Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Esclarecendo dúvidas sobre os riscos em uma conversa com Luiz Padulla
por
Clara Dell'Armelina
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05/05/2025 - 12h

O mundo está farto de plástico. Estão presentes em utensílios, móveis, roupas e, agora, também nos alimentos, mas não para por aí, estudos recentes, como o feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), comprovam a existência de plástico acumulado no corpo humano. Estamos falando de microplásticos, pequenas partículas de plástico com dimensões inferiores a 5 milímetros causadoras de danos tóxicos aos seres vivos. 

A presença de plástico nos oceanos foi detectada pela primeira vez na década de 70 e só em 2004, com o pesquisador Richard Thompson, que tivemos o conhecimento dos "microplásticos". Entre 2010 e 2020 foi quando  identificaram a presença de microplástico em toda a cadeia alimentar, mas só a partir de 2023 que as pesquisas se voltaram para mapear seus impactos na saúde humana. O professor, biólogo, doutor e autor do blog "Biólogo Socialista", Luiz Fernando Padulla, conversa sobre o assunto com a repórter da AGEMT. Confira!

Pressão do governo Trump sobre instituições de ensino provoca medo sobre fuga de cientistas
por
João Paulo Moura
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05/05/2025 - 12h

Instabilidade é um rótulo que nenhuma nação deseja carregar. Seja na economia ou na educação, viver em um lugar de incertezas gera apreensão a todos. E, embora Donald Trump tenha recém completado 100 dias no cargo de presidente, graças às medidas adotadas, os cientistas se encontram em um mar de insegurança nunca vivido nestas últimas décadas. Columbia, Princeton e a Universidade da Pensilvânia sofreram com os cortes e ameaças de Donald Trump. Columbia teve US$ 400 milhões em subsídios federais suspensos devido à casos de assédio a estudantes judeus. Harvard foi uma das universidades que negou as demandas da Casa Branca.

Em consequência, no dia 14 de março, o Departamento de Educação anunciou o congelamento de US$ 2,3 bilhões em subsídios para a instituição. "Uma das grandes vantagens comparativas que os EUA tinha era sua capacidade de atração e fixação de cérebros de pesquisadores de outros países, principalmente do Sul Geopolítico”, diz Cristina Pecequilo, doutora em ciência política pela USP e professora de relações internacionais da UNIFESP. Assim, se os EUA deixarem de ser atrativos, os pesquisadores se moverão a outras nações, e com isso haverá uma perda de conhecimento de ponta”, ressalta Pecequilo em entrevista à AGEMT.    

As ações tomadas pelo governo Trump provocaram um temor generalizado entre os cientistas com medo de uma possível fuga de cérebros. O termo se refere ao processo de migração de pesquisadores, cientistas e profissionais altamente qualificados. Em pesquisa realizada pela revista Nature, dos 2000 pesquisadores consultados no levantamento, 75% consideram sair do país nos próximos anos. Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos no dia 20 de janeiro e, em seu primeiro dia de mandato, revogou 78 ordens executivas do governo anterior, retirou o país da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do acordo de Paris. Durante os três meses seguintes, as ações tomadas pelo governo se intensificaram, principalmente no setor econômico.  

Donald Trump segurando decreto no salão oval da casa branca
Donald Trump exibe decreto assinado no dia 20 de janeiro. Foto: Anna Moneymaker/Getty Images 

No dia 2 de abril, intitulado pelos republicanos como o “dia da libertação”, iniciou-se uma guerra comercial entre os EUA e o mundo. Com a meta de corrigir o déficit comercial internacional do país, o governo norte-americano impôs taxas a 185 países. As altas porcentagens geraram respostas das nações, principalmente por parte da China que revidou com um grande pacote de alíquotas sobre as commodities americanas. Mas as medidas não pararam somente no setor econômico. Dentro das universidades do país, o temor do corte de financiamento e da fiscalização do conteúdo dos cursos aumentou.

A tensão entre o governo Trump e as instituições de ensino superior se elevou a partir do mês de março. Investigações de programas de diversidade e inclusão foram abertas em 45 universidades, com exigências sobre a auditoria de conteúdos e as condutas de alunos em favor da Palestina. Em resposta a esse cenário, instituições e países ao redor do mundo começaram a se movimentar para atrair os cientistas que se encontram nos EUA. A Universidade de Aix-Marselha, localizada na França, lançou uma iniciativa chamada Safe Place for Science, que investirá 15 milhões de euros para apoiar 15 pesquisadores. A União Europeia lançou a campanha Choose Europe for Science, como um refúgio para a liberdade acadêmica. Bélgica, Holanda e países nórdicos vêm oferecendo bolsas e infraestrutura de ponta para pesquisadores norte-americanos. 

Além das universidades europeias, China e Índia se consolidam como potenciais concorrentes dos pesquisadores estadunidenses. “Eu destacaria a China como uma potencial concorrente, até porque basta lembrar que todos estes outros países, principalmente a França tem problemas com forças políticas conservadoras anticiência. Além dela, mencionaria igualmente a Índia, que tem investido pesadamente em ciência e tecnologia”, completa Pecequilo. 

Nos últimos anos, a China despontou como a líder mundial em número de artigos científicos publicados. Segundo Ministério de Ciência e Tecnologia da China, em 2024, o país destinou mais de US$ 496 bilhões para pesquisa e desenvolvimento. Esse valor corresponde a 2,68% do Produto Interno Bruto (PIB) chinês, sendo o segundo maior investidor mundial em pesquisas, atrás apenas dos Estados Unidos. 

A Índia também tem se destacado como uma potência emergente em ciência e tecnologia, apesar de ainda apresentar desafios estruturais. O país investe 0,64% de seu PIB em pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, esse investimento tem crescido de forma constante, dobrando na última década. O governo indiano é o principal financiador, respondendo por mais da metade do total, com destaque para agências como o DRDO (Defesa), o Departamento de Espaço e o Departamento de Energia Atômica. 

Apesar das incertezas internas e das ameaças que pairam sobre o sistema científico dos Estados Unidos, a ciência mundial está encontrando novos centros. Essa reconfiguração global do conhecimento pode redefinir o papel dos EUA como epicentro da inovação e da produção científica.

Documentário I’m Not a Robot instiga o telespectador a refletir sobre a evolução das máquinas
por
Vítor Nhoatto
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08/04/2025 - 12h

Não sou um robô, uma etapa de checagem comum ao navegar na internet e uma sentença obviamente verdadeira, ou talvez não. O curta-metragem de co-produção holandesa e belga de mesmo nome, problematiza o chamado teste Captcha, quando a protagonista Lara (Ellen Parren, produtora musical, entra em uma crise existencial ao não conseguir provar sua humanidade.

Logo de cara o enredo de Victoria Warmerdam, também diretora da obra,  pode parecer apenas cômico, e a interpretação de Parren colabora para essa atmosfera. Os diálogos curtos e a indignação diante de uma suposta certeza de Lara prendem a atenção do telespectador ao fazer com que haja identificação com a situação. Provavelmente todos nós já erramos um destes testes simples em algum momento.

A história com pouco mais de 20 minutos continua com a indicação que a personagem tem a chance de ser 87% um robô, segundo um quiz online, e a essência incômoda da ficção científica começa a reluzir. Conversas entre humano e máquina existem há cerca de 60 anos, com a criação do chatbot Eliza, e com o avançar dos anos é cada vez mais comum, de fato.

Seja aquele número para marcar consultas ou o serviço de atendimento ao cliente das operadoras, a Inteligência Artificial rodeia as esferas da vida cotidiana e vem evoluindo rapidamente. Tome como exemplo o robô humanoide que já foi capa de revista e é considerada cidadã saudita, Sophia, da Hanson Robotics desenvolvido em 2015. Ou ainda os influencers virtuais com milhões de seguidores do Instagram hoje como a carismática Lu da empresa de varejo brasileira, Magazine Luiza.

Robô Sophia
Sophia foi inclusive ao Talk Show do apresentador norte-americano Jimmy Fallon - Foto: Hanson Robotics / Divulgação

Parece que a barreira entre o físico e digital, natural e artificial vem sendo quebrada, como aborda a obra de Margareth Boarini, “Dos humanos aos humanos digitais e os não humanos”, lançada em julho do ano passado pela editora Estação das Letras e Cores. O primeiro livro da doutora em tecnologias da inteligência e mestre em comunicação se aprofunda nesses casos de coexistência entre robôs e pessoas, porém, até onde se sabe as diferenças entre máquinas e humanos são perceptíveis, ainda. 

Mas como uma boa teoria de ficção científica, o documentário explora justamente um possível futuro da humanidade, em que máquinas e humanos serão indistinguíveis, A saga de Lara por respostas acaba com a revelação de que Daniël (Henry van Loon), marido da personagem, a encomendou sob medida há alguns anos, como se faz com uma roupa hoje.

Suas memórias, sentimentos e até mesmo relações com outras pessoas, ou robôs, são todas fabricadas, como uma versão muito mais avançada do robô Sophia. A comédia permeia a narrativa um tanto quanto impensável aos olhos de hoje, mas curiosa. A seriedade da executiva da empresa que fabricou Lara, Pam (Thekla Reuten) cria uma atmosfera cômica ao assunto, completada pela tranquilidade que Daniël fala sobre sua “aquisição”.

Parren entrega uma atuação que transborda indignação, e o trabalho cinematográfico é inteligente, com cortes que acompanham a visão de Lara. Sobre o ambiente que o filme se passa, todas as gravações foram no CBR Building em Bruxelas, e a ambientação feita com cores vibrantes e apenas carros de época no estacionamento propõe um contraste entre antigo e moderno, frio e robótico, quente e humano. 

O desfecho se dá com o desejo da protagonista de ser dona do próprio destino, relegando o fato de não poder morrer antes de seu “dono”. Isso pode ser visto talvez como uma negação em aceitar a única coisa que a diferencia de um humano, ou como uma mensagem da autora da obra sobre uma rebelião das máquinas.

Fato é que Lara se joga do topo do prédio, em um take muito inteligente por parte da direção ao filmar de cima, e que apesar de pesado e grotesco consegue ser engraçado e não desagradável aos olhos. Tal qual uma morte comum, há muito sangue saindo do corpo, as necessidades fisiológicas também são como de humanos, mas após alguns instantes a robô volta à vida.

Lara e Daniel em um Volkswagen Fusca azul
Com cinematografia cativante e enredo inesperado, é um Sci-Fi cômico e dramático - Foto: Indie Shorts Mag / Reprodução

Incômodo e perspicaz são boas palavras para definir a quinta produção de Warmerdam, que a fez faturar uma série de prêmios internacionais incluindo o Oscar de Melhor Curta-metragem deste ano. Sua produção também se destaca por ser carbono neutro, com o plantio de uma agrofloresta na Holanda para compensar as emissões de gás carbônico (CO2) da obra.

I’m Not a Robot está disponível de forma gratuita no YouTube desde o dia 15 de novembro de 2025 no canal The New Yorker, com legendas apenas em inglês ou holandês. Mesmo com essa barreira linguística, o choque final é inevitável, e a reflexão provavelmente também, se o seu cérebro não estiver se perguntando se você pode ser também um robô.

Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Uma análise do agronegócio e o mito do projeto progressista moderno
por
Catharina Moriais
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29/06/2022 - 12h

Por Catharina Faria de Moraes

Durante muitos séculos no território demarcado atualmente como brasileiro, predominava uma visão espiritual sobre a conexão entre a natureza e o ser humano. Contudo, a partir de um processo de dominação territorial houveram imposições de novas crenças sobre o manuseio do solo do País.  Para compreendermos as atuais conjunturas do agronegócio brasileiro e as consequências que a agro-exportação, como uma das principais fontes econômicas, têm sob as circunstâncias brasileiras é necessário voltar no tempo para analisar como se chegou até a realidade enfrentada no momento. 

O pensamento social brasileiro já no século XVIII, em diversas produções textuais de autores desde José Bonifácio à Frei Vicente de Salvador e Joaquim Nabuco, demonstram uma percepção alarmante quanto ao problema ambiental no Brasil. O país foi fundado por um regime colonizador agrícola, monocultor e latifundiário, que estava inicialmente focado na exploração do pau Brasil. Em 1823, José Bonifácio escreveu um artigo em que atesta que caso o país não tomasse providências para preservação de suas florestas em menos de dois séculos, iria se transformar nos áridos desertos da Líbia. 

É importante observar que os problemas ambientais tiveram diferentes problemas ao longo dos diversos planos de governo que tivemos, já que com eles, tinham projetos de desenvolvimento econômico distintos. Porém, os conflitos quase sempre se estabelecem em torno da preservação ambiental e projetos desenvolvimentistas. 

Os problemas ambientais não são simplesmente dados. Os pensamentos ambientalistas críticos que surgiram desde cedo, ajudaram a construir nossas instituições políticas como órgãos, leis, etc. Elas não foram somente construções casuísticas de determinados governos, mas foram construídas e moldadas conforme foi se desenvolvendo uma percepção social dos impactos ambientais que existiam em ações cometidas por um setor agrícola desenfreado. 


Políticas públicas para “controle da situação”

Existem diversas maneiras de conceituar e formar o que se caracteriza como problema ambiental. Dois principais tipos de legislações ambientais tem como característica: as que dizem respeito aos princípios de proteção ambiental, definindo o que é a proteção; e aquelas que definem como será estruturado o sistema para controle e implementação dessa proteção. Dentro da nossa política ambiental existe uma concepção marcada, desde a década de 1930, de responsabilidade entre o Estado e a sociedade na proteção da natureza. 

Um dos marcos iniciais foi o código ambiental de 1934 (Decreto 23.793/34), feito no período do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que obrigava os donos de terras a manterem 25% da área de suas propriedades com a cobertura de mata original. Essa necessidade de proteção florestal além de ser traçada para as “demandas econômicas”, se transformou depois nas áreas de preservação permanente - APPs. O projeto de modernização da agricultura do país iniciou na década de 1950, com a agricultura intensiva. A Revolução Verde acompanhou um novo processo de práticas de cultivo que dependiam de produtos químicos agrícolas, agrotóxicos e fertilizantes. 

Mas foi a partir da década de 1960, principalmente no início do período ditatorial do governo militar em 1964, que foram elaborados planos de “modernização do campo”, moldando a produção de bens primários ao capital financeiro, diante dos interesses do mercado internacional. Essa reestruturação do campo foi por meio do plano Complexo Agroindustrial no Brasil (CAI) que incorporou tecnologias e mecanização industrial para a agricultura, criando assim uma interdependência entre elas. 

Esse modelo agroindustrial trouxe mudanças sociopolíticas para diversos grupos que dependiam do meio, além de econômicos. A ausência de políticas públicas em relação às reformas da estrutura fundiária e da regulamentação das condições de vida dos trabalhadores do campo, ajudam a compreender o impacto do efeito da modernização conservadora que aconteceu. A concentração de terras nas mãos de poucos latifundiários foi mantida,criando assim uma grande quantidade de terras improdutivas, algo que pode se observar ainda hoje, e a disparidade de renda no campo aumentou. Essas foram as consequências de suprir as necessidades industriais e do aumento da exportação monocultural. 

Existiam políticas governamentais que ajudaram a formar a estrutura agrária. O Estado na ditadura militar foi o pilar para toda essa reforma, que priorizou os interesses dos grandes grupos econômicos e empresariais. É possível ver isso com as estratégias de incentivos fiscais, créditos subsidiados e programas como o Serviço Social Rural e o Estatuto da Terra. Deixando de lado planejamentos de uma reforma agrária, não houve auxílio com os problemas enfrentados pelos trabalhadores e pequenos e médios produtores do campo, fortalecendo então a desigualdade social. 

Durante todo o período da década de 1980 até os anos 2000, é possível observar que, marcado por duas crises cambiais, não houve medidas do governo de modificação fundiária. O agronegócio se consolida então, atualmente, como um modelo de acumulação de capital no campo, com um caráter predador e excludente. As exportações em pouco mais de uma década, de 1999 a 2012, quintuplicaram na produção de commodities. Destacando o aumento da produção, riqueza e novas tecnologias, o agronegócio se consolida a partir de um caráter produtivista. 

Esse fenômeno é considerado como uma “reprimarização” ou especialização primária. É um processo de desnacionalização do meio agrário onde o próprio meio rural está submetido a interesses de empresas transnacionais. Cada vez mais, tendo em vista que sua própria economia é baseada substancialmente na produção agroexportadora, o país depende da economia globalizada. 

Alan Azevedo, um ex-jornalista do Greenpeace Brasil que cobriu pautas socioambientais no Executivo, Judiciário, Congresso Nacional e realizou consultoria de comunicação para o Instituto Socioambiental junto ao povo indígena Yanomami, comentou sobre a organização da política para lidarem com as pautas ambientais afirmando que

 


Fertilizante e a guerra internacional

Uma das principais estratégias utilizadas para a superprodução de monoculturas é o uso intensivo de fertilizantes. Isso também criou uma dependência da produção nacional no mercado internacional. Tratando de fertilizantes, o Brasil é o quarto maior consumidor global, importando mais de 40 milhões de toneladas por ano, que corresponde a 85% do total utilizado no setor agrícola. Portanto, ao ano, segundo o relatório de outubro de 2021 na consultoria do COGO Inteligência em Agronegócio, o País gastou cerca de R$56 bilhões. No ano de 2021 o país bateu um novo recorde histórico, comprando 13% a mais do ano anterior e com um expressivo crescimento de quase 16 milhões de toneladas em apenas 6 anos. 

Mas para a desfortuna brasileira, um de seus principais fornecedores em 2022 entrou em guerra. O conflito da Rússia e da Ucrânia desestabilizou o mercado agrícola do país, já que, segundo a última edição do Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a Rússia é responsável por 28% das importações brasileiras. Por conta disso, em meio também à crise global de fertilizantes, os preços dos alimentos podem ficar ainda mais altos, causando um desabastecimento e um crescimento na taxa da fome.

Surgiu então, diante disso, um plano, o Programa Nacional de Fertilizantes (PNF). Essa tentativa de desenvolver alternativas de fertilizantes, além do estrangeiro,  é um processo gradativo, contudo, ainda existem desafios com essa adaptação. Uma dos substitutos seriam os fertilizantes naturais, que geram um impacto menor para o meio ambiente e que são utilizados para a produção de alimentos orgânicos. Porém, o setor resiste a novas propostas que possam substituir os fertilizantes químicos. A fim de manter a estrutura fundiária ligada a projetos de capital internacional, o agronegócio prejudica também a imersão de substitutos naturais. Como um efeito dominó, a baixa na demanda por esses produtos aumentam seus preços e dificultam sua produção.

De acordo com Marcos Araújo, diretor comercial de uma empresa brasileira de fertilizante natural chamada PrimaSea, os fertilizantes naturais são fontes que precisam de pouco processamento, quando comparados aos complexos industriais das fontes minerais clássicas, para a sua exploração. A empresa que extrai algas mortas presente no litoral baiano chamada lithothamnium, compreende que existe uma vantagem na maior sustentabilidade aos sistemas de solo/planta, quando são utilizados produtos naturais, já que esses têm base em resíduos orgânicos e são ricos em minerais. Contudo, mesmo num processo simples de coleta, moeção e distribuição eles enfrentam um mercado tradicionalista com

“pouco apetite para inovação ou mudanças de hábitos.”

Considerando que há certo preconceito com produtos de origem natural, Araújo também reflete na dominação de grandes empresas de insumos que mantêm uma pressão no mercado e formam uma opinião contrária ao uso de produtos naturais.


 

Aprovação de agrotóxicos

O uso de agrotóxicos em alta escala, e dos mais variados tipos é fruto do agronegócio contemporâneo. Ao contrário dos fertilizantes, que servem para nutrir os solos, os agrotóxicos atuam como pesticidas agrícolas que afetam diretamente a saúde humana, além do meio ambiente. O Brasil é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos no mundo que, segundo a Embrapa, tem gastos que superam US$2,7 bilhões por ano. 

O mais assustador é que, mesmo tendo pesquisas como a da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz, órgão do Ministério da Saúde), que relata casos de óbitos de intoxicação humana por agrotóxico a cada ano ou projetos como Programa de Vigilância da Saúde das Populações Expostas a Agrotóxicos da Unicamp que apresenta pesquisas de que cerca de 1,5 milhão de trabalhadores do campo que com contato prolongado com os agrotóxicos estão contaminados, o governo atual continua, em ritmo acelerado, aprovando diferentes tipos de veneno. Em 2019, foram liberados 239 tipos de agrotóxicos, sendo que 31% deles não são permitidos na União Européia. 


Conclusão

 

A reflexão da Suzana Pádua, que é doutora em educação ambiental e presidente do IPÊ- Instituto de Pesquisas Ecológicas, mapeia o que vivemos atualmente. O Estado brasileiro, contra seu próprio bem estar, está se submetendo às demandas do mercado do agronegócio para assegurar as condições de crescimento econômico em escala global. Porém, de forma com que o meio ambiente fique totalmente negligenciado em prol do “desenvolvimento” e permaneça em constante risco. Não só pelo uso de toxinas ao plantar, que poluem as áreas superficiais e internas do solo, mas pela própria estrutura latifundiária  monocultural. 

A ideologia dominante é o modo de produção intensivo. Milton Santos mapeou o período atual como sendo um onde as mudanças econômicas podem ser atingidas a partir de manipulações ideológicas, antes mesmo que uma presença mais maciça do capital de produção ou comercial seja necessária. A super utilização dos recursos naturais e a distorção na destinação desses recursos são resultados de um desenvolvimento histórico do país em relação ao mundo.  

O agronegócio atingiu uma escala de produção tão grande que se tornou o principal regente da economia do país. Os problemas enfrentados no meio rural demonstram a necessidade de uma reorganização do seu próprio modelo, a partir de políticas públicas que ajudem a enfrentar os desafios ambientais que surgem nesse plano. O que não precisamos é de um órgão submisso às demandas de um negócio, que estimula esse sistema fadado à devastação.   

Os dilemas que permeiam o desejo feminino de se tornar mãe
por
Leticia Alcântara Andrade de Freitas
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23/06/2022 - 12h

Por Letícia Alcântara

 

Ilustração de feto no útero em forma de coração - Foto: Getty Images
Ilustração de feto no útero em forma de coração - Foto: Getty Images

 

O sonho de Isleida Moura de ser mãe já tem mais de 15 anos, sem sucesso, devido a problemas de fertilidade. Tal aspiração não é exclusiva de Isleide, o desejo de tornar-se mãe é expressivo no coração de milhares de outras mulheres; não é  exagero afirmar que a maioria delas já nascem mães, pois até mesmo quando elas não podem gerar filhos, isso não as impedem de adotarem e assim, exercerem este instinto natural. A grande pergunta feita por muitos é: Porque essas mulheres não adotam já que existem orfanatos repletos de crianças à espera de um lar? A resposta talvez esteja na expressão do direito de exercer sua maternidade, e quando possível de modo a sua escolha, e a ciência, estando disposta para possibilitar a concretude desta decisão.

O sonho de ser mãe, portanto, é algo presente na vida de muitas delas, mas algumas anseiam em vivenciar a experiência nas entranhas, na carne,  gerar a vida dentro de si, sentir as mudanças físicas, hormonais e, principalmente emocionais durante o processo dentro do seu ventre. Acima de tudo, é mais do que  realizar  um sonho, é experienciar por meses o milagre da reprodução. Durante esse processo a mulher  passa por uma  metamorfose e  para a maioria é uma vivência inigualável, sendo para elas os sacrifícios, físicos, psicológicos ou as dores  passadas, sentidas, em prol de colocar seu bebê no mundo, heroicamente suportadas, pois ao  vislumbrar-se tornando-se mãe ela se dispõe a enfrentar este momento com bravura  e  nada, absolutamente nada, deve ser mais importante ou maior em sua vida. É um desejo que a acompanhará por todo o sempre; sentir uma vida dentro de outra vida, dois corações batendo no mesmo corpo. Este é o ideal romântico da fertilização, que para alguns é só ciência e mercantilização, entretanto para estas pessoas a expectativa e por fim sua realização, é o milagre da vida falando mais alto.

O desejo especial de se tornar mãe, figura a vida de muitas mulheres ao redor do mundo, gerar outra vida, através do próprio ventre, trás consigo um ideal mágico, divino, espetacular; Porém pouco se fala daquelas mulheres, que se deparam com dificuldades ao longo deste processo, ainda que dados da OMS apontem que  50 a 80 milhões de pessoas em todo o mundo podem ser inférteis. No caso específico do Brasil, este número chega a 8 milhões, estando relacionado cerca de 35% dos  casos de infertilidade,

Número que coloca a infertilidade como o bicho papão para todas que querem engravidar  ou seja, as mulheres que colocam a maternidade como projeto de futuro. Mais que curar e tratar doenças, os avanços da ciência carregam a possibilidade da realização de sonhos, sendo um destes mecanismos a reprodução assistida. Entende-se por reprodução assistida todo e qualquer processo reprodutivo, que tenha alguma espécie de intervenção científica, viabilizando desta forma a gravidez. Tais intervenções podem ser divididas em procedimentos de baixa e alta complexidade, sendo o primeiro quando não há manipulação dos óvulos e espermatozoides em laboratório, já no caso do segundo, ocorre esse manuseio o  que explica a terminologia “In vitro”, de forma simplificada, como esclarece a pesquisadora e especialista em reprodução humana, Michelli Montãno, que hoje reside na Espanha, um dos destinos mais procurados na Europa e no mundo, para as técnicas de reprodução.

Tudo depende de quão invasiva é esta intervenção. Dentro destas duas subdivisões, existem diversos métodos que podem ser adotados, a depender da necessidade de cada paciente. Ainda em relação ao método, a especialista pontua que o mesmo deveria ser decidido de forma individual, com cada paciente porém isso na prática ,não ocorre, os ginecologista em sua maioria, não costumam pedir exames para investigar como está a reserva ovariana da mulher, e quando pedem , são em pacientes já com idade avançada, o que para Michelli é um erro, pois isso deveria ser pedido inclusive para mulheres jovens, para alertá-las, a fim das mesmas ponderarem as opções, incluindo o  congelamento de óvulos.

Quando nos referimos ao método é importante salientar, que não é correto usar as expressões taxa de sucesso e de falha, uma vez que cada organismo é um, e mesmo obtendo sucesso na tentativa, em algumas situações, a gravidez não irá adiante, pelo contrário em diversos casos uma primeira experiência não é o suficiente. Muitos fatores levam mulheres, a recorrerem a estes tratamentos, como problemas genéticos, e até mesmo o avanço da idade. Estudar, trabalhar, casar, alcançar estabilidade emocional e financeira,  é um processo longo, e quem segue essa ordem, não necessariamente a risca, mas que escolhe deixar por último a concepção dos filhos, acaba se deparando com alguns desafios, especialmente em se tratando de mulheres, que não só tiveram uma inserção tardia no mercado de trabalho, pós constituição de 1934, como também seguem enfrentando diversos estigmas e preconceitos sociais referentes a conciliação de vida profissional e maternidade.

Como esclarecem os especialistas, a idade reprodutiva das mulheres, atinge seu pico entre os 25 e os 29 anos, após 29 anos até os 35, as chances ainda são consideradas boas,  depois dos 35 as dificuldades aumentam gradativamente ao passar dos anos, sendo depois dos 40 frequentemente necessário o suporte médico, e  os riscos de complicações gestacionais, considerados  altos.  A entrevistada Francielle Delabio, relata que ao chegar próximo aos 40, vinda de tentativas naturais infrutíferas, não queria mais esperar, então aos 38 anos começou o processo, Francielle que recorreu ao congelamento dos óvulos, para fertilização em um momento propício, seguindo orientação médica, com testes de ovulação e administração de medicamentos, obteve êxito na primeira tentativa, e hoje tem uma filha de 5 meses de vida.

Gráfico idade x fertilidade, Fonte: Felicitá Instituto de Fertilidade
Gráfico idade x fertilidade, Fonte: Felicitá Instituto de Fertilidade 

Na caminhada, para a tão sonhada gravidez, as mulheres lidam com constantes adversidades, encarar  a expectativa, ansiedade e frustrações. Amanda Bueno, que realizou duas FIVs (Fertilização In Vitro) relata seu sofrimento, afirmando que a parte mais complexa de lidar é o psicológico, e que vivenciou uma montanha russa de emoções incluindo, medo, frustração e  luto. Ela sinaliza a importância de toda mulher que passa por este tratamento ter um acompanhamento psicológico, principalmente porque ele influencia muito no resultado final. Amanda, ainda não conseguiu engravidar, porém afirma que após se recuperar psicologicamente, pretende continuar tentando. 

Outro fator determinante são os elevados valores, as medicações são caras, juntando procedimentos e internação, tornam-se menos acessíveis ainda; os valores de uma inseminação giram em torno de 10 mil reais, e uma fertilização in vitro, não ficando abaixo de 20 mil. Os procedimentos, por enquanto, não estão no rol de cobertura de nenhum convênio, o que gera ainda mais desilusão  para as contratantes. No Brasil já existem tratamentos realizados pelo SUS, para famílias de baixa renda, porém ainda que mais acessíveis, nem sempre são 100% gratuitos, requerendo custos altos para o padrão da maioria da população, além de uma burocracia significativamente demorada.

Isleide Moura atualmente conseguiu o tratamento pela  UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo), que detém  um programa de assistência para pessoas de baixa renda, a mesma narra que a instituição cobra um valor de 3 mil e 900 reais pela internação e os procedimentos cirúrgicos, além do custeio da medicação, que totaliza 5 mil reais, e também fica por sua conta.

Os dilemas que circundam a reprodução assistida são muitos, além de negligenciados pela população em geral e pelo governo, pouco se fala de um tema que é realidade constante para muitas mulheres, para muitas famílias. Aquelas que exprimem o desejo da maternidade biológica, gerar uma nova vida, não deveriam jamais ser privadas desta vontade, especialmente quando o fator determinante se restringe ao dinheiro, ou melhor a falta dele.

Que avanços médicos/científicos são imprescindíveis e essenciais não existem dúvidas, ou questionamentos, mas e quando estes avanços só chegam para alguns? E quando a ciência se torna reduzida a só mais um objeto de aparthaid social, quanto vale um sonho? E mais quanto vale uma nova vida, que a ciência pode e deve, ajudar a gerar, más que por assimetrias sociais presta este auxilio apenas para alguns.

 

 

 

Quando surgiu o crack em São Paulo? E a 'Cracolândia'? O que dizem os psiquiatras?
por
Pedro Laigalini
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23/06/2022 - 12h

Por Pedro Guimarães Labigalini

 

O que hoje chamamos de centro-velho já foi palco de diversas transformações sociais, diásporas, movimentos de industrialização e, depois, de acentuada gentrificação. A verdade é que o solo entre a Avenida São João e a Alameda Cleveland protagoniza a história da cidade de São Paulo, e esboça, invariavelmente, um reflexo, da urbanização paulista. Até o início da década de 30, o fluxo econômico de São Paulo, e até mesmo grande importância das movimentações financeiras nacionais, corriam entre a Santa Cecília e a Catedral da Sé. É justamente com a quebra da bolsa de Nova Iorque, em meados de 1930, que ocorre a debandada empresarial do centro. Empresas, rádios, televisões e bancos migram da região central, e partem para o logradouro de mais altitude: a Avenida Paulista.

Mas, para compreender com eficácia as dinâmicas habitacionais da área em apreciação, devemos retornar à 1878, quando o empresário suíço Frederico Glete e o alemão Victor Nothmann, arremataram grande terreno na circunvizinhanças da ainda incipiente São Paulo, e repartiram a terra em lotes para dar fundação a grandes mansões. Ali, ergueu-se o primeiro bairro planejado da cidade, onde se aportaram vultosos industriais e o baronato cafeeiro, haja vista a boa localização assegurada para as viagens de tratativas negociais. Esse empreendimento tem marcantes traços e influências dos mestres-de-obra e artesãos portugueses, italianos e espanhóis que foram empenhados  na construção civil.

O bairro manteve essa atmosfera do baronato até a, já mencionada, quebra da bolsa de Nova Iorque. Quando ocorre o capital sobe a colina e se instala na Av. Paulista, as grandes mansões começam a dar espaço a cortiços, e os habitantes dos Campos Elíseos passam a ser, majoritariamente, parte do proletariado de uma cidade que aportava indústrias no seu recinto residencial. Ocorre que muitas estruturas foram mantidas, e edifícios sobreviveram à industrialização, de forma que a Prefeitura decidiu, por meio do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), tombar as características urbanísticas do perímetro, em 1986.

CRACOLÂNDIA

 

Apesar do tombamento conferido pela municipalidade, a degradação dos Campos Elíseos teria início quatro anos depois, e não seria através do esmorecimento da identidade urbana, mas através de um fenômeno social  sintomático.

De acordo com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. do Ministério da Justiça e Segurança Pública o crack surgiu nos Estados Unidos na década de 1980 em bairros pobres de Nova Iorque, Los Angeles e Miami. O baixo preço da droga e a possibilidade de fabricação caseira atraíram consumidores que não podiam comprar cocaína refinada, mais cara e, por isso, de difícil acesso. Aos jovens atraídos pelo custo da droga juntaram-se usuários de cocaína injetável, que viram no crack uma opção com efeitos igualmente intensos, porém sem risco de contaminação pelo vírus da Aids, que se tornou epidemia na época.

Em oitenta e seis, ano que o CODEPHAAT conferiu proteção ao bairro, o crack ainda não era conhecido no Brasil. O primeiro relato da droga data de 22 de julho de 1990. A Polícia Militar teria apreendido um jovem com pouco mais de 200 gramas, na zona leste de São Paulo. No início, o consumo acabou se concentrando, em grande parte, naquele lado da cidade. Até que uma disputa entre os traficantes deslocou o fluxo de vendas para a região da Luz.

Em 1988, o Terminal Rodoviário da Luz havia sido desativado. Sem-tetos e pessoas em situação de rua habitaram o complexo no primeiro momento. Quando ocorre, porém, a mencionada diáspora do tráfico, em movimento semelhante ao que ocorrera com o capital nos anos 30, a região é tomada pela presença dos usuários e pela “cena aberta de uso de drogas”.

A primeira vez que o termo apareceu no vocabulário escrito remete a 1995, em reportagem do Estadão que tratava da inauguração da Delegacia de Repressão ao Crack . A concentração para consumo, desde lá, foi apenas aumentando. Até que em 2005, a gestão municipal de José Serra deu estopim às ações:

Serra desligou bares e hotéis associados ao tráfico da região, tentou retirar aqueles em situação de rua da região, e declarou imóveis como sendo de “Utilidade Pública”, para viabilizar a desapropriação. As medidas não surtiram efeito significativo nenhum.

Em 2007, a gestão era de Gilberto Kassab. Promoveu o programa “Nova Luz”, que renunciava 50% da cobrança de IPTU da região, e 50% do ISS. Apesar de beneficiar, notadamente, os menos vulneráveis, a ação também não provocou grandes alterações nas estruturas já estabelecidas de degradação urbano-social que agora assolavam os arredores da Rua Helvétia.

Diante do pujante insucesso das políticas de Kassab, o Governo Estadual se levantou da cadeira, e Geraldo Alckmin foi quem deu início a uma política que correu paralela e conjuntamente às empreitadas municipais, o Programa Recomeço.

O Recomeço contou, em sua elaboração, com a participação do médico psiquiatra da Unifesp, Ronaldo Laranjeiras.  Com Ph.D na Inglaterra, e prática conhecidamente mais conservadora, ele concedeu entrevista a esta reportagem, que será reproduzida mais adiante. Ele foi um dos responsáveis pela implementação dos CRATOD’s (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), que acolhe os usuários na Rua Prates.

De acordo com o Portal do Governo do Estado, “as mães dos pacientes procuram orientação no chamado ‘Recomeço Família’, um braço do Programa Recomeço. (...)
Muitos dos pacientes recebem ali mesmo o encaminhamento para o tratamento, de acordo com o seu quadro e nível de intoxicação. Além das Comunidades Terapêuticas, eles podem ser direcionados também a uma avaliação médica ou, em casos menos graves, para um Caps do município ou da própria instituição.”

A ação chegou a atender mais de 3.000 pessoas por dia em todo o estado paulista, e, apesar de também oferecer assistência social e atendimento ao paciente, recebeu tantas opiniões contrárias quanto pacientes.

As críticas recaem, em sua maioria, no direcionamento às Comunidades Terapêuticas. A psiquiatria parece não ter entendimento sedimentado e único a respeito do tratamento de dependência química. Mas duas frentes se ressaltam nas políticas de saúde pública lançadas nas últimas décadas.

A primeira caminha pela via da internação e afastamento do usuário. A outra anda ao lado da assistência social e redução de danos. Esta segunda teve expressividade em alta quando embasou o programa Braços Abertos, com Fernando Haddad à frente da Prefeitura em 2014. O programa foi coordenado pelo psiquiatra Dartiu Xavier, colega de casa de Laranjeiras, também da Unifesp. Usuários de crack eram acolhidos em hotéis e a Prefeitura tentaria promover alimentação, assistência médica e trabalho. Aqueles que varriam as ruas passaram a receber R$ 15 reais.

As ações foram desmontadas quando João Dória assumiu. Em meados de 2016 pediu à justiça a internação compulsória de mais de 400 usuários de crack da região. O Ministério Público entendeu a ação da prefeitura como improcedente, e a justiça rejeitou o pedido.

Concorrentemente ao Programa Recomeço, estadual, Dória lançou o Redenção, que ficou marcado por uma grande intervenção policial que tomou as ruas do centro, no mesmo 21 de maio em que acontecia a Virada Cultural. Se, naquele momento, houve uma pulverização dos usuários, não demorou uma semana até que se concentrassem novamente, desta vez no preciso endereço da R. Helvétia. Ali permaneceram, e assim mantiveram-se os esforços do Poder Público. Até o presente ano de 2022, em que ocorreu a ocupação da Praça Princesa Isabel, e a consequente operação policial que retirou os usuários e cercou a praça para as reformas a agendadas alguns meses antes.

A movimentação de pessoas que usam e traficam drogas a céu aberto voltou a crescer na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, após dois anos de queda. A média de frequentadores chegou a 579 pessoas por dia de janeiro a setembro de 2021, número 21% maior do que o registrado no mesmo período em 2019 (478) e 14% maior que em 2020 (506).

A prefeitura, no primeiro dia de ações de zeladoria, retirou onze toneladas de lixo em duas rodadas de limpeza na Princesa Isabel. O que leva a subprefeitura da Sé, responsável por aquele território, ao pódio das despesas em varrições e limpeza de calçadas.

Se a manutenção do espaço é, ora, tão custosa, e sequer há retorno fiscal para a Prefeitura, por quê não encontramos soluções efetivas até o momento? A medicina parece tampouco ter uma resposta. Ou tem respostas, mas elas são bastante idiossincráticas. 

 

O QUE DIZ A MEDICINA?


 Ronaldo Laranjeiras concedeu entrevista a esta reportagem quando dos mais recentes fatos acerca da mudança para a Princesa Isabel.

Do consultório de sua clínica de dependência, Ronaldo conversou via zoom. Ao fundo, as estantes de livros eram atingidas pela luz do sol vespertino, que entrava por uma ampla janela. De sua mesa, respondeu descontraidamente às perguntas, e o trecho de maior relevância está aqui transcrito.

Na sua visão, onde está a ponta do novelo pra gente desatar esse nó da ‘Cracolândia’? São 30 anos de Políticas Públicas, o senhor inclusive participou do Programa Recomeço e disse que foi descontinuado. Mas onde o Poder Público, e talvez nós, como sociedade, estamos errando e o que estamos deixando de encontrar para desatar esse nó?

“Acho que você tem que saber que são várias populações que estão na cracolândia. Você tem ali a população de rua que não usa drogas; você tem a população de rua com transtornos mentais severos; e você tem pessoas usuários de drogas, eventualmente com transtornos mentais; e tem usuário que fica de passagem, que não é frequentador da cracolândia, mas vai, passa, fica naqueles hotéis.

Então, o ponto central é que você não teve uma política que levasse em consideração essa complexidade. E tem um pilar central aí que é o crime organizado, que ganha 9 milhões, no mínimo, por mês. É uma empresa que fatura nove milhões por mês; não existe isso. Você tem a feirinha de objetos roubados ali. Você pergunta pros usuários como eles consegue dinheiro, se a pessoa não trabalha, é por roubo, fruto, prostituição.

Então, a política pública, ela é muito pontual e muito frágil pra lidar com essa complexidade. Isso é válido aqui em São Paulo, lá em São Francisco, Los Angeles. Enquanto a política pública não levar essa complexidade... e não são os moradores de ruas só, ‘puros’ (apenas), tem o crime organizado que se beneficia. (...)

(...)Então a política falha porque ela não leva em consideração essa complexidade. Aí fica num debate muito pobre, ao meu ver: ‘vamos internar todo mundo, ou vamos prender todo mundo’. Eu acho o debate meio pobre. Acho que não vai ser uma solução única, você prender ou internar. Ou dar casa para todo mundo.

É não levar em consideração a complexidade da política para uma população muito vulnerável. Porque tem gente que sai da prisão, a gente tem esse dado, não tem para onde ir, e vai pra cracolândia. Ou então a família não aguenta mais o cara usar crack, manda embora, e ele vai lá pra cracolândia. E ele é se abrigado, de alguma forma, pelo crime organizado, acaba tendo alguma função dentro da cadeia de venda de drogas, nos pequenos roubos e furtos.

Então tem uma complexidade, todo mundo ‘ah, vamos fazer prevenção’, aí a pessoa acha que uma ação de prevenção, qualquer que seja, vai resolver essa complexidade.

O que eu acho...  é uma ingenuidade! Ou eu estou velho, (risadas) e com bastante tempo de cadeira, (por isso) não acredito nessas ingenuidades. (...)

(...)O Prefeito, ao meu modo de ver ver, deveria se reunir com a Câmara de vereadores, com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, e ter um consenso do que fazer. De qual setor fazer. É saúde, é social? Isso é parte do governo... e então fazer uma política consensual do que fazer com a cracolândia. Essas medidas unilaterais e isoladas, elas tem um efeito imediato (...) mas se não tiver uma dimensão, se achar que ‘do prefeito’. Se tiver um cara que vai ser o ‘xerife’ da cracolândia, está  fadada ao erro.(...)”

 

Esta é a visão de um médico com prática e postura mais conservadoras, e anteriores a que é encampada posteriormente por, e tem como maior expoente o coordenador do Braços Abertos, Dartiu Xavier. Dartiu segue a linha da Redução de Danos. Foi procurado por esta reportagem, que não obteve respostas. Para Xavier, que coordena o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Unifesp (PROAD), conforme entrevista ao portal UOL: “os modelos mais repressivos e coercitivos fracassaram no mundo inteiro”. Internar o usuário, retirando-o de seu ambiente para o tratamento, não produz efeitos a longo prazo, mesmo com recursos financeiros, porque a droga "não é causa, é consequência”. Ele afirma também que, o usuário ficar “limpo” em uma clínica, é uma situação fácil. "Mas quando a pessoa volta para a sua vida e seus problemas, ela recai",

Em outra entrevista concedida à Folha de São Paulo, desta vez por escrito, delineou melhor sua impressão:

Aquela imagem do engenheiro que perdeu tudo e foi morar na cracolândia é a raridade da raridade. A droga é efeito, não causa da exclusão. A pessoa já vive excluída socialmente, e sua miserabilidade faz a droga florescer. Há uma grande diferença entre o usuário ocasional e o dependente. Para o segundo, a droga, seja álcool, seja crack, não é recreacional, é fuga”

Quando a gestão municipal de João Dória trouxe à tona, novamente, a internação compulsória, Dartiu disse ao Brasil de Fato:

“Para você ter uma ideia, mais de 90% de quem é internado contra a vontade recai e volta a usar drogas menos de um mês depois da internação. Ou seja, a eficácia é tão baixa que não se justifica do ponto de vista médico. Isso sem mencionar as atitudes que são tão afrontosas às liberdades individuais, aos direitos humanos. Então, eu acho lamentável que a gente, em 2017, esteja ainda voltando ao retrocesso"

Ao Mídia Ninja, disse:

“A minha impressão é que estamos indo na contramão da história, cada vez mais retrógrado nas políticas públicas para drogas. Embora a gente veja uma tendência mundial mais reacionárias, o mundo inteiro está revendo suas políticas de drogas e se flexibilizando. Há vários países regulando e legalizando. Os Estados Unidos e o Canadá, por exemplo, estão indo para uma linha francamente de redução de danos, se abrindo para outra visão, muito mais parecida com a Holanda.”

 

 

Chave por trás de inúmeras descobertas tecnológicas que mudaram a história é, também, o principal motivo da destruição em massa causada pela guerra.
por
Guilherme Silvério Tirelli
|
05/05/2022 - 12h

Por Guilherme Tirelli

Na contemporaneidade, o mesmo país que clamava por liberdade alguns anos atrás, chora os reflexos de um período sem precedentes. A recente invasão russa à Ucrânia, no fim de fevereiro, marca uma nova era global, principalmente no que diz respeito as disputas pelo poder. O confronto, reverbera uma vertente híbrida da guerra, pautada nos estudos cognitivos da mente humana, e em três pilares fundamentais: ciência, tecnologia e mídia.

Praça da Independência em Kiev em 2018
Praça da Independência em 2018. Fonte: Arquivo pessoal

A guerra, por sua vez, possui uma trajetória longínqua que iniciou-se nas antigas batalhas relacionadas ao estado de Lagash, por volta de 2525 a.C. Já durante o Renascimento, Nicolau Machiavel defendia a tese de que um grande governante deveria assumir sua profissão nada mais além do conflito. A ótica de que “O Príncipe” não deveria ser amado por seu povo, mas sim temido por ele, perdura desde a Idade Média. Aliado a essa premissa, com a finalidade de se tornar bem-sucedido durante os conflitos, o italiano pregava que o domínio das técnicas, sistemas e estratégias era essencial.

Dessa forma, desde o século XIV a ideologia de que a ciência era fundamental dentro das discussões sobre logística de guerra vem sendo propagada, uma vez que foi ela quem sempre produziu e, ainda produz, meios para a continuação de confrontos. Por sua vez, o desenvolvimento tecnológico na produção das armas, tornou ainda mais brutais as consequências dos conflitos. Segundo o coronel da reserva do Exército, Orizon Ruyter de Freitas Jr, com o advento da tecnologia, foi possível incorporar dispositivos capazes de maximizar o dano causado, como por exemplo, a mira eletrônica. Ainda de acordo com o militar, é o uso da ciência que dita as relações de poder nos dias de hoje.

Contudo, para se compreender o período exato em que, principalmente os europeus reconheceram a vantagem que ela poderia lhes proporcionar, é preciso retornar ao cerne da Primeira Guerra Mundial. Até então, nenhum outro enfrentamento havia causado mais de dois milhões de mortes. Todavia, entre 1914 e 1918, nove milhões de pessoas perderam suas vidas, não pelas mãos da Tríplices Aliança, ou dos “Aliados”, mas sim pela ciência.

E foi pela Ciência, durante o conflito, que a invenção da metralhadora, creditada à Hiram Maxim, se transformou em um mecanismo mais mortífero. No entanto, a química também teve um papel muito importante no decorrer da guerra. Levando em consideração o enorme número de armas e munição, as formações em linha deixaram de fazer sentido, ao passo que o de canais abaixo do solo tornou-se uma maneira viável de defesa. Com o intuito de fazer os inimigos saírem das trincheiras, os alemães utilizaram o gás cloro, que atacava as células do sistema respiratório. O contra-ataque não demorou e veio quando os cientistas desenvolveram filtros e máscaras capazes de neutralizar os efeitos do gás.

O uso da metralhadora durante a 1ª Guerra Mundial
O uso da metralhadora durante a Primeira Guerra Mundial. Fonte: Getty Images

O confronto, porém, ainda estava longe do seu desfecho. Enquanto a química continuava a causar danos localizados, tanques começaram a ser utilizados, ao mesmo tempo em que os aviões foram equipados com metralhadoras. Nos oceanos, os submarinos também tiveram sua importância durante o combate. Por fim, dentro de um contexto cibernético, o fato dos alemães terem atrapalhado a circulação de produtos para a Inglaterra foi um dos combustíveis que levaram a Europa a destruição.

Mas, além das milhões de perdas irreparáveis, as consequências da Primeira Guerra Mundial foram experimentadas no mundo inteiro. A criação de um ciclo competitivo de inovação provocou incessantes desdobramentos, presentes até os dias de hoje. Entretanto, a principal concepção deixada pelo conflito foi que, para realmente ter sucesso, era estritamente necessário inventar e inovar antes dos demais. Tal máxima impulsionou a criação de novos mecanismos ainda mais letais que deixariam sua marca duas décadas depois.

Idealizada por H. G. Wells, a bomba atômica não passava de uma utopia, um conceito ficcional atrelado às obras do escritor britânico, ainda em 1914. No entanto, anos mais tarde o cientista Leo Szilard realmente descobriu-a, ao passo que Albert Einstein sugeriu que ela poderia ser construída na prática. Em agosto de 1939, o alemão assinou uma carta destinada ao então presidente americano Franklin Roosevelt, alertando que a Alemanha Nazista poderia construir um novo tipo de bomba, extremamente perigosa e que por essa razão estavam extraindo urânio em minas na Tchecoslováquia.

A carta, apenas foi assinada por Einstein. Quem a escreveu foi justamente Szilard. Sob um ponto de vista global, a escritura marcava o surgimento de uma nova era na história da guerra. Roosevelt tomou a frente do Comitê do Urânio que deu origem a principal corrida armamentista da Segunda Guerra Mundial. Em 1943, cerca de quatro anos após o início do conflito, Estados Unidos e Reino Unido fundiram suas pesquisas. Os cientistas britânicos tiveram um papel muito importante ao decifrarem o código secreto dos alemães. Além disso, ajudaram no desenvolvimento do radar e, mais tarde, no projeto Manhattan.

Carta enviada por Einsten à Franklin Roosevelt
Carta entregue à Roosevelt por Albert Einstein. Fonte Getty Images

Dois anos após unirem forças, Estados Unidos e Reino Unido tornaram  Manhattan uma espécie de segredo absoluto. Ninguém saberia quais seriam os próximos passos do projeto até 16 de junho de 1945, dia em que a primeira explosão nuclear foi realizada no Novo México. A experiência Trinity serviu como um teste para aquilo que se transformaria em uma das tragédias mais dolorosas testemunhadas pelo homem.

Em agosto do mesmo ano, após a morte de Roosevelt, Truman autorizou o uso das bombas de Hiroshima e Nagazaki. Centenas de milhares de pessoas foram assassinadas durante o ataque ou por consequência dele, algum tempo depois. Trinity não apenas decretou o início da Era Atômica, mas provou que a Ciência, responsável pelo surgimento de inúmeras tecnologias que alavancaram a humanidade, também tinha o poder de causar uma destruição em massa. Os cientistas assumiram o projeto com um grande entusiasmo, tanto pelo que poderia significar militarmente, quanto, principalmente, pela oportunidade de explorar os limites do conhecimento humano e recursos da época. Contudo, uma vez concluída, a bomba causaria um efeito nunca antes visto e eles assistiriam, perplexos, as consequências do que haviam ajudado a construir. Mesmo após as críticas aos ataques, a tragédia marcou o ponto inicial da corrida nuclear.

Quase quatro anos após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, no dia 29 de agosto de 1949, a União Soviética também testou sua primeira bomba atômica em Semipalatinsk. O experimento apenas endossou o que já se sabia: a Guerra Fria se tornaria uma realidade. A partir desse momento, o desenvolvimento tecnológico já consistia na principal frente do conflito. O lançamento dos satélites Sputnik 1 e 2, fez com que o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criasse a ARPA (Advanced Research Projects Agency), divisão apoiada pelo governo americano, que desenvolvia pesquisas em tecnologias de computadores nas universidades

É exatamente nesse contexto de embate tecnológico que, em 1969, surge a Internet, sob o nome de Arpanet. A visão do Pentágono à época era que a rede seria um importante mecanismo de defesa, caso houvesse um ataque nuclear dos soviéticos. Os dados permaneceriam armazenados, com o intuito de manter ativa a comunicação entre militares e cientistas. De acordo com o coronel Orizon, ainda que restrita ao uso militar, o novo sistema comunicacional adquiriu um caráter revolucionário. Segundo ele, o grande efeito que ela trouxe foi na questão da velocidade das comunicações. Como consequência disso, as disputas pelo poder começaram a ser pautadas pelo acesso a informação, o que deu origem a guerra de narrativas. É justamente nesse contexto tecnológico que a Guerra Fria se instaurou.

Sob um ponto de vista global, o conflito impulsionou o uso da ciência e da tecnologia. A Guerra Fria se caracterizou como um fenômeno plural que moldou as condições e as decisões, assim como as relações internacionais, em meio a rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética. O embate, ainda que indireto, criou um forte clima de tensão sobre a possibilidade de um confronto aberto entre as duas potências. Como consequência desse processo, após a dissolução da URSS, Ucrânia, Bielorrússia e Cazaquistão assinaram um acordo na década de 90, no qual abriram mão de seu armamento nuclear.

Na contemporaneidade, entretanto, os reflexos desse acordo começaram a ser testemunhados. De acordo com a ONU, mais de 3 mil civis morreram na Ucrânia desde a invasão russa ao país. A entidade considera que esse número é ainda maior, uma vez que o confronto dificulta o acesso a determinadas áreas do país. A estimativa é de que pelo menos 5,5 milhões de pessoas fugiram do território ucraniano desde o princípio da guerra. Tal cenário não remete em nada aquele de uma década atrás, no qual Estados Unidos e Rússia assinaram o New Start.

O acordo, firmado em 2010, limitaria o arsenal nuclear das duas potencias a “somente” 1500 ogivas ativas até 2021. Contudo, embora ele tenha sido prorrogado por mais cinco anos, ainda não cobre pontos críticos da tensão entre os países. Por esse motivo, Moscou continua desenvolvendo novos super mísseis nucleares, enquanto Washington multiplica e rearma as bases da OTAN. Era evidente que uma hora o preço viria. Porém, o mais cruel é que aqueles que não tinham nada a ver com o embate entre Estados Unidos e Rússia são os que pagam com a própria vida.

Acordo New Start
Putin e Biden em reunião sobre o New Start. Fonte: Folha PE

Diante desse cenário, chega a ser uma utopia acreditar que a Guerra Fria, de fato, acabou. Ela está ai, para todo mundo ver. Os desdobramentos recentes sugerem que, na Ucrânia, a nova ordem mundial está sendo decidida. O conflito entre russos e norte-americanos está muito longe de acabar, principalmente em um contexto global cada vez mais dominado pela tecnologia que, por sua vez, permite a construção e consolidação de confrontos dessa magnitude à qualquer instante. Caminhamos a passos largos ao encontro de uma realidade pautada pelo desenvolvimento científico e tecnológico e essa conjuntura pode ter pontos positivos e negativos. Depende do caminho que a humanidade escolher. Fato é que se nenhuma medida for tomada nos próximos anos, poderemos sim, ficar reféns das máquinas.

Inovando a forma tradicional de armazenar seus dados, o sistema garante mais benefícios aos usuários e empresas
por
Malu Marinho
Ramon de Paschoa
Tabitha Ramalho
|
07/12/2021 - 12h

  A tecnologia da nuvem inclui o fornecimento de serviços de inteligência aos servidores, armazenamento, análises e bancos de dados, rede e software, tudo isso pela Internet para oferecer inovações mais rápidas. O engenheiro de dados da marca esportiva Nike, Thiago Corrêa, afirma que através dessa tecnologia se otimiza os custos e o tempo da sua empresa, estresse, além do dinheiro e mão de obra.


    As grandes empresas de tecnologia Google, Microsoft e Amazon são fornecedoras do sistema de computação em nuvem. Com o uso diário da internet, hospedar documentos tornou-se algo benéfico tanto para a segurança — armazenando seus dados com a proteção da Lei Geral de Proteção — quanto para o transporte de informações. Ao contratar, as empresas deixam de arcar com mão de obra especializada e grandes servidores para armazenar, a Nuvem é elástica e fornece a quantidade adequada de recursos de Tecnologia da Informação, sempre que necessário.

     Utilizado pela primeira vez no ano de 1997, o termo "computação na nuvem" foi adotado pelo professor de sistemas de informação Ramanath Chellappa, da Goizueta Business School. Em palestra, Chellappa se apropriou do termo por inspiração do símbolo da "nuvem" para representar algo que está "no ar", assim como a internet. Desde então, "a gente começou a virtualizar a própria infraestrutura" como pontuado por Corrêa. Tornou-se cada vez mais comum o uso da inteligência não só para cientistas da computação ou profissionais de TI (Tecnologia da Informação) mas também para o público geral.

      Revigorada há pouco tempo no Brasil, a sanção da Lei Geral de Proteção de Dados, também conhecida como LGPD, traz para as empresas a obrigatoriedade de informar a finalidade da coleta (de dados) aos titulares. 

Thiago Corrêa, engenheiro de dados/ acervo pessoal

A lei se aplica à tecnologia da Computação na Nuvem, já que sua principal função é o armazenamento de referências para as empresas. O engenheiro sinaliza que, quando um analista recebe a pesquisa, ele não tem acesso ao CPF do usuário, por exemplo. E acrescenta, "como sou o engenheiro de dados, ao ver esse tipo de informação (pessoal), preciso mascarar para que a empresa esteja dentro do combinado com a LGPD". 
 

  Com a fiscalização mais atenta através da LGPD, o cotidiano individual é facilitado, já que é informado ao usuário onde, porquê e para quem seus dados estão sendo coletados. Para as grandes corporações, a Nuvem fez com que muitos gastos fossem evitados, por não haver necessidade do uso de máquinas com servidores. O engenheiro explica que, "quando a gente fala de empresas, o serviço em nuvem é um benefício porque elas não vão ter aquela dor de cabeça de custos e perda de tempo que tinham antes."

   O engenheiro aponta um diferencial positivo sobre o uso da tecnologia, explicando que o principal data center — o centro de processamento de dados — do Google fica na Finlândia e, a energia consumida é totalmente ecológica. Ainda pontua como sendo um benefício ambiental, "a computação em nuvem fornece não só diferencial para si mesmo, como para a natureza". 

    Migrar para o serviço de computação na nuvem é o começo da maior presença da tecnologia nas nossas vidas cotidianas. As empresas de grande porte abordam a inteligência como uma jornada de melhoria constante. De acordo com a Accenture Technology, em pesquisa realizada com mais de 4.000 respondentes, revelaram que o deslocamento para a nuvem entrega resultados positivos: quase 3/4 das empresas consultadas relataram cortes de custo de até 11% e puderam acelerar a carga de trabalho em resposta à pandemia, fornecendo melhor qualidade, segurança dos dados, e suporte aos profissionais da área. 

    A tecnologia chegou para facilitar diversos setores, "você não precisa mais ser especialista em configurações de equipamento" diz Corrêa, "muito mais fácil, ir no terminal da servidora e clicar (...) facilita, para todos, incluindo o especialista de TI." complementa. A inteligência de Computação na Nuvem, não é um mecanismo restrito aos servidores da área, e sim, para todos que fazem uso da internet seja para trabalho, estudo ou armazenamento de informações comuns.