e 1) que constituem o código da imagem, caso exista uma quebra de padrão ou anomalia isso pode significar que a imagem foi alterada de alguma maneira.

Outro programa realiza análises em detalhes ocultos nas imagens como por exemplo em placas de veículos ou em alguns casos até a identidade de pesos em vídeos de baixa resolução, os algoritmos presentes nesse programa também conseguem sabe se houve alguma sobreposição nas imagens, se uma parte de uma fotografia foi recortada e colada em outra. Tudo em uma imagem é checado desde o ângulo, tamanho e geometria. 


 

Como é a rotina de um Streamer de jogos para alcançar novos públicos
por
Paula Moraes
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09/06/2021 - 12h

Através de plataformas de transmissão de vídeos ao vivo, e com o desenvolvimento e popularização de jogos de vídeo game, foi criado a cultura de transmitir partidas de jogos de ao vivo para outras pessoas interagirem. As pessoas que transmitem são popularmente chamadas de streamers, e a popularização dessa transmissão ficou tão comum que hoje existem streamers que vivem apenas disso.

Streamer Amefuri.
Streamer Amefuri.

           Existem diversas plataformas de transmissão, como a Nimo TV e a Twitch, está sendo a mais usada no Brasil, contendo mais de 140 milhões de usuários pelo país.

            O streamer Amefuri, entrou oficialmente para esse mundo de transmissões no final de 2017, transmitindo jogos de GTA RV e Valorant. Ele conta que sua principal inspiração para entrar nesse mundo foi a vontade de criar conteúdo para internet, e que optou pela Twitch por se identificar com a plataforma por considera-la um bom espaço para transmitir jogos de vídeo gamese possibilitar com o contrato de afiliado a chance de passar propagandas durante os jogos, o que aumenta o dinheiro gerado por transmissão.

            Para se organizar para as transmissões para criar conteúdo constante para seus inscritos, Amefuri criou uma rotina de transmissões de terça á domingo, com algumas folgas ocasionais durante a semana. Ele também não considera a área tão competitiva, mas para se destacar e ganhar um bom publico você deve ser você mesmo.

Com o conteúdo constante desde 2017, para Amefuri as transmissões já são consideradas sua principal fonte de renda. “Meu ponto inicial de quando eu estava “trabalhando” mesmo, foi em maio de 2019, quando recebi meu verificado.”

Com a vontade de crescer na área, o streamer teve que comprar um novo computador para melhorar as suas transmissões. Ele também relata a dificuldade em conquistar o publico. “Queremos abraçar o mundo, mas é um por dia que conseguimos trazer para nossa comunidade." Apesar de tudo, para Amefuri virar streamer lhe proporcionou trabalhar produzindo conteúdo, conhecer pessoas que admira e melhorar o lado pessoal, que é confiar mais em si mesmo e saber que consegue ir mais longe.

Streamer MarianeRib.
Streamer MarianeRib.

A streamer Mariane Ribeiro, popularmente conhecida como MarianeRibcomeçou a assistir transmissões de jogos pela Twitch em 2014, mas foi apenas em novembro de 2018 com 21 anos que ela virou streamer. “Eu sempre gostei de jogar e conhecer gente nova por meio de jogos online.”

O conteúdo da sua conta começou com jogos como League of Legends, Just Dance, Dead by Daylight e World of Warcraft. Em 2020 ela introduziu o GTA RP como conteúdo, e este se tornou o carro chefe da sua conta fazendo transmissões de 4 ou 5 dias do jogo.

Inicialmente, Ribeiro escolheu a Plataforma Twitch para fazer suas transmissões por ser a única que conhecia que estava há mais tempo ativa. Ao longo dos quase três anos como criadora de conteúdo no site, seus benefícios só aumentaram, e hoje consegue transmitir até propagandas durante suas transmissões, para aumentar o seu ganho. 

            Para ajudar o seu canal a crescer, Ribeiro costuma fazer transmissões seis dias por semana a partir das 20:00 até 02:00, mas costuma virar a noite jogando, e tira um dia de folga apenas quando está muito desgastada. “Eu particularmente reparo que, caso eu fique 2 dias ou mais sem fazer transmissão, as métricas são prejudicadas.”

Para Ribeiro, a sua principal competidora é ela mesma. Hoje em dia, ela evitar se comparar com streamers maiores, e vê muitas pessoas ultrapassando os próprios limites apenas para tentar chamar atenção e tentar conquistar um certo público para si. Por isso, hoje em dia ela foca apenas em melhorar o que já está produzindo, pois não existe uma fórmula para o crescimento na área. 

          Ela também percebe que consegue se destacar entre os streamer menores pela sua constante interação com o chat espectadores que conversam e comentam sobre a transmissão por texto). “Streamers maiores não conseguem responder todos do chat, e parte dos streamers menores não interagem muito/respondem várias pessoas, e isso acaba abrindo uma vantagem para quem gosta bastante de conversar com os espectadores.”

          Mesmo estando a quase três anos nessa profissão, ainda não conseguir fazer disso uma renda fixa, e acaba tendo que optar por trabalhar a parte com freelas de consultoria, tradução e transcrição. “Meu sonho é fazer das transmissões o meu principal trabalho, transformando os freelas para complementação da renda.”

        Ribeiro relata que inicialmente sua principal dificuldade foi a falta de um computador. Durante o primeiro ano como streamer fazia as transmissões com o computador do namorado, e foi apenas com ajuda do namorado e com o retorno financeiro das transmissões que conseguiu comprar o seu primeiro computador, e até hoje compra peças faltando e faz os upgrades necessários com a renda da Twitch.

            Outra dificuldade que passou foi em aprender a mexer nos softwares para transmissão, pois era algo que quem não está na área nunca entrou em contato antes. Ela também relata a dificuldade de crescer e ser descoberta, já que a plataforma vem lentamente adicionando ferramentas novas para que os espectadores descubram transmissões específicas.

            Apesar de todas as dificuldades, Ribeiro relata que o alcance de suas transmissões lhe proporcionou conhecer pessoas de todo o Brasil, além de expectadores dos EUA, Portugal e Noruega. “Já recebi inúmeras mensagens desse tipo e eu fico sem acreditar. Saber que eu estou ajudando UMA pessoa sequer, enquanto estou sendo eu mesma e fazendo o que eu gosto, é surreal.”

Em meio a chegada e consolidação de novos serviços de streaming, o mercado de mídia física no Brasil se aquece e sobrevive através de uma comunidade cada vez mais nichada.
por
Pedro Kono e Pedro Alcântara
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04/06/2021 - 12h

Com o mercado de streaming cada vez maior, a partir da consolidação da Netflix e do Amazon Prime Video e as adições do Disney + e HBO Max quem ainda compra DVDs e Blu-rays?

 

Celso Menezes, roteirista e colaborador do Blog do Jotacê, o principal site sobre colecionismo do Brasil, relata que sua paixão por colecionar vem dos quadrinhos, mas que compra filmes em mídia física desde os 17 anos, na época, em VHS. O roteirista conta que ganhou um aparelho de DVD em um concurso da Revista Herói, no ano 2000, e desde então nunca parou de adquirir a mídia. Para Celso, o amor pelo cinema vem antes do colecionismo:

 

‘‘Eu tenho esse lado (cinéfilo) muito por conta do meu pai, que quando eu era moleque me passava comédias italianas, por exemplo...eu e meus irmão crescemos com isso e acabou moldando o nosso gosto. Eu tenho uma parte muito forte de cultura pop que eu gosto bastante, mas também gosto muito dos filmes mais artísticos. Na minha coleção, eu tenho as coisas mais aleatórias possíveis, não tem um padrão, eu gosto de tudo.’’

 

Paulo Cesar Prado também é colaborador do Blog do Jotacê e é dono de um canal no Youtube sobre sua coleção de filmes, o PC GameMovieCollector.

 

‘Eu coleciono desde sempre. Me lembro de ter coleções desde muito cedo na vida, e das mais variadas coisas: pontas de lápis, chaveiros, gibis, borrachas, maços de cigarro e tatu-bola (sim, o bichinho). A paixão pelos filmes, que veio da minha mãe, só se abraçou à minha mania de coleção, começando na época do VHS e tomando forma definitiva logo que consegui comprar meu primeiro DVD’’, conta PC.

 

Para ambos, o motivo de continuarem comprando os filmes em tempos de facilidade do streaming se deve a questões como a qualidade da exibição, a embalagem mais bem produzida, o material extra e, principalmente, o lado afetivo.

 

‘‘A questão é de você ter uma memória tátil. De você pegar o filme e lembrar de quando você assistiu e porque te marcou. Isso acontecia muito com o vinil e depois com  o CD, de você parar tudo, ouvir o álbum e segurar aquele encarte. Isso te traz uma memória afetiva muito grande que não tem no streaming. O streaming, na verdade, é uma coisa muito imediatista. Tá ali, você assiste e acabou, não tem um ritual. Esse ritual é muito importante. Todas essas questões são muito afetivas.’’, conta Celso.

 

‘‘Sempre irão existir pessoas que querem ter as coisas que elas gostam na sua prateleira para poder pegar, olhar, cheirar e sei lá mais o que as pessoas gostem de fazer com seus itens. Fotografar e postar é meu caso’’, explica PC.

 

Sobre o material extra, Celso diz: ‘‘Às vezes o extra é melhor que o filme. E existem extras que estão no DVD, mas que não estão no Blu-ray do filme, ou seja: alguns extras se perdem. Pra mim, para ter a experiência completa daquela obra, tem que ter os extras.’’ 

 

Para ele, as distribuidoras brasileiras falharam em apresentar e tornar apelativo para o grande público a revolução que o Blu-ray apresentava: ‘‘Com o DVD, começou a sair muita coisa bacana. Os estúdios estavam ganhando muito dinheiro e as tiragens eram muito grandes. O primeiro DVD de Os Incríveis teve uma tiragem de 1 milhão, foi muito absurdo. As pessoas compravam DVD para dar de presente de aniversário, presente de natal, ficou muito popular, todo mundo tinha um aparelho de DVD em casa. E aí entrou o Blu-ray em 2009, que teve dois erros gigantescos para mim: os preços absurdos e a falta de divulgação. Ou pelo menos a divulgação de forma errada. As pessoas pensavam ‘é um disco normal, igual o do DVD, porque que eu vou ter?’. Não teve um trabalho de convencimento... eu nunca vou esquecer do Wall-e, da Pixar, com o preço de 119 reais. Se tudo fosse melhor trabalhado, talvez o Blu-ray tivesse substituído o DVD... Para os executivos, foi uma coisa transitória. Eles não pensam no valor afetivo que um filme pode ter. Isso acabou matando o mercado de CD também. O case era uma coisa ridícula de ruim, boa parte dos CDs que eu comprei já chegavam quebrados. Aquele formato já estava errado. E aí você comprava e não tinha um encarte, que é uma coisa que custa centavos pra eles, mas que para o fã de uma banda significava muito. Então sempre existiu uma falta de cuidado.’’

 

A surpresa, durante a pandemia, foi uma retomada mais aguda na produção de itens em mídia física feita quase que de forma exclusiva para atender as demandas do colecionador. Produtoras como a Versátil Home Video e a Obras-Primas do Cinema se empenharam em lançar filmes clássicos, coleções de diretores consagrados e box temáticos no mercado durante 2020. Alguns títulos, como O Lobisomem Americano em Londres, foram esgotados durante a pré-venda e tiveram as suas tiragens multiplicadas. Além disso, lojas online com o único intuito de vender filmes, como a famdvd, a The Originals e a Colecione Clássicos, se firmaram durante o período. O elevado número de produtos em mídia física durante o ano terminou por sobrecarregar a Rimo, única empresa de replicação de CDs, DVDs e Blu-ray que restou no Brasil, e, como resultado, diversos produtos anunciados e vendidos na pré-venda por empresas menores tiveram as suas entregas atrasadas, como o Blu-ray do clássico Paris, Texas e o box da coleção Essencial, da Versátil, que conta com quatro filmes do diretor David Lynch em alta definição.

‘Hoje, com o streaming, o mercado de mídia física são os colecionadores. Por isso que esse ano foi tão bom. As distribuidoras menores começaram a fazer Blu-rays e conseguiram chamar a atenção de quem colecionava. As majors (distribuidoras grandes) foram provocadas por isso e começaram a lançar mais coisas também. O Fábio, dono da famdvd, cutucava muito essas majors, ele falava ‘vocês não vão lançar nada? Vocês não estão vendo o que está acontecendo? Tá vendendo muito!’. A impressão geral no ano passado é de que ia acabar a mídia física por conta da crise da Cultura e da Saraiva...no momento em que as duas maiores lojas entram em colapso, acabou, né? Mas aí, por uma grande sorte, a Amazon também entrou e começou a vender filmes’’, explica Celso Menezes.

 

Mesmo com as plataformas digitais retirando o espaço da mídia física, não há um ressentimento por parte dos dois colecionadores em relação ao streaming.

 

‘‘Eu assino alguns serviços de streaming. Tenho Netflix, Amazon Prime, Disney+ e ainda tenho Telecine junto ao meu plano de TV à cabo. Nem deveria poder existir um sentimento de ressentimento com esse tipo de serviço. Ele é o presente e o futuro da distribuição de filmes. Eu considero o streaming essencial para os dias de hoje. O que o pessoal mais nervoso da comunidade confunde é achar que as coisas se anulam. A mídia física e o streaming, apesar de terem o mesmo produto final, são coisas bem diferentes, com propostas diferentes e para públicos diferentes. Eles tem que, na verdade, dar as mãos e andar juntos! Ninguém bate a qualidade da mídia física, assim como ninguém bate o poder de distribuição do streaming, e por aí vão as semelhanças e diferenças numa longa lista…’’, explica PC.

 

Ele ainda revela que, mesmo possuindo uma coleção enorme, assiste mais filmes em formato digital do que físico: ‘‘A preguiça do ser humano é que move o progresso. Tudo que aparece de nova tecnologia por aí é pra facilitar sua vida, fazendo você precisar fazer menos esforço. Dito isso, em quantidade, eu vejo mais filmes em streaming. Agora, quando eu realmente tiro um tempo pra assistir um filme que quero muito, que vou assistir sentado (sim, o streaming é feito pra você assistir o filme todo largado no sofá ou cama), eu vou de mídia física. Sei que terei uma melhor imagem e som em um caso desse.’’

 

Celso Menezes diz considerar o streaming ‘muito útil’’ e dono de uma aleatoriedade que te permite descobrir ‘‘coisas fantásticas’’, comparada à experiência de ir a uma locadora. ‘‘Não tem porque brigar com o streaming, ele é muito útil, está viabilizando vários filmes de grandes diretores e essa praticidade, de ver onde quiser, na hora que quiser, é muito boa. Só gostaria que fosse mais amplo: gostaria muito que tivessem filmes clássicos, filmes europeus. Seria fantástico ter curtas no streaming… na maioria das vezes, eu decido o filme que vou assistir olhando para a prateleira. Se eu quiser ver um filme clássico noir, eu vou pra essa seção específica. Filme noir é uma coisa que você não acha no streaming’’.

 

Ele ainda completa: ‘‘O ideal é ter os dois, a mídia física e o streaming existindo juntos. Por isso, pra mim não faz o menor sentido a decisão da Disney de parar de produzir mídia física no Brasil’’.

 

Em Agosto deste ano, foi ao ar no Blog do Jotacê uma matéria que revelava com exclusividade a informação de que a Disney havia abandonado a produção de mídia física para seus filmes e séries em toda a América Latina, em contraste com a resposta positiva que a comunidade estava tendo em relação aos anúncios de filmes em Blu-ray e DVD no Brasil. O furo coincidiu com a chegada do maior serviço de streaming da produtora no continente, o Disney +. Dessa forma, os colecionadores do país se viram órfãos dos produtos de franquias como Marvel, Star Wars e Pixar. A informação chacoalhou os rumos da comunidade, que também enxerga com incerteza o futuro de distribuidoras como Paramount, Sony e Universal, que não tiveram seus contratos com a Cinecolor renovados e não anunciaram se pretendem continuar com a distribuição de seus filmes em mídia física por meio de outra empresa.

 

Para os colecionadores, paira a dúvida se 2020 foi um ponto fora da curva e uma oportunidade de mercado que as produtoras detectaram com o intuito de lucrar em meio a um cenário de cinemas fechados, ou se a mídia física veio para ficar como um produto direcionado para cinéfilos e colecionadores.

 

Para Paulo Cesar, a segunda opção é a mais provável: ‘‘Eu não acredito num mundo sem mídia física, e também não acho que a estratégia seja tentar convencer a galera que assiste Netflix de que ela precisaria, ou mesmo poderia, assistir um DVD, Blu-ray ou 4K. Acredito que o nicho vai se tornar cada vez mais nicho, e que os responsáveis por isso terão que olhar cada vez com mais carinho para essas pessoas... E mesmo que eu esteja errado no meu prognóstico, eu ainda acredito que a indústria de games consiga salvar a mídia física, ou pelo menos postergar sua morte. Enquanto existir um console que possa receber uma mídia física, dando a possibilidade dos jogadores poderem trocar, emprestar e vender um game, ela estará abundante por aí.’’

 

‘‘Eu acho que é algo que vai ser reconquistado. Eu acredito que a experiência das pessoas pararem, verem o filme e verem os extras, vai ser redescoberta. Do mesmo jeito que a experiência de ouvir um vinil está sendo redescoberta, eu acho que isso também vai acontecer com os filmes. Porque não se trata só de ouvir a música, mas a forma de ouvir, esse ritual. Eu acho que a mídia física não vai acabar.’’, opina o roteirista.

 

 

De acordo com o IBOPE, quase metade da população brasileira reduziu o consumo de carne e derivados em 2020, mas, infelizmente, grande parte pelo aumento do preço.
por
Tainah Frangulis Pires
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17/05/2021 - 12h

A pandemia trouxe um novo olhar crítico para questões ambientais e sociais. 70% das doenças modernas têm origem animal, e com a Covid-19 não foi diferente. O vírus se espalha muito mais fácil onde existem animais em confinamento, sem higiene, doentes e mal cuidados - características de uma enorme parte do setor agropecuário atual.

Infelizmente, há um enorme motivo para que o consumo tenha caído tanto nesse último ano: o aumento do preço da carne e a junção ao baixíssimo auxílio emergencial. Mas também existe o lado da conscientização, onde o vegetarianismo alcançou racionalmente uma parte da população. Curiosa sobre o que motivou as pessoas a transitarem para o vegetarianismo (e suas variações), entrevistei mãe e filha que, juntas, tornaram-se veganas da noite para o dia. Claudia Chaves, de 40 anos, aos 24 havia tentado parar de comer carne animal. “Eu assisti o filme “A carne é fraca”, e caiu a ficha de que o animal que comemos, é o animal que tanto amamos. Fiquei super impactada e a partir daquele dia eu e meu marido paramos de comer carne. Ficamos assim durante 3 anos. Aí engravidei e voltei com a carne, não sei o porquê. É aquela coisa né, fechamos os olhos para uma realidade que já sabemos que existe”, refletiu a bióloga.

Foi sua filha Leticia, de 21 anos, que a fez retomar ao veganismo. “Há um ano estávamos aqui em um almoço em família e minha filha chegou com a proposta de não comermos mais carne. Rapidamente meu filho mais novo já aderiu e apoiou, meu marido também, e fomos todos juntos”, relembra Claudia. 

A tecnologia é, com certeza, o recurso responsável pelo aumento de vegetarianos no Brasil. “Eu parei com a carne por conta da internet, por conta do conteúdo que eu comecei a consumir no Instagram, pelos documentários que eu comecei a assistir, podcast que comecei a ouvir. Os documentários foram essenciais para apertar o gatilho e pensar “preciso sair da minha zona de conforto”, relatou Sofia Vieira, estudante de 21 anos.

 Com certeza não era fácil o acesso à informações que hoje temos a qualquer instante, principalmente por dois motivos: políticos e monetários. Nunca foi vantajoso falar sobre o consumo excessivo de carne e todos os problemas decorrentes. Mas o que fazer quando a tecnologia expõem fatos com cenas reais e chocantes? A resposta é uma só: aceitar a realidade. Monetizar o movimento, fazer com que os maiores frigoríficos do país lancem produtos vegetarianos, mesmo sem intenção alguma de parar com o sofrimento animal. O capitalismo ergueu um vegetarianismo elitizado e caro, polarizando o movimento ao invés de mostrar que ele é, na verdade, um só. “O veganismo só é caro industrializado, e o movimento é o oposto disso! Só conseguimos entender depois de receber tanta informação que não recebíamos antigamente. Até no nosso ciclo social, que amigos e conhecidos vão postando umas coisinhas, comentando, e assim nós conseguimos disseminar o movimento. E é muito legal consumir esse conteúdo”, conta Leticia Chaves. 

Na disputa das redes sociais, no quesito vegetarianismo quem ganha é o Instagram. "Eu passei dias e dias testando receitas, sigo vários perfis incríveis que me ajudaram no que hoje em dia é completamente intuitivo. Tudo que na minha primeira transição foi difícil, nessa foi fácil por conta da internet. Com o tanto de filmes e documentários informativos que temos, é impossível não sensibilizar com a causa. Que seja pelo bem estar animal, questão ambiental ou de saúde, o número de veganos e vegetarianos está aumentando muito graças a isso!”, finaliza Claudia.

A tecnologia não se destaca somente com as redes sociais, mas com a indústria alimentícia também. Hoje em dia são inúmeras as marcas que produzem carnes vegetais idênticas à animal, e não só do setor agropecuário, mas também marcas originalmente veganas, como a Fazenda do Futuro. Infelizmente, são produtos caros que estetizam o movimento, mas com o avanço tecnológico não deve demorar para que todos tenham acesso a esses novos (e revolucionários) alimentos. Mas enquanto isso não acontece, quantos vegetarianos teremos até o planeta entrar em colapso?

por
João Tognonato
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10/05/2021 - 12h

Com a revolucionária proposta de conectar pessoas pela voz, os empresários da tecnologia, Paul Davidson e Rohan Seth lançaram, em abril de 2020, o Clubhouse – um aplicativo ousado e inovador repleto de salas de bato papo para os usuários debaterem temas diversos. Desde então uma aura de mistério e empolgação se formou em volta desta rede social, que hoje conta com mais de 1 milhão de participantes.

Seu modo de funcionamento é relativamente simples. Aquele que se cadastrar pode agir de duas maneiras: como listener, que são os ouvintes, ou como speakers, moderadores da sala – divididos entre comentaristas e apresentadores.

Contudo, existem ainda restrições para se ingressar no aplicativo. Replicando uma tradicional estratégia de Marketing digital, já usada pelo Instagram e pelo Pinterest, o Clubhouse está disponível para quem receber o convite de algum outro participante da rede. Usuários de Android e outros softwares de smartphones ficam de fora da “brincadeira” que, por enquanto, permite apenas a entrada de detentores de Iphone. Métodos como este servem para testar o funcionamento e a adaptabilidade dos novos participantes. Mas soam, aos olhos da população, como um entrave elitista, já que um aparelho da Apple – o mais recente – custa em torno de R$ 6.000.

Nos primeiros dias em que esteve “no ar” um grupo bastante heterogêneo discorria sobre os impactos da Covid-19 no sistema carcerário – reunindo MCs, comentaristas políticos e Empresários. Esse é um dos muitos atrativos desta rede social: juntar pessoas com pensamentos e opiniões distintas para travar debates numa era em que somos engolidos pela homogeneidade das bolhas.

Um desses eventos – e que ajudaria a impulsionar a popularidade do Clubhouse – foi a conversa entre o Bilionário da tecnologia, Elon Musk – dono da Tesla e da Space X – e o CEO da Robinhood, aplicativo de investimentos que, no ano passado, enfrentou diversas polêmicas envolvendo a empresa de distribuição de jogos eletrônicos GameStop.  Após esse debate a companhia de análise de dados, Sensor Tower, detectou o interesse de 1 milhão e meio de usuários em ingressar no App. Sites e fóruns como o Reddit e o Craiglist passariam a vender convites privados. Até mesmo na China, onde o aplicativo não aparecia disponível na AppStore, as “entradas” foram oferecidas em sites de marketplace, onde o preço chegou a ser estimado em U$ 100.

Quando lançado, o Clubhouse obteve uma avaliação discreta na Bolsa. Algo em torno de U$100 milhões – e isso numa época em que a quantidade de usuários não passava de 1.500. Esse número foi crescendo com o tempo e em menos de dois meses estimou-se que sua cotação era de U$ 1 bi. Em abril deste ano, ele quadriplicou. Hoje, o aplicativo desenvolvido pela Alpha Exploration já custa em torno de U$ 4 bi, segundo reportagem da Forbes Brasil

" "Numa entrevista concedida ao portal Business Insider, Paul Davidson explicou melhor o que pensa da sua invenção. Segunda suas palavras, o Clubhouse pretendia resgatar o “lado humano” das redes sociais – com conversas ao vivo e sem o imperioso sistema de likes e follows. Mas, ao mesmo tempo em que concede essa liberdade, o App não encontrava um meio eficaz de evitar fakenews e discursos de ódio. Durante o Yom Kippur de 2019, por exemplo, o dia mais sagrado do judaísmo, usuários alegavam que algumas das salas haviam se tornado antros de antissemitismo.

De acordo com seus idealizadores, a melhor proposta para combater esse mal seria o treinamento de agentes moderadores para atuar em tempo real, impedindo speakers de transmitirem conteúdo de natureza discriminatória e guardando todas as conversas do Clubhouse num banco de dados. Porém, o usuário que se comprometer a respeitar os termos de uso da plataforma, não poderá ter acesso a estes áudios. E dessa maneira, o App esbarra em alguns artigos da constituição e do Marco Civil da internet.

Clubhouse rastreia dados sem especificar o motivo pelo qual é feito o processo – o que é vedado tanto pelo Marco Civil como pela LGPD. E assim, argumenta estar garantindo a proteção do próprio usuário. Mas caso ele necessite de um registro para usar como prova em eventual litígio, sairá de mãos abanando, pois só quem tem acesso às gravações são os moderadores do aplicativo

Os problemas relativos à segurança de dados não param por aqui. No início de abril, após uma série de vazamentos, uma lista contendo nome, foto e data de criação do perfil– além do nome do usuário que fez o convite para o Clubhouse – surgiu num popular fórum de hackers. Ainda que os dados tenham sido obtidos de modo ilegal, ficava no leitor aquele pulga atrás da orelha na hora de se cadastrar por não saber qual o rigor de proteção oferecido pelo site.

O Clubhouse viveu uma febre em seu lançamento pois era verdadeiramente inovador; mas hoje está com seu lugar de exclusividade ameaçado por outras empresas que copiaram seu modelo. O instagram, o Facebook,  o Spotify [9], o Telegram e o Whattzap – todas já desenvolveram um mecanismo análogo ao do Clubhouse para agradar seus usuários. Como uma tentativa desesperada de manter o foco do mercado no aplicativo, novamente o CEO da Tesla deu as caras numa sala de bate-bapo. Desta vez convidando o presidente da Rússia, Vladimir Putin para uma conversa informal.

Mas as críticas do usuários tocam num ponto sensível que não tem relação com o formato inovador da plataforma – é a falta de conteúdo e a dificuldade em encontrar na miríade de salas inúteis um bate-papo de qualidade. Isso parece que só fica mais complicado de acordo com o crescimento de usuários, pois o montante de conteúdo ruim absorve e massifica os projetos interessantes de comunicação como acontece hoje em todas as plataformas.

Num futuro próximo, iremos saber se o Clubhouse consolidará sua hegemonia nesse tipo de rede social, ou se ele é apenas a “porta de entrada” para adaptar usuários a esse tipo de mídia. Mas enquanto os CEOs não flexibilizarem a entrada daqueles que não detém o sistema IOS – retratados por um tweet espirituoso como “a invasão dos androides – nunca saberemos. Assim, este ato (o de manter por tanto tempo a restrição) poderá significar simplesmente o desterro de um projeto oportuno de rede rocial, mas que deverá sobreviver – ainda que não pelas mãos de seus criadores.