Fomos até um dos mais famosos condomínios da cidade de São Paulo, na entrada de seu jardim tem uma grande escultura de Domenico Carbone. Inicialmente estava combinado que subiríamos ao apartamento para realizar a entrevista, mas quando chegamos lá ele nos conduziu a uma sala de reuniões de seu prédio. Vestia uma camisa polo vermelha sobreposta por uma jaqueta impermeável azul, uma calça jeans e um sapatênis preto comum
Adriano, em tom sério, começa a nos contar sobre sua infância onde trabalhou por um curto período na padaria com seus pais, os quais passavam dificuldade na época. Sua mãe era professora e seu pai, um pequeno comerciante que entrou no ramo de padarias. Com objetivo de entrar na faculdade de medicina da USP, o ex-deputado estudou em uma das melhores escolas estaduais de São Paulo, E.E. Profº Antônio Firmino de Proença.

Em 1963, sua turma da escola ficou responsável por ajudar a delegação estadunidense nos Jogos Panamericanos que estavam sendo realizados na USP. Por se destacarem na maioria dos esportes, os americanos tinham uma grande quantidade de patrocinadores e queriam utilizar isso nos jogos, trazendo cerca de 40 mil bonés impermeáveis com botons de cada esporte. Indignados com a quantidade de material que a delegação trouxe, Adriano e os colegas repudiaram a ação, o que teve uma alta repercussão.
Com a entrada dos militares no poder, em 1964, Adriano foi expulso da escola pela ação contra os estadunidenses e não iria conseguir ingressar no curso que queria na Universidade de São Paulo, assim automaticamente ele se viu no movimento contra a ditadura.
Entre os anos de 1964 e 1968, ele manteve sua luta estudantil, aliado à ALN (Ação Libertadora Nacional) até ingressar no curso de Geologia na USP, em 1969. “Quando entrei na USP, praticamente não tinha nada de agitação política. Não tinha um centro acadêmico aberto, não tinha uma atividade cultural... tudo era protegido e vigiado. Os primeiros 6 meses de faculdade, eu fiquei quietinho estudando porque meus colegas de movimento sofreram muito com a implementação do AI-5 em 1968”.
Rogério Tarifa, diretor de teatro e amigo de Adriano afirma: “A relação do Adriano com a cultura e com a arte é muito forte”. Rogério conta que Adriano era muito amigo de Cesar Vieira, advogado dos presos políticos, fundador da companhia “Teatro Popular União e Olho Vivo” e um dos grandes dramaturgos do Brasil.
Com a vinda de Nelson Rockefeller para o Brasil, Adriano volta à ativa da militância política. “Comecei a fazer ciclo de cinema na USP, que corria todas as faculdades”, afirma Adriano Diogo sobre como implementou novamente o movimento político dentro da Universidade. “Fui ao teatro de Arena e lá aprendi a fazer o teatro de guerrilha, na época chamávamos de teatro jornal”, comenta Adriano. Lá, reuniam todas as notícias de jornal, inclusive as proibidas, e faziam pequenas esquetes para agitação política.
“O Adriano é um amante do teatro, da cultura do nosso país e por ele ser ex-Deputado, militante, acabamos juntando as coisas numa arte que possa buscar a transformação do nosso país”, afirma Rogério.

Entre 1969 e 1973, Adriano usava a arte e cultura como meio de enfrentamento político, mas teve um contratempo: “Quando voltei do meu estudo de TCC em Diamantina, onde passei um mês, meu amigo Alexandre tinha sumido e a família falava que ele tinha feito uma cirurgia de apendicite. Ficamos preocupados”, conta Adriano sobre seu amigo Alexandre Vannucchi Leme participante da ALN. Em março de 1973, mesmo ano do “sumiço” de Alexandre, os militares infiltrados em um dos caminhões da Folha de São Paulo, invadiram a casa de Adriano, levando-o preso junto aquela que ainda era sua namorada, Arlete Lopes Diogo, com quem teve uma filha e dois netos. Já no DOI-CODI, Adriano ouviu de um dos militares: “Você sabe onde você está? Você está na antessala do inferno, a Operação Bandeirantes”.
Alguns dias depois, durante uma conversa com um dos guardas, ele soube da morte de Alexandre, que teve o corpo enrolado num tapete e jogado na Rua João Boemer, na região do Brás. “Aí contrataram um caminhão para esmagar o corpo dele e dizer que ele havia se suicidado.” Completou Adriano. Durante os interrogatórios ele percebeu que os militares “não sabiam de nada”, perguntando coisas com as quais ele não tinha ligação alguma, principalmente para incriminar Alexandre com o movimento armado.
Adriano ficou preso cerca de 2 anos, sendo 90 dias na solitária dentro de um cofre. Ele afirma que, durante esse período, ficou sem comer e bebeu pouca água. Diogo lembra que foi solto porque, apesar da vontade dos militares de matá-lo, não havia motivo suficiente, já que “não tinha sangue nas costas”.
Ao mencionar o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, Adriano Diogo não titubeou: o maior prazer dele era trazer os cadáveres dos companheiros mortos, para que os interrogados vissem. “Ele falava, conhece esse aqui? Conhece esse aqui?”.
Um dia Ustra iniciou a tortura perguntando se Adriano se lembrava da Suelly Kanayama, estudante de Letras, que gostava de arte, teatro, adorava literatura... “Tive que matá-la depois da guerrilha do Araguaia”. Com a voz embargada Adriano conta que perguntou o que tinha a ver com isso e o coronel respondeu: “Eu te trouxe aqui pra ver a foto dela”, então Ustra mostrou uma imagem de Suelly, amiga de Adriano, com a cabeça decapitada. “Esse era o Ustra, para você ter uma ideia de quem era esse assassino”, completou em meio a lágrimas.
Em 1979, ele se junta ao Partido dos Trabalhadores desde sua origem e nunca mais se desvincula da política e da luta pelos direitos humanos. Em sua carreira política profissional, foi Vereador de São Paulo de 1988 até 2003, secretário do meio Ambiente da Prefeita Marta Suplicy e Deputado Estadual de 2003 até 2015. Em seus últimos anos ativos na política, presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva".
“A história do Adriano é muito triste, mas bonita ao mesmo tempo porque mesmo depois de tudo, ele se formou politicamente e transformou toda sua dor em luta”, completou Rogério Tarifa.
Por fora, a vida de Diego Dias Amaral parecia ter dado um salto. Aos 38 anos, gaúcho, formado em Administração e pai de dois filhos, ele foi promovido recentemente ao cargo de coordenador em uma empresa de varejo. O salário subiu, o status também — mas a nova função chegou com uma condição: abrir um CNPJ e deixar a carteira de trabalho no passado.
Diego nasceu e construiu boa parte da carreira no Rio Grande do Sul. Depois de mais de dez anos na mesma empresa, percebeu que, para crescer de verdade, teria de se mudar para São Paulo — o centro das oportunidades e também da exigência constante. Desde então vive na capital paulista, enquanto os filhos continuam no Sul com a mãe. Ele viaja quase todo final de semana para visitá-los.
Dois meses depois da promoção, ainda tenta entender se ganhou liberdade ou apenas um novo tipo de rotina. Desde a mudança de cargo, ele chega ao escritório às oito da manhã e raramente sai antes das oito da noite. Muitas vezes continua trabalhando em casa, entre planilhas abertas no notebook e desenhos coloridos dos filhos presos na parede.
Para exibir uma visão mais ampla, a AGEMT também conversou com Marcelo Dias Amaral, irmão mais velho de Diego, servidor público e defensor da estabilidade, e Josiane Costa Almeida, colaboradora da equipe de Diego, que continua registrada pela CLT. Juntos, eles ajudam a compor o retrato de um país em transformação — entre o desejo de segurança e o discurso de autonomia.
O discurso corporativo é o da autonomia: “você faz o seu horário, é dono do próprio tempo”. Na prática, porém, o expediente parece mais longo e a cobrança, mais constante.

Foto: Larissa Pereira/AGEMT
Diego Dias Amaral – “Na teoria, eu seria dono do meu tempo. Na prática, sou o tempo todo da empresa.”
Como foi receber a proposta de promoção e a exigência de virar PJ?
Foi um momento de alegria. Eu vinha buscando esse reconhecimento fazia tempo. Quando o gestor me chamou para conversar, imaginei que era uma boa notícia — e era. Mas veio com a condição de abrir um CNPJ. No começo, achei que fazia sentido. Hoje o mercado é assim, principalmente pra cargos de gestão. Eu pensei: “se é o preço pra crescer, eu pago”. E não acho que seja algo ruim. Só que a gente demora um pouco pra entender as implicações.
Você já estava em São Paulo nessa época?
Sim, eu vim pra cá antes da promoção. Foram mais de dez anos na mesma empresa no Rio Grande do Sul. Chegou um momento em que percebi que, se quisesse buscar novas oportunidades, precisava estar onde as coisas acontecem. São Paulo é o centro de tudo, mas também é uma cidade que engole a gente. Aqui o ritmo é outro. Eu sabia que vir pra cá significaria ficar longe das crianças, e ainda assim achei que valia o risco.
O que mudou na rotina depois da promoção?
Mudou quase tudo. O ritmo ficou mais intenso. Chego às oito, saio às oito, e ainda levo o notebook pra casa. No fim do dia, quando os meninos me mandam foto do dever de casa, sinto que poderia estar lá ajudando. Essa é a parte mais difícil. Eu me acostumei a organizar as viagens pro Sul no fim de semana, mas no fundo queria poder passar mais tempo com eles durante a semana também.
No papel, o PJ é livre pra isso — pra ajustar o horário, escolher os dias, trabalhar de onde quiser. Mas na prática, se eu fico desconectado, tudo se acumula. E quando volto, tem sempre uma reunião nova, um projeto em atraso. É como se o tempo nunca parasse.
Marcelo Dias Amaral – “O Diego acha que é livre. Eu acho que vive em outra prisão.”
Você enxerga diferença entre a sua estabilidade e a vida do seu irmão?
Total. Eu sou servidor público, tenho 44 anos e dois filhos. Sei quanto vou ganhar no fim do mês e sei que não posso ser mandado embora de um dia para o outro. Isso me dá tranquilidade. O Diego vive numa gangorra: ganha mais, mas sem garantia nenhuma. Se a empresa mudar de ideia, acabou.
E como você vê o modelo PJ?
Eu entendo o argumento da autonomia. Na teoria, ser seu próprio chefe é o ideal. Mas, na prática, quase ninguém é dono de nada. O patrão continua existindo — só mudou de nome. O funcionário paga os próprios encargos e ainda precisa agradecer pela chance.
Você acha que é uma questão política também?
Com certeza. É o resultado de uma lógica que diz que o trabalhador precisa se virar sozinho. Essa ideia do “empreendedor de si mesmo” virou moda e é muito sedutora. Só que ela desobriga a empresa e o Estado de qualquer responsabilidade. Eu não trocaria minha estabilidade por isso.
O que você diz pro Diego?
Que ele se cuide. Que aproveite o que conquistou, mas não se iluda. A empresa fala em parceria, mas parceria de verdade exige igualdade — e não existe igualdade quando um lado pode te desligar com um e-mail.
Josiane Costa Almeida – “Eu gosto dos meus direitos, mas entendo que os cargos altos vão pelo caminho do PJ.”
Você trabalha diretamente com o Diego. Como ele é como gestor?
Muito presente. Sempre foi o primeiro a chegar e o último a sair. Exigente, mas justo. Quando virou coordenador, o ritmo dele aumentou e o nosso também. Ele tenta proteger a equipe, mas dá pra ver que está sobrecarregado.
E sobre o modelo PJ, como você vê essa mudança dentro da empresa?
Acho que é o rumo das coisas. Entendo que, em cargos muito altos, a empresa vai por esse caminho. Mas, pessoalmente, gosto muito de ser CLT. Tenho meus direitos garantidos: férias certas, décimo terceiro, FGTS… Isso traz um final de mês mais tranquilo.
Você sente que há pressão pra mudar de regime?
Não chega a ser pressão explícita. É mais uma adaptação silenciosa. Quem quer crescer entende que pode ser necessário. Meu cuidado é que nem todo mundo está preparado para viver nessa correria nem tem a estrutura que o Diego tem pra lidar com isso.
Diego Dias Amaral – “O modelo não é o vilão. Só precisa de respeito dos dois lados.”
Você sente que tem mais autonomia agora?
De certa forma, sim. Hoje posso negociar meu ritmo, discutir metas de forma mais direta. Isso é ganho. Mas a autonomia de verdade seria poder usar essa flexibilidade sem culpa. Às vezes penso que o modelo é bom, só não é aplicado como deveria. Se houvesse um olhar mais humano para quem é PJ, com espaço para adaptar horários, a coisa funcionaria melhor.
E quanto aos benefícios?
Eu ainda tenho plano de saúde e alguns auxílios — sei que não é comum. Então reconheço que tive sorte. É uma abertura da empresa, e sou grato. Mas também sei que é exceção. A maioria das empresas não faz essa ponte entre CLT e PJ: simplesmente te joga de um lado para o outro.
Você se arrepende da mudança?
Não — de jeito nenhum. Eu gosto do que faço e da posição que conquistei. Ser PJ não é o problema — o problema é o sistema que trata isso como se fosse informalidade disfarçada. O modelo pode ser positivo se houver responsabilidade dos dois lados. O que me incomoda é a diferença entre o discurso e a realidade.
E como você concilia com a vida pessoal?
Tento com equilíbrio — ou tentando. Tenho o costume de fechar o computador quando chego em casa, mas nem sempre consigo. Às vezes, estou respondendo e-mails enquanto vejo um desenho que os meus filhos fizeram pra mim. É bonito, mas é um lembrete do que falta.
Você acredita que esse é o futuro do trabalho?
Acho que sim. E acho que não é ruim — o problema é a falta de preparo das empresas para isso. O modelo PJ não é vilão. É a resposta ao mundo de hoje. Só que, se não vier acompanhado de respeito, vira disfarce de liberdade. E ninguém aguenta fingir que é livre quando, no fundo, continua preso a um sistema.

Foto: Larissa Pereira/AGEMT
A política por trás da pejotização
O caso dos irmãos Amaral sintetiza um país dividido entre a promessa de autonomia e o desejo de segurança. Diego, o coordenador que virou empresa, tenta equilibrar a carreira com a vida de pai ausente durante a semana. Marcelo, o servidor estável, observa o movimento de fora, convencido de que a “liberdade” vendida pelo mercado tem preço alto.
Nos últimos anos, o Brasil viveu uma reconfiguração das relações de trabalho. A reforma trabalhista de 2017, durante o governo Michel Temer, flexibilizou regras de contratação e abriu espaço para acordos individuais. Desde então, o número de profissionais que atuam como pessoa jurídica (PJ) ou autônomos formais cresceu de modo acelerado.
Segundo dados da PNAD Contínua (IBGE, 2024), cerca de 13,2 milhões de brasileiros trabalham por conta própria com CNPJ — o maior número da série histórica. Já o Dieese aponta que, em dez anos, houve um aumento de mais de 60%nas contratações sem vínculo formal direto, especialmente em áreas administrativas, tecnológicas e de serviços.
Essa transição foi apresentada como sinal de “modernização” e “liberdade”. Para muitos, inclusive Diego, ela de fato oferece vantagens: remunerações mais altas, poder de negociação e prestígio profissional. Mas, na prática, também impõe custos pessoais — responsabilidade por encargos, incerteza e ausência de limites claros entre o trabalho e a vida.
“O bom de ser PJ é poder trabalhar a hora que quiser”, ele diz, rindo. “O problema é que eu trabalho o tempo todo.”
Entre a liberdade prometida e o controle disfarçado, Diego aprendeu a negociar — não apenas contratos, mas também a própria ideia de sucesso.
A Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorre em Belém do Pará, coloca o Brasil novamente no centro das negociações climáticas globais. O país chega ao encontro com redução nas taxas de desmatamento, metas climáticas revisadas e um cenário político que tenta recuperar protagonismo após anos de instabilidade ambiental. Ao mesmo tempo, enfrenta desafios internos que permanecem como obstáculos estruturais: a grilagem de terras, a fragilidade da fiscalização, exploração de petróleo e o avanço de grupos criminosos na Amazônia.
Em 2024, o Brasil atualizou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), comprometendo-se a reduzir entre 59% e 67% das emissões líquidas até 2035 e estabelecendo um teto de emissões entre 2025 e 2030. O governo também avançou na estruturação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que prevê metas obrigatórias para setores intensivos em carbono e a possibilidade de comercialização de créditos por empresas que emitirem menos do que o permitido.
A COP30 ocorre no momento em que o país tenta equilibrar esses compromissos com a necessidade de enfrentar o desmatamento ilegal, responsável por quase metade das emissões nacionais. Em áreas remotas da Amazônia Legal, a derrubada de floresta se articula com grilagem de terras públicas, exploração ilegal de madeira e presença crescente de facções criminosas, que ocupam o vazio deixado pelo Estado. Relatórios recentes do Instituto Igarapé apontam que, em 2022, cerca de metade das operações da Polícia Federal contra crimes ambientais identificaram vínculos diretos com organizações armadas.
Belém, que sediou a Cúpula da Amazônia em 2023 e agora recebe a COP, concentra debates sobre governança territorial, combate à desigualdade e financiamento climático. A cidade também enfrenta desafios logísticos, impactada por obras emergenciais e pressões de infraestrutura associadas ao evento. Para o governo federal, porém, o encontro é uma oportunidade de apresentar avanços reais após anos de oscilação na agenda ambiental.

Durante a programação oficial, o debate sobre clima e território ganha novas camadas com a presença de parlamentares mulheres que atuam em periferias urbanas e áreas rurais. Na última quarta-feira (12), deputadas como Jack Rocha (ES), Carol Dartora (PR), Rosa Amorim (PE), Célia Xakriabá (MG) e a vereadora Tainá de Paula (RJ) destacaram como as desigualdades sociais moldam os impactos da crise climática. Para Rosa Amorim, a pauta ambiental não se separa da luta por terra, renda e direitos: a deputada afirmou que mulheres negras, indígenas e periféricas permanecem entre as mais afetadas pelo racismo ambiental e pelas mudanças no uso da terra.
Na esfera das políticas públicas, o Unicef lançou, durante o evento, o novo Protocolo Nacional para a Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Riscos e Desastres. O documento atualiza diretrizes de 2012 e incorpora experiências recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca extrema na Amazônia. O protocolo reforça a necessidade de garantir abrigo seguro, acesso a educação, acompanhamento psicossocial e participação juvenil em ações de prevenção. Segundo o Unicef, ao menos quarenta milhões de crianças e adolescentes no Brasil vivem expostos a algum risco climático.
O debate sobre a transição energética aparece como um dos eixos de maior contraste entre discurso e realidade. Em entrevista à AGEMT, Neilton Fidelis da Silva, professor e pesquisador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG/UFRJ), explica que há distância entre o que se anuncia e o que se executa: “as COPs renovam anualmente a promessa de equilíbrio entre desenvolvimento e proteção ambiental, mas as bases materiais da economia permanecem inalteradas”, afirma.
O pesquisador avalia também que a transição energética global avança sobre territórios desiguais: “O discurso sobre energia limpa convive com a permanência de um modelo que concentra riqueza e transfere custos ambientais para o Sul Global.” Para Neilton, enquanto países desenvolvidos investem em inovação e ampliam a demanda por minerais estratégicos, populações vulneráveis seguem expostas a impactos socioambientais e à falta de acesso a energia segura.
Outro ponto de atenção é a dimensão territorial da mudança climática. À medida que eventos extremos se intensificam, o poder público é pressionado a responder com rapidez a enchentes, secas e deslocamentos populacionais. Na COP30, gestores estaduais e municipais defendem que cidades recebam mais recursos e autonomia para aplicar verbas climáticas conforme suas realidades. A proposta apresentada pela Coalizão Darci 40 pede o repasse de 1,3 trilhão de dólares ao longo de dez anos para infraestrutura resiliente, saneamento, habitação e adaptação.
No momento em que Belém recebe chefes de Estado, cientistas, investidores e movimentos sociais, o Brasil tenta consolidar o espaço recuperado no debate climático. O país apresenta avanços reconhecidos internacionalmente, mas segue confrontado por desafios estruturais que não se resolvem no intervalo entre uma conferência e outra. Com metas ambiciosas, propostas regulatórias e pressão por resultados concretos, a COP30 se torna um teste real para a capacidade brasileira de alinhar discurso, governança e prática.
Era uma segunda-feira de manhã e Vivian havia me mandado uma mensagem cancelando nosso encontro para aquela tarde, mas com a tentativa de remarcar para outro dia.
Fazia umas duas semanas que estávamos conversando e ela sempre deixou claro que é muito atarefada, mas que estava disposta a conversar comigo. Então, decidimos fazer uma ligação antes de uma de suas reuniões.
Ela, de 42 anos e presidente estadual do partido Unidade Popular, feminista fundadora do Movimento Olga Benário e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, conseguiu, de muita boa vontade, encaixar nossa conversa nos seus planos.
Às duas da tarde, ela me ligou e começamos a conversar. E mesmo nas correrias da vida e nas falhas de som durante a chamada, em nenhum momento ela demonstrou falta de interesse ou mau-humor, muito pelo o contrário, o tempo todo se mostrou uma pessoa carismática, com um bom-astral e extremamente inteligente.
Nascida e criada em Guaianazes, Zona Leste de São Paulo, Vivian morava com os seus pais, ambos operários, que se conheceram na fábrica onde trabalhavam. Posteriormente, seu pai se tornou metalúrgico numa fábrica do ABC.
Onde residiam, havia uma forte influência política das Comunidades Eclesiais de Base, um movimento da Igreja Católica, inspirado na Teologia da Libertação, comprometida com pastorais populares. “Essa influência clássica, digamos, da esquerda daquele período, anos 70 e 80, faz parte da vida da minha família. Então eu sou de uma família bastante politizada, né…mas que nunca foi organizada em nenhum partido político, mas que tinha uma consciência política avançada, né?!”.
Inspirada pelo que aprendeu tendo contato com as pastorais e com o trabalho social, ela ajudou a construir o movimento Mística e Revolução, majoritariamente composto por jovens influenciados pela tradição de uma espiritualidade politizada.
E foi assim, que durante certo período, Vivian se organizou politicamente.
No final de 2009, ela conheceu o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, o MLB. A sua militância, mais próxima de como é hoje, começou no Jardim Pantanal. Na época, o bairro havia passado por uma enchente que deixou água represada na região durante meses. Neste período, ela se organizou melhor e construiu um trabalho ativo no MLB.
Em 2011, juntamente com companheiras de outros movimentos, decidiu fundar o Movimento Olga Benário.

O Movimento Olga Benário tem como objetivo organizar mulheres contra a violência e exploração do trabalho, além de garantir moradia e condições dignas de vida para mulheres pobres, negras, mães, trabalhadoras, membros da comunidade LGBTQIAPN+, PCDs e indígenas. “[As ocupações] permitem o desenvolvimento da consciência média do nosso povo. São espaços onde a gente desenvolve outras formas de relações sociais com as pessoas, muito mais profundas e muito menos ligadas com interesses econômicos”. E reforçou que as pessoas que moram em ocupações não são desapegadas, muito pelo contrário, estão lá porque existe uma vantagem em estar lá. Uma pessoa pobre, dentro de uma ocupação é tratada com respeito e dignidade.
Em cartilha, disponível no site do jornal da UP, o A Verdade, as palavras de ordem que regem o movimento giram em torno de garantir educação de qualidade às mulheres; salários igualitários; igualdade de participação nas decisões politicas do país, estados e municípios; erradicação da violência contra as mulheres: econômica, social, física, sexual, psicológica, obstetrícia e política; pelo fim da violência de gênero; entre outras reivindicações.
“Essas ocupações, que são expressão de uma política de luta e de resistência popular, são mecanismos justos e inclusive constitucionalmente aceitos. Elas têm um papel político importante em denunciar que determinado imóvel não cumpre o seu papel definido perante a lei, que é ‘têm que cumprir uma função social’...tudo o que existe tem que cumprir essa função, segundo a Constituição de 1988”, declarou Vivian.
Em 2013, ela e membros do MLB, movimento fundador da Unidade Popular, decidiram construir uma organização política que permitisse maior visibilidade e influência em grandes áreas. Em 2014, então, começa o processo de legalização dessa organização e em 2015, há uma mudança eleitoral e eles são obrigados a recomeçar o processo do zero.
Em 2016, para refazer este processo, ela deixa de fazer parte das tarefas de coordenação do Olga e passa a se concentrar na fundação e construção legal da UP. “É um trabalho bastante militante, mas também bastante organizativo de ‘como fazer campanha’ e tal, e tá na rua organizado, votar no sistema…enfim, tarefa louca por dois anos, que exigiu muita concentração e [durou] até 2018 quando a gente terminou essa campanha.”
Entretanto, a legalização só ocorreu em 2019 por conta de uma demora, gerada pelo ano de 2018 ser um ano eleitoral, dos cartórios eleitorais em analisar toda a papelada.

Vivian também é membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que trabalha pela identificação e localização dos restos mortais de desaparecidos políticos. Além de buscar a reparação dos familiares das vítimas da Ditadura Militar.
Diogo Romão, ativista da UP formado em história pela UNIFESP e fotojornalista político, conta que ela o inspira por ser mulher e ter um enorme alcance político num local majoritariamente ocupado por homens. Ressaltou também sua trajetória e resistência, principalmente durante o período do governo Bolsonaro, no qual o ex-presidente sustentou, segundo relatou Romão, a noção "de que a ditadura só matou bandido, só gente que merecia”. E finaliza: “mesmo assim, a Vivian nunca baixou essas bandeiras. Eu acho que é uma coisa incrível…é isso, eu acho uma trajetória incrível”
Em 2023, durante um ato contra a privatização da Sabesp, no governo do Tarcísio, ela foi presa acusada de resistência à prisão e de associação criminosa. Quando perguntei sobre isso, ela deu uma risada e disse, descontraída: “tô respondendo ainda, tô em liberdade provisória”.
Questionei se em algum momento ela já havia sentido medo e ela disse que “enfrentar o medo é uma necessidade da vida…aprender a lidar com isso também faz parte, e eu acho que não é exatamente negar o medo. Não é que eu não tenha medo…mas a capacidade de fazer o que precisa ser feito apesar do medo, a gente desenvolve coletivamente. Eu acho que sozinho é muito difícil, mas coletivamente é possível” e completou “fui presa, foi um caos, é um caos e eu não quero romantizar, é um negócio terrível, né?! mas em nenhum momento achei que eu estava sozinha ‘eu to presa, mas lá fora tá todo mundo fazendo o que pode e o que não pode pra me soltar’. É uma força de um coletivo muito poderoso”.
Com um saldo de 121 mortos, a operação policial realizada no dia 28 de outubro nos complexos do Alemão e da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre a forma como a imprensa cobre as questões de segurança pública. Manchetes que falam em “guerra ao tráfico”, “combate ao crime” ou “megaoperação” voltaram a ocupar o noticiário. Para a pesquisadora Sylvia Moretzsohn, professora aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em ética e prática jornalística, a recorrência dessas abordagens revela uma aliança estrutural entre mídia e sistema penal.
“Uma explicação para o comportamento da nossa imprensa, de modo geral, quando se trata de crime e segurança pública, está na relação de solidariedade entre mídia, que atua como porta-voz da classe dominante, e o sistema penal”, afirma Sylvia em entrevista.
A pesquisadora diz que essa leitura é sustentada também pelo jurista Nilo Batista, no artigo “Mídia e sistema penal no capitalismo tardio”, publicado há mais de vinte anos. Citando o texto, Sylvia destaca que o neoliberalismo, ao gerar desemprego e marginalização, “precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza”. Em outro trecho, também mencionado por ela, Batista observa que o compromisso da imprensa com o projeto neoliberal é o que explica a “vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante”.
Segundo Sylvia, a relação entre mídia e senso comum é outro ponto central para entender o problema. “O exercício do jornalismo, para ser crítico, deveria ser capaz de confrontar o senso comum, para mostrar que a realidade não é o que parece ser. A mídia institucionalizada, entretanto, tende a reproduzir o discurso de ‘lei e ordem’ e a naturalizar o crime e a figura do criminoso”, explica.
Esse processo, conforme complementa em um de seus artigos acadêmicos, favorece a reprodução de estereótipos e dificulta abordagens críticas. Ela cita o jurista italiano Luigi Ferrajoli, que define o “direito penal máximo” como uma visão de justiça voltada para a defesa dos interesses da maioria contra uma minoria “desviada”, lógica que se encaixa perfeitamente na cobertura policial brasileira.

Questionada sobre o uso de expressões como “guerra ao tráfico” e “megaoperação”, Sylvia é categórica: “A forma de nomear faz toda a diferença. Falar em ‘guerra’ já pressupõe a existência de um inimigo a combater, e a abater. Falar em ‘megaoperação’ quando o que ocorreu foi uma matança, uma chacina, é legitimar o discurso do governo.” Ela também critica o uso de termos como “narcoterroristas” e “neutralizar”, utilizados por autoridades e muitas vezes repetidos pela imprensa. “É um eufemismo para matar. Eliminar, executar, assassinar”, afirma.
Em relação ao comportamento dos repórteres, a pesquisadora descarta a ideia de que o problema seja apenas falta de preparo. “Não creio que haja medo. Há conivência e obediência às determinações das chefias. Há também uma convicção formada em favor do discurso da autoridade”, diz.
Sylvia defende que os cursos de jornalismo incluam noções de criminologia, para que os futuros profissionais possam adotar um olhar mais crítico sobre a cobertura policial. “Ofereci na UFF uma disciplina chamada Jornalismo e Criminologia. Seria um passo importante para um enfoque crítico da cobertura, mas ainda insuficiente, porque entraria em choque com a linha editorial das empresas jornalísticas”, observa.
Quando questionada sobre a metáfora que compara a posição da imprensa entre estar ao “lado do helicóptero” ou “ao lado da janela das casas atingidas”, Sylvia responde sem hesitar: “Está sempre ao lado do helicóptero”. Mas ela faz uma ressalva: “Isso não significaria necessariamente uma adesão ao discurso do helicóptero. O jornalista precisa estar desse lado por motivos práticos e objetivos: só pode entrar lá, numa situação de perigo, se estiver protegido. Mas poderia ser crítico, denunciar abusos, o que raramente ocorre”.
Sylvia recorda ainda um debate antigo sobre o uso de coletes à prova de bala pelos repórteres. “Alguns diziam que se sentiam mal com aquilo, porque o uso dos coletes os distinguia dos moradores, tão vulneráveis. Isso tinha um peso na hora de tentar uma aproximação com eles”, relembra.
Sobre o papel das redes sociais na disputa pela narrativa, Sylvia aponta que as empresas jornalísticas “lidaram muito mal com as transformações trazidas pela internet” e que a busca por reafirmar a autoridade do jornalismo tradicional resultou em contradições. Ela cita o Projeto Editorial da Folha de S.Paulo (2017), que se propunha a combater a desinformação, mas lembra que a falsidade não surgiu com a internet. “Os jornais se cansaram de publicar mentiras ou meias verdades, mas principalmente dão como verdade uma versão naturalizada dos fatos, que raramente abre espaço ao contraditório. Isso também é uma forma de desinformar”, afirma.
Em tom crítico, Sylvia recorda ainda uma peça publicitária da Folha, de 1987, intitulada “Hitler”, que terminava com a frase: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. “Pena que o jornal não siga o próprio alerta”, diz.

