Cientistas brasileiros deixam o País em busca de melhores oportunidades no mercado científico
por
Brenda Martins
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19/11/2024 - 12h

Por Brenda Costa Martins

 

Enquanto nossos melhores pesquisadores são acolhidos por laboratórios estrangeiros e embarcam em direção aos países que valorizam a academia e a ciência, ficamos à margem das grandes inovações e descobertas científicas, como espectadores de um progresso que poderíamos estar liderando. A formação de cientistas no Brasil enfrenta uma crise profunda, marcada não por apenas dificuldades estruturais como a escassez de equipamentos em Universidades e laboratórios, mas também pela falta de incentivo à estudantes para que sigam na área acadêmica de pesquisas, além das oportunidades limitadas desse marcado no país. Nos últimos anos, temos assistido a uma crescente “fuga de cérebros” — fenômeno em que profissionais qualificados, principalmente cientistas e pesquisadores, optam por desenvolver suas carreiras no exterior, sendo atraídos por melhores condições de trabalho e valorização profissional. Fuga que tem sido alimentada pela escassez de investimentos no campo da ciência e da tecnologia no país.

Desde 2015, cortes orçamentários intensos afetaram diretamente a manutenção de bolsas de estudo, o financiamento de projetos de pesquisa, bem como a continuidade de programas de pós-graduação em diversas áreas. Com menos verbas, muitos laboratórios foram fechados e projetos interrompidos, situação que acabou por criar um ambiente de insegurança e instabilidade para jovens pesquisadores que desejam contribuir com o avanço científico no país.

Nos centros de excelência, como a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Federal do ABC (UFABC) doutores e mestres formados com alto nível de competência se deparam com um mercado de trabalho retraído. Apesar de contar com instituições de ensino que formam profissionais altamente capacitados, os cortes e as limitações severas no mercado de trabalho continua a fazer com que esses cérebros embarquem para o exterior buscando oportunidades de maior rentabilidade e visibilidade pois para muitos desses cientistas, o ambiente brasileiro se mostra inviável para o desenvolvimento de suas carreiras.  Mesmo entre os profissionais que conseguem uma colocação, as condições de trabalho são frequentemente limitadas, com infraestrutura insuficiente e salários que não condizem com o nível de formação e as exigências da carreira científica.

Esse êxodo de cientistas gera impactos econômicos e sociais observados em longo prazo. Ao investir na formação desses profissionais e, em seguida, vê-los partir para outros países, o Brasil perde o retorno desse investimento, bem como a possibilidade de desenvolver inovações e avanços tecnológicos que poderiam impulsionar setores como saúde, agronegócio e tecnologia. Fato que evidencia outro problema: Não é preciso investir apenas na educação básica e incentivo aos jovens cientista se, no futuro, eles não terão um lugar nas grandes corporações, já que as poucas que existem no país continuam não oferecendo benefícios tão competitivos quantos os de vagas alocadas no exterior, sedes dessas empresas.

Para cientistas como Paula Rezende, doutora em Biomedicina, a decisão de deixar o Brasil é dolorosa, mas necessária. Após anos lidando com infraestrutura insuficiente e atrasos em recursos para pesquisa, ela aceitou uma proposta de trabalho na Alemanha, onde encontrou o ambiente ideal para continuar seu trabalho. Casos como o de Paula são cada vez mais comuns, o que ilustra como o cenário nacional tem se tornado um impeditivo para o progresso da ciência e da carreira dos profissionais brasileiros. A falta de oportunidades no Brasil também gera uma lacuna na academia e nas universidades, onde a quantidade de concursos e oportunidades para docentes e pesquisadores é insuficiente para absorver os doutores formados a cada ano. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que cerca de 25% dos doutores no Brasil ficam fora do mercado de trabalho adequado à sua formação, o que leva muitos a buscar alternativas no exterior, onde há mais estabilidade e reconhecimento.

Elisabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenadora científica do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas (NUPPs) da USP, tem outra visão. A professora tenta analisar um lado positivo desse fenômeno da "fuga de cérebros", as mentes que vão embora do Brasil buscando melhores oportunidades podem "se inserir em redes de pesquisa internacionais, o que poderá ter um impacto extremamente positivo, porque irão se tornar lideranças brasileiras e, uma vez de volta ao Brasil, trarão novas expertises e abordagens para o País", diz a pesquisadora. Uma vez que esses cientistas brasileiros conseguem cada vez mais se estabelecer nas gigantes da tecnologia, por exemplo, o país indiretamente está ganhando reconhecimento, o que pode fazer com que os olhos dessas grandes corporações se voltem ao Brasil. Ainda que a "fuga" desses pesquisadores seja prejudicial no início, com mais profissionais produzindo ciência de qualidade em um ambiente no exterior que comporta suas necessidades, podemos colher frutos no futuro. Afinal, para que grandes corporações se desenvolvam no país, é preciso ver que a população tem capacidade de produzir recursos que possibilite sua expansão.

Outro fator que importante ser destacado é a busca pelo incentivo ao empreendedorismo desses jovens cientistas. Grandes empresas como o Facebook e a Amazon surgiram de um pequeno projeto de seus fundadores enquanto ainda eram estudantes, desenvolvendo uma start-up na garagem de suas casas. É claro que, a qualidade de ensino de ciências nas Universidades americanas possibilitam que seus alunos desenvolvam o pensamento empreendedor, enquanto no Brasil, os alunos são incentivados a bucar emprego fora, em empresas já estabelecidas, fator resultado do cenário de instabilidade não apenas do mercado científico, mas também do empreendedorismo. Algumas escolas de redes particulares no país contam com matérias de empreendedorismo e educação financeira, por outro lado, escolas da rede pública e estaduais se encontram em um cenário totalmente diferente. Ainda há um grande caminho a trilhar para que o acesso à uma educação de qualidade seja uma realidade igualitária entre todos os estudantes do país.

Propostas como a criação de um fundo nacional para Ciência e Tecnologia, que garanta recursos contínuos para a pesquisa, são defendidas por entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Outra alternativa é fortalecer as parcerias entre universidades e empresas, criando oportunidades de inovação e desenvolvimento em conjunto com o setor privado, o que poderia abrir novas frentes de trabalho para cientistas dentro do Brasil.

Enquanto não houver um comprometimento estrutural e financeiro com a ciência, o Brasil permanece vulnerável à saída de seus talentos. A fuga de cérebros se torna um símbolo das dificuldades enfrentadas pela ciência brasileira, limitando o potencial de avanço científico e tecnológico do país. A valorização da ciência e o investimento em condições de trabalho são essenciais para que o Brasil não apenas forme cientistas, mas também consiga retê-los e fortalecer sua base científica para o desenvolvimento nacional e reconhecimento internacional.

Produzir orgânicos é um desafio que envolve altos custos, manejo artesanal e um compromisso com a sustentabilidade.
por
NINA JANUZZI DA GLORIA
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12/11/2024 - 12h

Por Nina J. da Glória

 

No coração de uma pequena fazenda nos arredores de São Paulo, a paisagem exibe fileiras simétricas de verduras, um campo verde que mais parece um quadro pintado com paciência e precisão. Cada folha simboliza uma promessa livre de químicos, cultivada à mão, mas também testemunha de um trabalho árduo, invisível ao consumidor final. Esse é o cotidiano de Mariana Silva, uma agricultora que decidiu, há quase uma década, abandonar a produção convencional para dedicar-se ao orgânico. No início, acreditava que seria um retorno ao básico, uma reconexão com a natureza. Mas a realidade mostrou-se mais densa e complexa do que o imaginado. O solo, como um organismo vivo, exigia constantes cuidados e uma compreensão que ia além dos métodos tradicionais. Cada semente carregava uma incerteza, e cada colheita trazia consigo os riscos de uma produtividade menor, vulnerável a pragas e intempéries. "O solo não aceita pressa", sua frase parece pairar na atmosfera ao redor das hortas, impregnada de paciência e resignação.

Nas redondezas, em outra propriedade de São Roque, Paulo Mendes compartilha a mesma visão, mas com uma trajetória que o levou ao orgânico por caminhos distintos. Ao contrário de Mariana, ele vem de uma família que cultivava com agroquímicos, mas sempre sentiu a necessidade de transformar as práticas de cultivo. Para ele, o orgânico é como um resgate da essência da terra, uma escolha que exige mais do que habilidades tradicionais. É um compromisso com o solo, com o ciclo de nutrientes e com o futuro. Paulo vê o campo como um delicado organismo, onde a compostagem e a rotação de culturas são essenciais, mas também um desafio financeiro. Cada safra se transforma em uma experiência quase artesanal, onde a eficácia do manejo natural precisa competir com a tentação das facilidades químicas. Esse processo, para ele, é como uma dança cuidadosa com a natureza, em que observar e respeitar o ritmo das estações torna-se tão vital quanto qualquer técnica de plantio.

                                                            Comunidade de pessoas que trabalham juntas na agricultura para cultivar alimentos

Para Mariana e Paulo, a colheita orgânica traz consigo um custo invisível ao olhar do consumidor. A vulnerabilidade às pragas, por exemplo, é uma preocupação constante. Sem pesticidas convencionais cada infestação é uma batalha natural que, muitas vezes, se perde. A introdução de insetos benéficos para conter pragas ou o uso de biofertilizantes representa um custo adicional, tornando a logística do manejo um quebra-cabeça financeiro. Além disso, há as certificações rigorosas exigidas para que o produto receba o selo de orgânico, que Mariana descreve como "um segundo trabalho", com visitas e inspeções que, embora necessárias, absorvem ainda mais recursos.

No centro dessa cadeia está Cláudia Ramos, proprietária de uma loja de produtos orgânicos em São Paulo. De seu ponto de vista privilegiado, ela percebe o esforço e as dificuldades de seus fornecedores, mas também o descompasso entre o preço desses produtos e a percepção dos consumidores. Em cada item das prateleiras, Cláudia vê um microcosmo de esforço e idealismo, mas, ao explicar as diferenças entre orgânico e convencional, enfrenta um público que ainda considera o orgânico um luxo. Ela afirma que cada produto é uma história de sacrifício, e explica que o custo mais alto representa a vulnerabilidade da produção orgânica, que exige cuidados permanentes e colheitas menos previsíveis.

                                                                                           Close-up de plantas verdes na estufa

A produção orgânica, então, emerge como uma complexa equação de valores, sacrifícios e riscos. Cada um dos envolvidos—do campo à prateleira—carrega uma parte dessa carga, como se fosse um ciclo contínuo de compromissos, onde o ideal e o real se encontram e se confrontam. A busca pela pureza e pelo cuidado no cultivo se mescla a um cotidiano cheio de dificuldades, e o produto final se transforma numa espécie de narrativa silenciosa sobre perseverança e dedicação ao que se acredita ser o melhor para o futuro do planeta e do ser humano.

A jornada dos entregadores não se limita ao trajeto, mas envolve obstáculos que vão da segurança no trânsito às incertezas de um dia de trabalho autônomo.
por |
12/11/2024 - 12h

Por Thais Oliveira 

 

Se antigamente era comum esperar dias ou semanas para que um pedido chegasse, hoje a demanda por rapidez e eficiência exige uma operação logística reforçada. O dia começa antes do sol nascer, com o medo e a ansiedade tomando conta de Joice Alves, mãe solteira de 50 anos que precisou se reinventar após um divórcio e o enfraquecimento das vendas em seu comércio de plantas. Seus cabelos longos e quase grisalhos carregam histórias de uma mulher forte que devido a gravidez, parou os estudos na quinta série. Tudo que aprendeu é resultado de suas vivências.

A tecnologia dominou o mundo e os seres humanos. Para Joice isso não passava de uma grande perda de tempo, até que tudo mudou em sua vida e a tecnologia virou sinônimo de estabilidade financeira e independência. Conseguir realizar uma entrega parece fácil aos olhos dos que recebem em casa. O suor do trabalho de prestadores de serviço das grandes empresas está presente em cada pacote entregue.

Os desafios começam à frente da seleção. Um aplicativo viabiliza para os entregadores os percursos disponíveis, juntamente ao valor a receber, e cada um seleciona o de sua preferência. Mas o número de prestadores é maior do que os de entregas e, às vezes é necessário passar horas olhando as atualizações no celular. Há dois meses o aparelho eletrônico, que não passava de uma ferramenta de comunicação com a família, amigos e clientes, se tornou o principal equipamento do trabalho de Joice. Foram semanas aprendendo a usar o mapa, abrir e fechar aplicativos, escrever mensagens mais rápidas e, principalmente, a contabilizar os resultados do seu novo emprego. No início de sua trajetória, Lucas, o filho mais velho, acompanhou a mãe em todos os percursos e assim, ela ganhou confiança para trabalhar sozinha. 

Desde a adolescência, Joice foi diagnosticada com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) e comenta que essa logística piora os sintomas diariamente. O seu conforto é o chá de camomila colhido diretamente dos vasos sobrepostos na janela do sexto andar e do calmante recomendado pela cardiologista. Ao conseguir uma corrida, agradece a Deus pela oportunidade e pula o café da manhã, colocando tudo que precisa dentro de uma bolsa térmica. De acordo com o aplicativo fornecido pela empresa, cada percurso tem a duração de 4h e 6h e os valores são correspondentes a estes horários. Explica que foi acordado entre a empresa e os prestadores de serviço que todas as entregas contariam com, no máximo, 45 pacotes e 40 paradas. 

Ao chegar no Centro de Distribuição, Joice recebe a rota com 52 paradas, 65 pacotes amarelos e o medo de não conseguir finalizar dentro do prazo estipulado. É necessário entregar todas as mercadorias para receber os valores completos, independente da chuva, dos ventos de 100km/h, dos postes desligados e das ruas escuras. Joice sai de Mauá com o seu destino traçado em um papel com nomes de pessoas desconhecidas diretamente para a cidade de São Paulo. Na travessa da Avenida Vila Ema e nas mãos Joice, o primeiro pacote foi entregue para a Renata, uma mulher simpática que desejou um bom dia para a entregadora.

Dentro do carro, o estômago de Joice espera por um alimento desde às 9h00min, porém os donos dos 50 pacotes pendentes têm prioridade na fila e as refeições ficam em segundo plano, sendo necessário seguir o caminho ingerindo apenas uma banana. A falta de hidratação e de nutrientes causa cansaço excessivo, perda de cabelo e, consequentemente, ausência de vitaminas importantes para o funcionamento do corpo. Relata, que praticava uma rotina saudável, alimentando-se bem e correndo na rua todos os dias de manhã com os seus filhos, porém precisou abrir mão do estilo de vida para arcar com os novos custos, como por exemplo o aluguel. A infraestrutura básica é uma questão: nas cidades grandes, com quilômetros percorridos entre um ponto e outro, muitas vezes não há onde parar para descansar ou usar o banheiro. A cidade se torna um palco de correria constante, onde não há tempo ou lugar para uma pausa, justifica Joice, ao informar que não consegue ingerir ao menos 200ml de água durante a jornada de trabalho. 

O futuro do setor aponta para uma integração cada vez maior entre tecnologia e logística, com inovações que prometem transformar ainda mais a experiência de compra e aproximar o e-commerce dos consumidores. Embora a constante evolução esteja dominando o cenário, não há direitos trabalhistas ou benefícios assegurados, como convênio médico ou seguro de saúde. Se houver algum acidente ou emergência, o entregador precisa arcar com os custos e lidar com as consequências sozinho. 

Dentro do aplicativo de entregas é possível saber que, dependendo do nível, o entregador terá acesso a mais pedidos, melhores comissões e suporte especializado. A grande corporação criou um sistema de níveis que funciona como uma espécie de escada, onde cada degrau alcançado representa mais oportunidades, e consequentemente, mais pressão. Estar em um nível mais alto pode significar, por exemplo, maior acesso a entregas em horários de pico ou de longa distância, que pagam melhor. Joice é prata, mas conta que demorou meses para alcançar a nomenclatura, afinal qualquer queda no desempenho pode significar uma descida de nível. Cancelamentos, avaliações ruins ou atrasos podem rebaixar o entregador, retirando seus, quase que invisíveis, benefícios. 

Joice conseguiu dois percursos no mesmo dia, isso significa que a corrida contra o tempo é primordial para finalizar o primeiro, voltar ao Centro de Distribuição e recolher as próximas encomendas. Ao sair, os clientes recebem notificações de que o produto está a caminho, causando ansiedade e desconfiança dos que aguardam em suas casas. Durante a noite as entregas são realizadas das 18h00 às 22h00 e Matheus, o filho mais novo, auxilia a mãe ligando para os clientes e entregando os pacotes enquanto ela separa os próximos. Em meio à movimentação, Matheus recebe uma mensagem de uma mulher que estava aguardando o produto há 30 minutos e precisava dormir. Era sexta-feira, 19h39min, quando os insultos começaram e mudaram a rota da família. Cada pacote recebe uma numeração de envio, o itinerário e os dados relevantes do consumidor, em consequência das mudanças Matheus e Joice aumentam a duração do percurso e os quilômetros rodados no carro. A quantidade de remessas no período da noite é majoritariamente maior, entretanto os consumidores não sentem confiança em recebê-las e, frequentemente, rejeitam a tão esperada aquisição. 

As embalagens amarelas recusadas devem atravessar a cidade e voltar à corporação até às 23h00min, horário de finalização dos serviços diários. Joice retorna com o peso da consciência de classe descendo em seus cabelos, refletindo sobre o comportamento interpessoal dos consumidores, do egoísmo e da falta de empatia. O mundo não é mais o mesmo e as pessoas estão preocupadas com as futilidades expostas nas prateleiras invisíveis dos comércios online. Não se importam se a voz que clama do lado de fora da residência está enfrentando a maior chuva do ano na cidade ou se está com um prazo apertado, o importante é aconchego e a novela das 21h00min. 

Após 15 horas, Joice finalmente chega em casa, sentindo-se cansada, fraca e estressada. O dia foi longo, repleto de entregas que exigiam rapidez, atenção e resistência. Cada pedido, cada quilômetro percorrido, parecia se arrastar em meio à chuva, ao trânsito caótico e à pressão por cumprir os prazos apertados. Como muitos entregadores, Joice não tem garantia de descanso ou segurança no trabalho, e mesmo ao chegar em casa, a sensação de que poderia ter feito mais, ou o medo de não atingir o número de entregas esperado, a acompanha. Mas para Joice, o trabalho nunca termina realmente. Ela reflete sobre o que poderia ter feito para ser mais rápida, ou se valeu a pena o esforço de correr contra o relógio. Em sua mente, os desafios que ela enfrentou ao longo do dia continuam vivos, a insegurança nas ruas, o risco de acidentes, a exaustão física e emocional. Mas amanhã, o caminho se repete, enfrentando as mesmas dificuldades em nome de um dia melhor, ou, quem sabe, uma coroa de ouro na guerra contra a logística desumana.

Os chamados cibercrimes são considerados um tipo de violência contra o idoso, e a campanha Junho Violeta busca conscientizar à população sobre a violência patrimonial
por
Alice Di Biase
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11/11/2024 - 12h

Por Alice di Biase

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a população acima de 60 anos no Brasil deve crescer em ritmo acelerado, quase triplicando até 2050. Dados como esse expõem o crescente aumento da população idosa, além de um novo perfil de envelhecimento que requer atenção especial em políticas públicas. Adriana Horvath, diretora voluntária de captação de recursos da Casa Ondina Lobo, relata que a principal queixa dos residentes da Casa é a invisibilidade, a visão estereotipada do “vovozinho” de cabelo branco e ingênuo, e adiciona que os idosos querem ser vistos como seres humanos que ainda tem muito a oferecer.

A Casa de Repouso Ondina Lobo é uma instituição de longa permanência para idosos em situação de vulnerabilidade social, o projeto é sustentado por doações filantrópicas. A missão da organização é promover o bem-estar e a integração do idoso na sociedade, por meio de atividades plurais. Ela relata que muitos dos idosos residentes da Casa já passaram por alguma violência ou situação de preconceito e atribui isso a forma como a sociedade olha os idosos, relacionando-o com a finitude da vida. E adiciona que é preciso entender que a velhice é apenas mais uma fase. Além disso, ela também cita a importância de campanhas de conscientização contra a violência ao idoso, como o Junho Violeta.

Existem vários tipos de violências direcionadas aos idosos, uma delas é a violência patrimonial. Com o avanço tecnológico, os mais velhos se tornaram mais vulneráveis para a violência patrimonial, por meio dos chamados golpes. O Disque 100, do governo federal, registrou, nos cinco primeiros meses de 2023 mais de 15 mil denúncias de violações financeiras ou materiais contra idosos; 73% a mais do que no mesmo período de 2022. Cada vez mais conectada, a terceira idade tem sido um dos principais alvos de quadrilhas especializadas em crimes cibernéticos que comprometem o patrimônio da vítima.

Ondina Lobo e Image Magica

“Mãe, mudei de número, salva esse contato aqui”, assim começa uma das formas mais comuns de fraudes financeiras contra os idosos, a foto de perfil é a mesma que o filho utiliza no seu número próprio e logo em seguida são solicitadas as transferências. Cláudia, aposentada de 66 anos relata como caiu no phishing - tipo de golpe realizado por e-mails, redes sociais e sites que utilizam uma “isca” para fazer a vítima fornecer informações pessoais. Uma loja conhecida com descontos extravagantes, a propaganda era feita por celebridades como Gisele Bündchen e a apresentadora Angélica que recomendavam a promoção. Tudo feito com inteligência artificial. O valor perdido não foi alto, como conta Claúdia, com alívio, no entanto, a sensação de ter sido enganado com facilidade pelos golpistas causa constrangimento.

O constrangimento também é um dos motivos que leva os idosos a se tornarem um alvo fácil dos golpistas. Envergonhados de demonstrar a fragilidade e, de certo modo, alimentar os estereótipos de ingenuidade que a sociedade cria em relação a faixa etária, muitos idosos não contam aos familiares a situação e deixam o ciclo de golpes se estender. Em 2024, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos já recebeu mais de 21 mil denúncias de violações deste tipo contra idosos, destes 80% dos casos são denunciados por terceiros, e não pela própria vítima.

A psicóloga e psicanalista Moema Sarmento compartilha suas perspectivas sobre a saúde mental na terceira idade, ela argumenta que a falta de respeito e os maus tratos podem levar ao isolamento e depressão, o que faz que muitos idosos que sofrem esses abusos patrimoniais não procurem ajuda, assim os casos só chegam aos familiares e autoridades quando já estão em estágios alarmantes.

Com o intuito de alterar esse cenário, a Casa Ondina Lobo em pareceria com a ONG Image Mágica, levou o Circuito Cultura e Inclusão para as mulheres da Casa. As aulas de inclusão digital e fotografia buscam conscientizar os moradores a respeito dos golpes digitais, resgate da autoestima e criar intimidade com o meio tecnológico.
 

Ondina Lobo e Image MagicaOndina Lobo e Image Magica

Como comenta Horvath, a velhice é só mais uma fase da vida que envolve atenção e deve ser aproveitada com qualidade de vida e isso envolve a liberdade de consumir a Internet com segurança.

Entre ícones do passado, referências do presente e caminhos para o futuro, veja como foi a edição deste ano
por
Vítor Nhoatto
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22/10/2024 - 12h

Ocorrido entre os dias 14 e 20 de outubro na capital francesa, o Mondial de l'Auto contou com mais de 500 mil visitantes, além de recados importantes para a indústria automobilística. As donas da casa — Alpine, Peugeot, Renault e Citroen — estiveram presentes, mas, mesmo assim, a presença chinesa continuou e chamou a atenção do público, das autoridades e das rivais. A DS, da Stellantis, foi a única francesa que não compareceu ao evento. 

Temas como sustentabilidade, acessibilidade e segurança no trânsito foram amplamente abordados nas coletivas de imprensa, e traduzidos em parte nos lançamentos. Ao todo, 41 fabricantes de automóveis participaram do evento, o qual trouxe o brilho de volta à Bienal, tal qual como no Salão de Munique, em 2023.

Eletrificação em diferentes níveis

Antenado às ânsias do público e da indústria, houveram lançamentos de vários modelos eletrificados, em diferentes níveis e formatos. Nos últimos meses, as vendas de elétricos oscilaram negativamente na Europa, por conta de uma série de fatores, como altos custos de aquisição e o fim de incentivos governamentais. 

Com isso, marcas como Volkswagen, Ford e mesmo Volvo, reviram seus planos de eletrificação total — apesar da meta da União Europeia de banir os modelos movidos a combustão, já em 2035. O conglomerado Stellantis, por exemplo, investe em plataformas multi-energéticas, capazes de produzirem tanto híbridos, quanto elétricos, e apresentou seus últimos modelos em Paris. 

Construído sobre a e-CMP, — mesma base dos recém lançados no Brasil, Peugeot 2008 e 208 — o Alfa Romeo Junior Ibrida fez sua estreia ao público. Com a mesma motorização dos irmãos, motor 1.2 PureTech em conjunto a uma bateria de 48V, gerando 136 cavalos, o modelo complementa a linha do SUV urbano, disponível como 100% elétrico desde o começo do ano. 

Na Peugeot, as novidades foram maiores, apesar de nenhum modelo totalmente novo, diferente das compatriotas Alpine, Citroen e Renault. Em Paris, foi lançado o novo E-408, versão 100% elétrica do crossover baseado no 308. Sob a plataforma EMP2, compartilha o conjunto mecânico com o hatch, tanto nas versões a combustão quanto na novidade elétrica, e não muda visualmente. Além disso, foram apresentadas as versões Long Range dos E-3008 e E-5008. As autonomias passam de cerca de 500 km para 700 km, segundo o ciclo WLTP.

Em uma abordagem diferente, focada em modelos elétricos separados dos seus semelhantes a combustão, a Volkswagen apresentou o novo Tayron. Com expectativa de ser vendido no Brasil, é a versão Allspace do novo Tiguan, mas agora com nome próprio. O SUV de sete lugares estará disponível em duas versões diesel, gasolina, e híbridas plug-in, além de uma híbrida leve.

Volkswagen Tyron de frente branco ao lado de um Tayron de trás roxo
O Tayron é o sexto SUV a combustão da Volkswagen na Europa, entre Tiguan e Touareg. Foto: Divulgação/Volkswagen

As motorizações são as mesmas do Tiguan de nova geração, construído sobre a MQB evo. Isso se reflete em uma autonomia combinada de até 850 km nas versões plug-in, além de uma autonomia em modo 100% elétrico de cerca de 100 km, graças a uma bateria de 19.7 kWh.

Em uma abordagem semelhante em alguns aspectos a Volks, a britânica de coração, mas de propriedade alemã, a Mini, apresentou os seus novos JCW elétricos. Os primeiros modelos da divisão de desempenho da marca serão o Cooper, um hatch de três portas, e o crossover Aceman. Ambos são construídos sobre a plataforma desenvolvida em conjunto com a chinesa GWM, e prometem a emoção de um esportivo com seus mais de 250 cavalos, mas sem emissão de CO2.  

Mais uma ofensiva chinesa 

Sobre as construtoras chinesas, o Paris Expo Porte de Versailles foi novamente o palco para a estreia de modelos do país asiático, e até marcas inteiras. A GWM não compareceu desta vez, como era de se esperar após o anúncio de reestruturação europeia e fechamento do escritório na Alemanha em agosto deste ano. 

No entanto, a sua principal rival, a Build Your Dreams, brilhou, repetindo a estratégia de 2022. Seu estande contava, desta vez, com modelos já conhecidos do público, como Dolphin e Seal, mas também com o totalmente novo, Sealion 7, apresentado ao mercado europeu, e com um vislumbre da versão que será vendida no Brasil em breve.

Segundo a vice-presidente da marca, Stella Li, o novo SUV cupê do segmento D, reflete em como a BYD reage e escuta às demandas dos seus consumidores europeus, prometendo design, performance e autonomia de ponta.

E com uma estratégia ousada, que busca rapidamente conquistar o mundo, a Leapmotor debutou em Versailles. Com o amparo da Stellantis, — com quem fechou uma parceria bilionária pela administração global da marca — apresentou quatro elétricos. Carlos Tavares, CEO do conglomerado até 2026, esteve no evento e comentou que as montadoras têm mais a ganhar com a estratégia de se aliar às chinesas, ao invés de brigar com elas. Antes disso, ele visitou o estande da BYD, chamando a atenção da imprensa.  

O primeiro deles é um hatch subcompacto vendido por menos de 20 mil euros, o T03, o segundo é o C10, um SUV médio, por cerca de 36 mil euros. Ambos modelos com condução semi autônoma de nível 2 e confirmados para o Brasil. A versão de sete lugares, C16 também esteve no evento, ao lado do inédito B10, revelado no evento. O SUV do segmento C tem como rivais BYD Atto 3 (Yuan Plus no Brasil) e Volvo EX40, e estará disponível já no próximo ano na Europa.

Estande da Leapmotor rodeado de pessoas
Os modelos C16 (roxo), B10 (azul), C10 (verde) e T03 (turquesa) prometem agitar o mercado. Foto: Divulgação/LeapMotor

Para além das duas marcas, a Seres (com operações paralisadas no Brasil até então), a Xpeng, o grupo GAC e a Hongqi ocuparam o complexo de exposições francês. A última chamou a atenção com a estreia do sedã de luxo Guoya, rival dos alemães Classe S, Série 7 e A8. Enquanto isso, a GAC optou por uma abordagem mais demonstrativa de suas tecnologias, sem pretensões diretas de venda no continente. 

A história não se compra

Frente à concorrência cada vez maior das chinesas, eis o contra-ataque europeu, baseado amplamente no legado das marcas, algo com o qual as novatas não podem competir. No último Salão de Munique, o CEO do Grupo Volkswagen, Oliver Blume, destacou que o histórico estilístico das marcas é algo que não pode ser adquirido nem comprado, e será a principal chave para o público comprar os modelos europeus. 

Dito isso, nomes como BMW e Renault também vêm investindo em uma abordagem retrô futurista. Em relação à alemã premium, os conceitos Neue Klasse sedã e SUV foram apresentados pela primeira vez juntos. Com designs que remetem aos modelos dos anos 80, preveem a nova geração de elétricos da marca, esperados para 2025 e 2026.

Porém, foi no estande da Renault que a vibe passado e futuro, misturado com o charme e a funcionalidade, atraiu mais os olhares. Após o lançamento do aguardado R5, um hatch elétrico inspirado no icônico R5 dos anos 90, foi a vez do novo R4 voltar à vida.

Novo Renault 4 E-Tech azul em um fundo colorido
O novo Renault 4 E-Tech continua investido no passado da marca como diferencial. Foto: Divulgação/Renault

Construído sob a plataforma AmpR Small, é a versão SUV do R5, com quem compartilha a motorização e equipamentos. Com 4.14 metros de comprimento, funcionará como a versão 100% elétrica do Captur, contando com uma autonomia de mais de 400km no ciclo WLTP, carregamento rápido, todos os assistentes à condução modernos e muitas referências ao R4 dos anos 70. 

Construído na França, atraiu até mesmo os olhares do presidente francês, Emmanuel Macron. O político esteve no evento no dia de abertura ao público (15), e causou um leve tumulto ao fechar o estande em que visitava. Ele cumprimentou os executivos da marca e entrou no novo modelo, esse com expectativas de custar na casa dos 30 mil euros. 

Na ideia da ofensiva irreverente e estilosa, bem ao estilo francês, o protótipo do novo Renault Twingo esteve no evento. Agendado para ser lançado em 2026 (possivelmente no próximo Salão de Paris), promete tornar a mobilidade elétrica realmente acessível, com um preço na casa dos 20 mil euros no formato de um subcompacto, uma espécie em extinção.

Uma mobilidade de fato acessível?

Mas, ao se tratar de acessibilidade e democratização da eletricidade, outras marcas têm mais a dizer e entregar. Dentro do Grupo Renault, é a romena Dacia a representante de baixo custo. Se o nome da empresa não é conhecido aos brasileiros, com certeza seus modelos são. A fabricante de Sandero, Logan e Duster, vendidos sob o nome da Renault na América Latina e Turquia, apresentou em Paris o mais novo Bigster.  

O SUV é a aposta da marca para conquistar o segmento C, com 4.57 metros de comprimento e preços menores de 30 mil euros, cifra que hatches do segmento B atualmente custam. Baseado na mesma plataforma de Clio e Duster, a CMF-B, contará com opções a micro-híbridas de 48V, híbridas convencionais com baterias de 1.4 kWh, e versões movidas a GPL, populares em países como Espanha e Itália. 

Do outro lado do muro, a resposta da Stellantis ao sucesso da Dacia, — dona do modelo mais vendido da Europa em Julho deste ano na Europa, o Sandero — é a Citroën. A marca que já passou por muitas fases, desde o luxo e conforto do DS original, até a originalidade do Xsara e C4 Cactus, por exemplo, agora investirá no mercado de acesso. 

Estiveram no evento os novos C3 e C3 Aircross, bem diferentes das versões vendidas no Brasil, mas ainda na casa dos 20 mil euros. A reestilização do quadriciclo Ami foi apresentada, uma opção de locomoção elétrica por menos de 8 mil euros. E fechando os facelifts, os remodelados C4 e C4X (versão sedã do hatch compacto) foram lançados em Paris, agora com a nova identidade visual da marca.

Estande da Citroën rodeado de pessoas
A Citroën se reinventou com novos C3, C3 Aircross, C4, C4X e o protótipo verde do C5 Aircross 2026. Foto: Divulgação/Citroën

Além disso, o protótipo da nova geração do Citroën C5 Aircross foi revelado. Segundo a empresa, o modelo de produção será 95% igual ao conceito. No quesito motorização, será construído sobre a nova plataforma STLA Medium, que estreou com o novo 3008, e servirá de base para o novo Compass também. Suas principais vantagens incluem a possibilidade de versões híbridas e elétricas, com maior eficiência e autonomia de até 700 km, além de menores custos de produção pela sua modularidade.

Atendendo às demandas do mercado

Uma das principais ânsias da indústria é a diminuição dos custos na fabricação de elétricos, principalmente após a chegada das chinesas. No entanto, nem só de  grandes grupos é formado o setor, e parcerias são mais bem vindas que nunca. A Ford, por exemplo, se uniu à Volkswagen para produzir seus elétricos para a Europa, se prevenindo da taxação que Tesla, Volvo e Mini tentam evitar  com a fabricação dos seus modelos na China.

A americana/britânica apresentou ao público pela primeira vez o novo Capri, um SUV coupe construído sobre a plataforma MEB dos Volkswagen ID.3 e ID.4. O modelo continua o resgate de nomenclaturas clássicas da marca, como Puma e Mustang Mach-E, além da transmutação desses em SUVs, o que agrada ao mercado em geral, mas não tem a mesma reação aos mais saudosistas.

Do outro lado do globo, a sul-coreana Kia também busca conquistar o mercado europeu dos elétricos, sem dividir os custos com várias marcas. O mais novo lançamento do grupo Hyundai-Kia é o SUV urbano EV3, rival do Jeep Avenger, Peugeot e-2008 e Renault 4. 

Novo Kia EV3 verde de frente em um fundo branco
O EV3 é a aposta elétrica da Kia para o segmento B, o maior em vendas na Europa. Foto: Reprodução/InsideEVs

Os preços devem começar na casa dos 30 mil euros, o que não é barato para um carro do segmento B, mas é compatível aos rivais citados. O chamariz da marca, para além dos sete anos de garantia, é a tecnologia, refinamento e comodidade do modelo, quase como uma versão menor do SUV grande EV9, indicado ao prêmio Carro do Ano Europeu em 2024.

E em um segmento acima, mas em uma faixa de preço parecida, a checa Skoda, — essa sim de um grande conglomerado, a Volkswagen — apresentou o novo Elroq. Rival de modelos como BMW iX1 e Ford Explorer, começara na casa dos 33 mil euros, com uma autonomia de 560 km no ciclo WLTP.

Tentativas e erros

Paris ainda foi o palco para marcas menores, ou com menor relevância na Europa. No primeiro caso, a francesa Alpine que tomou os holofotes com o concept car A390 Beta, que antecipa o segundo modelo independente da Renault. 

Com um design agressivo, inspirado nos alpes, e com referências aos modelos de competição da empresa, será um crossover 100% elétrico construído sobre a plataforma do Nissan Aryia. Mesmo assim, a dinamicidade e performance única da marca, que hoje vende apenas o cupê A110, será mantida no carro de produção, anunciado para o ano que vem. 

Em meio aos europeus e chineses, ainda houve espaço para as estadunidenses Tesla e Cadillac. A empresa de Elon Musk deixou a desejar, sem um estande propriamente dito, ou sequer um tapete e divisórias entre seus modelos. Já no quesito novidade, nada de concreto. A picape Cybertruck foi apresentada oficialmente em solo europeu, mas nenhuma conformação de sua comercialização, ou lançamento do esperado Model Y remodelado e do táxi autônomo Cybercab, revelado três dias antes.

Já em relação a Cadillac, que tentou engatar nas vendas na União Europeia algumas vezes, as coisas foram diferentes. Desta vez focada na eletrificação, a empresa do Grupo General Motors trouxe o SUV de luxo Lyriq, além de lançar o Optiq, um pouco menor e com design menos extravagante na traseira. 

Novo Cadillac Optiq vermelho de frente no estamde da marca
Cadillac mira o Tesla Model Y com o novo Optiq, um SUV do segmento D com 4.82 metros. Foto: Reprodução/GM Authority

O Paris Motor Show 2024 certamente ficará para a história centenária do evento como um recálculo necessário e exitoso de rota. Marcas voltaram à mostra, lançamentos importantes ocorreram e o público compareceu. Além disso, mais uma vez o rumo que a indústria se encaminha foi destacado, um cenário crítico de reinvenção e reajustes.

Ao procurar por evidências de criaturas míticas, a criptozoologia revela a relação do ser humano com a mitologia
por
Alexa Reichmann
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18/10/2022 - 12h

Por Alexa Reichmann

 

Nas florestas úmidas da África Central, o missionário e cientista Thomas Savage procurava por provas materiais das histórias que ouvia. Os residentes da República de Gabão lhe contaram repetidas vezes sobre um “monstro negro” que haviam visto, similar a um “macaco gigante” e que poderia ser até um “homem-símio”. Em 1847, o fisiologista americano - que após uma década de incessantes buscas pela criatura encontrou apenas alguns ossos e dentes suspeitos -, publicou o primeiro artigo sobre tal animal, até então desconhecido na comunidade científica: o gorila. O que o texto de Savage e todos os outros estudos sucessivos tinham em comum eram os testemunhos orais dos gaboneses como argumento. Pois, na verdade, nenhum cientista jamais havia visto um gorila.

Muito antes dos relatos africanos do século XIX, a figura do gorila já havia sido tema de narrativas. O livro romano Historia Naturalis, escrito em 77 D.C, conta a jornada de seu autor, Plínio, o Velho, pela Índia e leste da África. A obra relata diversos animais até então desconhecidos para os romanos, como leopardos, moscas tsé-tsé e, é claro, gorilas. Além disso, Plínio descreveu espécies que até hoje não foram encontradas nem reconhecidas pela ciência, como o Cinocéfalo, um ser humano com cabeça de cachorro. 

A curiosidade expressa em Historia Naturalis pelo o que existe ou pode vir a existir além dos limites de nossa geografia e visão é um dos primeiros registros escritos do que move a chamada criptozoologia. Reunindo saberes da antropologia, biologia e zoologia, ela se dedica a estudar animais não reconhecidos pela ciência formal. Toda criatura descrita em lendas, mitos ou folclore é denominada criptídeo, um animal de existência desconhecida.

 

A "ciência" 

Apesar do interesse milenar pelo fauna oculta, o termo “criptozoologia” foi criado apenas em 1959, pelos cientistas Bernard Heuvelmans e Ivan Sanderson. Este último fora um prolífico autor escocês, cujo principal interesse eram os animais misteriosos. Em um de seus textos, “Talvez haja dinossauros”, Sanderson descreveu animais gigantes das florestas tropicais africanas. O texto despertou o interesse pelo assunto no francês Heuvelmans, com a ideia de existirem, ainda, animais não descobertos. Ambos os pesquisadores defendiam que a criptozoologia deve ter uma abordagem interdisciplinar, porém exigir um rigor científico.

E por falar em rigor cientifico, a criptozoologia é uma ciência? Seus adeptos defendem que sim; enquanto zoologistas, biólogos e afins a rebaixam a pseudociência. É preciso antes definir estes termos. A ciência é um método de estudo que coleta dados rigorosamente inspecionados e que, a partir destes, propõe explicações lógicas e justificadas sobre algo. Já uma pseudociência se utiliza de dados com pouco escrutínio, que muitas vezes tentam justificar as crenças e opiniões pessoais dos pesquisadores. 

Pode-se dizer que, na teoria, a criptozoologia é uma ciência. Afinal, ela coleciona informações de relatos orais e as examina por métodos sustentáveis. Embora a criptozoologia tenha em comum com a ciência a possibilidade de levantar hipóteses, as quais podem acabar sendo verdadeiras ou falsas, o tipo de dados coletados pela área em questão são extremamente duvidosos. 

Um ser desconhecido pode ser um fruto da imaginação, um delírio, o resultado de uma visão turva, ou até mesmo uma mentira proposital. Por mais que a base da criptozoologia seja cética e autocrítica, a sua principal fonte de dados, os humanos, não são testemunhas confiáveis. Todavia, é necessário relembrar que diversos animais que conhecemos na atualidade foram considerados criptídeos em outras eras, como na época de Plínio, o Velho.  

 

O ser humano

Bianca Simoni é estudante de medicina e fã da criptozoologia. A jovem de 22 anos conta que desde criança gostava de ver desenhos de anatomia e tentar reproduzi-los, fossem eles de pessoas ou animais. Até que um dia, já pré-adolescente, ela se deparou com uma gravura de um esqueleto de sereia e se assustou. “De início, senti medo, mas aquilo despertou minha curiosidade. Comecei a pesquisar na Internet sobre sereias, o que me levou a conhecer outras figuras míticas e extremamente intrigantes”, contou Bianca.

Entre estes seres, estavam o Pé-Grande, de origem estadunidense; o Monstro do Lago Ness, da Escócia; o Chupacabra, comum a todo o continente americano; e o Lobisomen, com primeiro registro na Grécia Antiga. “Esses são, em geral, os criptídeos ‘porta de entrada’ para o assunto. Apesar de popularizarem o tema, o que é fantástico, essas figuras de destaque ficam banalizadas por ‘notícias’ sensacionalistas”, disse a estudante.  “A criptozoologia 'pura' é a junção de relatos folclóricos com dados científicos. Ela não se resume a pessoas alucinadas tentando achar o Pé-Grande em bosques, ou procurando por evidências de vampiros em cemitérios macabros. Isso é apenas espetáculo da imprensa.” 

Com muitos livros lidos sobre o assunto e mais de 20 ilustrações autorais que retratam como seria a anatomia destes seres, Bianca explicou que a área está cada vez mais distante da zoologia, e tende a se voltar para seu viés antropológico. "A cultura e psicologia do ser humano estão com maior peso nos estudos ultimamente". Bianca, que prefere estudar os criptídeos nacionais - como o Boi Tatá, a Mula Sem Cabeça e o Saci Pererê -, disse que conhecer a criptozoologia brasileira a fez entender melhor sobre sua terra. “Estas lendas não são aleatórias. Todas traduzem traços marcantes da cultura nacional. A Mula Sem Cabeça, por exemplo, é de um moralismo machista gritante. A lenda fala da violação da castidade das mulheres. Qualquer uma que se apaixonasse ou tivesse relações com um padre viraria esta criatura perturbadora. Mas, é claro, nada acontece com o padre.”

 

A curiosidade

Precedente à Teoria da Evolução de 1859, de Charles Darwin, a divulgação das pesquisas sobre o gorila despertaram enorme interesse na comunidade científica. O desejo de ver este animal por inteiro não apenas resultou em finalmente achar esta nova espécie e catalogá-la, como também reancendeu as discussões sobre o parentesco dos primatas em sociedades ocidentais com imaginário fértil e incessante curiosidade.

A criptozoologia, talvez, realmente, não seja uma ciência. Mas ela, à sua maneira, impulsiona as ciências formais à própria evolução. 

 

“A importância do mito, das situações e dos seres criados pela imaginação humana, na proporção em que, ao se dirigirem diretamente ao nosso corpo, à nossa sensibilidade, podem nos propiciar melhores condições para sentir interpretar e compreender este mundo no qual existimos.” - Jean-Jacques Rousseau

 

Idosos abordam suas relações com a Internet, e apontam os pontos positivos e negativos das novas teologias
por
Lucas Munhoz Rossi
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04/10/2022 - 12h

Por Lucas Rossi

Smartphones, tablets, computadores, inteligências artificiais, Google, sites, redes sociais, mídias alternativas, equipamentos eletrônicos, entre outros, fazem parte do dia a dia da nossa sociedade, estando presentes na maioria de nossas atividades, e ditando o ritmo e a vida das pessoas. Para um jovem, que a partir do ano 2000, nasceu, cresceu e se desenvolveu simultaneamente ao avanço de novas tecnologias, é praticamente impossível imaginar como era a vida sem as tecnologias de comunicação em rede.

Elas estão tão impregnadas em nosso cotidiano, que é difícil imaginar que existam pessoas que ainda não utilizam ou ainda não se acostumaram com esses avanços. No entanto, esse é o caso da maioria dos idosos ao redor do mundo. Nascidos em um período em que as coisas eram mais simples, em que as pessoas se importavam em trabalhar desde cedo, com a educação pouco valorizada, baixas expectativas de vida e inúmeras guerras vivenciadas. Para algumas dessas pessoas, a Internet pode ser vista apenas como mais uma “fase”, para outras como um desserviço para a humanidade, já que na visão de muitos acaba afastando as pessoas.

Porém, muitos idosos enxergam pontos positivos e tentam fazer parte da Internet e das redes sociais. Como é o caso da Vicentina Nabarro, 72 anos, mãe de três filhos e avó de 7 netos. Mesmo com tantas experiências de vida e tantos anos de vida, Vicentina tenta estar sempre atualizada e buscando aprender essas novas “ferramentas”. Nabarro afirma que as novas tecnologias "são difíceis para a minha geração pois não fez parte do nosso cotidiano, como acontece com as gerações atuais. Uma criança tem mais facilidade de lidar com as novas tecnologias e muitas vezes nos ensinam como lidar com elas. Ainda Tenho algumas dificuldades, como por exemplo fazer compra pela Internet etc., precisando que meus filhos façam por mim.”

Ela afirmar poder fazer o básico para se comunicar e usufruir do avanço tecnológico, como usar o app do banco, app do plano de saúde, marcando consultas, recebendo resultado de exames, fazendo reclamações, enviando documentos para aprovação de exames, compras, delivery e aplicativos de viagem. Sua comunicação com as pessoas tornou-se imediata pois através do WhatsApp ela consegue resolver problemas, contratar serviços, acompanhar o cotidiano de amigos e familiares. Através do Facebook ela toma ciência do que está acontecendo no Brasil e no mundo. "Converso com amigos presentes em nossa vida e com os distantes até em outros países", disse.

Mesmo sendo defensora dos novos instrumentos tecnológicos, Tina, como gosta de ser chamada, aponta alguns riscos da Internet: “O mundo está muito melhor com a Internet, mas ao mesmo tempo estamos cada vez mais dependentes dela, nos privando do contato presencial, com um bom papo olhando nos olhos e aproveitando nossa presença. Além do mais, é preciso muito cuidado com os golpes de internet, principalmente contra nós idosos, que não temos tanta familiaridade com essas tecnologias”, avalia.

Sérgio Luis Munhoz, ex-professor universitário de 74 anos, acredita que os avanços tecnológicos têm importante papel nos dias atuais, mas confessa ainda ter algumas dificuldades em utilizar todas essas ferramentas. Para Sérgio, “Essas novas ferramentas são extremamente úteis e importantes, e facilitam muito a vida de todos, embora a velocidade das inovações está em descompasso, com a capacidade dos idosos, como eu, fazendo com q tenhamos que nos socorrer com filhos, netos, funcionários mais jovens etc.”, afirma. “Entendo que as facilidades dessas novas tecnologias aumentam nossas possibilidades de contacto, melhoram nossa comunicação com o mundo, com parentes e amigos, mesmo que estejam distantes, auxiliando muito nossas vidas, embora seja um pouco viciante e às vezes podem nos desviar da possibilidade de melhores contatos pessoais”, completa. 

A Internet e as redes sociais são elementos positivos para a humanidade é uma questão de opinião particular de cada cidadão, no entanto tudo indica que só é o início dessa nova fase, então é importante se atualizar e ter alguma familiaridade com o assunto. Da mesma forma, que é importante manter um equilíbrio e não deixar que sua vida “virtual” se torne mais importante do que sua vida real.

“O jovem se expõe cada vez mais nas redes sociais, sendo submetido ao olhar do outro e tornando-se dependente dele”
por
Clara Maia de Castro Ribeiro
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04/10/2022 - 12h

Por Clara Maia

 

O tão especulado “padrão de beleza” sempre foi esperado e cobrado para toda mulher. Seja imposto através do machismo estrutural, de nível de status econômico e social ou até mesmo, do grande mercado capitalista. Porém, algo que nunca mudou foi quem o dita: homens héteros, cisgênero e de grande influência social. Como a tecnologia criada por esses homens afeta a saúde mental de muitos jovens é preocupante; transtornos alimentares e a dismorfia corporal nunca foram tão expostas como hoje. Porém, para compreender essa influência é necessário entender onde e como a pressão estética foi criada. 

Pensando historicamente, os registros sociais que marcam essa narrativa começam na Renascença - compreendido entre os séculos XIV e o fim do século XVI -. Nesse período, a beleza era sinônimo de riqueza e fertilidade. Logo, ser curvilínea e gorda representava o poder de posse para uma boa alimentação e, consequentemente, um bom corpo para gerar filhos. É possível enxergar essas marcas em pinturas clássicas como “O nascimento de vênus”, de Boticelli. 

Obra do artista renascentista Sandro Botticelli (1445-1510).

 

Este conceito de beleza filiado ao corpo gordo perpetuou durante um longo período na história, já que a fome sempre foi presente durante boa parte da industrialização mundial. 

Dando um salto para o século XX, a conquista dos direitos feministas como voto, o trabalho e a independência financeira fez com que o mercado capitalista deparasse com o desafio: “como manter o controle sobre as mulheres?”.

Protesto feminista em São Paulo na década de 1960.

 

Entra a fase da mercantilização do que é feminino. A mídia comercial começa a ditar o que seria a mulher perfeita com a influência do cinema, das propagandas, da indústria da moda e beleza. Ser magra é agora é sinônimo de controle e autocuidado. Porém o ideal da beleza atrelado ao poder financeiro nunca mudou, já que só a mulher com possibilidade de gastar em maquiagem, cirurgias plásticas, academia é vista e associada como bela. 

Entender a influência da tecnologia e do mercado é essencial para que se questione o processo de dominação feminina. Hoje, as redes sociais têm um papel claro na saúde mental de grande parcela da sociedade, já que o ser humano é movido pela aprovação do outro. Redes como Tiktok, Instagram, Facebook e Twitter ganham milhões em cima desse desejo insano de aprovação - likes, comentários, retuítes - instigam esse pensamento de comparação de forma voraz. Quando só o corpo magro e jovem é lido como belo, todos aqueles que não se encaixam nesse quadro, tem propensão a gerar transtornos alimentares e mentais. 

O psicólogo Cláudio Paixão, graduado pela UFMG, comenta: "Na medida que o jovem se expõe cada vez mais nas redes sociais, mais ele está submetido ao olhar do outro, se tornando também dependente desse olhar” logo, é natural que as pessoas queiram adaptar-se para captar essa atenção para si. É nessas tentativas que os procedimentos estéticos entram, na esperança de ficar mais próximo ao que é desejado e buscado como belo.

Prova dessa busca alarmante pela aprovação estética são os números de cirurgias plásticas feitas no Brasil. De acordo com dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) e Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o País está em primeiro lugar no ranking mundial (aproximadamente 1.5 milhões de cirurgias ao ano, ultrapassando os Estados Unidos e o México, em segunda e terceira posição, respectivamente).

Paixão alerta, “É importante ressaltar o limite entre o prejudicial e o uso das redes e filtros que alteram sua imagem” e acrescenta: “Quando a pessoa começa a trocar a visão realista de si mesma pelas versões dos filtros e se sentir desconfortável com a sua real aparência, é um grande motivo de preocupação”. Se faz então importante a rede de apoio familiar e social desse jovem, para que ele se sinta acolhido e valorizado em si próprio, impedindo o avanço de doenças como depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de imagem como resultado desse tipo de cobrança feminina.  

A crise energética da Europa e a busca por soluções mais sustentáveis
por |
04/10/2022 - 12h

Por Laura Naito

 

No início de 2022, a Europa se deparou com uma crise energética causada pela guerra entre Rússia e Ucrânia, isso porque 43% do gás natural consumido pela União Europeia vêm da Rússia, que têm restringindo o acesso de energia pelo apoio do bloco econômico à Ucrânia. Refém das políticas russas, a Europa se encontrou obrigada a avançar nos projetos de busca por alternativas renováveis de energia.  Segundo a Agência Europeia do Ambiente, 77% das necessidades energéticas do europeu médio são supridas com os recursos do petróleo, gás natural e do carvão. Enquanto a  energia nuclear supre 14% dessas necessidades, os restantes, 9%, são supridos por fontes renováveis. Agora, a UE busca diminuir a importação de gás russo em dois terços e transformar sua matriz energética.

 

O professor de química Mauritz De Vries, explicou que hoje em dia há tecnologia para conseguir obter energia a partir de fontes renováveis, "mas é necessário um grande investimento para que haja uma mudança na matriz energética e que seria possível, mas pelas questões políticas e econômicas isso não acontece, o que ajudaria também a segurança energética e existe uma pressão para que os países não sejam auto suficientes (para manter as relações do mercado internacional)". Devido ao efeito estufa e ao aquecimento global, não é mais viável se voltar aos combustíveis fósseis, como era feito antigamente. Para isso, a Europa e o resto do mundo precisam encontrar uma forma para encontrar segurança energética de forma sustentável e econômica. Ter energia barata é uma parte fundamental do processo considerando que o preço dela é um dos fatores mais relevantes na economia de um país. O valor pago por esse produto vai afetar os preços de toda a nação em questões básicas como transportes e na produção de alimentos. 

 

Sobre isso, De Vries disse que energia elétrica não pode ser armazenada em grande quantidade porque precisa de bateria, que são caras. Para ele, a grande problemática para a popularização da energia limpa é a necessidade de grandes investimentos em tecnologias para seu armazenamento. Como ainda não existem sistemas avançados e de grande escala para isso, quando há a produção de energia por fontes renováveis, a energia que não é utilizada é perdida. O professor aponta a solução encontrada pelos países nórdicos: "Como já possuem uma grande produção de energia sustentável, o excedente tem sido usado para fazer a eletrólise da água e produzir gás hidrogênio." 

 

    Ainda estamos em um momento de evolução das tecnologias de armazenamento, que é a forma que os países poderão se tornar independentes energeticamente e tornar esse mercado estável, já que é falta de estabilidade do mercado que traz flutuações de preços, dependendo da produção e da demanda.  A relação entre armazenamento e dependência é inversamente proporcional. Com mais países conseguindo armazenar sua energia, a dinâmica internacional do comércio vai se tornar mais democrática. A diversificação do mercado será responsável pelo seu aumento e as potências energéticas que conhecemos hoje irão mudar. 

 

Uma mudança na matriz energética mundial não seria boa apenas para o meio ambiente, mas também ajudaria a construir um mundo mais democrático e liberal, com as nações sendo auto suficientes. Com esse processo de substituir os combustíveis fósseis por fontes renováveis, os países exportadores de petróleo e gás natural perderão poder econômico e influência geopolítica. Enquanto os países consumidores poderão alcançar a independência dos exportadores, com a energia limpa e barata que fortaleceria a economia e instituições públicas. Ao mesmo tempo enfraqueceria muitos governos autoritários pelo globo, já que a grande maioria desses países exportadores de combustíveis fósseis são governados por autocratas, como por exemplo, a Arábia Saudita. 

 

No entanto, a instabilidade da produção impede a sua massificação, isso porque dependemos de fontes naturais, principalmente o Sol, o vento e as marés. As novas tecnologias de armazenamento de energia surgem para solucionar esse problema, podendo popularizar a produção limpa em alta escala, mas ainda são muito caras.

 

O hidrogênio como combustível é entendido como uma peça chave para o futuro sem carbono, mas sua aquisição demanda uma grande quantidade de energia que é adquirida de forma limpa pela eletrólise. Esse processo químico consiste em retirar as moléculas de hidrogênio do oxigênio da água por meio de uma corrente elétrica ligada a eletrolisadores que separam as moléculas de hidrogênio (2H2) e oxigênio (O2), nos pólos negativo e positivo respectivamente, resultando num produto final chamado de hidrogênio verde. Durante todas as etapas, não há emissão de gases poluentes, apenas água.

 

Mas, para o professor Mauritz, o método usado pelos países nórdicos como uma alternativa para o excedente de energia não será uma solução para a crise. "A matriz energética precisa ser diversificada, o hidrogênio verde uma das possibilidades, mas para o uso urbano e industrial é interessante possuir a energia solar, por exemplo, que não precisa ser convertida.", afirmou. 

Processo para obter o hidrogênio verde

O potencial energético dessa fonte é cerca de três vezes maior que a do petróleo e sua produção é mais eficiente e mais sustentável que as de combustíveis fósseis. No momento, mais de 30 países têm o projeto para aderir ao hidrogênio verde como sua principal fonte de energia, mas o custo de sua infraestrutura é o maior problema dessa técnica. Ele deve fazer parte das mudanças estruturais da matriz energética nos próximos anos.

A tecnologia 'apolítica' mostra suas facetas entrelaçadas diretamente com o sistema
por
Isabela Mendes
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30/06/2022 - 12h

Por Isabela Mendes

As criptomoedas se construíram como um fenômeno tecnológico característico do século XXI, que tem como peça-chave o pós-modernismo. Por conta da rapidez e a volatilidade com as quais as coisas estão fadadas a se moldarem nos dias de hoje, o mundo cripto surgiu como uma alternativa imediatista e tomada de celebracionismo tecnológico para uma problematização neoliberal do papel do Estado na economia pós crise de 2008. 

Os criptoativos, como o Bitcoin, por exemplo, possuem uma relação de retroalimentação com o sistema neoliberal, pois seguem a lógica do mercado para definir seu valor, sem a regulação de um Banco Central. Por isso, não se caracterizam como moedas fiduciárias, isto é, moedas de curso forçado, que possuem valor assegurado por decreto governamental e que são reconhecidas pela população. Para que haja esse reconhecimento popular, é necessário capital político e econômico expressivos, que não estão atualmente mobilizados em torno do universo cripto como um todo.

No entanto, muitos defendem a utilização das moedas digitais como saída para a inflação, já que elas possuem um sistema de mineração (processo de confecção das criptomoedas) limitado, ou seja, existe uma quantidade específica de transações permitidas em blockchain, tecnologia exclusiva desse segmento. Nesse sentido, se fossem adotadas como moeda oficial, poderiam, em teoria, ajudar a frear os índices inflacionários através da desaceleração da emissão do dinheiro em espécie que, se em alta circulação, tenderia a derrubar o valor da moeda vigente, de acordo com a ótica liberal. 

Para o professor e pesquisador Edemilson Paraná, autor do livro “Bitcoin: a utopia tecnocrática do dinheiro apolítico”, as criptomoedas foram desenvolvidas com o propósito de tirar das mãos do Estado, bancos e instituições financeiras a gestão monetária, contando com um arranjo tecnológico avançado criado exatamente para isso.

Porém, o mercado cripto não é estável o suficiente para ancorar a economia de uma nação, visto que é dominado pela alta especulação promovida por grandes empresários em benefício próprio numa espécie de esquema de pirâmide, tornando-o volátil e manipulável. Além disso, a crença de que é um nicho financeiro “descentralizado” e de que os processos tecnológicos em si são livres de ideologias é leviana, visto que dada a ausência do Estado como ponto central, a presença do mercado se faz intrínseca, carregando sua própria lógica tanto na idealização do mundo dos criptoativos como na sua execução que, como toda tecnologia, tem as mãos e mentes humanas por trás e, portanto, dispõe da ideologia liberal para a qual foi criada para servir.

Sendo assim, Edemilson caracteriza o Bitcoin como “o filho rebelde do neoliberalismo” e diz que ele “visa tratar o dinheiro, por meio do aparato tecnológico, como uma coisa neutra e apolítica, puramente técnica”. “Essa ideia de neutralidade técnica muito rapidamente nega a si mesma, já que está a serviço de uma forma particular, tecnocrática, de política”, acrescenta.

De acordo com ele, ainda, o perfil majoritário dos indivíduos que utilizam o Bitcoin consiste em um sujeito do gênero masculino com idade de 25 a 44 anos, representando 88% do total. Ele lembra que as transações feitas em Bitcoins dispõem de uma criptografia robusta que, via de regra, dificulta a identificação daqueles que as realizam. Nesse sentido, também cabe mencionar as portas que esse mecanismo abre para esquemas de corrupção como lavagem de dinheiro, por exemplo, visto que seus negociadores praticamente “inexistem” no ambiente cripto, como dito acima, e tampouco deixam rastros no que diz respeito à origem do dinheiro que está em jogo.