Apontada como uma ferramenta no combate às mudanças climáticas, a nuclearização envolve questões colaterais complexas
por
Vítor Nhoatto
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30/05/2025 - 12h

O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.

A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia. 

O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente. 

Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.

Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.

Cinza e não verde

No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também. 

Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente. 

Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.

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Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance

Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA. 

No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.  

Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".

Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis. 

Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). 

As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.

Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio. 

Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda. 

Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis ​​produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.

Segurança x planejamento

De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA). 

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Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet -  Foto: Microsoft / Divulgação

Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.

Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.

Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas. 

Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.

Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período. 

Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.

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“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do  mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação

O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.

No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.

A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor. 

Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma. 

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Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação

Potencial radioativo denso

Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material. 

A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas. 

Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido. 

Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.

A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias. 

Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão

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ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação

Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.

Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.

Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.

Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.

 “Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.

Questões climáticas serão discutidas em meio a Amazônia
por
Cecília Schwengber Leite
Helena de Paula Barra
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09/05/2025 - 12h

Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.

Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará

Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:

 

Como anda o suporte aos afetados e a responsabilização pela tragédia?
por
Leticia Falaschi
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07/05/2025 - 12h

Em 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos do Fundão, localizada no distrito Bento Rodrigues, na cidade de Mariana, rompeu. Naquele dia, aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de lama infectada da mineração desabaram sobre Bento Rodrigues e o Rio Doce. Desde dentão, a lama assombra os sobreviventes da tragédia e deixa rastros quase que irreversíveis, sobre o rio afetado e as cidades pelas quais ele passava. Sustento, acesso a água limpa, e modo vida: fatores para sempre abalados para os habitantes de Mariana. A cidade carrega, por 9 anos, severas mudanças ambientais e desequilíbrio do ecossistema local. 

Quase uma década depois do desastre, a Samarco e suas acionistas, a anglo- australiana BHP Billiton e Vale, empresas responsáveis pela mineração e pela barragem que se rompeu, seguem tentando articular uma defesa que não as categorize como como réus. Em novembro de 2024, nove anos após o ocorrido, a Justiça Brasileira absolveu todos os denunciados pelo Ministério Público Federal, segundo a alegação de que as evidências expostas, até então não, permitiam atribuir configuração de crime aos acusados.  

Enquanto isso, o escritório de advocacia de Londres, Pogust Goodhead, processa a BHP na justiça inglesa. A ação se move em defesa de certa de 620 mil afetados pela tragédia e reivindica 260 bilhões de reais de indenização às vítimas e as cidades impactadas. A primeira fase do julgamento acabou em 13 de março, e a corte decidirá se a BHP é responsável até os dias 2 e 3 de março. Durante a primeira etapa do julgamento inglês, foram apresentadas provas de que a barragem já dava sinais de problemas na drenagem e no armazenamento muito antes do colapso de funcionamento.

Relatórios que denunciaram a existência de uma fissura na barragem notada ainda em 2014 pela Samarco, entre outros indicativos prévios de esgotamento do sistema. A defesa da BHP nega as acusações disse que os conselheiros da Samarco não foram notificados, e que os engenheiros especialistas contratados os asseguraram a estabilidade de barragem. A expectativa, dado os caminhos tomados pelo julgamento, é que a empresa seja responsabilizada.

Caso isso aconteça, as definições dos valores de indenizações pode ser um processo longo, podendo perdurar até 2026. Frente a isso, segundo a legislação inglesa, a defesa das vítimas tem direito ao adiantamento parcial da indenização quando o julgamento tende a ir a favor, uma tentativa de mitigar possíveis atrasos.  Em contraste, a justiça brasileira, no acordo firmado ano passado, pede R$ 170 bilhões para as empresas, dos quais 38 bilhões já foram gastos em ações de compensação. Em comparação ao processo internacional, o Brasil se mostrou mais passivo diante das operações de das operações das grandes empresas estrangeiras afetando a vida dos brasileiros. Uma das maiores tragédias ambientais do Brasil tende a ter maior suporte vindo de fora. Entenda o caso com a repórter Leticia Falaschi. 

Novo leilão de campos de exploração indica lentidão da transição energética
por
Anna Cândida Xavier
Camila Bucoff
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05/05/2025 - 12h

Sob pressão do Governo Federal, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) negaram licença à exploração da Petrobras na Margem Equatorial. O pedido já havia sido negado em 2023, mas com o avanço das negociações, voltou à tona a exigência de estudos estratégicos sobre o impacto às comunidades indígenas e tempo de resposta e atendimento à fauna atingida por óleo. Em entrevista à AGEMT, a cientista política e professora da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenadora do LAPAGE (Laboratório de Pesquisa em Política Ambiental e Justiça), Cristiana Losekann, explica como está a questão ambiental na região. 

Venha entender mais sobre o assunto no podcast!

 

 

Culpa, medo e urgência influenciam comportamento de uma geração que teme não ter tempo
por
Luane França
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03/05/2025 - 12h

“Vocês estão falhando conosco. Mas os jovens já começaram a entender sua traição. Os olhos de uma geração futura inteira estão sobre vocês. E, se vocês escolherem fracassar, eu lhes digo: nós jamais perdoaremos [...] O mundo está despertando. E a mudança está chegando, quer vocês queiram ou não", diz Greta Thunberg, ativista e ambientalista sueca, que, com apenas 16 anos, atravessou o silêncio em um discurso na Cúpula de Ação Climática da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2019. Na ocasião, ela convocou os líderes mundiais à responsabilidade diante da crise climática.

No ano seguinte a esse pronunciamento, a humanidade enfrentaria um desafio global: a pandemia de Covid-19. Embora a origem da pandemia envolva muitos fatores, não dá para ignorar o papel da crise climática nesse contexto. O desmatamento crescente e a destruição dos habitats naturais têm aproximado seres humanos de animais silvestres como nunca antes, o que acaba facilitando o surgimento e a propagação de doenças que antes ficavam restritas à natureza. 

Até 12 de março de 2025, a Organização Mundial da Saúde (OMS) registrou oficialmente mais de 7 milhões de mortes confirmadas por Covid, embora o número real de vítimas seja possivelmente ainda maior, considerando subnotificações e mortes indiretas decorrentes das repercussões da pandemia. Hoje, quase seis anos após o discurso de Thunberg, a crise climática continua crítica e novas formas de se comportar começaram a emergir. Entre elas, a ecoansiedade se destaca como um reflexo emocional desse cenário. Mas até que ponto essa sensação está moldando a maneira como as pessoas lidam com o tempo, tomam decisões e buscam viver o presente?

Significado e a transformação do presente

De acordo com a Associação Americana de Psicologia (APA), a ecoansiedade é caracterizada como um medo crônico da catástrofe ambiental, conceito que também foi integrado ao Dicionário Oxford. Embora seja um conceito relativamente recente, ela revela uma inquietação crescente diante da incerteza em relação ao futuro, tanto pessoal quanto coletivo. Marcado pelos efeitos aparentemente irreversíveis das mudanças climáticas, o fenômeno tem ganhado visibilidade na mídia e, sobretudo, entre os jovens, que sentem com particular intensidade o peso do que ainda está por vir. Matheus Arantes, estudante do 5º semestre de odontologia na Universidade Cidade de São Paulo (Unicid), relata que, por um período, foi tomado por uma sensação constante de desespero. O gatilho veio em 2019, ano em que o número de queimadas na Amazônia aumentou 30% em relação a 2018, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 89.178 focos de incêndio registrados no bioma.

“Me lembro de não conseguir parar de pensar naquilo e de me sentir sufocado por não poder fazer nada para ajudar [...] Ficava o tempo todo focado nos desastres ambientais, como se, pela primeira vez, eu tivesse realmente percebido que o mundo estava acabando. Isso me deixava exausto, como se eu estivesse carregando um peso que não conseguia controlar [...] Hoje, acordo sabendo que tudo ainda está acontecendo, mas a sensação de impotência só aumentou”, desabafa Arantes.

O relato do estudante é um entre tantos que revelam como a crise climática deixou de ser uma projeção distante para se tornar uma presença constante na vida de quem está crescendo em meio a ela. A ansiedade provocada pelas mudanças no planeta não se limita mais a sentimentos de medo ou angústia , ela já começa a interferir em escolhas práticas, inclusive nas que envolvem o futuro da vida humana, como a decisão de ter filhos. Uma pesquisa internacional, realizada entre maio e junho de 2021, conduzida por pesquisadores de diversas instituições, incluindo o Centro de Inovação em Saúde Global da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford e a Universidade de Helsinque, e financiada pela plataforma Avaaz, entrevistou 10 mil jovens entre 16 e 25 anos em dez países.

No Brasil, 48% dos entrevistados afirmaram que a crise climática os faz hesitar quanto à possibilidade de ter filhos, o maior percentual entre os países analisados. A média global foi de 39%. O estudo também revelou que 55% dos jovens acreditam que terão menos oportunidades do que seus pais tiveram. Essa percepção revela algo mais profundo do que apenas pessimismo: trata-se de uma dificuldade real de se projetar no tempo.

A crise ambiental, juntamente com outras demandas sociais e econômicas, cria uma sensação de compressão do tempo. O futuro se torna uma ameaça, não mais algo a ser conquistado, mas uma ideia difícil de visualizar. O impacto disso se reflete nas escolhas de vida, como o adiamento do desejo de ter filhos ou a falta de planos a longo prazo. A crítica aqui não está dirigida aos indivíduos, mas ao contexto que os leva a esse tipo de decisão.

Essa mudança de perspectiva representa uma interrupção na continuidade dos projetos de vida. O luto não é apenas pelo planeta, mas pela própria ideia de futuro. O problema está na dificuldade de muitos jovens em se imaginar em um cenário concreto. Ana Lizete Farias, psicanalista e doutora em Meio Ambiente pela UFPR, dedica seus estudos a compreender o sofrimento psíquico sob a ótica socioambiental. Em sua análise, ela observa: "Os discursos hegemônicos hoje ainda estão muito centrados em uma questão urbana e de classe média, o que acaba silenciando as vivências das classes mais baixas, transformando os sofrimentos dessas populações em algo abstrato. Não estamos convivendo com essa realidade de forma direta. Não se pode viver uma romantização dos desastres ambientais", ressalta Farias. 

A ecoansiedade já faz parte da vida de quem habita regiões mais expostas aos efeitos diretos da crise climática. Para trabalhadores rurais, populações de baixa renda, indígenas e pessoas negras, os desastres ambientais não são uma previsão futura, mas uma experiência contínua. Nesse cenário, a fauna também sofre com os impactos da destruição dos habitats naturais, o que agrava ainda mais o sofrimento dessas comunidades que dependem diretamente dos ecossistemas.

A emergência climática também pressiona o sistema de saúde e acentua desigualdades já existentes. Nesses contextos, a ecoansiedade não vem apenas do medo do que pode acontecer, mas da convivência diária com um cenário que há tempos se deteriora. "Precisamos ouvir diretamente, sem a mediação de um discurso positivista. A ecoansiedade precisa ser compreendida e recolocada dentro das questões de justiça ambiental".

 

Dois homens plantam juntos em um vaso na Avenida Paulista
Dois homens plantam juntos em um vaso na Avenida Paulista - Foto: Luane França

 

Ninguém muda o mundo sozinho

Ana também chama atenção para os riscos de naturalizar a ecoansiedade.. Encará-la como um simples efeito colateral da modernidade, algo ao qual deve se adaptar, é perigoso. Além disso, é preciso atenção aos discursos catastrofistas. Muitas vezes, eles se expressam por meio de uma linguagem técnica que culpabiliza ou de uma retórica apocalíptica que, em vez de mobilizar, paralisa. Ninguém age movido apenas pelo terror, esse tipo de narrativa tende a gerar desamparo, afastando as pessoas em vez de envolvê-las. Em alguns casos, a linguagem utilizada não responsabiliza quem realmente deveria ser responsabilizado. Ela falha em atingir os setores que têm maior impacto ambiental e, ao mesmo tempo, impede que as pessoas se sintam parte do problema e parte da solução. Diante do excesso de informação, muitas pessoas acabam se sentindo sobrecarregadas e incapazes de transformar esse conhecimento em ação.

A questão não é fazer com que cada indivíduo “faça mais” sozinho, mas sim incentivar ações coletivas, que envolvam empatia, solidariedade e responsabilidade compartilhada. Precisa-se questionar as estruturas, como a indústria e os sistemas de produção e entender que é possível pressioná-las. A transformação não é individual: ela depende de laços e de pertencimento. Mais do que um bombardeio de dados, Farias destaca a importância de boas informações e de narrativas coletivas que reconectem as pessoas — formas de construir pertencimento e estar juntos, mesmo em meio ao caos.

 

 

A comunidade do Morro do Piolho enfrenta o racismo ambiental com educação e ajuda da ONG Juntos pelo Capão
por
Silvia Monteiro
Lívia Rozada
Maria Elisa Tauil
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29/11/2023 - 12h

“A gente não precisava ter ficado mais de uma semana sem luz e água. Da ponte pra lá as pessoas receberam um formulário (da Enel) pra falar o que tinha sido estragado, aqui as pessoas nem sabem que podem fazer isso”, relata.

No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.

“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu, reflete Rose.

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Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.

“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”

O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.

No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum, os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.

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Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.

“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista. 

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“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)

MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL

Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão.  “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.

Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.

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Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)

A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.

Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.

Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.

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Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)

O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.

JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA

Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.

No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.

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Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)

Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.

Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP. 

A Conferência das Partes (COP 28) começou na última quinta-feira, 30, em Dubai, e se encerra no dia 12 de dezembro.
por
Francisco Barreto
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05/12/2023 - 12h

As lideranças globais anualmente se encontram na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas para debaterem pautas relacionadas com o clima. O objetivo desta edição deve continuar o mesmo: limitar o aumento da temperatura do planeta para no máximo 1,5 °C, consenso firmado a quase quinze anos na França, no que ficou conhecido como "Acordos de Paris".

Cada edição é sediada em um país, neste ano o evento acontece nos Emirados Árabes Unidos, na cidade de Dubai. COP é a abreviação para "Conferência das Partes", as "Partes" são os países que ratificaram em 1992, no Rio de Janeiro, o primeiro acordo climático da ONU.

Controvérsias com o anfitrião  

Com um ano marcado por temperaturas recordes e catástrofes climáticas extremas, a escolha do país sede soou contraditória. Os Emirados Árabes Unidos são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além disso, é uma das 10 nações maiores exportadoras de petróleo do mundo, sendo responsável por cerca de 3% da produção mundial.

Para José Carlos Pedreira, engenheiro agrônomo formado pela UNESP Jaboticabal com especialização em Administração Rural pela Fundação Getúlio Vargas, a escolha do país como sede levou em consideração suas ações e histórico no combate a crise climática como o estabelecimento, em 2015, da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), instrumento pelo qual os países assumem compromissos voluntários para as questões climáticas no âmbito do Acordo de Paris.

"Entretanto, na opinião de muitos especialistas tudo isso não passa de lobby político visto que tudo indica que nos próximos anos a produção de combustíveis fósseis nos Emirados Árabes Unidos crescera consideravelmente", complementa Pereira.

Outra polêmica em torno do evento foi a nomeação de Sultan al-Jaber como o líder das negociações da COP 28. Al-Jaber é, atualmente, o presidente da Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC), a petrolífera estatal do emirado mais rico do país.

O líder das negociações da COP 28 e  presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo
O líder das negociações da COP 28 e  presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo

Em 2022, a ADNOC emitiu cerca de 24 milhões de toneladas métricas de gás, entretanto a estatal se comprometeu a eliminar suas emissões de CO, até 2030 e antecipou sua meta de Net Zero para 2045. O Net Zero é uma meta de longo prazo em que compensações somente são permitidas para aquelas pequenas frações de emissões inevitáveis. As promessas foram recebidas com ceticismo pois na última década a ADNOC não apresentou os relatórios de emissões de metano à ONU.

Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC
Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC 

Os Emirados Árabes Unidos terão uma produção de petróleo e gás estimada em 3.300 mil barris por dia, até o fim deste ano, segundo a Mordor Inteligence, portal focado na pesquisa de mercado.

Em maio do ano passado a estatal anunciou duas grandes descobertas: a primeira foi uma reserva de 650 milhões de barris de petróleo bruto em Abu Dhabi e uma gigantesca reserva de gás, medindo entre 1,5 a 2 trilhões de pés cúbicos de commodities. Tanto o petróleo quanto o gás são combustíveis fósseis responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas.

A ADNOC pretende aumentar, em cinco anos, sua produção de petróleo e gás diária para 4.939,24 mil de barris, a um CARG de 8,40%. O CARG é a taxa de crescimento anual composta é um modo de calcular a taxa média de crescimento de um investimento ao longo de determinado tempo, ajustada para a variação anual. A estatal prometeu, em novembro de 2022, investir uma quantia de US$ 45 bilhões nos próximos 5 anos, para que este aumento de produção seja possível.

A BBC News apontou, segundo documentos vazados, que os Emirados Árabes Unidos possuem interesse em utilizar seu papel de anfitrião na COP 28 para firmar acordos sobre petróleo e gás. Tudo indica que irá usar sua influência de país sede para direcionar o foco da COP de Dubai para o uso do solo, jogando mais responsabilidades e os custos para países em desenvolvimento e produtores de alimentos, com o Brasil, Sudeste Asiático e continente africano.

Pereira acredita que a questão não se traduz necessariamente como "conflito de interesse" e que cada país tenta atribuir as causas e responsabilidades que são seu "foco/prioridade"

"Pesa a favor dos países produtores de petróleo o fato que o mundo ainda depende dos combustíveis fósseis para seu suprimento de energia, cuja restrição vai exigir uma mudança geral muito grande de modelo de produção e consumo {...} Focar nos sistemas agroalimentares, em grande parte presentes nos países tropicais em desenvolvimento, atenua as restrições aos países temperados e desenvolvidos" , afirma.

Passado quase um ano, liderança indígena Yanomami fala sobre atual momento de seu povo, após Ministério da Saúde declarar Estado de Emergência de Saúde Pública na região
por
Artur Maciel
Bianca Abreu
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23/11/2023 - 12h

 

Em 20 de janeiro deste ano, o território Yanomami foi declarado em Estado de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional pelo Ministério da Saúde brasileiro. Concentrados em uma região Amazônica entre o Brasil e a Venezuela, com cerca de 30,4 mil habitantes, Yanomamis sofrem com a intensa atividade de garimpos ilegais no local. Epidemias - como gripe e malária - insegurança alimentar, morte sistemática de crianças indígenas e destruição do meio ambiente são provenientes das ações dos extrativistas na região.

Em entrevista por telefone ao repórter Artur Maciel, da Agência Maurício Tragtenberg (AGEMT), o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Condisi) e representante do Conselho de Saúde Indigena (SESAI), Júnior Hekurari Yanomami, fala sobre a importância da atuação do poder público no combate ao genocídio provocado pela extração ilegal de minérios.

 

Junior Hekurari Yanomami momentos antes do IV Fórum das Lideranças Yanomami e Ye’kuana. Foto: Fabricio Araújo/ @Socioambiental
Junior Hekurari Yanomami momentos antes do IV Fórum das Lideranças Yanomami e Ye’kuana. Foto: Fabricio Araújo/ @Socioambiental

 

“A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”. Júnior Hekurari Yanomami

A fim de combater a desassistência sanitária no território Yanomami, o Ministério da Saúde instalou o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE - Yanomami) - cuja gestão está sob a responsabilidade da SESAI. Segundo a pasta, ao chegar na terra Yanomami, o órgão “se deparou com crianças e idosos em estado grave de saúde, com desnutrição grave, além de muitos casos de malária, infecção respiratória aguda (IRA) e outros agravos”.

“Durante 6 meses, muita gente voluntária. Médicos. Enfermeiros. Farmacêuticos. De São Paulo, Rio de Janeiro, Paraíba”, explica Júnior Hekurari, quando questionado sobre o suporte atual na região após declarada crise sanitária. “A ajuda aos Yanomami deu esperança de poder olhar de novo. Olhar o sol brilhante na floresta que estava no escuro”.

Segundo ele, “antes não tínhamos uma visão, apenas medo. O garimpeiro poluindo nossas terras. Nossas águas. Interrompendo nossos rituais. Culpa do governo ladrão de jóias. As crianças voltaram a brincar e andar depois das ações”. “Eu tinha medo do povo morrer. Sem o Lula, o povo Yanomami ia morrer. Em 2020, 2021, 20 mil garimpeiros destruíram nossas vida” desabafa, citando o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a atuação do Estado na crise humanitária. Mas pontua com veemência que “ainda tem muita coisa a melhorar”.

Quando perguntado sobre como era tratado o impacto ambiental na região, em relação ao lixo gerado pela atividade garimpeira, o presidente do Condisi declara que “os garimpeiros não respeitam. Desmatam e tiram a terra de nossa vida”. “Durante 4 anos, fomos abandonados pelo governo brasileiro. Por um governo ladrão de jóias. Agora o governo voltou e os profissionais de saúde estão apagando o fogo das emergências pensando em uma restauração”, completa. Ele se refere ao governo do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro (PL), que não raras vezes, ao longo de sua vida pública, legitimou publicamente as atividades ilegais dos garimpos.

 

Doença, fome e violência: genocídio em prática

As doenças, a insegurança alimentar, a violência e a morte passaram a fazer parte do cotidiano dos Yanomami diante da negligência do Estado em frear a extração indevida de minérios na região. De acordo com levantamento do Malária Journal, o aumento do número de casos de malária - causa recorrente de mortes de crianças indígenas - na região Yanomami saltou de 2.559, em 2010, para 18.765, em 2020. Sobre a presença da doença na região, o representante da Sesai afirma que a doença contamina até mesmo quem vai em seu combate. “Muitos dos médicos 'adoeceu'. Pegou malária e voltaram (para casa)”, conta. “Mas o importante é que a maioria 'desse' profissionais viram Roraima. Viram o Brasil!”, completa, demonstrando, em sua voz, um misto de preocupação pela saúde dos profissionais e esperança diante da visibilidade à situação de seu povo.

Outro aspecto da presença dos garimpeiros na região é o acúmulo de lixo nas proximidades das comunidades. Por conta disso, os indígenas locais entram em contato com elementos provenientes de fontes aquém da natureza - produzidos com materiais que não se reintegram àquele território. Pelo contrário, o desequilibram e o prejudicam. “Hoje tem lama em todo lugar, os garimpeiros deixaram lixo em todo lugar. Máquinas, latas e lixo”.

O que nos leva a outro problema que compõe esse efeito dominó no descaso com a saúde Yanomami: a fome. A alimentação indígena é, primordialmente, garantida pela natureza por meio da caça, pesca e consumo de frutas. Diretamente afetada pelo uso de mercúrio no garimpo, a água foi contaminada. Com isso, peixes mortos, impróprios para consumo, perdem-se nos rios onde a atividade garimpeira está. “O garimpo destruiu nossos rios. Nossas vidas. As mulheres não iam pescar. Não tinha peixe nem camarão para comer. Mataram tudo, não tinha alimento”, aponta Junior. E questiona, em seguida: “que dia vamos voltar a comer peixe? Voltar a comer camarão? O povo não tem”.

Além da malária e da fome, os indígenas ainda precisavam se proteger de outro perigo. Júnior Hekurari Yanomami denuncia que os crimes cometidos pelos garimpeiros também se estendem à violência sexual. Deixando, ainda mais evidente, o risco que a presença desse grupo não-indígena e extrativista provoca na população local. “O que aconteceu aqui foi muito traumático. Meninas de 12 anos grávidas. Estupradas por garimpeiros. Estamos agregando trauma de mães com luta dos filhos. Deram tiros nas crianças”, expõe a liderança. “Destruíram meu povo. Tem cicatrizes grandes até hoje e vai demorar para curar. Talvez em 50 anos. Quem sabe se cura”, conclui, reflexivo.

 

*Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.

A tecnologia voltada para o meio ambiente agora mostra o quão é viável progredir enquanto cuidamos do nosso planeta.
por
Nicole Keller Lekitsch
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22/11/2023 - 12h

As consequências para o meio ambiente devido à industrialização e do progresso tecnológico são evidentes globalmente. Antes o avanço da tecnologia e da indústria parecia contradizer os esforços em prol da sustentabilidade e preservação ambiental. Porém, a tecnologia voltada para o meio ambiente agora mostra o quão é viável progredir enquanto cuidamos do nosso planeta.

A tecnologia ambiental está se tornando um grande aliado na busca por soluções sustentáveis para os desafios enfrentados pelo planeta. Desde a diminuição de resíduos até o incentivo da utilização de energias renováveis, a inovação tecnológica possui é um dos protagonistas na preservação do meio ambiente.

As energias renováveis, solar e eólica, ganharam foco quando o assunto é tecnologia ambiental, investindo para a elaboração de painéis solares mais eficientes, turbinas eólicas de mais tecnológicas e sistemas de armazenamento mais rápidos para fontes de energia limpa e sustentável, para que dessa forma haja uma redução da dependência de combustíveis fósseis.

Com a ascensão de pautas voltadas para a energia sustentável, surgiu o programa REI, lançado pelos CIFs em 2021, buscando ajudar na expansão do uso de energias renováveis por países em desenvolvimento. O financiamento e a assistência técnica oferecidos pelo Programa de Integração de Energia Renovável dos CIFs tem como objetivo apoiar a integração da gestão de riscos climáticos no setor elétrico, reduzindo os efeitos da variabilidade e das mudanças no clima. Além disso, o programa ajuda os consumidores a se envolverem mais na energia, para fazer com que seja mais viável o uso dela quando precisamos.

A maneira como lidamos com resíduos também está sofrendo mudanças, desde a reciclagem avançada até o desenvolvimento de métodos mais eficientes de tratamento de resíduos, como a compostagem de resíduos orgânicos, a tecnologia está ajudando a reduzir o impacto dos resíduos no meio ambiente.

A compostagem, por exemplo, é um processo natural em que materiais orgânicos, como restos de comida e resíduos biodegradáveis são decompostos por microrganismos em condições controladas, transformando esses resíduos em adubo orgânico. Sendo uma alternativa para a diminuição do desperdício e o consumo de agrotóxicos, pois produz um fertilizante natural.

A Internet das Coisas também é um recurso que pode auxiliar no meio ambiente, sendo usado para monitorar, gerenciar recursos da natureza e controlar o uso de agrotóxicos. Através de sensores inteligentes pode rastrear a qualidade do ar, da água e do solo, fornecendo dados em tempo real que ajudam na identificação de áreas com problemas ambientais e facilitam uma resposta mais rápida a eventos como vazamentos de substâncias tóxicas.

A utilização de câmeras IP usadas em análises de imagens também é um recurso útil para a identificação da presença de insetos ou doenças.

Entretanto, apesar de resultados otimistas da implementação desses recursos, há grandes desafios, como o custo e investimento para o desenvolvimento dessas tecnologias e regulamentações governamentais. Não se pode esquecer da necessidade de abordar o tema de maneira holística e colaborativa entre países e setores, convencendo-os a investir na prática.

A tecnologia ambiental é um grande apoio pela sustentabilidade e pela preservação do planeta. Com inovações surgindo constantemente, é essencial encarar os desafios e fazer com que essas tecnologias sejam aplicadas de forma eficaz e acessível, para que dessa forma haja uma mudança e melhora considerável na proteção do meio ambiente.

 

Discussão sobre o controle de destruição do litoral vem a tona pelas temperaturas e aumento de lixo plásticos nos mares
por
Gabriel Ferro
Gabriel Borelli
Pedro Rossetti
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17/11/2023 - 12h

           Principalmente focado nas questões de aquecimento global, o debate pelas causas ambientais são de grande importância e vêm sendo mais corriqueiras no dia a dia. Questões de clima e lixo excessivo são cruciais, porém, casos como esse podem agravar e se relacionar com outros problemas que vêm sendo enfrentados atualmente, como a preservação da fauna brasileira.

            Por conta disso, a matéria a seguir irá tratar e discutir o que vem sendo feito pela preservação marinha nas costas do país. Sabe bem que o Brasil tem uma grande extensão litoral que é banhado 100% pelo Oceano Atlântico, e com mais de 7000 quilômetros divididos em 17 estados, está entre os 15 países com maior litoral nacional do mundo. A partir desse dado, é nítida a necessidade de um grande número de pessoas voltadas para o cuidado dessa gigantesca beleza natural.

Apresentando jurisdição sobre mais de 3,5 milhões de km² de águas costeiras com extensos estuários, lagoas costeiras, manguezais e mais de 3000 km de recifes de corais, o Brasil tem enfrentado desafios na conservação marinha que estão se tornando significativos. Em torno de 1.173 espécies brasileiras estão listadas como espécies ameaçadas de extinção, com isso, é papel do poder público a criação e organização de um bom Sistema de Unidades de Conservação (UCs). Hoje são 102 unidades de conservação por toda a costa brasileira, de modo que apenas 1,5% de todo o litoral é protegido pelas UCs, o que é muito abaixo da meta definida pela Convenção sobre Diversidade Biológica, que estipulava 10% de regiões protegidas até 2010.

Especialistas reportam que no Brasil, os governos federais, estaduais e municipais não possuem uma estrutura administrativa que priorize a gestão e governança das praias. Isso resulta em uma implementação prática limitada ou ausente das políticas públicas relacionadas a esses ambientes. Além disso, alertam que há também uma falta de cultura de planejamento a longo prazo, compreensão prática do ciclo político envolvido na gestão e governança, bem como diretrizes claras para promover a sustentabilidade nas praias pelos diversos setores econômicos, como turismo, comércio e serviços.

            Em um trabalho publicado pela revista Diversity and Distributions, foi feito um mapeamento sobre a distribuição de ameaça à biodiversidade marinha no Brasil. Foram identificados 286 mil quilômetros quadrados de áreas prioritárias para conservação, tendo em vista as 143 espécies ameaçadas, os 161 habitats marinhos e 24 fatores de impacto humano. Correspondendo a uma área do tamanho do estado do Rio Grande do Sul, a região representa menos de 8% da Zona Econômica Exclusiva do mar brasileiro.

O mapa abaixo apresenta essa região, localizando problemas maiores principalmente na região sudeste, que é marcada pelas ameaças humanas:

Mapas de locais da região costeira com ameaças, prioridades de proteção e prioridades máximas
Mapas de locais da região costeira com ameaças, prioridades de proteção e prioridades máximas

O primeiro indica as ameaças na costa, com foco maior na região Sul, Sudeste e Norte, porém, no segundo é possível identificar as regiões de prioridade que é distribuída por toda a ZEE. Por fim, o terceiro mapa apresenta as prioridades máximas, no sudeste e na região sul da Bahia. Para analisar mais a fundo esses problemas, é preciso voltar-se para as principais ameaças à fauna e flora da costa brasileira.

            Relacionada totalmente a ações humanas, a destruição da costa brasileira se dá pelos seguintes fatores:

     Poluição: com foco nas regiões mais populosas, a população provém de descargas de esgotos, vazamentos de petróleo e ansiosamente os descartes de lixo plásticos e redes marinhas.

     Destruição de habitats: pode ser causada por questões como a pesca predatória, a extração de recursos naturais e obras dentro do oceano.

     Aquecimento global: gera o aumento de temperatura da água, que compromete a sobrevivência marinha

Plástico nos oceanos pode superar os peixes até 2050
Plástico nos oceanos pode superar os peixes até 2050

Casos como esses são determinantes para a destruição da costa, que é um grande atrativo do Brasil, que conta com a maior biodiversidade do mundo, dito isso, o país conta com diversos projetos e observatórios responsáveis pela manutenção e análise do litoral, tudo para garantir a preservação. Ações do cotidiano já podem ser feitas para diminuir a destruição da região, como utilizar materiais reutilizáveis ou biodegradáveis e principalmente, praticar atividades de forma responsável e ecológica, fazendo com que o turismo, que é fonte de renda de grande parcela da população, possa ser feito sem atingir a fauna e flora marinha.

Quando questionada sobre quais as possíveis ações para preservar e trabalhar de forma mais elaborada a conservação de faunas, e em especial a marinha, a bióloga Júlia Dalto relatou: “Para preservar a fauna e flora de qualquer ambiente, existem diversos planejamentos de conservação, como a criação de parques ecológicos, áreas de proteção, como o uso sustentável de áreas protegidas”.

Sobre áreas de fauna aquática, Júlia completou: “Se tratando da fauna marinha, sabe-se que essa pertence a um habitat extremamente atingido pelas ações antrópicas, desde a exploração excessiva das espécies à contaminação da água por diversos fatores, como a falta de tratamento e descarte de efluentes”. A bióloga de 24 anos também descreveu que as mudanças climáticas estão acelerando cada vez mais e, portanto, é necessário um olhar mais crítico da sociedade quanto aos hábitos diante da natureza: “A educação ambiental deve ser mais presente no cotidiano”.

Principais pontos de observação de animais
Principais pontos de observação de animais

Outro fator pertinente que afeta diretamente a integridade dos mares e fauna presente, é o do lixo direcionado a essas regiões. A falta de reciclagem muitas vezes é um dos principais fatores atuantes em ocasiões desse gênero. Segundo Daphine Herrera, bióloga, pesquisadora e pós-doutoranda na UNESP-Bauru, essa falta de reciclagem é um dos pilares da problemática da poluição plástica; “Para se ter uma ideia, em 2019 houve uma produção global de 368 milhões de toneladas de plástico. Os relatórios atuais preveem que, no rumo atual, os oceanos conterão mais plástico do que peixes até 2050 (peso)”. “As questões mais urgentes a serem abordadas agora são sobre como reduzir o volume de fluxos de resíduos plásticos descontrolados ou mal geridos que vão para os oceanos, e como aumentar o nível de reciclagem”. Dos 7 bilhões de toneladas de resíduos plásticos gerados globalmente até agora, menos de 10% foram reciclados.

A respeito do lixo mal direcionado aos mares na fauna presente, a bióloga natural de Lins - São Paulo completou: “É importante ressaltar que as micropartículas, quando introduzidas no ambiente marinho, ficam disponíveis para toda a cadeia alimentar. Pesquisas concluíram que as partículas de tamanho reduzido que entram na cadeia alimentar podem se acumular em predadores de topo - como peixes, aves, mamíferos marinhos e seres humanos - levantando preocupações sobre o potencial de bioacumulação e biomagnificação.”

Quanto aos impactos diretos, reportou que estes variam desde a morte de organismos por emaranhamento em detritos plásticos em forma de corda ou laço. “A ingestão de detritos plásticos é o tipo de interação mais estudado. A absorção de macroplásticos pode resultar em bloqueio ou lesão dos intestinos, levando à redução da ingestão de alimentos ou até mesmo à morte”.

Daphine também relatou que os plásticos ingeridos podem criar uma falsa sensação de saciedade, fazendo com que o animal coma em excesso ou pouco, afetando sua forma física, crescimento e reprodução, além também dos sufocamentos que podem ocorrer, restringindo a movimentação e lesões de diversas espécies marinhas. Por fim, Herrera alertou: “O plástico pode promover a dispersão de espécies para além de suas áreas geográficas normais, contribuindo para a disseminação de espécies invasoras”.

O gráfico abaixo, proveniente do órgão “Recicla Sampa”, ilustra a quantidade de plásticos identificados nos oceanos ao redor do mundo entre 1990 e 2019.

Grafico sobre a quantidade de plástico no oceano de 1990 a 2019
Grafico sobre a quantidade de plástico no oceano de 1990 a 2019

A luta pela preservação marinha é fundamental e deve ser espalhada por todo o país, pela proteção de belezas naturais, faunas, e o oceano como um todo. No Brasil, atualmente, nos 1.173 táxons oficialmente reconhecidos como ameaçados, estão 110 mamíferos; 234 aves; 80 répteis; 41 anfíbios; 353 peixes ósseos (310 de água doce e 43 marinhos); 55 peixes cartilaginosos (54 marinhos e um de água doce); 1 peixe-bruxa e 299 invertebrados.

 

Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de Jornalismo da PUC-SP.