Júlia Viana de Sousa Silva. "Não fiquei com medo, estava animada!" disse ela com brilho nos olhos. O motivo de sua partida? A falta de emprego em Piripiri, cidade do interior do Piauí, há 34 anos atrás. Julia era o tipo de pessoa que não se deixava abater pelas dificuldades, e quando uma porta se fechava, ela estava sempre pronta para abrir outra. A piauiense saiu de sua cidade natal, aos 20 anos, com um filho, buscando novas oportunidades.
Cidade de Piripiri- Fonte: Tripadvisor
Casou com seu marido aos 16 anos. Em 1989, seu esposo saiu da cidade do interior do Piauí e foi para Piracicaba, no estado de São Paulo, buscando oportunidades de trabalho. Três meses se passaram, até que ele conseguiu um emprego, em seguida Júlia pega seu filho e vai para um novo estado, uma nova cidade, encontrar com ele e começar uma nova vida.
“Para mim a parte mais difícil foi o clima, fazia muito frio em Piracicaba, mas de resto a gente deu um jeito” afirmou ela, reclamando da diferença entre as estações e temperaturas das cidades. “Quando um problema ou desafio aparece, eu resolvo e dou um jeito neles, estando com minha família o resto a gente corre atrás” disse ela com a voz determinada, passando resiliência e força.
Conseguiu seu primeiro emprego em uma empresa de alumínio da cidade. “Foi o emprego que consegui, a parte mais difícil foi deixar meu filho, que na época tinha 9 meses”, relata Julia. A família começou morando em uma casa alugada, na Paulicéia, bairro antigo e grande de Piracicaba.
Depois de um tempo, a família Silva conquista o sonho de se mudar para a casa própria. Porém novos desafios vieram pela frente. O bairro onde a família começou a construir seu novo lar, era em um bairro afastado da cidade, onde não havia creches para seu filho, o que fez com que ela deixasse o emprego.
Três anos se passaram, e Júlia voltou a trabalhar, mas dessa vez como doméstica. “Trabalhei em duas casas, com famílias que eram muito especiais, vi os filhos de algumas delas crescendo” disse ela, relembrando com carinho das pessoas que conviveu.
A piauiense acorda todos os dias às cinco e meia da manhã, prepara o café e às sete e meia já pega o ônibus para ir trabalhar. Ela trabalha em três empregos, “Só volto para casa de noite, perto das nove e meia, e no outro dia começa tudo de novo. Mesmo a rotina sendo cansativa, gosto de todos os empregos que tenho, vou sempre trabalhar feliz porque faço algo que me deixa bem e que me deixa conviver com pessoas que gosto”.
Minha experiência mais difícil:
Aos vinte e seis anos, a piauiense teve seu segundo filho, Mateus. “Quando ele era mais novo, sofreu um acidente que mexeu muito comigo. Ele foi atropelado e quebrou várias partes do corpo, também machucou a cabeça. Ficou 21 dias na UTI, até pediram para que eu autorizasse que desligassem os aparelhos, pedi a Deus que devolvesse meu menino, mas só se ele pudesse fazer e ser quem era antes. No mesmo dia fui falar com ele, que reconheceu minha voz, perguntei: “Você sabe quem tá falando com você”, e ele murmurou. Depois disso nem os médicos acreditaram, consideraram ele um milagre, hoje ele está bem, estudando para dar aula.”
Hoje, os dois filhos trabalham, e Julia ainda ganhou uma neta, que considera uma de suas maiores bênçãos e hoje tem dez anos.
Meu maior sonho:
Julia e seu marido depois de um tempo que se mudaram, começaram a construir a tão sonhada casa própria. A moradia é um sobrado, que por dentro foi finalizado, porém por fora ainda não é rebocada. “Meu maior sonho agora é trabalhar bastante para que eu possa finalizar por completo minha casa, que por fora ainda não está pronta” afirma ela com tom perseverante e animado.
“Acredito que se a gente correr atrás, batalhar e ter fé, acreditando nos caminhos que aparecem pra gente, podemos dar conta de qualquer problema.” conta ela, dizendo que vir para Piracicaba foi um dos maiores presentes que teve em sua vida, lugar onde ela construiu sua família e realizou suas conquistas.
Por: Nina Januzzi da Gloria
Na esquina da Avenida Mário Andrade com a Praça Doutor Osmar de Oliveira, debaixo de uma grande, ou do lado do ponto que passa o ônibus 175P-10 sentido Ana Rosa. Com sua mesinha, vendendo café, lanches e bolos, Gabriel passa suas manhãs conquistando sua renda mensal pelo trabalho informal há mais de 11 anos. Mas nem sempre foi assim.
Antes de começar a trabalhar nesse ramo, Gabriel trabalhava em uma gráfica, recebendo apenas doze reais por dia. Pelo trabalho que exercia, o salário era muito baixo. Incomodado, já estava pensando em deixar o emprego, por isso, foi conversar com seu chefe. Ele conseguiu um aumento, porém foi de apenas dez reais. Com isso, pediu demissão.
A entrada para esse mundo das vendas veio de um homem que vendia bolo perto de sua casa, região de Casa Verde. Ele ensinou tudo para o Gabriel, postura, como vender, estoque, até as receitas dos bolos. Mas o principal de todos, como tratar um cliente. Já sua mãe deu a ele aulas de despesas, economia e gastos.
Sempre com um sorriso no rosto, tratando os clientes como amigos. Quando alguém se aproxima ele fala “Bom dia”, “Bom dia meu anjo” e “Bom dia, patrão”. Ele também tem outra forma de ganhar o cliente “Se o cliente fala que o bolo tá sem açúcar eu não vou falar que ele está errado, eu deixo ele pegar outro e que na próxima vai estar certo”. Gabriel também teve ajuda do homem dos bolos para auto promovê-lo, sempre dizendo que passaria o ponto para ele, assim os clientes teriam a confiabilidade de continuar comprando no local.
O começo não foi fácil, além de ser um negócio que não dá uma certa estabilidade, tem a parte da timidez, da vergonha “Parecia que eu estava pedindo esmola”. Uma parede importante de se quebrar, porém difícil.
Perguntei a ele se já vivenciou alguma situação de desigualdade, e me contou a única que vinha a cabeça no momento.
Sua mãe havia guardado dinheiro para Gabriel e sua irmã para pagar a faculdade e coisas de seus interesses. Com uma boa quantia em mãos ele logo pensou em comprar um carro. Foi em uma primeira concessionária, mas a recepção não foi uma das melhores. O vendedor foi seco na explicação dos componentes do carro e para tirar dúvidas, ele não o via como comprador.
Ainda na tentativa de ter um carro, foi a uma segunda concessionária. Dessa vez, porém, o tratamento foi totalmente diferente. O vendedor foi muito atencioso, quase convencendo o Gabriel a comprar uma Mercedes, mas acabou ficando com um carro mais popular. Porém o veículo começou a apresentar problemas, assim, tendo que voltar à concessionária. Chegando lá, falou todos os defeitos que o carro tinha, o vendedor começou a falar os custos que ele teria, porém ele já tinha gastado todo o dinheiro com o carro. Com isso, mais uma vez, a abordagem mudou. No fim Gabriel conseguiu que o carro fosse pra revisão, por conta da rapidez que o automóvel apresentou problemas. Dessa experiência Gabriel ganhou maturidade e começou a se atentar sobre a responsabilidade financeira.
Essa decisão de comprar ou não a Mercedes poderia ter mudado completamente rumo da vida de Gabriel. Sua esposa, Bianca, e sua irmã tiveram uma briga que acabou em tapas, enquanto ele lavava a louça. Seus pais saíram de Minas para São Paulo após essa briga, azedando o pé do frango para o seu lado. Toda essa situação resultou na expulsão de Bianca da casa, e Gabriel foi junto, pois não podia abandoná-la. Eles foram expulsos da casa que haviam construído, na parte de cima da antiga casa dos pais, e sua irmã vivia em baixo.
Teve que viver de favor por um ano na casa da sogra, enquanto pagava a construção da casa, na qual demorou três meses para levantar. Na tentativa de ter algum lucro e de quitar uma dívida, Gabriel colocou a sua casa para alugar, e conseguiu! Porém a pessoa que alugou só trouxe prejuízo, não pagando o aluguel e quebrando os móveis da casa.
Pensando em sair das vendas, sua esposa ficou grávida, então decidiu continuar. Vendo como contornar a situação, procurou outro ponto de vendas, e encontrou, próximo a saída C do terminal Barra Funda, tendo sua virada de chave a partir desse momento, as coisas começaram a se estabilizar. Conseguiu voltar pra casa, deixando o orgulho de lado. “Imagina essa situação se eu tivesse comprado a Mercedes”
Hoje, Gabriel vive com Bianca e suas duas filhas e não pensa ficar apenas nas vendas “Minha mulher está fazendo faculdade, também penso em fazer, mas ainda não decidi qual curso”. E mesmo sem nenhuma graduação ele diz não ficar atrás na inteligência “Ela pode estar na faculdade, mas eu não fico atrás na inteligência não”, brinca Gabriel com seus 11 anos de experiência no mundo das vendas.
Um passo à frente
Fazer essa reportagem foi um grande desafio para mim, pois eu tinha que entrevistar uma pessoa que eu não conheço e cara a cara. Todas as outras entrevistas que eu tinha feito foram por e-mail, então eu nunca tinha vivido essa experiência.
Um dos principais motivos para querer fazer esse texto foi por conta do título, que eu achei sensacional. Modéstia à parte, me acho muito bom fazendo títulos. Minha ideia inicial era conversar com crianças que vendem doces na rua, mas seria muito trabalhoso e complicado. Então tentei encontrar algo relacionado a essa área.
Como sou do Tatuapé, sempre pego a linha vermelha para ir até a Barra Funda e, desde que entrei na PUC, eu via alguém vendendo café da manhã no terminal. Às vezes era um homem, às vezes era uma mulher. Então, a partir dessa ideia, eu tinha uma pauta.
Eu teria conseguido a entrevista antes? Talvez. Mas estava me faltando coragem para conversar sobre o trabalho. Passou segunda e terça, e eu não movi um pé pra conversar. Como eu teria mais tempo na quinta, quarta feira era meu deadline.
Então fui conversar com a moça, só que eu não sabia como abordar, tanto é que eu fiquei a rodear a mesa, na espera de que ela me notasse. No fim, uma senhora que estava comendo deu um toque para ela, indicando que eu queria falar. Creio que falei muito atrapalhado, pois estava muito nervoso e com vergonha. Bom, ela também. Ela disse: “Você não quer conversar com meu irmão, eu sou muito tímida e ele com certeza tem mais histórias interessantes”. Concordei, agradeci, e fui esperar o ônibus chegar. Ainda sinto que eu não abordei a situação direito, talvez eu pudesse insistir um pouco mais, mas só queria alguém para entrevistar para fazer o trabalho.
Então, no dia seguinte, com pouca vontade de ir. Fui. Com o pensamento de que valeria a pena. E a mesma cena se repetiu. Sentei-me no murinho, rodeei a mesa, e alguém deu um toque para o vendedor. Comprei um lanche, a única forma que encontrei de falar com ele, também porque eu esqueci de fazer meu lanche em casa.
Foi uma conversa muito boa, porque enquanto conversava com o Gabriel, eu via um pouco do seu dia a dia. Sempre muito simpático, de olho para ver se aparecia algum cliente. Parava a conversa para atender, tirava dúvida de locação. Até eu ajudei uma moça que perguntou onde passava o ônibus 175P. No fim das perguntas padrões a conversa fluiu melhor, algumas histórias que não cabiam nessa reportagem, mostrou foto de suas filhas. Me tratou como um amigo, assim como ele faz com todos os seus clientes
Um ponto importante é que, da próxima vez, é melhor gravar a conversa do que ficar anotando em um caderninho, porque não dá para pegar toda a essência da conversa, e provavelmente eu deixei escapar muita coisa. Por isso que eu acho que eu não contei a história direito, talvez esteja muito superficial, talvez falte um detalhe importante, mas tudo serve como aprendizado.
O mais importante de tudo isso foi o passo que eu dei para quebrar essa minha timidez, e quando eu comentei com o Gabriel, ele também me contou sua experiência, que nunca é fácil, mas sempre tem um começo para a mudança.
Para quem pegar a linha vermelha, a mesa de café da manhã vai estar ou com o Gabriel ou com sua irmã, creio que eles revezam. Deem uma passada lá, jogar uma conversa fora, comprar um lanchinho, um bolo, um cafezinho.
Obrigado pelo lanche Gabriel, estava muito gostoso.
Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP
A chapa “CACS é pra brilhar” venceu as eleições do Centro Acadêmico de Ciências Sociais (CACS) após tumulto na apuração dos votos e pressão de estudantes sobre a Comissão Eleitoral. A chapa recebeu 63 votos, do total de 156, e se reelegeu para um novo mandato, com duração de um ano.
Nesta terça (26), a chapa comemorou a reeleição nas redes sociais com uma foto de integrantes da gestão, acompanhada de breve discurso sob o púlpito virtual. "Esta vitória não é apenas da chapa, mas de todos nós que acreditamos na importância das Ciências Sociais, da História e das Ciências Socioambientais", celebram. "Juntos, temos a oportunidade de fazer a diferença em nossa comunidade acadêmica, promovendo o diálogo, a inclusão e a busca pelo conhecimento".
"Acredito que termos ganhado demonstrou que a gente conseguiu fazer um bom trabalho", afirma o presidente da nova gestão do CACS, Felix Rodrigues. "E, sendo a segunda vez, a cobrança é muito maior".
A gestão composta por militantes do PT (Partido dos Trabalhadores) e estudantes autônomos foi declarada vencedora após um desentendimento na apuração dos votos. Em comunicado, a Comissão Eleitoral anunciou que nenhuma das chapas havia atingido o marco de 50% + 1 de votos válidos - porcentagem mínima necessária para a vitória em eleições com mais de uma chapa, com exceção de alguns pleitos, como o presidencial na Argentina - e decidiu por não anunciar o vencedor até que uma assembleia de curso fosse marcada para decidir se haveria ou não um segundo turno. Segundo a entidade, entretanto, o regulamento das eleições estava ambíguo quanto à necessidade ou não de uma eleição de dois turnos.
"Eu não acho que a Comissão Eleitoral errou em não ter dois sumos, ela errou quando propôs isso [segundo turno], sendo que já tinha acontecido uma assembleia para definir que não aconteceria o segundo turno", aponta Rodrigues. "Quando a gente tem três chapas, 50% mais um é quase impossível". O presidente eleito agradeceu aos votos, mais de uma vez, e espera que as próximas eleições não sofram os mesmos transtornos.
Em conversa com a Agemt, o coordenador do curso de Ciências Sociais e professor do departamento de antropologia da PUC-SP, José Paulo Florenzano, definiu como positiva a mobilização em torno do processo eleitoral, desde a maneira como as chapas se organizaram até o engajamento do movimento estudantil. “O processo é muito rico, e isso era algo que estava se perdendo dentro da eleição do centro acadêmico”, destaca. “A retomada da discussão, da contraposição de ideias, de chapas que forçam debate e o esclarecimento a respeito das questões que interessam ao estudante é de fundamental importância. Eu vejo como muito promissor o resultado do processo eleitoral, mais do que propriamente a definição da chapa que foi vencedora”.
As eleições do CACS envolvem os cursos de História e Ciências Socioambientais, que passam por precarização nos últimos semestres com fechamento de turmas de licenciatura em História e falta de estrutura.
Por Artur dos Santos (texto) e Kawan Novais (audiovisual)
A antena de 30 metros com uma fundação de toneladas de cimento da Rádio Cidadã não há motivo para (e nem intenção de) cair. O que já foi uma antena leve de 20 metros com um dos pés amarrados em uma parede - arrancada com facilidade por uma chuva que Deus mandava enquanto os radialistas se abrigavam em um bar próximo - hoje seguraria até um avião.
O sinal varia, é circular, depende da topografia, no Butantã tem muito morro, e pode alcançar o estádio do Morumbi, mas não na avenida a menos de 2 quilômetros. 500 mil ouvintes são contemplados pela amplitude das ondas todo dia, bairros com mais densidade demográfica têm rádios com maior alcance de pessoas, consequentemente. A sintonia é FM 87.5, dial das rádios comunitárias (RC) legalizado pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) na cidade de São Paulo. “Entrando na Sola” e “Na Onda do Forró”, dois dos programas mais badalados da rádio, atingem ouvintes dos arredores de sua localidade, assim como suecos e tailandeses, via digital, mesmo que sem entender o idioma.
Assim como a antena sobe, por rampas ou escadas, a entrada para o estúdio desce, guardada por dois cachorros, um magro com focinho molhado e um velho, que ameaçam fugir do QG de Julio César, responsável pela Rádio Cidadã. “Não repare a bagunça” - diz qualquer dono de estúdio em qualquer lugar. As habilidades de Julio e seus anos de experiência como programador cortam os custos e a dor de cabeça de se manter uma rádio comunitária em pé. Os segredos nas tomadas e o raciocínio lógico de quem trabalha com a área de programação automatizam o funcionamento, e a rádio está no ar mesmo se ninguém estiver em casa.
“Bem tranquilo, apesar de parecer bagunçado. Tem uma parte aqui que você programa tudo que vai acontecer, toda a parte obrigatória, como prefixo, publicidades, tem que passar tem que falar a hora certa de hora… regras que você precisa seguir. Ele programa todas as playlists com parâmetros. Eu coloco a música que o menos tocou, então ele vai pegando sempre essa e separa por estilo também. Samba toca no meio-dia uma, de manhã um reggae, MPB… madrugada putaria toca.”
O estúdio da Cidadã mescla áudio e vídeo, tendência não muito escapável atualmente. Os programas transmitidos via FM 87.5 são, simultaneamente, veiculados no canal do YouTube e no site da rádio, possibilitando mais adesão do público aos programas no ar. Julio não sabe explicar o sucesso de um de seus programas, o Na Onda do Forró, apresentado por “Neguinho da Bahia”, que conversa com o público, faz piadas e realiza seus anúncios. As “tiradas” divertidas de Neguinho ser o motivo do encanto que faz a transmissão ao vivo atingirem 400 ouvintes, algo fora do comum na vida diária da rádio. Mesmo assim, foi impossível explicar como resulta em tanta audiência. Rádios comunitárias como a Rádio Cidadã estão sob as mesmas burocracias de rádios comerciais, com alguns adendos. Os radialistas de uma RC não podem anunciar os preços, a forma de pagamento de anunciantes, ou ao menos anunciar marcas que não tenham representação dentro do bairro. Mas, Neguinho da Bahia tem anunciantes de sobra.
A lei n° 4133, de 2012, impedia as rádios comunitárias de se adequarem a qualquer tipo de financiamento público ou privado visando custear seus serviços ou melhorar as atividades a serem prestadas. Como apoio cultural, era permitido patrocínio, mas restrito apenas aos estabelecimentos situados na mesma área que o rádio estaria estabelecido. Neste ano, 2023, ao fim de agosto, a Câmara Municipal de São Paulo sediou o terceiro Congresso das Rádios Comunitárias de São Paulo, reunindo radialistas da cidade paulista e de outros estados, como do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia. Autoridades federais que também participaram dos debates, expuseram os auxílios existentes para os radialistas e apresentaram as “novidades” que visam suprir as necessidades dos comunicadores.
O principal tema da reunião foi a criação de políticas públicas e a regulação de leis vigentes direcionada às rádios comunitárias. Para se tornar um radialista desta modalidade, o processo se inicia por meio do requerimento para a abertura de uma rádio comunitária através do Plano Nacional de Outorgas (PNO), que é a identificação e seleção de municípios que ainda não têm esta modalidade comunicadora, mas que manifestaram o interesse de tê-la. Após uma série de etapas, o processo resulta no funcionamento legal do veículo de transmissão por 10 anos, podendo ser renovado por outro processo no fim da década.
Julio apresentou seu documento, uma espécie de RG (Registro Geral), mas que não o identifica enquanto um cidadão, e sim enquanto um radialista comunitário legal perante a lei. Mas, no início da vida da Cidadã, quando ainda era caracterizada como uma rádio clandestina, o atual responsável por ela chegou a entrevistar dois ministros, a qual ele não tem mais acesso atualmente. Criada em 1994, era assim que tinha que ser. Clandestina ou regularizada, as Rádios Comunitárias servem uma função social nos bairros em que atuam.
Em 1970, as da Zona Leste eram caixas de som hasteadas em um pau nas esquinas, disseminando informação que se recusava a chegar nas periferias pelos meios tradicionais. A criatividade é a saída. As favelas oferecem um público muito mais engajado, mais do que qualquer outro. Até a transmissão da queima de fogos realizada aos finais de anos, apenas por áudio acontecia, e mesmo que sem a imagem, atraía público a rádio. Pessoas de outras regiões, inclusive mais nobres, paravam para observar em um local que já ocupava o triplo de pessoas de sua capacidade. Mesmo com todo o engajamento, não é suficiente para tornar a Cidadã autofinanciável. De acordo com a lei já citada, as rádios comunitárias, assim como as educativas, conseguem financiamento por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Trata-se de empréstimo realizado por este órgão com a finalidade de modernização, aquisição de equipamentos e instalação de sistemas radiantes.