Por Julia Nogueira
Este ano conta a marca de 30 anos do lançamento (17 de setembro de 1991) e da criação do engenheiro de software, Linus Torvalds, do sistema operacional Linux. O pinguim Tux (mascote oficial do Kernel Linux) segue representando mais de 600 distribuições existentes, e até hoje um dos maiores exemplos de colaboração de software livre. Com essa filosofia contrapondo a lógica dos mercados, o Linux ainda é de pouco conhecido das pessoas.
Cristina Motinha, 26, utiliza uma distribuição do Linux há mais de cinco de anos, e afirma que “é muito ‘não natural’ para nossa sociedade pensar que alguém vai fazer algo e deixar você usar de graça. E o software livre vem justamente para mostrar que não, que é possível você retornar seu conhecimento para comunidade sem cobrar. "É possível você distribuir gratuitamente e ainda assim pessoas pagarem pelo produto, mesmo podendo usar de graça. É um ‘modelo de negócio’ que não é fácil de ser compreendido, e por isso, acaba ficando muito fechado nas bolhas de computação, essa discussão não sai pra sociedade como um todo", afirma. Não chega nas escolas, "no máximo alguém esbarra nisso quando faz algum trabalho sobre pirataria". O software livre que muita gente interpreta como "software de graça" na verdade é muito mais do que isso, é uma mensagem de inclusão, de comunidade, de dar sem esperar algo em troca.”
Se Torvalds, 30 anos atrás, foi o passe para a criação, o Linux se mantém porque desenvolvedores e colaboradores do mundo todo avançam ao longo desses anos com o código aberto para todos. Motinha complementa: “eu vejo o software livre como uma horta comunitária: todo mundo ajuda com o que pode, vai ter gente fazendo muito, gente que não pode colaborar, mas todos os envolvidos sabem que todos tem direito a comer o que surgir dali.”
Centenas de distribuições podem ter vindo a acrescentar ao longo do tempo, mas esses 30 anos mostram que o que não mudou é que mesmo sob a perspectiva de inclusão digital, continuamos à mercê da lógica do mercado, e desinformação sobre o universo de software livre confirma isso. Cristina continua: ”Tudo de computação é visto como feito por outros países, e o preço fica salgado pela conversão do dólar/importação, e assim como tem milhões de jogos piratas para os consoles, tem muitos CDs de softwares piratas também. Então, acaba juntando tudo. Você aprende na aulinha de informática a usar o Windows; vai pro seu trabalho, nos computadores Windows e Microsoft Office; vai pra casa, no seu notebook que já veio com Windows instalado. Vale a pena ficar sofrendo porque o formato do Libre Office não é compatível com o Word do trabalho? Mais fácil comprar um CD por 10 reais no camelô”, explica.
Mais do que apenas recuperar computadores velhos que não rodam novas atualizações de Windows, o Linux está presente em lugares que nem se tem ideia, como smartphones Android e as Smart TVs e, cerca de 85% das empresas o utilizam em seus servidores, como os casos do Facebook, Google, Amazon e até a NASA. Longe de alcançar a predominância do Windows nos desktops, a “horta comunitária” ainda cresce a cada dia, sem desviar da filosofia proposta 30 anos atrás.
Por Gabriel Aragão
O futebol americano, por natureza, é um esporte de contato que exige muito do físico de seus atletas e, diferentemente de muitos outros, seu equipamento é pesado e cobre diversas partes do corpo. Seu uso é essencial para a saúde do praticante, mas a consciência coletiva sobre sua relevância nem sempre foi tão elevada quanto é hoje, tendo avançando de mãos dadas com a tecnologia.
Na década de 1920, o capacete era feito de couro endurecido e depois o couro moldado (sim, o mesmo material usado em carteiras) tomou o lugar na proteção. Em 1949, o plástico é adotado para os capacetes ganhando, também, acolchoamento, mas não parou aí, sendo sempre aperfeiçoado até a versão que é hoje.
Em conversa, Paulo “Mancha” D’Amaro, comentarista e historiador de futebol americano, aponta inclusive para a importância do desenvolvimento desse equipamento para a segurança do jogo: “o capacete hoje em dia é desenvolvido de modo tecnológico, ele é simples, na verdade, mas é feito com cada vez mais testes para absorver os impactos e minimizar as chances de concussão”, explica. O comentarista lembra também que, nos primórdios do jogo, o esporte correu sérios riscos de ser banido por Theodore Roosevelt em 1905, por conta de muitas lesões e algumas mortes, resultando em mudanças de regras para um jogo mais seguro.
No capacete também se inseriu a facemask. Originalmente, se tratava apenas de uma barra. A facemask entrou em campo quando o técnico do Cleveland Browns, Paul Brown, exigiu que seu quarterback, Otto Graham, a utilizasse depois de sofrer um corte, precisando de 15 pontos no queixo. Nos anos 1970 foi adicionada uma nova barra (abaixo da original) com outras menores, ligando as duas, versão que ficou conhecida como “full cage”. Duas décadas mais tarde chegou a versão “grill”.

Todas essas mudanças foram pensadas com intuito de preservar a saúde dos jogadores, uma vez que as concussões são algo comum no esporte. Porém, não é só a cabeça que está em risco no futebol americano. Nos ombros, a proteção foi de feltro, lã e couro nos anos 1920, para espuma, couro endurecido, fibra sintética até, finalmente, plástico nas décadas de 1950 e 1960. A partir daí as grandes mudanças foram no design com os shoulder pads diminuindo de tamanho e o peso, ajudando na qualidade do jogo, sem perder a capacidade de proteger os atletas. O mesmo vale para o acolchoamento nas costelas, no abdômen, no quadril, nas coxas e nos joelhos.
Em entrevista, Patrick Dutton, fundador e CEO da Rio Football Academy (RFA), além de ter experiência como jogador, disse que, no cenário brasileiro: “Tem muitos atletas com condição de comprar do melhor e a gente vê bastante gente usando o mesmo equipamento da NFL (National Football League), quando se trata de capacete, proteção de ombro, chuteira, luva. A qualidade é muito boa”, opina. O que contribui para uma situação complexa é que, como Dutton lembra, existem mais lojas que vendem o necessário para a prática, mas, na acachapante maioria, é material importado, fazendo do custo arcado pelo jogador ser maior. Por esse lado, Dutton completa a questão anterior afirmando que ainda tem muitos atletas que usam equipamentos precários ou "equipamentos com mais de 10 anos de uso. Isso com certeza é prejudicial e é um perigo para a saúde física e mental dos atletas”, afirma.
Paulo Mancha lembra que nas décadas de 2000 e 2010 a ênfase das tecnologias desenvolvidas para o futebol americano se voltou a saúde dos praticantes, depois de anos projetando em como vender melhor o jogo e atrair mais fãs. Isso se deu pensando que a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC) se tornou um problema conhecido publicamente, tanto na NFL como na National Collegiate Athletic Association (NCAA), que rege o esporte em nível universitário. O comentarista ainda encontra um papel importante da evolução da tecnologia nesse sentido fora do campo, com a inserção de um protocolo médico em suspeitas durante a partida, através de exames clínicos e com equipamento médico. Mas quando falamos de NFL e NCAA, estamos tratando da principal liga profissional do esporte no mundo e da principal organização do futebol americano em nível universitário, portanto, duas empresas bilionárias.
Pensando na brutalidade do futebol americano e no status do esporte no Brasil, Dutton afirmou que é irresponsável praticar o esporte (que no país é amador) sem plano de saúde.
Nem todas as melhorias tecnológicas no futebol americano, porém, são em prol da saúde, mas também no lado estratégico. No capacete, por exemplo, o quarterback e um jogador de defesa, de todos os times, tem um ponto eletrônico para ouvir qual jogada o técnico escolheu e que deverá ser executada. A partir daí, ele passa as instruções aos seus companheiros em campo. A ideia foi pensada por Paul Brown e no início houve dificuldades, como interferência do rádio da polícia e, em uma partida em Nova Iorque, até rádio de aviões, mas a ideia foi abandonada até voltar para o QB em 1994 e chegar ao lado da defesa em 2008.
No caso do Brasil, se tratando do aspecto tático, Dutton aponta para as plataformas de vídeo como Hudl, pensadas inteiramente no esporte para o estudo de vídeo e, por consequência, traçar a estratégia de jogo.
Paulo Mancha lembra que as melhorias tecnológicas desenvolvidas por causa do futebol americano tendem a se espalhar por outras ligas americanas, como as de beisebol, basquete, hóquei no gelo e até no automobilismo, através da troca de informações. O comentarista até cita que um “grande exemplo negativo disso é o VAR no futebol, mais por culpa do futebol, da FIFA e das confederações [do esporte], que são muito arrogantes e nunca foram buscar, junto à NFL, informações do Instant Replay. A NFL usa o replay desde 1994, então tem muito know-how disso, mas o futebol preferiu partir da estaca zero”.
A utilização do replay por aqueles que apitam os jogos da NFL já passou por várias mudanças. Hoje, o juiz principal do jogo vai até a lateral, onde uma pessoa segura um tablet da Microsoft com o lance sendo revisado. Além disso, o arbitro também discute com o chefe de arbitragem da liga (que fica em um escritório) o que estão vendo. Esses tablets também ajudam os jogadores fora da ação, já que podem observar o posicionamento do oponente no campo. Com isso as câmeras que revelam fotos instantaneamente perderam seu lugar no jogo. De maneira geral, a tecnologia faz o futebol americano um jogo melhor de se jogar e, por tabela, de se assistir.
O futebol americano, portanto, durante toda sua história se usou da tecnologia para evoluir, tanto na proteção dos seus praticantes que fazem as partidas acontecerem, quanto no aspecto tático, de estudo dos oponentes e formulação de uma estratégia para vencer, criando um esporte mais inteligente.
Por Rodrigo Mendonça
Entre as várias divisões das polícias no Brasil uma delas é a Polícia Técnico-Científica, mais conhecida somente como Polícia Científica, que por lei é subordinada aos governos estaduais, ou seja, trabalhadores dessa área são por definição legal, servidores públicos. O trabalho dos policiais dessa área implica no conhecimento de áreas da ciência e tem como uma de suas obrigações encontrar ou proporcionar as chamadas prova técnicas ou provas periciais. Em 17 de setembro de 2009, durante o governo do então presidente Luiz Inacio Lula da Silva e do ministro da casa civil Tarso Genro, foi sancionada a lei n° 12.030 que até os dias atuais regulamenta a profissão do perito criminal, um dos profissionais da polícia científica.
A importância da perícia criminal se dá pois é o órgão policial responsável por recolher e examinar resquícios de crimes sejam eles provas de que determinada situação aconteceu ou de que determinado objeto foi utilizado. Uma das áreas de atuação de um perito é com audiovisual e eletrônicos e um dos exames periciais realizados por profissionais dessa área é o exame de imagem que se responsabiliza fazer reconhecimento fácil de suspeitos de um crime para verificar se uma pessoa acusada de cometer um delito é realmente quem aparece em uma gravação ou em um relato de uma vítima ou testemunha é realmente essa pessoa.
O trabalho do perito criminal é importante para que se uma pena for aplicada não seja da maneira errada, incriminando um inocente por exemplo. Muitas vexes, uma vítima de um delito que se confunde o suspeito com outra pessoa e trabalho do perito garantir que isso seja corrigido, por meio da análise de imagens Existem também casos em que o próprio material recebido pela polícia é checado para constatar sua veracidade pois muitas vezes recebem material falso que se não for analisado pode levar alguém inocente a ser preso ou pagar uma multa.
Uma das tecnologias em uso por peritos no Brasil são programas que permitem a rápida localização de documentos por meio do uso de palavras chaves como Processador de Evidências Digitais (Iped). Tecnologias como essa são de grande importância para o trabalho dos peritos ser feito em menos tempo o possível dado a grande quantidade de casos que tem que analisar.
Toda imagem recebida pela polícia científica é minuciosamente verifica, cada pixel é examinado para evitar fraudes. Uma das maneiras que isso é feito é por meio de programas que possibilitam a leitura do código binário (uma série de números 0 e 1) que constituem o código da imagem, caso exista uma quebra de padrão ou anomalia isso pode significar que a imagem foi alterada de alguma maneira.
Outro programa realiza análises em detalhes ocultos nas imagens como por exemplo em placas de veículos ou em alguns casos até a identidade de pesos em vídeos de baixa resolução, os algoritmos presentes nesse programa também conseguem sabe se houve alguma sobreposição nas imagens, se uma parte de uma fotografia foi recortada e colada em outra. Tudo em uma imagem é checado desde o ângulo, tamanho e geometria.
Através de plataformas de transmissão de vídeos ao vivo, e com o desenvolvimento e popularização de jogos de vídeo game, foi criado a cultura de transmitir partidas de jogos de ao vivo para outras pessoas interagirem. As pessoas que transmitem são popularmente chamadas de streamers, e a popularização dessa transmissão ficou tão comum que hoje existem streamers que vivem apenas disso.

Existem diversas plataformas de transmissão, como a Nimo TV e a Twitch, está sendo a mais usada no Brasil, contendo mais de 140 milhões de usuários pelo país.
O streamer Amefuri, entrou oficialmente para esse mundo de transmissões no final de 2017, transmitindo jogos de GTA RV e Valorant. Ele conta que sua principal inspiração para entrar nesse mundo foi a vontade de criar conteúdo para internet, e que optou pela Twitch por se identificar com a plataforma por considera-la um bom espaço para transmitir jogos de vídeo games, e possibilitar com o contrato de afiliado a chance de passar propagandas durante os jogos, o que aumenta o dinheiro gerado por transmissão.
Para se organizar para as transmissões para criar conteúdo constante para seus inscritos, Amefuri criou uma rotina de transmissões de terça á domingo, com algumas folgas ocasionais durante a semana. Ele também não considera a área tão competitiva, mas para se destacar e ganhar um bom publico você deve ser você mesmo.
Com o conteúdo constante desde 2017, para Amefuri as transmissões já são consideradas sua principal fonte de renda. “Meu ponto inicial de quando eu estava “trabalhando” mesmo, foi em maio de 2019, quando recebi meu verificado.”
Com a vontade de crescer na área, o streamer teve que comprar um novo computador para melhorar as suas transmissões. Ele também relata a dificuldade em conquistar o publico. “Queremos abraçar o mundo, mas é um por dia que conseguimos trazer para nossa comunidade." Apesar de tudo, para Amefuri virar streamer lhe proporcionou trabalhar produzindo conteúdo, conhecer pessoas que admira e melhorar o lado pessoal, que é confiar mais em si mesmo e saber que consegue ir mais longe.

A streamer Mariane Ribeiro, popularmente conhecida como MarianeRib, começou a assistir transmissões de jogos pela Twitch em 2014, mas foi apenas em novembro de 2018 com 21 anos que ela virou streamer. “Eu sempre gostei de jogar e conhecer gente nova por meio de jogos online.”
O conteúdo da sua conta começou com jogos como League of Legends, Just Dance, Dead by Daylight e World of Warcraft. Em 2020 ela introduziu o GTA RP como conteúdo, e este se tornou o carro chefe da sua conta fazendo transmissões de 4 ou 5 dias do jogo.
Inicialmente, Ribeiro escolheu a Plataforma Twitch para fazer suas transmissões por ser a única que conhecia que estava há mais tempo ativa. Ao longo dos quase três anos como criadora de conteúdo no site, seus benefícios só aumentaram, e hoje consegue transmitir até propagandas durante suas transmissões, para aumentar o seu ganho.
Para ajudar o seu canal a crescer, Ribeiro costuma fazer transmissões seis dias por semana a partir das 20:00 até 02:00, mas costuma virar a noite jogando, e tira um dia de folga apenas quando está muito desgastada. “Eu particularmente reparo que, caso eu fique 2 dias ou mais sem fazer transmissão, as métricas são prejudicadas.”
Para Ribeiro, a sua principal competidora é ela mesma. Hoje em dia, ela evitar se comparar com streamers maiores, e vê muitas pessoas ultrapassando os próprios limites apenas para tentar chamar atenção e tentar conquistar um certo público para si. Por isso, hoje em dia ela foca apenas em melhorar o que já está produzindo, pois não existe uma fórmula para o crescimento na área.
Ela também percebe que consegue se destacar entre os streamer menores pela sua constante interação com o chat espectadores que conversam e comentam sobre a transmissão por texto). “Streamers maiores não conseguem responder todos do chat, e parte dos streamers menores não interagem muito/respondem várias pessoas, e isso acaba abrindo uma vantagem para quem gosta bastante de conversar com os espectadores.”
Mesmo estando a quase três anos nessa profissão, ainda não conseguir fazer disso uma renda fixa, e acaba tendo que optar por trabalhar a parte com freelas de consultoria, tradução e transcrição. “Meu sonho é fazer das transmissões o meu principal trabalho, transformando os freelas para complementação da renda.”
Ribeiro relata que inicialmente sua principal dificuldade foi a falta de um computador. Durante o primeiro ano como streamer fazia as transmissões com o computador do namorado, e foi apenas com ajuda do namorado e com o retorno financeiro das transmissões que conseguiu comprar o seu primeiro computador, e até hoje compra peças faltando e faz os upgrades necessários com a renda da Twitch.
Outra dificuldade que passou foi em aprender a mexer nos softwares para transmissão, pois era algo que quem não está na área nunca entrou em contato antes. Ela também relata a dificuldade de crescer e ser descoberta, já que a plataforma vem lentamente adicionando ferramentas novas para que os espectadores descubram transmissões específicas.
Apesar de todas as dificuldades, Ribeiro relata que o alcance de suas transmissões lhe proporcionou conhecer pessoas de todo o Brasil, além de expectadores dos EUA, Portugal e Noruega. “Já recebi inúmeras mensagens desse tipo e eu fico sem acreditar. Saber que eu estou ajudando UMA pessoa sequer, enquanto estou sendo eu mesma e fazendo o que eu gosto, é surreal.”
Com o mercado de streaming cada vez maior, a partir da consolidação da Netflix e do Amazon Prime Video e as adições do Disney + e HBO Max quem ainda compra DVDs e Blu-rays?
Celso Menezes, roteirista e colaborador do Blog do Jotacê, o principal site sobre colecionismo do Brasil, relata que sua paixão por colecionar vem dos quadrinhos, mas que compra filmes em mídia física desde os 17 anos, na época, em VHS. O roteirista conta que ganhou um aparelho de DVD em um concurso da Revista Herói, no ano 2000, e desde então nunca parou de adquirir a mídia. Para Celso, o amor pelo cinema vem antes do colecionismo:
‘‘Eu tenho esse lado (cinéfilo) muito por conta do meu pai, que quando eu era moleque me passava comédias italianas, por exemplo...eu e meus irmão crescemos com isso e acabou moldando o nosso gosto. Eu tenho uma parte muito forte de cultura pop que eu gosto bastante, mas também gosto muito dos filmes mais artísticos. Na minha coleção, eu tenho as coisas mais aleatórias possíveis, não tem um padrão, eu gosto de tudo.’’
Paulo Cesar Prado também é colaborador do Blog do Jotacê e é dono de um canal no Youtube sobre sua coleção de filmes, o PC GameMovieCollector.
‘Eu coleciono desde sempre. Me lembro de ter coleções desde muito cedo na vida, e das mais variadas coisas: pontas de lápis, chaveiros, gibis, borrachas, maços de cigarro e tatu-bola (sim, o bichinho). A paixão pelos filmes, que veio da minha mãe, só se abraçou à minha mania de coleção, começando na época do VHS e tomando forma definitiva logo que consegui comprar meu primeiro DVD’’, conta PC.
Para ambos, o motivo de continuarem comprando os filmes em tempos de facilidade do streaming se deve a questões como a qualidade da exibição, a embalagem mais bem produzida, o material extra e, principalmente, o lado afetivo.
‘‘A questão é de você ter uma memória tátil. De você pegar o filme e lembrar de quando você assistiu e porque te marcou. Isso acontecia muito com o vinil e depois com o CD, de você parar tudo, ouvir o álbum e segurar aquele encarte. Isso te traz uma memória afetiva muito grande que não tem no streaming. O streaming, na verdade, é uma coisa muito imediatista. Tá ali, você assiste e acabou, não tem um ritual. Esse ritual é muito importante. Todas essas questões são muito afetivas.’’, conta Celso.
‘‘Sempre irão existir pessoas que querem ter as coisas que elas gostam na sua prateleira para poder pegar, olhar, cheirar e sei lá mais o que as pessoas gostem de fazer com seus itens. Fotografar e postar é meu caso’’, explica PC.
Sobre o material extra, Celso diz: ‘‘Às vezes o extra é melhor que o filme. E existem extras que estão no DVD, mas que não estão no Blu-ray do filme, ou seja: alguns extras se perdem. Pra mim, para ter a experiência completa daquela obra, tem que ter os extras.’’
Para ele, as distribuidoras brasileiras falharam em apresentar e tornar apelativo para o grande público a revolução que o Blu-ray apresentava: ‘‘Com o DVD, começou a sair muita coisa bacana. Os estúdios estavam ganhando muito dinheiro e as tiragens eram muito grandes. O primeiro DVD de Os Incríveis teve uma tiragem de 1 milhão, foi muito absurdo. As pessoas compravam DVD para dar de presente de aniversário, presente de natal, ficou muito popular, todo mundo tinha um aparelho de DVD em casa. E aí entrou o Blu-ray em 2009, que teve dois erros gigantescos para mim: os preços absurdos e a falta de divulgação. Ou pelo menos a divulgação de forma errada. As pessoas pensavam ‘é um disco normal, igual o do DVD, porque que eu vou ter?’. Não teve um trabalho de convencimento... eu nunca vou esquecer do Wall-e, da Pixar, com o preço de 119 reais. Se tudo fosse melhor trabalhado, talvez o Blu-ray tivesse substituído o DVD... Para os executivos, foi uma coisa transitória. Eles não pensam no valor afetivo que um filme pode ter. Isso acabou matando o mercado de CD também. O case era uma coisa ridícula de ruim, boa parte dos CDs que eu comprei já chegavam quebrados. Aquele formato já estava errado. E aí você comprava e não tinha um encarte, que é uma coisa que custa centavos pra eles, mas que para o fã de uma banda significava muito. Então sempre existiu uma falta de cuidado.’’
A surpresa, durante a pandemia, foi uma retomada mais aguda na produção de itens em mídia física feita quase que de forma exclusiva para atender as demandas do colecionador. Produtoras como a Versátil Home Video e a Obras-Primas do Cinema se empenharam em lançar filmes clássicos, coleções de diretores consagrados e box temáticos no mercado durante 2020. Alguns títulos, como O Lobisomem Americano em Londres, foram esgotados durante a pré-venda e tiveram as suas tiragens multiplicadas. Além disso, lojas online com o único intuito de vender filmes, como a famdvd, a The Originals e a Colecione Clássicos, se firmaram durante o período. O elevado número de produtos em mídia física durante o ano terminou por sobrecarregar a Rimo, única empresa de replicação de CDs, DVDs e Blu-ray que restou no Brasil, e, como resultado, diversos produtos anunciados e vendidos na pré-venda por empresas menores tiveram as suas entregas atrasadas, como o Blu-ray do clássico Paris, Texas e o box da coleção Essencial, da Versátil, que conta com quatro filmes do diretor David Lynch em alta definição.
‘Hoje, com o streaming, o mercado de mídia física são os colecionadores. Por isso que esse ano foi tão bom. As distribuidoras menores começaram a fazer Blu-rays e conseguiram chamar a atenção de quem colecionava. As majors (distribuidoras grandes) foram provocadas por isso e começaram a lançar mais coisas também. O Fábio, dono da famdvd, cutucava muito essas majors, ele falava ‘vocês não vão lançar nada? Vocês não estão vendo o que está acontecendo? Tá vendendo muito!’. A impressão geral no ano passado é de que ia acabar a mídia física por conta da crise da Cultura e da Saraiva...no momento em que as duas maiores lojas entram em colapso, acabou, né? Mas aí, por uma grande sorte, a Amazon também entrou e começou a vender filmes’’, explica Celso Menezes.
Mesmo com as plataformas digitais retirando o espaço da mídia física, não há um ressentimento por parte dos dois colecionadores em relação ao streaming.
‘‘Eu assino alguns serviços de streaming. Tenho Netflix, Amazon Prime, Disney+ e ainda tenho Telecine junto ao meu plano de TV à cabo. Nem deveria poder existir um sentimento de ressentimento com esse tipo de serviço. Ele é o presente e o futuro da distribuição de filmes. Eu considero o streaming essencial para os dias de hoje. O que o pessoal mais nervoso da comunidade confunde é achar que as coisas se anulam. A mídia física e o streaming, apesar de terem o mesmo produto final, são coisas bem diferentes, com propostas diferentes e para públicos diferentes. Eles tem que, na verdade, dar as mãos e andar juntos! Ninguém bate a qualidade da mídia física, assim como ninguém bate o poder de distribuição do streaming, e por aí vão as semelhanças e diferenças numa longa lista…’’, explica PC.
Ele ainda revela que, mesmo possuindo uma coleção enorme, assiste mais filmes em formato digital do que físico: ‘‘A preguiça do ser humano é que move o progresso. Tudo que aparece de nova tecnologia por aí é pra facilitar sua vida, fazendo você precisar fazer menos esforço. Dito isso, em quantidade, eu vejo mais filmes em streaming. Agora, quando eu realmente tiro um tempo pra assistir um filme que quero muito, que vou assistir sentado (sim, o streaming é feito pra você assistir o filme todo largado no sofá ou cama), eu vou de mídia física. Sei que terei uma melhor imagem e som em um caso desse.’’
Celso Menezes diz considerar o streaming ‘‘muito útil’’ e dono de uma aleatoriedade que te permite descobrir ‘‘coisas fantásticas’’, comparada à experiência de ir a uma locadora. ‘‘Não tem porque brigar com o streaming, ele é muito útil, está viabilizando vários filmes de grandes diretores e essa praticidade, de ver onde quiser, na hora que quiser, é muito boa. Só gostaria que fosse mais amplo: gostaria muito que tivessem filmes clássicos, filmes europeus. Seria fantástico ter curtas no streaming… na maioria das vezes, eu decido o filme que vou assistir olhando para a prateleira. Se eu quiser ver um filme clássico noir, eu vou pra essa seção específica. Filme noir é uma coisa que você não acha no streaming’’.
Ele ainda completa: ‘‘O ideal é ter os dois, a mídia física e o streaming existindo juntos. Por isso, pra mim não faz o menor sentido a decisão da Disney de parar de produzir mídia física no Brasil’’.
Em Agosto deste ano, foi ao ar no Blog do Jotacê uma matéria que revelava com exclusividade a informação de que a Disney havia abandonado a produção de mídia física para seus filmes e séries em toda a América Latina, em contraste com a resposta positiva que a comunidade estava tendo em relação aos anúncios de filmes em Blu-ray e DVD no Brasil. O furo coincidiu com a chegada do maior serviço de streaming da produtora no continente, o Disney +. Dessa forma, os colecionadores do país se viram órfãos dos produtos de franquias como Marvel, Star Wars e Pixar. A informação chacoalhou os rumos da comunidade, que também enxerga com incerteza o futuro de distribuidoras como Paramount, Sony e Universal, que não tiveram seus contratos com a Cinecolor renovados e não anunciaram se pretendem continuar com a distribuição de seus filmes em mídia física por meio de outra empresa.
Para os colecionadores, paira a dúvida se 2020 foi um ponto fora da curva e uma oportunidade de mercado que as produtoras detectaram com o intuito de lucrar em meio a um cenário de cinemas fechados, ou se a mídia física veio para ficar como um produto direcionado para cinéfilos e colecionadores.
Para Paulo Cesar, a segunda opção é a mais provável: ‘‘Eu não acredito num mundo sem mídia física, e também não acho que a estratégia seja tentar convencer a galera que assiste Netflix de que ela precisaria, ou mesmo poderia, assistir um DVD, Blu-ray ou 4K. Acredito que o nicho vai se tornar cada vez mais nicho, e que os responsáveis por isso terão que olhar cada vez com mais carinho para essas pessoas... E mesmo que eu esteja errado no meu prognóstico, eu ainda acredito que a indústria de games consiga salvar a mídia física, ou pelo menos postergar sua morte. Enquanto existir um console que possa receber uma mídia física, dando a possibilidade dos jogadores poderem trocar, emprestar e vender um game, ela estará abundante por aí.’’
‘‘Eu acho que é algo que vai ser reconquistado. Eu acredito que a experiência das pessoas pararem, verem o filme e verem os extras, vai ser redescoberta. Do mesmo jeito que a experiência de ouvir um vinil está sendo redescoberta, eu acho que isso também vai acontecer com os filmes. Porque não se trata só de ouvir a música, mas a forma de ouvir, esse ritual. Eu acho que a mídia física não vai acabar.’’, opina o roteirista.