A ascensão das plataformas digitais como palco central da nova política e o desafio da polarização
por
Isabelle Maieru
Jalile Elias
Marcela Rocha
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27/11/2025 - 12h

 

A imagem conceitual representa a polarização política. FONTE: Shutterstock / Imagem Conceitual

O cenário político contemporâneo foi drasticamente redefinido pela ascensão das redes sociais. O que antes era um mero canal de comunicação secundário transformou-se no principal palco de debate, engajamento e, por vezes, de acirrada polarização. Líderes e figuras públicas, de todas as ideologias, utilizam plataformas como X (antigo Twitter), Instagram, Facebook e TikTok não apenas para disseminar informações, mas para construir narrativas, interagir diretamente com eleitores e moldar a opinião pública.

A Onipresença Digital: Vantagens e Riscos

A presença massiva de políticos nas redes oferece uma série de vantagens:

  • Acesso Direto: Permite uma comunicação sem intermediários com o eleitorado, humanizando a figura pública e criando um senso de proximidade.

  • Mobilização: Ferramenta poderosa para organizar movimentos, manifestações e campanhas de forma rápida e eficiente.

  • Quebra de Monopólio: Diminui a dependência da mídia tradicional, permitindo que políticos e partidos estabeleçam suas próprias agendas.

No entanto, essa "democratização" da comunicação não está isenta de riscos e desafios:

  • Polarização e Bolhas: Os algoritmos das redes tendem a criar "bolhas" de informação, reforçando crenças existentes e expondo os usuários a conteúdo que confirma seus vieses, o que contribui para a polarização.

  • Desinformação (Fake News): A velocidade de propagação e a falta de filtros rigorosos tornam as redes um terreno fértil para a disseminação de notícias falsas, boatos e manipulação de informações, com sérias consequências para o debate público e a democracia.

  • Discurso de Ódio: A anonimidade e a falta de moderação eficaz em algumas plataformas facilitam a proliferação de discursos de ódio, ataques pessoais e campanhas difamatórias.

Foto de uma tela de celular com vários ícones de redes sociais misturados. Fonte: Depositphotos / Mídia Social e Política

Estratégias Digitais em Constante Evolução

A "nova política" é inerentemente digital. Políticos e suas equipes investem pesadamente em estratégias de marketing digital, análise de dados e criação de conteúdo. O uso de memes, vídeos curtos e transmissões ao vivo (lives) são táticas comuns para viralizar mensagens e engajar diferentes faixas etárias.

Observa-se também a profissionalização das equipes digitais, com especialistas em análise de sentimentos, SEO (Search Engine Optimization) e gestão de crises online. A capacidade de responder rapidamente a eventos e narrativas em tempo real tornou-se um diferencial competitivo crucial.

O Futuro da Política e das Redes

O fenômeno dos políticos nas redes sociais é irreversível. O desafio para as democracias é encontrar mecanismos para regular e fiscalizar o ambiente digital sem cercear a liberdade de expressão, garantindo que as plataformas sirvam como ferramentas de fortalecimento do debate público e não de sua deterioração. A busca por um equilíbrio entre a liberdade, a responsabilidade e a moderação de conteúdo continuará a ser um dos temas centrais dos próximos anos, moldando não apenas a política, mas a própria sociedade.

 

Unanimidade da 1ª Turma confirma preventiva e abre caminho para execução imediata da pena de 27 anos
por
Isabelle Maieru
Jalile Elias
Marcela Rocha
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26/11/2025 - 12h

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, manter a prisão preventiva do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro. A decisão, referendada na segunda-feira (24), confirmou o decreto do ministro Alexandre de Moraes que converteu a prisão domiciliar do ex-presidente em preventiva no último sábado (22).

A manutenção da prisão ocorre no momento em que o processo final de condenação do ex-presidente na Ação Penal (AP) 2668 se aproxima do trânsito em julgado, permitindo que o ministro relator determine o início imediato do cumprimento da pena. Bolsonaro está detido na Superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília.

 

Ministro Alexandre de Moraes discursando na bancada. Fonte: STF (Supremo Tribunal Federal)

 

Argumentos da Corte e Motivação da Prisão Preventiva

A decisão unânime dos ministros da 1ª Turma (Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin) considerou que a prisão preventiva é imprescindível para garantir a ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e coibir o reiterado desrespeito às medidas cautelares impostas.

Os fatores centrais que motivaram a conversão da prisão domiciliar para preventiva são:

  1. Violação da Tornozeleira Eletrônica: A Polícia Federal apontou que o equipamento de monitoramento eletrônico foi violado intencionalmente pelo ex-presidente. Moraes classificou o ato como uma violação "dolosa e consciente", após o próprio Bolsonaro admitir ter usado um ferro de solda na tornozeleira, alegando ter agido sob "surto" e efeito de medicamentos.

  2. Risco de Fuga e Obstrução: O ministro relator citou o risco concreto de fuga, intensificado pela violação do equipamento e pela convocação pública para uma "vigília" em frente à residência de Bolsonaro, feita por um familiar. A Corte avaliou que essa mobilização poderia criar tumulto e facilitar uma eventual evasão.

 

Os Argumentos da Defesa

A defesa do ex-presidente apresentou recursos e pedidos que foram, em grande parte, rejeitados ou considerados prejudicados pela decretação da prisão preventiva.

  • Prisão Domiciliar Humanitária: O principal pleito da defesa foi a prisão domiciliar humanitária, citando o quadro de saúde frágil de Bolsonaro, que inclui gastrite, esofagite e crises de soluços. No entanto, o ministro Moraes considerou este pedido prejudicado com a prisão preventiva, embora tenha determinado o atendimento médico em regime de plantão na PF.

  • Contradições na Condenação: Nos recursos apresentados contra a condenação na AP 2668, a defesa alegou que a decisão foi baseada em provas frágeis e contradições no acórdão, e que o ex-presidente não teve participação direta nos atos que levaram à denúncia.

  • Inexistência de Risco: Advogados argumentaram que a prisão preventiva não se justificava, pois a situação já estava controlada pela prisão domiciliar, e Bolsonaro não representaria um risco iminente à sociedade.

Ex-presidente Jair Bolsonaro em evento público (imagem de arquivo). Fonte: Agência Brasil / EBC

 

A Condenação na Ação Penal 2668 e Execução da Pena

Jair Bolsonaro foi condenado pelo STF a 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicial fechado, além de multa (124 dias-multa no valor de dois salários mínimos à época dos fatos), na Ação Penal (AP) 2668.

  • Crimes: O ex-presidente foi condenado, majoritariamente, por ser o líder da organização criminosa que articulou planos para impedir a posse do governo eleito em 2022, sendo réu pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

  • Trânsito em Julgado: O prazo para a defesa apresentar o último recurso contra a condenação encerrou-se nessa segunda-feira (24). Com isso, a Corte confirmou o trânsito em julgado para Bolsonaro.

  • Próximo Passo: O ministro Alexandre de Moraes está liberado para, a qualquer momento, determinar a expedição da guia de execução penal, documento que formaliza o início do cumprimento da pena em regime fechado. A sede da PF é apenas o local inicial da custódia, sendo o Complexo Penitenciário da Papuda, ou outra unidade compatível com sua condição de ex-presidente, o destino mais provável para o cumprimento da sentença.

Nova ferramenta deve integrar informações socioeconômicas relacionadas ao gênero
por
Marcela Rocha
Jalile Elias
Isabelle Maieru
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25/11/2025 - 12h
Foto: José Cruz/Agência Brasil
Ativistas participam da 5ª edição da CNPM. Foto: José Cruz/Agência Brasil

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A 5ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (CNPM), ocorreu em Brasília entre os dias 29 de setembro e 1º de outubro. Durante o evento foi anunciada a plataforma DataMulheres, criada pelo governo federal através do Ministério das Mulheres.

Desenvolvida entre uma parceria do Observatório Brasil da Igualdade de Gênero e a Dataprev (empresa vinculada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), a tecnologia deve integrar informações de gênero e auxiliar procedimentos de pesquisas, observatórios, projetos e demais iniciativas de gestores públicos e instituições nacionais.

O encontro contou com a presença de 4 mil participantes de coletivos, movimentos sociais, deputadas, ministras e outras autoridades, além do oferecimento de palestras, redes de diálogo e stands para a exposição de livros e artesanatos produzidos por mulheres de todo o Brasil.

Na plenária final do evento foram aprovados o relatório de propostas para o novo Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e 33 moções, com 98% dos votos favoráveis. O resultado quase unânime reflete a assertividade de diálogos previamente realizados nas instâncias municipais e estaduais.

Com o intuito de reconhecer a pluralidade das 100 milhões de mulheres que vivem no Brasil, o texto do relatório foi dividido em 15 temas, entre eles a questão do fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho, igualdade salarial, desigualdades econômicas e raciais, fortalecimento da participação política de mulheres, autonomia econômica e o enfrentamento à violência de gênero.

Durante o evento, a Ministra das Mulheres, Márcia Lopes, afirmou que “a luta não acaba nunca”, sendo necessário construir “não somente o Brasil, mas a América Latina, o Caribe, um mundo de paz”, para que as mulheres sejam livres e em que não haja nenhum tipo de violência contra elas.

Mudanças incluem teto para operadoras, repasse mais rápido e interoperabilidade
por
Antônio Bandeira e Fábio Pinheiro
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24/11/2025 - 12h

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou no dia 11 de novembro o decreto que moderniza as regras do vale-refeição e vale-alimentação dentro do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). As mudanças criam um teto para as taxas cobradas pelos operadores, reduzem prazos de repasse aos estabelecimentos e definem novas obrigações para empresas e bandeiras do setor.

Entenda as mudanças mais importantes:

Redução de taxa: O texto fixa limite de 3,6% para a taxa cobrada dos restaurantes e outros estabelecimentos. Atualmente, segundo o governo, esse percentual chega a 15% em alguns casos. As empresas terão 90 dias para se adequar à nova regra. O decreto também estabelece teto de 2% para a tarifa de intercâmbio e proíbe cobranças adicionais.

Interoperabilidade: Em até 360 dias, qualquer maquininha deverá aceitar cartões de todas as bandeiras. A medida, conforme o Ministério do Trabalho, amplia a concorrência e facilita o uso do benefício pelos trabalhadores e pelos estabelecimentos.

Prazo de repasse aos comerciantes: Os restaurantes e supermercados passarão a receber em até 15 dias após a transação. Antes das novas regras, o pagamento ocorria em cerca de 30 dias, podendo chegar a 60.

Legenda: Lula durante assinatura do novo regulamento do PAT - Foto/ Por: Ricardo Stuckert
Legenda: Lula durante assinatura do novo regulamento do PAT - Foto/ Por: Ricardo Stuckert

As regras incluem ainda a abertura dos chamados “arranjos fechados”. Empresas que atendem mais de 500 mil trabalhadores terão 180 dias para migrar para sistemas abertos. A mudança deve reduzir a concentração de mercado e permitir que mais credenciadoras participem do sistema.

Além disso, o decreto proíbe práticas consideradas abusivas, como deságios, descontos indiretos, bonificações e vantagens financeiras não relacionadas à alimentação.

De acordo com o governo, mais de 22 milhões de trabalhadores e cerca de 330 mil empresas cadastradas no PAT serão afetados. O valor do benefício não muda e segue exclusivo para compra de alimentos.

Para o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, o decreto corrige distorções que vinham sendo cobradas por restaurantes, mercados e padarias. Ele afirmou que o governo discutiu o tema por dois anos com empresas e representantes do setor, mas não houve consenso para um acordo.

O presidente da Associação Brasileira de Supermercados, João Galassi, disse que a medida aumenta a concorrência e deve melhorar o valor final disponível para o trabalhador. Segundo Galassi, a redução da intermediação permitirá que mais pequenos estabelecimentos aceitem os vales.

O decreto cria ainda um comitê gestor para acompanhar a implementação das novas regras, fiscalizar práticas abusivas e definir parâmetros técnicos para o funcionamento do sistema.

Congresso irá analisar nesta quinta-feira (27), os 63 vetos feitos pelo presidente Lula
por
CRISTIAN FRANCISCO BUONO COSTA
Antônio Bandeira de Melo Carvalho Valle
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24/11/2025 - 12h

A votação dos vetos ao novo marco do licenciamento ambiental virou um dos temas centrais da agenda do Congresso para novembro. Deputados e senadores se reúnem no dia 27 para decidir se mantêm ou derrubam os 63 trechos barrados pelo presidente Lula na lei sancionada em agosto. O resultado importa porque define até onde o país flexibiliza ou reforça o controle sobre atividades que causam impacto ambiental.

O licenciamento sempre foi o principal instrumento de fiscalização ambiental no Brasil. Ele estabelece quais estudos cada empreendimento precisa apresentar; quais riscos devem ser controlados e quais condicionantes precisam ser cumpridas. O processo costuma ser longo e heterogêneo entre estados, e por isso o Congresso discute há anos uma lei geral que dê mais previsibilidade.

A proposta aprovada em maio deste ano avançou justamente nessa direção: criou regras nacionais, previu modalidades mais simples — como a licença única (LAU) e a licença por adesão e compromisso (LAC) — e dispensou determinadas atividades do processo formal de licenciamento.

Os vetos do governo miraram pontos considerados sensíveis. O Planalto argumenta que alguns trechos ampliavam exageradamente as dispensas, reduziam a fiscalização e fragilizavam compromissos ambientais assumidos pelo país. A justificativa foi a mesma em outras áreas: garantir proteção ambiental sem abandonar a segurança jurídica para o setor produtivo. Entre os vetos estão dispositivos que tratavam da dispensa de licenciamento para obras de manutenção em estradas, linhas de transmissão e linhas férreas, e regras mais amplas para empreendimentos agropecuários.

Parlamentares contrários aos vetos dizem que as restrições prejudicam obras estruturantes e atrasam investimentos. Para eles, trechos barrados pelo Executivo traziam justamente o alívio burocrático que falta para modernizar o setor. O debate ganhou ainda mais força porque a lei entra em vigor em fevereiro de 2026 e o Congresso quer definir o texto final antes disso. Também pesa o cenário político: o tema aparece na agenda de eventos internacionais de clima, e o governo tenta apresentar avanços em governança ambiental.

A votação deve mostrar qual será o equilíbrio escolhido pelo Legislativo para os próximos anos. Manter os vetos significa reforçar o papel fiscalizador do licenciamento, enquanto derrubá-los abre espaço para uma lei mais permissiva, com processos mais rápidos e menos pontos de controle. Para estados, municípios, empreendedores e órgãos ambientais, o resultado define como novos projetos, como o de hidrelétricas, estradas, etc, serão avaliados a partir de 2026.

Em meio à emoção, o ex-deputado do PT relata as dores do período do regime militar e a luta política que mantém até os dias de hoje
por
Martim Tarifa
Daniella Ramos
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13/11/2025 - 12h

Fomos até um dos mais famosos condomínios da cidade de São Paulo, na entrada de seu jardim tem uma grande escultura de Domenico Carbone. Inicialmente estava combinado que subiríamos ao apartamento para realizar a entrevista, mas quando chegamos lá ele nos conduziu a uma sala de reuniões de seu prédio. Vestia uma camisa polo vermelha sobreposta por uma jaqueta impermeável azul, uma calça jeans e um sapatênis preto comum 

Adriano, em tom sério, começa a nos contar sobre sua infância onde trabalhou por um curto período na padaria com seus pais, os quais passavam dificuldade na época. Sua mãe era professora e seu pai, um pequeno comerciante que entrou no ramo de padarias. Com objetivo de entrar na faculdade de medicina da USP, o ex-deputado estudou em uma das melhores escolas estaduais de São Paulo, E.E. Profº Antônio Firmino de Proença. 

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Escultura de Domenico Carbone chama atenção na entrada do condomínio. Foto: Martim Tarifa/AGEMT

Em 1963, sua turma da escola ficou responsável por ajudar a delegação estadunidense nos Jogos Panamericanos que estavam sendo realizados na USP. Por se destacarem na maioria dos esportes, os americanos tinham uma grande quantidade de patrocinadores e queriam utilizar isso nos jogos, trazendo cerca de 40 mil bonés impermeáveis com botons de cada esporte. Indignados com a quantidade de material que a delegação trouxe, Adriano e os colegas repudiaram a ação, o que teve uma alta repercussão. 

Com a entrada dos militares no poder, em 1964, Adriano foi expulso da escola pela ação contra os estadunidenses e não iria conseguir ingressar no curso que queria na Universidade de São Paulo, assim automaticamente ele se viu no movimento contra a ditadura.  

Entre os anos de 1964 e 1968, ele manteve sua luta estudantil, aliado à ALN (Ação Libertadora Nacional) até ingressar no curso de Geologia na USP, em 1969. “Quando entrei na USP, praticamente não tinha nada de agitação política. Não tinha um centro acadêmico aberto, não tinha uma atividade cultural... tudo era protegido e vigiado. Os primeiros 6 meses de faculdade, eu fiquei quietinho estudando porque meus colegas de movimento sofreram muito com a implementação do AI-5 em 1968”. 

Rogério Tarifa, diretor de teatro e amigo de Adriano afirma: “A relação do Adriano com a cultura e com a arte é muito forte”. Rogério conta que Adriano era muito amigo de Cesar Vieira, advogado dos presos políticos, fundador da companhia “Teatro Popular União e Olho Vivo” e um dos grandes dramaturgos do Brasil.  

Com a vinda de Nelson Rockefeller para o Brasil, Adriano volta à ativa da militância política. “Comecei a fazer ciclo de cinema na USP, que corria todas as faculdades”, afirma Adriano Diogo sobre como implementou novamente o movimento político dentro da Universidade. “Fui ao teatro de Arena e lá aprendi a fazer o teatro de guerrilha, na época chamávamos de teatro jornal”, comenta Adriano. Lá, reuniam todas as notícias de jornal, inclusive as proibidas, e faziam pequenas esquetes para agitação política.  

“O Adriano é um amante do teatro, da cultura do nosso país e por ele ser ex-Deputado, militante, acabamos juntando as coisas numa arte que possa buscar a transformação do nosso país”, afirma Rogério.  

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À esquerda Adriano Diogo aos 18 anos em um protesto em São Paulo. Foto: Divulgação/ arquivo pessoal

Entre 1969 e 1973, Adriano usava a arte e cultura como meio de enfrentamento político, mas teve um contratempo: “Quando voltei do meu estudo de TCC em Diamantina, onde passei um mês, meu amigo Alexandre tinha sumido e a família falava que ele tinha feito uma cirurgia de apendicite. Ficamos preocupados”, conta Adriano sobre seu amigo Alexandre Vannucchi Leme participante da ALN. Em março de 1973, mesmo ano do “sumiço” de Alexandre, os militares infiltrados em um dos caminhões da Folha de São Paulo, invadiram a casa de Adriano, levando-o preso junto aquela que ainda era sua namorada, Arlete Lopes Diogo, com quem teve uma filha e dois netos. Já no DOI-CODI, Adriano ouviu de um dos militares: “Você sabe onde você está? Você está na antessala do inferno, a Operação Bandeirantes”.  

Alguns dias depois, durante uma conversa com um dos guardas, ele soube da morte de Alexandre, que teve o corpo enrolado num tapete e jogado na Rua João Boemer, na região do Brás. “Aí contrataram um caminhão para esmagar o corpo dele e dizer que ele havia se suicidado.” Completou Adriano. Durante os interrogatórios ele percebeu que os militares “não sabiam de nada”, perguntando coisas com as quais ele não tinha ligação alguma, principalmente para incriminar Alexandre com o movimento armado.  

Adriano ficou preso cerca de 2 anos, sendo 90 dias na solitária dentro de um cofre. Ele afirma que, durante esse período, ficou sem comer e bebeu pouca água. Diogo lembra que foi solto porque, apesar da vontade dos militares de matá-lo, não havia motivo suficiente, já que “não tinha sangue nas costas”.  

Ao mencionar o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, Adriano Diogo não titubeou: o maior prazer dele era trazer os cadáveres dos companheiros mortos, para que os interrogados vissem. “Ele falava, conhece esse aqui? Conhece esse aqui?”.  

Um dia Ustra iniciou a tortura perguntando se Adriano se lembrava da Suelly Kanayama, estudante de Letras, que gostava de arte, teatro, adorava literatura... “Tive que matá-la depois da guerrilha do Araguaia”.  Com a voz embargada Adriano conta que perguntou o que tinha a ver com isso e o coronel respondeu: “Eu te trouxe aqui pra ver a foto dela”, então Ustra mostrou uma imagem de Suelly, amiga de Adriano, com a cabeça decapitada. “Esse era o Ustra, para você ter uma ideia de quem era esse assassino”, completou em meio a lágrimas. 

Em 1979, ele se junta ao Partido dos Trabalhadores desde sua origem e nunca mais se desvincula da política e da luta pelos direitos humanos. Em sua carreira política profissional, foi Vereador de São Paulo de 1988 até 2003, secretário do meio Ambiente da Prefeita Marta Suplicy e Deputado Estadual de 2003 até 2015. Em seus últimos anos ativos na política, presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva".  

“A história do Adriano é muito triste, mas bonita ao mesmo tempo porque mesmo depois de tudo, ele se formou politicamente e transformou toda sua dor em luta”, completou Rogério Tarifa. 

 

A pejotização redefine o que significa crescer profissionalmente no Brasil.
por
Khadijah Calil
Larissa Pereira
Thomas Fernandez
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13/11/2025 - 12h

Por fora, a vida de Diego Dias Amaral parecia ter dado um salto. Aos 38 anos, gaúcho, formado em Administração e pai de dois filhos, ele foi promovido recentemente ao cargo de coordenador em uma empresa de varejo. O salário subiu, o status também — mas a nova função chegou com uma condição: abrir um CNPJ e deixar a carteira de trabalho no passado.

Diego nasceu e construiu boa parte da carreira no Rio Grande do Sul. Depois de mais de dez anos na mesma empresa, percebeu que, para crescer de verdade, teria de se mudar para São Paulo — o centro das oportunidades e também da exigência constante. Desde então vive na capital paulista, enquanto os filhos continuam no Sul com a mãe. Ele viaja quase todo final de semana para visitá-los.

Dois meses depois da promoção, ainda tenta entender se ganhou liberdade ou apenas um novo tipo de rotina. Desde a mudança de cargo, ele chega ao escritório às oito da manhã e raramente sai antes das oito da noite. Muitas vezes continua trabalhando em casa, entre planilhas abertas no notebook e desenhos coloridos dos filhos presos na parede.

Para exibir uma visão mais ampla, a AGEMT também conversou com Marcelo Dias Amaral, irmão mais velho de Diego, servidor público e defensor da estabilidade, e Josiane Costa Almeida, colaboradora da equipe de Diego, que continua registrada pela CLT. Juntos, eles ajudam a compor o retrato de um país em transformação — entre o desejo de segurança e o discurso de autonomia.

O discurso corporativo é o da autonomia: “você faz o seu horário, é dono do próprio tempo”. Na prática, porém, o expediente parece mais longo e a cobrança, mais constante.

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​​​​​​Diego Dias Amaral durante o expediente remoto em São Paulo.
Diego Dias Amaral durante o expediente remoto em São Paulo.
Foto: Larissa Pereira/AGEMT

 

Diego Dias Amaral – “Na teoria, eu seria dono do meu tempo. Na prática, sou o tempo todo da empresa.”

Como foi receber a proposta de promoção e a exigência de virar PJ?

Foi um momento de alegria. Eu vinha buscando esse reconhecimento fazia tempo. Quando o gestor me chamou para conversar, imaginei que era uma boa notícia — e era. Mas veio com a condição de abrir um CNPJ. No começo, achei que fazia sentido. Hoje o mercado é assim, principalmente pra cargos de gestão. Eu pensei: “se é o preço pra crescer, eu pago”. E não acho que seja algo ruim. Só que a gente demora um pouco pra entender as implicações.

Você já estava em São Paulo nessa época?

Sim, eu vim pra cá antes da promoção. Foram mais de dez anos na mesma empresa no Rio Grande do Sul. Chegou um momento em que percebi que, se quisesse buscar novas oportunidades, precisava estar onde as coisas acontecem. São Paulo é o centro de tudo, mas também é uma cidade que engole a gente. Aqui o ritmo é outro. Eu sabia que vir pra cá significaria ficar longe das crianças, e ainda assim achei que valia o risco.

O que mudou na rotina depois da promoção?

Mudou quase tudo. O ritmo ficou mais intenso. Chego às oito, saio às oito, e ainda levo o notebook pra casa. No fim do dia, quando os meninos me mandam foto do dever de casa, sinto que poderia estar lá ajudando. Essa é a parte mais difícil. Eu me acostumei a organizar as viagens pro Sul no fim de semana, mas no fundo queria poder passar mais tempo com eles durante a semana também.

No papel, o PJ é livre pra isso — pra ajustar o horário, escolher os dias, trabalhar de onde quiser. Mas na prática, se eu fico desconectado, tudo se acumula. E quando volto, tem sempre uma reunião nova, um projeto em atraso. É como se o tempo nunca parasse.

 

Marcelo Dias Amaral – “O Diego acha que é livre. Eu acho que vive em outra prisão.”

Você enxerga diferença entre a sua estabilidade e a vida do seu irmão?

Total. Eu sou servidor público, tenho 44 anos e dois filhos. Sei quanto vou ganhar no fim do mês e sei que não posso ser mandado embora de um dia para o outro. Isso me dá tranquilidade. O Diego vive numa gangorra: ganha mais, mas sem garantia nenhuma. Se a empresa mudar de ideia, acabou.

E como você vê o modelo PJ?

Eu entendo o argumento da autonomia. Na teoria, ser seu próprio chefe é o ideal. Mas, na prática, quase ninguém é dono de nada. O patrão continua existindo — só mudou de nome. O funcionário paga os próprios encargos e ainda precisa agradecer pela chance.

Você acha que é uma questão política também?

Com certeza. É o resultado de uma lógica que diz que o trabalhador precisa se virar sozinho. Essa ideia do “empreendedor de si mesmo” virou moda e é muito sedutora. Só que ela desobriga a empresa e o Estado de qualquer responsabilidade. Eu não trocaria minha estabilidade por isso.

O que você diz pro Diego?

Que ele se cuide. Que aproveite o que conquistou, mas não se iluda. A empresa fala em parceria, mas parceria de verdade exige igualdade — e não existe igualdade quando um lado pode te desligar com um e-mail.

 

Josiane Costa Almeida – “Eu gosto dos meus direitos, mas entendo que os cargos altos vão pelo caminho do PJ.”

Você trabalha diretamente com o Diego. Como ele é como gestor?

Muito presente. Sempre foi o primeiro a chegar e o último a sair. Exigente, mas justo. Quando virou coordenador, o ritmo dele aumentou e o nosso também. Ele tenta proteger a equipe, mas dá pra ver que está sobrecarregado.

E sobre o modelo PJ, como você vê essa mudança dentro da empresa?

Acho que é o rumo das coisas. Entendo que, em cargos muito altos, a empresa vai por esse caminho. Mas, pessoalmente, gosto muito de ser CLT. Tenho meus direitos garantidos: férias certas, décimo terceiro, FGTS… Isso traz um final de mês mais tranquilo.

Você sente que há pressão pra mudar de regime?

Não chega a ser pressão explícita. É mais uma adaptação silenciosa. Quem quer crescer entende que pode ser necessário. Meu cuidado é que nem todo mundo está preparado para viver nessa correria nem tem a estrutura que o Diego tem pra lidar com isso.

 

Diego Dias Amaral – “O modelo não é o vilão. Só precisa de respeito dos dois lados.”

Você sente que tem mais autonomia agora?

De certa forma, sim. Hoje posso negociar meu ritmo, discutir metas de forma mais direta. Isso é ganho. Mas a autonomia de verdade seria poder usar essa flexibilidade sem culpa. Às vezes penso que o modelo é bom, só não é aplicado como deveria. Se houvesse um olhar mais humano para quem é PJ, com espaço para adaptar horários, a coisa funcionaria melhor.

E quanto aos benefícios?

Eu ainda tenho plano de saúde e alguns auxílios — sei que não é comum. Então reconheço que tive sorte. É uma abertura da empresa, e sou grato. Mas também sei que é exceção. A maioria das empresas não faz essa ponte entre CLT e PJ: simplesmente te joga de um lado para o outro.

Você se arrepende da mudança?

Não — de jeito nenhum. Eu gosto do que faço e da posição que conquistei. Ser PJ não é o problema — o problema é o sistema que trata isso como se fosse informalidade disfarçada. O modelo pode ser positivo se houver responsabilidade dos dois lados. O que me incomoda é a diferença entre o discurso e a realidade.

E como você concilia com a vida pessoal?

Tento com equilíbrio — ou tentando. Tenho o costume de fechar o computador quando chego em casa, mas nem sempre consigo. Às vezes, estou respondendo e-mails enquanto vejo um desenho que os meus filhos fizeram pra mim. É bonito, mas é um lembrete do que falta.

Você acredita que esse é o futuro do trabalho?

Acho que sim. E acho que não é ruim — o problema é a falta de preparo das empresas para isso. O modelo PJ não é vilão. É a resposta ao mundo de hoje. Só que, se não vier acompanhado de respeito, vira disfarce de liberdade. E ninguém aguenta fingir que é livre quando, no fundo, continua preso a um sistema.

Desenho feito pelos filhos de Diego
Desenho feito pelos filhos de Diego.
Foto: Larissa Pereira/AGEMT

A política por trás da pejotização

O caso dos irmãos Amaral sintetiza um país dividido entre a promessa de autonomia e o desejo de segurança. Diego, o coordenador que virou empresa, tenta equilibrar a carreira com a vida de pai ausente durante a semana. Marcelo, o servidor estável, observa o movimento de fora, convencido de que a “liberdade” vendida pelo mercado tem preço alto.

Nos últimos anos, o Brasil viveu uma reconfiguração das relações de trabalho. A reforma trabalhista de 2017, durante o governo Michel Temer, flexibilizou regras de contratação e abriu espaço para acordos individuais. Desde então, o número de profissionais que atuam como pessoa jurídica (PJ) ou autônomos formais cresceu de modo acelerado.

Segundo dados da PNAD Contínua (IBGE, 2024), cerca de 13,2 milhões de brasileiros trabalham por conta própria com CNPJ — o maior número da série histórica. Já o Dieese aponta que, em dez anos, houve um aumento de mais de 60%nas contratações sem vínculo formal direto, especialmente em áreas administrativas, tecnológicas e de serviços.

Essa transição foi apresentada como sinal de “modernização” e “liberdade”. Para muitos, inclusive Diego, ela de fato oferece vantagens: remunerações mais altas, poder de negociação e prestígio profissional. Mas, na prática, também impõe custos pessoais — responsabilidade por encargos, incerteza e ausência de limites claros entre o trabalho e a vida.

“O bom de ser PJ é poder trabalhar a hora que quiser”, ele diz, rindo. “O problema é que eu trabalho o tempo todo.”

Entre a liberdade prometida e o controle disfarçado, Diego aprendeu a negociar — não apenas contratos, mas também a própria ideia de sucesso.

 

 

Enquanto discursos prometem liderança ambiental, decisões estratégicas revelam contradições profundas na agenda climática brasileira
por
Iasmim Silva
Maria Luiza Reining
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13/11/2025 - 12h

A Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorre em Belém do Pará, coloca o Brasil novamente no centro das negociações climáticas globais. O país chega ao encontro com redução nas taxas de desmatamento, metas climáticas revisadas e um cenário político que tenta recuperar protagonismo após anos de instabilidade ambiental. Ao mesmo tempo, enfrenta desafios internos que permanecem como obstáculos estruturais: a grilagem de terras, a fragilidade da fiscalização, exploração de petróleo e o avanço de grupos criminosos na Amazônia.

Em 2024, o Brasil atualizou sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), comprometendo-se a reduzir entre 59% e 67% das emissões líquidas até 2035 e estabelecendo um teto de emissões entre 2025 e 2030. O governo também avançou na estruturação do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que prevê metas obrigatórias para setores intensivos em carbono e a possibilidade de comercialização de créditos por empresas que emitirem menos do que o permitido.

A COP30 ocorre no momento em que o país tenta equilibrar esses compromissos com a necessidade de enfrentar o desmatamento ilegal, responsável por quase metade das emissões nacionais. Em áreas remotas da Amazônia Legal, a derrubada de floresta se articula com grilagem de terras públicas, exploração ilegal de madeira e presença crescente de facções criminosas, que ocupam o vazio deixado pelo Estado. Relatórios recentes do Instituto Igarapé apontam que, em 2022, cerca de metade das operações da Polícia Federal contra crimes ambientais identificaram vínculos diretos com organizações armadas.

Belém, que sediou a Cúpula da Amazônia em 2023 e agora recebe a COP, concentra debates sobre governança territorial, combate à desigualdade e financiamento climático. A cidade também enfrenta desafios logísticos, impactada por obras emergenciais e pressões de infraestrutura associadas ao evento. Para o governo federal, porém, o encontro é uma oportunidade de apresentar avanços reais após anos de oscilação na agenda ambiental.

barqueata
Barqueata do dia 12 de novembro, na Baía do Guajará. / Foto: Sandro Barbosa

Durante a programação oficial, o debate sobre clima e território ganha novas camadas com a presença de parlamentares mulheres que atuam em periferias urbanas e áreas rurais. Na última quarta-feira (12), deputadas como Jack Rocha (ES), Carol Dartora (PR), Rosa Amorim (PE), Célia Xakriabá (MG) e a vereadora Tainá de Paula (RJ) destacaram como as desigualdades sociais moldam os impactos da crise climática. Para Rosa Amorim, a pauta ambiental não se separa da luta por terra, renda e direitos: a deputada afirmou que mulheres negras, indígenas e periféricas permanecem entre as mais afetadas pelo racismo ambiental e pelas mudanças no uso da terra.

Na esfera das políticas públicas, o Unicef lançou, durante o evento, o novo Protocolo Nacional para a Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Riscos e Desastres. O documento atualiza diretrizes de 2012 e incorpora experiências recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a seca extrema na Amazônia. O protocolo reforça a necessidade de garantir abrigo seguro, acesso a educação, acompanhamento psicossocial e participação juvenil em ações de prevenção. Segundo o Unicef, ao menos quarenta milhões de crianças e adolescentes no Brasil vivem expostos a algum risco climático.

O debate sobre a transição energética aparece como um dos eixos de maior contraste entre discurso e realidade. Em entrevista à AGEMT, Neilton Fidelis da Silva, professor e pesquisador do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG/UFRJ), explica que há distância entre o que se anuncia e o que se executa: “as COPs renovam anualmente a promessa de equilíbrio entre desenvolvimento e proteção ambiental, mas as bases materiais da economia permanecem inalteradas”, afirma.

O pesquisador avalia também que a transição energética global avança sobre territórios desiguais: “O discurso sobre energia limpa convive com a permanência de um modelo que concentra riqueza e transfere custos ambientais para o Sul Global.” Para Neilton, enquanto países desenvolvidos investem em inovação e ampliam a demanda por minerais estratégicos, populações vulneráveis seguem expostas a impactos socioambientais e à falta de acesso a energia segura.

Outro ponto de atenção é a dimensão territorial da mudança climática. À medida que eventos extremos se intensificam, o poder público é pressionado a responder com rapidez a enchentes, secas e deslocamentos populacionais. Na COP30, gestores estaduais e municipais defendem que cidades recebam mais recursos e autonomia para aplicar verbas climáticas conforme suas realidades. A proposta apresentada pela Coalizão Darci 40 pede o repasse de 1,3 trilhão de dólares ao longo de dez anos para infraestrutura resiliente, saneamento, habitação e adaptação.

No momento em que Belém recebe chefes de Estado, cientistas, investidores e movimentos sociais, o Brasil tenta consolidar o espaço recuperado no debate climático. O país apresenta avanços reconhecidos internacionalmente, mas segue confrontado por desafios estruturais que não se resolvem no intervalo entre uma conferência e outra. Com metas ambiciosas, propostas regulatórias e pressão por resultados concretos, a COP30 se torna um teste real para a capacidade brasileira de alinhar discurso, governança e prática.

Trajetória da presidente estadual da UP, fundadora do Olga Benário e ativista presa no governo Tarcísio
por
Maria Mielli
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13/11/2025 - 12h

Era uma segunda-feira de manhã e Vivian havia me mandado uma mensagem cancelando nosso encontro para aquela tarde, mas com a tentativa de remarcar para outro dia. 

Fazia umas duas semanas que estávamos conversando e ela sempre deixou claro que é muito atarefada, mas que estava disposta a conversar comigo. Então, decidimos fazer uma ligação antes de uma de suas reuniões.

Ela, de 42 anos e presidente estadual do partido Unidade Popular, feminista fundadora do Movimento Olga Benário e membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, conseguiu, de muita boa vontade, encaixar nossa conversa nos seus planos. 

Às duas da tarde, ela me ligou e começamos a conversar. E mesmo nas correrias da vida e nas falhas de som durante a chamada, em nenhum momento ela demonstrou falta de interesse ou mau-humor, muito pelo o contrário, o tempo todo se mostrou uma pessoa carismática, com um bom-astral e extremamente inteligente. 

Nascida e criada em Guaianazes, Zona Leste de São Paulo, Vivian morava com os seus pais, ambos operários, que se conheceram na fábrica onde trabalhavam. Posteriormente, seu pai se tornou metalúrgico numa fábrica do ABC. 

Onde residiam, havia uma forte influência política das Comunidades Eclesiais de Base, um movimento da Igreja Católica, inspirado na Teologia da Libertação, comprometida com pastorais populares. “Essa influência clássica, digamos, da esquerda daquele período, anos 70 e 80, faz parte da vida da minha família. Então eu sou de uma família bastante politizada, né…mas que nunca foi organizada em nenhum partido político, mas que tinha uma consciência política avançada, né?!”.

Inspirada pelo que aprendeu tendo contato com as pastorais e com o trabalho social, ela ajudou a construir o movimento Mística e Revolução, majoritariamente composto por jovens influenciados pela tradição de uma espiritualidade politizada. 

E foi assim, que durante certo período, Vivian se organizou politicamente.

No final de 2009, ela conheceu o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, o MLB. A sua militância, mais próxima de como é hoje, começou no Jardim Pantanal. Na época, o bairro havia passado por uma enchente que deixou água represada na região durante meses. Neste período, ela se organizou melhor e construiu um trabalho ativo no MLB. 

Em 2011, juntamente com companheiras de outros movimentos, decidiu fundar o Movimento Olga Benário.

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Manifestação realizada em São Paulo após a polícia despejar centenas de famílias que ocupavam um imóvel abandonado / Foto: Diogo Romão @diogo.romao_

O Movimento Olga Benário tem como objetivo organizar mulheres contra a violência e exploração do trabalho, além de garantir moradia e condições dignas de vida para mulheres pobres, negras, mães, trabalhadoras, membros da comunidade LGBTQIAPN+, PCDs e indígenas. “[As ocupações] permitem o desenvolvimento da consciência média do nosso povo. São espaços onde a gente desenvolve outras formas de relações sociais com as pessoas, muito mais profundas e muito menos ligadas com interesses econômicos”. E reforçou que as pessoas que moram em ocupações não são desapegadas, muito pelo contrário, estão lá porque existe uma vantagem em estar lá. Uma pessoa pobre, dentro de uma ocupação é tratada com respeito e dignidade. 

Em cartilha, disponível no site do jornal da UP, o A Verdade, as palavras de ordem que regem o movimento giram em torno de garantir educação de qualidade às mulheres; salários igualitários; igualdade de participação nas decisões politicas do país, estados e municípios; erradicação da violência contra as mulheres: econômica, social, física, sexual, psicológica, obstetrícia e política; pelo fim da violência de gênero; entre outras reivindicações. 

“Essas ocupações, que são expressão de uma política de luta e de resistência popular, são mecanismos justos e inclusive constitucionalmente aceitos. Elas têm um papel político importante em denunciar que determinado imóvel não cumpre o seu papel definido perante a lei, que é ‘têm que cumprir uma função social’...tudo o que existe tem que cumprir essa função, segundo a Constituição de 1988”, declarou Vivian. 

Em 2013, ela e membros do MLB, movimento fundador da Unidade Popular, decidiram construir uma organização política que permitisse maior visibilidade e influência em grandes áreas. Em 2014, então, começa o processo de legalização dessa organização e em 2015, há uma mudança eleitoral e eles são obrigados a recomeçar o processo do zero. 

Em 2016, para refazer este processo, ela deixa de fazer parte das tarefas de coordenação do Olga e passa a se concentrar na fundação e construção legal da UP. “É um trabalho bastante militante, mas também bastante organizativo de ‘como fazer campanha’ e tal, e tá na rua organizado, votar no sistema…enfim, tarefa louca por dois anos, que exigiu muita concentração e [durou] até 2018 quando a gente terminou essa campanha.” 

Entretanto, a legalização só ocorreu em 2019 por conta de uma demora, gerada pelo ano de 2018 ser um ano eleitoral, dos cartórios eleitorais em analisar toda a papelada.

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Mulher, tome partido / Foto: Arquivo Pessoal

Vivian também é membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, que trabalha pela identificação e localização dos restos mortais de desaparecidos políticos. Além de buscar a reparação dos familiares das vítimas da Ditadura Militar. 

Diogo Romão, ativista da UP formado em história pela UNIFESP e fotojornalista político, conta que ela o inspira por ser mulher e ter um enorme alcance político num local majoritariamente ocupado por homens. Ressaltou também sua trajetória e resistência, principalmente durante o período do governo Bolsonaro, no qual o ex-presidente sustentou, segundo relatou Romão, a noção "de que a ditadura só matou bandido, só gente que merecia”. E finaliza: “mesmo assim, a Vivian nunca baixou essas bandeiras. Eu acho que é uma coisa incrível…é isso, eu acho uma trajetória incrível” 

Em 2023, durante um ato contra a privatização da Sabesp, no governo do Tarcísio, ela foi presa acusada de resistência à prisão e de associação criminosa. Quando perguntei sobre isso, ela deu uma risada e disse, descontraída: “tô respondendo ainda, tô em liberdade provisória”. 

Questionei se em algum momento ela já havia sentido medo e ela disse que “enfrentar o medo é uma necessidade da vida…aprender a lidar com isso também faz parte, e eu acho que não é exatamente negar o medo. Não é que eu não tenha medo…mas a capacidade de fazer o que precisa ser feito apesar do medo, a gente desenvolve coletivamente. Eu acho que sozinho é muito difícil, mas coletivamente é possível” e completou “fui presa, foi um caos, é um caos e eu não quero romantizar, é um negócio terrível, né?! mas em nenhum momento achei que eu estava sozinha ‘eu to presa, mas lá fora tá todo mundo fazendo o que pode e o que não pode pra me soltar’. É uma força de um coletivo muito poderoso”. 

A pesquisadora Sylvia Moretzsohn analisa como a imprensa retrata a violência nas favelas e critica o uso de termos que legitimam a ação do Estado
por
João Luiz Freitas
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13/11/2025 - 12h

Com um saldo de 121 mortos, a operação policial realizada no dia 28 de outubro nos complexos do Alemão e da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre a forma como a imprensa cobre as questões de segurança pública. Manchetes que falam em “guerra ao tráfico”, “combate ao crime” ou “megaoperação” voltaram a ocupar o noticiário. Para a pesquisadora Sylvia Moretzsohn, professora aposentada da Universidade Federal Fluminense (UFF) e especialista em ética e prática jornalística, a recorrência dessas abordagens revela uma aliança estrutural entre mídia e sistema penal.

“Uma explicação para o comportamento da nossa imprensa, de modo geral, quando se trata de crime e segurança pública, está na relação de solidariedade entre mídia, que atua como porta-voz da classe dominante, e o sistema penal”, afirma Sylvia em entrevista.

A pesquisadora diz que essa leitura é sustentada também pelo jurista Nilo Batista, no artigo “Mídia e sistema penal no capitalismo tardio”, publicado há mais de vinte anos. Citando o texto, Sylvia destaca que o neoliberalismo, ao gerar desemprego e marginalização, “precisa de um poder punitivo onipresente e capilarizado para o controle penal dos contingentes humanos que ele mesmo marginaliza”. Em outro trecho, também mencionado por ela, Batista observa que o compromisso da imprensa com o projeto neoliberal é o que explica a “vinculação mídia-sistema penal, incondicionalmente legitimante”.

Segundo Sylvia, a relação entre mídia e senso comum é outro ponto central para entender o problema. “O exercício do jornalismo, para ser crítico, deveria ser capaz de confrontar o senso comum, para mostrar que a realidade não é o que parece ser. A mídia institucionalizada, entretanto, tende a reproduzir o discurso de ‘lei e ordem’ e a naturalizar o crime e a figura do criminoso”, explica.

Esse processo, conforme complementa em um de seus artigos acadêmicos, favorece a reprodução de estereótipos e dificulta abordagens críticas. Ela cita o jurista italiano Luigi Ferrajoli, que define o “direito penal máximo” como uma visão de justiça voltada para a defesa dos interesses da maioria contra uma minoria “desviada”, lógica que se encaixa perfeitamente na cobertura policial brasileira.

Suspeitos presos são levados por policiais durante a Operação Contenção para fora da favela Vila Cruzeiro, no complexo da Penha, Rio de Janeiro
Suspeitos presos são levados por policiais durante a Operação Contenção para fora da favela Vila Cruzeiro, no complexo da Penha, Rio de Janeiro - Foto: Mauro Pimentel

Questionada sobre o uso de expressões como “guerra ao tráfico” e “megaoperação”, Sylvia é categórica: “A forma de nomear faz toda a diferença. Falar em ‘guerra’ já pressupõe a existência de um inimigo a combater, e a abater. Falar em ‘megaoperação’ quando o que ocorreu foi uma matança, uma chacina, é legitimar o discurso do governo.” Ela também critica o uso de termos como “narcoterroristas” e “neutralizar”, utilizados por autoridades e muitas vezes repetidos pela imprensa. “É um eufemismo para matar. Eliminar, executar, assassinar”, afirma.

Em relação ao comportamento dos repórteres, a pesquisadora descarta a ideia de que o problema seja apenas falta de preparo. “Não creio que haja medo. Há conivência e obediência às determinações das chefias. Há também uma convicção formada em favor do discurso da autoridade”, diz.

Sylvia defende que os cursos de jornalismo incluam noções de criminologia, para que os futuros profissionais possam adotar um olhar mais crítico sobre a cobertura policial. “Ofereci na UFF uma disciplina chamada Jornalismo e Criminologia. Seria um passo importante para um enfoque crítico da cobertura, mas ainda insuficiente, porque entraria em choque com a linha editorial das empresas jornalísticas”, observa.

Quando questionada sobre a metáfora que compara a posição da imprensa entre estar ao “lado do helicóptero” ou “ao lado da janela das casas atingidas”, Sylvia responde sem hesitar: “Está sempre ao lado do helicóptero”. Mas ela faz uma ressalva: “Isso não significaria necessariamente uma adesão ao discurso do helicóptero. O jornalista precisa estar desse lado por motivos práticos e objetivos: só pode entrar lá, numa situação de perigo, se estiver protegido. Mas poderia ser crítico, denunciar abusos, o que raramente ocorre”.

Sylvia recorda ainda um debate antigo sobre o uso de coletes à prova de bala pelos repórteres. “Alguns diziam que se sentiam mal com aquilo, porque o uso dos coletes os distinguia dos moradores, tão vulneráveis. Isso tinha um peso na hora de tentar uma aproximação com eles”, relembra.

Sobre o papel das redes sociais na disputa pela narrativa, Sylvia aponta que as empresas jornalísticas “lidaram muito mal com as transformações trazidas pela internet” e que a busca por reafirmar a autoridade do jornalismo tradicional resultou em contradições. Ela cita o Projeto Editorial da Folha de S.Paulo (2017), que se propunha a combater a desinformação, mas lembra que a falsidade não surgiu com a internet. “Os jornais se cansaram de publicar mentiras ou meias verdades, mas principalmente dão como verdade uma versão naturalizada dos fatos, que raramente abre espaço ao contraditório. Isso também é uma forma de desinformar”, afirma.

Em tom crítico, Sylvia recorda ainda uma peça publicitária da Folha, de 1987, intitulada “Hitler”, que terminava com a frase: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”. “Pena que o jornal não siga o próprio alerta”, diz.