No mesmo dia em que representantes do governo brasileiro discursavam na conferência climática em Bonn, na Alemanha, defendendo um protagonismo ambiental rumo à COP30 (Conferência do Clima das Nações Unidas), a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), realizava um dos maiores leilões de áreas de extração de petróleo do ano, com destaque para locais na região da Foz do Amazonas.
O contraste entre discurso e prática acendeu alertas entre ambientalistas, diplomatas e organizações indígenas, colocando o Brasil em situação delicada poucos meses de sediar a COP30, marcada para novembro em Belém (PA).
Brasil leva preparativos da COP30 à conferência climática da ONU na Alemanha. Reprodução: UNFCCC.
O que foi leiloado?
O 5º ciclo da Oferta Permanente de Concessão da Agência Nacional do Petróleo (ANP) ofertou 172 blocos de exploração em cinco bacias sedimentares. Desses, 47 blocos estavam localizados na Bacia da Foz do Amazonas, uma área de rica biodiversidade marinha, com presença de corais, recifes e comunidades tradicionais.
Ao final do leilão, realizado nesta segunda-feira (16), 34 blocos foram arrematados, arrecadando R$ 989 milhões em bônus de assinatura, valor quase 65% acima da expectativa inicial da própria ANP.
Mais de 85% desse montante veio de lotes situados na Foz do Amazonas, arrematados por gigantes como Petrobras, Chevron, ExxonMobil e CNPC. O consórcio Chevron-CNPC, por exemplo, arrematou nove deles com um ágio superior a 1.200% em alguns casos.
Por que a Foz do Amazonas é tão polêmica?
A região onde os blocos estão localizados é ambientalmente sensível e ainda pouco conhecida. Estudos científicos recentes revelam a existência de recifes de corais e espécies únicas no encontro das águas do rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Ambientalistas alertam para o risco de derramamentos e danos irreversíveis à biodiversidade.
Além disso, parte das áreas ainda não tem licença ambiental para exploração e não passou por consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais, como determina a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que pode levar à judicialização dos contratos.
O Ministério Público Federal no Pará entrou com ações pedindo a suspensão do leilão, enquanto ONGs ambientais classificaram a iniciativa como “incompatível com os compromissos climáticos do Brasil”.
O peso das emissões
A exploração dos blocos vendidos pode liberar até 11 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente, segundo estimativas do Instituto Arayara, entidade internacional que atua há 30 anos na defesa do meio ambiente. Isso representa aproximadamente 5% do orçamento global de carbono disponível para manter o aquecimento abaixo de 1,5 °C, meta central do Acordo de Paris, tratado internacional juridicamente vinculativo sobre mudanças climáticas.
Só a Foz do Amazonas responderia por 4,7 bilhões de toneladas dessas emissões, mais do que todo o setor agropecuário brasileiro em seis anos.
Bonn, COP30 e o paradoxo climático brasileiro
Em Bonn, onde ocorre a reunião preparatória para a COP30, o Brasil buscou se firmar como liderança ambiental no sul global. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, participou de encontros destacando a necessidade de um “balanço ético global” e defendendo que países em desenvolvimento recebam apoio para promover uma transição energética justa.
No entanto, o leilão de blocos fósseis no mesmo dia do evento internacional foi visto como uma contradição gritante. Líderes indígenas, como o cacique Ninawá Huni Kui, acusaram o governo de hipocrisia climática. “Não é possível falar em transição energética ao mesmo tempo em que se amplia a fronteira fóssil na Amazônia”, disse durante sua participação no painel de abertura do evento Diálogos Amazônicos.
Manifestantes e Cacique Ninawá Huni Kui reunidos em Bonn, na Alemanha, para protestar contra novo leilão de óleo e gás no Brasil. Reprodução: 350.org.
Interesse econômico ou estratégia de transição?
O governo federal e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) justificaram o leilão por meio de notas oficiais publicadas em 10 de junho de 2025, nos portais do Ministério de Minas e Energia (MME) e da própria ANP. Nas comunicações, alegam que a medida visa garantir a segurança no abastecimento de energia do país e gerar recursos que, segundo eles, serão destinados a financiar a transição energética para fontes renováveis.
Os contratos exigem investimentos em tecnologias de baixo carbono e preveem que parte dos recursos arrecadados possa ser destinada a projetos sustentáveis. A medida, no entanto, gerou questionamentos por parte de organizações ambientais.
Em nota publicada no dia 10 e 11 de junho, o Greenpeace criticou a realização do leilão e apontou contradições entre a expansão da exploração de petróleo e o compromisso do Brasil com a descarbonização. A entidade, que atua globalmente no monitoramento de políticas climáticas, afirmou que a iniciativa coloca em risco a credibilidade do país nas negociações internacionais sobre o clima.
Apesar de viver-se um tempo de emergênciua climática e sentir seus efeitos na prática, nem todos são afetados da mesma forma. Para isso se dá o nome de racismo ambiental, tema central do novo site Entrelinhas. Idealizado e produzido pelo aluno de jornalismo, Vítor Nhoatto para a disciplina de Jornalismo Contra-Hegemônico, conta com a orientação da professora e doutora Anna Flávia Feldmann.
O projeto se desenvolve ao longo de uma série de quatro reportagens, que contam com entrevista de especialistas de norte a sul do Brasil e relatos de quem sente na pele o peso de viver em uma sociedade que precisa de mudança. É proposto um espaço de letramento racial e ambiebtal, baseado em dados e fatos, que muitas vezes são ofuscados pelos outdoors, ou ignoados por empresas e governos.
Com uma linguagem que se aproxima do dia a dia do leitor, o site ainda conta com reportagens especiais desenvolvidas pelo estudante, demonstrando como tudo está interligado. E para saber mais sobre as entranhas ambientais, é só acessar o Entrelinhas pelo link abaixo:
Com participação de lideranças indígenas e acadêmicas, simpósio destacou a urgência ambiental como eixo estratégico para a reconstrução do projeto político progressista
O seminário nacional sobre o futuro da esquerda brasileira: impasses e desafios ocorreu de 12 a 15 de maio no prédio de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. A mesa de crise ecológica e emergência climática aconteceu na quarta-feira (14), mediada pelo Manifesto Coletivo e composta por Vladimir Safatle, docente responsável pelo evento, Jera Guarani, educadora e líder indígena do povo guarani mbya, e Luiz Marques, professor livre-docente aposentado e colaborador do Departamento de História da Unicamp.
A mesa reforçou a necessidade de ações políticas e econômicas cientificamente e culturalmente informadas contra o aquecimento global. "Vivemos os anos mais frios do futuro", afirma o professor Luiz Marques, que alerta para o aquecimento global de ao menos 2° celsius em finais dos anos 2030. Segundo o INPE, de 1971 a 2021, 3 milhões 052 mil e 247 km quadrados da cobertura vegetal nativa foi desmatada no Brasil e mais de 90% do desmatamento da Amazônia é para pastagem. Assim, o professor coloca o agronegócio como o inimigo número 1° do Brasil e o principal emissor de gases poluentes do país.
Já Jera Guarani ressaltou a importância da demarcação das terras indígenas para a preservação ambiental e cultural do Brasil. Atualmente seu trabalho é voltado para a segurança alimentar indígena: “não dá para ter guarani forte e inteligente tomando coca-cola e comendo salgadinho. A comida é sagrada, o plantio e a colheita são fundamentais para a autonomia indígena", alerta.
Vladimir Safatle afirmou que historicamente a questão ecológica está ausente na esquerda brasileira, “fomos cúmplices dessa ideia de progresso e desenvolvimento, um dos problemas fundamentais do capitalismo”, e reitera que devemos "habitar a terra, e não consumi-la como mercadoria – para ele essa é a irracionalidade estrutural do capitalismo, a exploração desenfreada de recursos finitos".
O professor defende ainda a soberania popular e que a esquerda deve sonhar novos futuros: "Esta crise ecológica nos coloca duas questões muito claras. A primeira delas é a sua urgência. Ela não aceita que nós esperemos mais 10 anos, nós esperamos mais 20 anos. Porque o seu processo de aceleração, como ficou claramente mostrado aqui, é exponencial. Ele exige uma ação para ontem. A segunda é entender que essa questão é, antes de qualquer coisa, um problema político. E se ela é um problema político, então, como todo problema político, se resolve quando nós mudamos aqueles que decidem sobre ele.
O modelo atual de decisão, que nos está sendo imposto, ele é uma parte do problema. Ele nunca vai ser uma parte da solução. Você pode gastar milhões com estas festas de diplomacia internacional - COPS 85, COPS 87, COPS 30 - em que você mobiliza setores muito engajados dos processos de organização da sociedade. Normalmente eles sempre saem frustrados, porque eles veem que, afinal de contas, essas reuniões não tem nenhuma função, já que sua função central e efetiva é gerenciar o tempo. Comprar tempo".
A estudante de Ciências Sociais da universidade, Bruna Nascimento, também comenta sobre a questão. "Então, o que a gente, na verdade, está vendo, é uma contradição em relação à agenda do governo aqui dentro do Brasil, que é passar o PL do desmatamento no Senado, como aconteceu recentemente, ou trazer para a voga a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Isso é o maior absurdo que a gente pode ouvir no momento que estamos falando sobre emergência climática no presente, não mais no futuro.
"Um momento em que o mundo já aumentou em mais de um grau e meio de temperatura, e isso é uma situação absolutamente emergencial. A gente deve esperar de um governo de esquerda mais alinhamento na pauta, mais alinhamento do que estamos discutindo", diz Nascimento.
"Como a gente pode discutir dentro da COP30 todos esses assuntos revolucionários, para a mudança climática, se dentro da nossa agenda, dentro do nosso Senado, estamos falando sobre desmatamento, sobre destravar a economia do país explorando recursos naturais", questiona Nascimento.
Charlon Fernandes, outro discente do curso, critica a forma como o governo federal tem conduzido o debate climático. "Acho que um governo de esquerda, quando vai debater a questão climática, tem que fazer um debate muito sério, o que a gente não vê hoje. Por exemplo, o governo brasileiro é um governo federal querendo pautar a extração de petróleo na foz do rio Amazônia, sendo que já existem pesquisas comprovando quão danoso isso será, um governo que em menos de 12 horas vai ter petróleo na Guiana, em águas internacionais, prejudicando todo o ecossistema mundial. A própria Petrobras anunciou que apenas em 48 horas ela pode conter um vazamento de petróleo, ou seja, o dano já está garantido, é um risco calculado, previsível, e que o governo federal está querendo tomar", diz Fernandes no evento.
Para ele "outra questão que também tem que ser colocada no debate sobre as fontes renováveis, que é muito importante a gente avançar, mas não podemos fazer uma troca absurda como vem acontecendo. Como o caso da usina de Belo Monte, que foi uma grande campanha do governo federal para construir uma usina hidrelétrica, mas que prejudicou diversos povos nativos, a cultura, povos quilombolas e ribeirinhos que foram totalmente danificados pela construção".
Além disso, a expansão das energias eólicas no Nordeste simboliza, por exemplo, em pesquisas apontadas por universidades federais, o dano a comunidades de bandos de pássaro. Ou seja, isso é um debate climático sério? A gente tem que fazer um aprofundamento, porque o governo federal não pode ser conivente com essas políticas que prejudicam o meio ambiente. Como é o caso do Plano Safra, que manda bilhões para o agronegócio, que desmata, que entra no jogo de crédito de carbono, e que não é uma política suficiente. A gente sabe muito bem que esses protocolos e as conferências do clima que acontecem esporadicamente não são a solução da crise climática, que esses acordos, como o Tratado de Paris, não são suficientes para combater e dar retrocesso à crise climática".
O setor de energia respondeu em 2024 por 68% de toda a emissão de CO2 no mundo, segundo relatório da United Nations Environment Programme (UNEP). O gás é o principal causador do aquecimento global e precisa diminuir drasticamente nos próximos anos, apontando para a necessidade da chamada transição energética e descarbonização. Mudar a forma como se produz energia é um desafio, e a nuclearização ressurge como uma possível resposta.
A produção de energia a partir de material nuclear é antiga, e de forma simplificada funciona em algumas etapas. O combustível radioativo (urânio) tem seus átomos divididos no processo de fissão, liberando uma grande quantidade de energia que aquece a água em torno do reator e o vapor gerado acaba movimentando turbinas na usina que geram a energia.
O que chama a atenção para a modalidade é a produção de grandes quantidades de energia com pouco material e baixa pegada de carbono em comparação aos combustíveis fósseis. De acordo com dados de 2020 da German Environment Agency levantados pela organização holandesa fundada em 1978, World Information Service on Energy (WISE), para cada Kwh gerado por usinas nucleares, cerca de 117 gramas de CO2 são emitidos. No caso do carvão e do gás natural as médias giram em torno de 950 e 440 gramas respectivamente.
Cláudio Geraldo Schön, doutor em Ciências Naturais pela Universität de Dortmund, mestre em Engenharia Metalúrgica pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular na instituição destaca o potencial e a evolução nuclear com o passar dos anos. "Expandi-la poderia substituir as usinas termelétricas, diminuindo a geração de gases de efeito estufa [...] “o processo é continuamente atualizado, e resulta em avanços mesmo sendo uma tecnologia consolidada”.
Foi na extinta União Soviética que a primeira usina nuclear para uso doméstico começou a funcionar para contextualização, a Obninsk em 1954. Em seguida vieram outras, como a de Calder Hall no Reino Unido em 1956 e Shippingport nos Estados Unidos da América (EUA) em 1957. No Brasil, a usina Angra I foi a pioneira, com operações iniciadas em 1985.
Cinza e não verde
No entanto, o cinzento urânio traz um efeito não tão expressivo. Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), se a capacidade de produção nuclear triplicasse, a redução na emissão de CO2 do setor de energia seria cerca de apenas 6% devido principalmente à grande quantidade de carbono liberada na construção de reatores e usinas, que exigem grandes quantidades de recursos e décadas até começarem a funcionar, e para a mineração do urânio também.
Além disso, a pegada de carbono das principais fontes renováveis de produção de energia são bem mais baixas que a nuclear. Ainda de acordo com o levantamento de 2020 da German Environment Agency, no caso da solar, cada Kwh emite algo em torno de 30 gramas de CO2, para a eólica a cifra é inferior a 10 e para a hidrelétrica de apenas 4 aproximadamente.
Para o especialista sênior em energia nuclear e integrante da WISE International, Jan Haverkamp, a energia nuclear não é efetiva e nem tem a emergência climática como foco. “O uso do argumento climático é uma cobertura para outros interesses [...] os países com uso tradicional de energia nuclear não a desenvolveram devido às alterações climáticas, o fator inicial foi militar como EUA, China, Rússia e Brasil. Já para outros países era um sinal de importância, como no caso da Romênia, Bulgária e Coreia do Sul. Ou ainda visando a redução da dependência do petróleo como na Alemanha e Reino Unido, ou ainda uma tentativa fracassada de desenvolver uma fonte barata de energia como na Suécia e Canadá”.
Última usina nuclear na Alemanha começou a ser demolida em 2023, mas novo governo de extrema-direita avalia reativar a base; “resumindo, para alguns é geopolítica” comenta Jan Haverkamp - Foto: Thomas Frey / DPA / Picture Alliance
Atualmente existem 437 reatores nucleares em funcionamento no mundo, que representam 14% de toda a energia gerada no mundo, de acordo com a World Nuclear Association (WNA). Os EUA ocupam a primeira posição do ranking com 96 unidades, com França, China e Rússia em seguida com 56, 55 e 37 cada, respectivamente. O país asiático tem planos inclusive de se tornar uma potência nuclear, e até 2035 ter o dobro da capacidade atual dos EUA.
No caso do Brasil, a geração nuclear responde por apenas 2% da matriz energética, produzidos nas usinas Angra I e Angra II. Ambas fazem parte da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ao lado da Angra III, ainda em obras, e o complexo começou a ser construído durante a ditadura militar no país.
Aquilino Senra Martinez, doutor em Ciências da Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia da Presidência da República explica as nuances da modalidade: “O seu uso para geração de eletricidade depende do contexto de cada país. Em lugares com alta demanda e poucos recursos renováveis, a sua expansão pode ser estratégica. No cenário das mudanças climáticas, ela não pode ser descartada, mas também não deve ser tratada como solução única".
Com dimensões continentais e clima tropical, o Brasil se destaca no cenário mundial justamente pelo seu potencial de produção energética renovável, e hoje é referência no quesito. O Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em parceria com Ministério de Minas e Energia (MME), constatou que foi de 49% o índice de energia proveniente de fontes renováveis.
Mesmo assim, no fim do ano passado a usina Angra I teve seu licenciamento para operação renovado por mais 20 anos pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), órgão do Governo Federal, e demandará investimento de R$3,2 bilhões nos próximos 3 anos. A continuação das obras de Angra III seguem em análise, mesmo com a administradora das usinas, a empresa de capital misto Eletronuclear, tendo uma dívida de R$6,3 bilhões com a Caixa e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES).
As operações no terceiro reator foram paralisadas em 2015 e voltaram somente em 2022 após reajuste do orçamento, com 65% das obras concluídas. Isso demandou um investimento até então de R$7,8 bilhões, e apesar da conclusão não ter sido incluída no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) anunciado em 2023, estima-se cerca de R$20 bilhões necessários para tal.
Para Rárisson Sampaio, porta-voz da Frente de Transição Energética do Greenpeace Brasil, essas cifras revelam como a nuclearização desvia dinheiro necessário das fontes renováveis e ameaça um desenvolvimento sustentável e acessível. “O investimento em usinas nucleares não se conecta com a realidade do país, que poderia direcionar tais recursos para outras áreas, fortalecendo políticas como o Luz para Todos, que garante acesso a fontes de energia limpa, segura e barata, combatendo a pobreza energética e alinhando-se aos ODS da Agenda 2030”, diz Sampaio.
Criado em 2003, o programa do Governo federal tem como intuito universalizar o acesso à energia no país, especialmente em áreas afastadas e periféricas e já impactou 17,5 milhões de pessoas. Para essa nova fase, uma das frentes é justamente possibilitar a instalação de placas solares em domicílios de baixa renda.
Jan Haverkamp, da WISE, defende como em muitos países o investimento na energia nuclear desvia efetivamente o foco e dinheiro para medidas concretas no combate às mudanças climáticas, o que não é verídico: “As fontes de energia renováveis produzem atualmente mais energia do que a nuclear em todo o mundo, e essa quantidade continua aumentando. A geração nuclear está mais ou menos estável há 3 décadas. A Finlândia, por exemplo, está atrasada na implementação de energia eólica desde que decidiu construir a usina Olkiluoto 3, que sofreu um atraso significativo”.
Segurança x planejamento
De acordo com estimativas de 2024 da Agência Internacional de Energia, a demanda energética global aumentará 4% ao ano entre 2024 e 2025, cifra bem maior que os 2,5% registrados em 2023. Os principais impulsionadores serão o maior uso de ar-condicionado devido justamente às mudanças climáticas, a progressiva eletrificação da frota de veículos, imprescindível na descarbonização do setor, e pelo avanço das Inteligências Artificiais (IA).
Demanda por energia pelas big techs só cresce, tal qual o uso de água potável para resfriamento dos computadores, o que aponta para uma necessidade de consciência ao usar IAs e a internet - Foto: Microsoft / Divulgação
Os data centers deverão mais que duplicar as suas necessidades de energia até 2030 segundo a AIE, ultrapassando em alguns anos a energia consumida pelo Japão. Corroborando com esses indicativos, o Ministério de Minas e Energias realizou um estudo que aponta para um aumento de 25% na necessidade de produção energética brasileira até 2034. Nesse cenário, uma questão levantada na transição energética é a segurança e expansão necessárias para a manutenção sadia da sociedade.
Carlos Schön argumenta sobre o papel da energia nuclear, portanto, e as questões em relação ao clima: “Nós produzimos muita energia, mas ainda é pouco considerando o tamanho do país [...] a energia nuclear é a principal aliada das fontes renováveis, justamente porque essas dependem de fatores extrínsecos (sol na geração fotovoltaica, vento na geração eólica) que por sua própria natureza são flutuantes”.
Uma vez extraído do solo, o urânio pode abastecer por décadas uma usina nuclear, as quais em média podem funcionar por 40 anos, com a possibilidade de extensão, como no caso de Angra I, em funcionamento desde 1985 e renovada até 2044. Tudo isso acontece também sem depender de fatores externos como o vento, que pode danificar as hélices das turbinas eólicas, as nuvens que afetam a produção solar e a variação dos reservatórios que impactam as hidrelétricas.
Contudo, Ana Fabiola Leite Almeida, professora do Departamento de Engenharia Mecânica e Produção da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Mestre em Química pela instituição, destaca que o problema reside no planejamento energético. Mesmo que a produção diminua, é algo manejável com vontade. “O risco não está nas renováveis em si, mas na falta de planejamento. Em cenários críticos, pode haver queda média de 20 a 40% na produção energética dependendo da região, mas com previsibilidade climática, diversificação geográfica e sistemas híbridos conseguimos mitigar esses efeitos”, explica Almeida.
Em períodos como de ondas de calor em que a demanda energética aumenta, fontes como as termelétricas passam a ter maior participação na produção de energia, e como são mais caras que as hidrelétricas, a conta de luz pressiona o bolso da população. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no acumulado de 2023 o aumento na tarifa foi de 9,52%, bem acima da inflação, de 4,62% no mesmo período.
Relatório de 2024 do Tribunal de Contas da União (TCU) em parceria com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Empresa de Pesquisa Energética aponta que a nuclearização não resolveria justamente essa questão. A energia nuclear produzida em Angra III aumentará em 2,9% a conta de luz por ano e custará à população até 77 bilhões em despesas na contratação se a obra for concluída.
“Existe todo um investimento que pode ser perdido, mas não justifica a continuidade de Angra III. É o resultado do mal planejamento e desalinhamento com a política energética aponta Rarisson do Greenpeace - Foto: Eletrobras / Divulgação
O mesmo estudo do TCU destaca que as despesas com a obra “parada” chegam a R$2 bilhões por ano e uma desistência definitiva custaria cerca de R$13 bilhões, menos que o montante necessário para conclusão. Países como Áustria, Portugal e Dinamarca não classificam a energia nuclear como uma fonte limpa, e Itália e mais recentemente Alemanha, desativaram seus reatores ainda em funcionamento.
No caso do Brasil em relação ao setor de energias, as renováveis se destacam em várias frentes. Segundo o “Atlas Eólico” de 2022 do governo do Espírito Santo em parceria com a Embaixada Alemã, o potencial de geração pelo vento somente no estado é de 160 GWh, quase um terço da demanda anual do país hoje.
A energia solar também é outro enorme potencial, levando em consideração que o Brasil é o país que mais recebe irradiação solar no mundo, até então desperdiçado. Em 2023 a companhia de consultoria BloombergNEF apontou que se as políticas de incentivo à modalidade permanecerem iguais, em 2050 a capacidade de geração será de 121 GW por ano. Na ocasião, o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), Ronaldo Koloszuk, defendeu que isso pode acontecer ainda em 2040 com apoio e expansão do setor.
Ana Fabiola destaca: "O Brasil tem um dos maiores potenciais renováveis do mundo, mas para isso precisamos investir em inovação, infraestrutura de rede, armazenamento e educação técnica [...] é preciso ter suporte de armazenamento, interligação entre regiões e tecnologias de resposta à demanda. As fontes renováveis podem sim suprir a demanda crescente se houver vontade política e investimento contínuo", afirma.
Maior parque solar do mundo fica em Minas Gerais e foi inaugurado em 2023, fazendo com que a capacidade do estado chegue a 8 GW por ano - Foto: Solatio / Divulgação
Potencial radioativo denso
Falando em demandas futuras e recursos para sanar problemas sem gerar mais, uma outra implicação da energia nuclear gira em torno dos resíduos perigosos da atividade. A World Nuclear Association aponta que o resíduo nuclear equivalente à demanda de uma pessoa por um ano é do tamanho de um tijolo. Pode não parecer tanto de início, mas o problema está na radioatividade do material.
A meia vida do urânio 235, o tempo que o material leva para se desintegrar e deixar de ser extremamente radioativo, gira em torno de 700 milhões de anos. Durante esse tempo as substâncias líquidas e sólidas precisam ficar armazenadas e isoladas do mundo, seja em reservatórios subterrâneos, piscinas gigantes ou toneis de chumbo. Não existe hoje uma solução para esse material, e como os primeiros usos são do século passado apenas, respostas sobre o comportamento dele também não foram encontradas.
Isso em si já acende um alerta pois relega uma questão das gerações passadas às futuras, e a possível fuga de material radioativo das usinas pode colocar em risco a segurança nacional com a produção de bombas. Mas olhando para a história mais uma vez, a situação se complica. Em 1986 ocorreu na atual Ucrânia o famigerado desastre nuclear de Chernobyl, zona até hoje inabitável. A explosão da usina contaminou uma área de milhares de quilômetros ao seu redor, causou milhares de mortes e adoeceu os que resistiram. Um caso mais recente foi em Fukushima no Japão em 2011, que apesar de menor e diferente, reforça o cuidado exigido.
Aquilino Senra afirma que a questão é muito relevante no debate atual, mas avanços foram feitos e que não deve ser a única levada em consideração: “É essencial que seja considerado dentro de um contexto histórico e tecnológico, à luz dos avanços obtidos nas décadas subsequentes e da comparação com outras fontes de geração de energia, como as fontes fósseis, que também provocam milhares de mortes anuais em decorrência da poluição atmosférica”.
A Organização das Nações Unidas estima que por ano a poluição atmosférica mata entre 7 e 8 milhões de pessoas ao redor do mundo. Somente no ano de 2021, 8,1 milhões de pessoas morreram, além do fator contribuir decisivamente para o desenvolvimento de câncer de pulmão e doenças respiratórias.
Fazendas de turbinas eólicas, sítios de placas solares e usinas hidrelétricas também estão sujeitas a acidentes e impactam o meio ambiente, mas em um grau muito menor. Além dos grandes desastres, existe a possibilidade de vazamento de material radioativo. No Brasil, por exemplo, a Comissão Nacional de Energia Nuclear constatou um caso em 2022 na unidade de Angra I, no qual a água contaminada chegou ao mar. Na ocasião, a Eletronuclear foi multada em mais de R$2 milhões de reais pelo órgão
ONG fez protestos em frente a usina de Angra I e relembrou o desejo ilegal de milhões de litros de água contaminada pela usina em 1986 - Foto: Greenpeace Brasil / Divulgação
Rárisson do Greenpeace destaca: “a energia nuclear não tem lugar em um futuro seguro, limpo e sustentável. A energia nuclear é cara e perigosa. Apesar de oferecer energia não intermitente, há outras soluções no país que podem ser mais eficientes, seguras e baratas [...] só porque a poluição nuclear é invisível não significa que seja limpa, nessa conta toda, a energia nuclear é inexpressiva”.
Mesmo assim, nos últimos anos empresas e nomes do vale do silício floresceram no cenário da nuclearização em defesa dos chamados Small Modular Reactors (SMR), em tradução livre, pequenos reatores modulares. Segundo a Agência Internacional de Energia, as unidades menores podem ser uma solução para a demanda crescente por energia dos data centers, e por serem menores, construídos em uma fábrica e depois enviados ao local de destino, podem baratear os custos.
Com um tempo de construção diminuído para cerca de 5 anos em comparação aos reatores convencionais e cinco vezes menores em tamanho, o primeiro SMR instalado no mundo data de 2023 na China, o Linglong One. A capacidade do reator será de 1 GW quando entrar em operação regular segundo a Corporação Nacional de Energia Nuclear da China. Mesmo assim, de acordo um estudo independente da Universidade de Stanford que avaliou os dados preliminares da empresa norte-americana NuScale Power, mais lixo radiativo é gerado e há maior dispersão de energia no interior dos SMRs.
Os principais projetos na área ainda vão levar tempo também, com expectativa de começarem a operar em meados da próxima década apenas, como o da britânica Rolls Royce. Ainda existe a startup de Bill Gates, Terra Power, com expectativa que o seu reator em Wyoming, o estado menos populoso do país, entre em operação no começo de 2030. No entanto, nessa data as emissões de CO2 na atmosfera já deverão ter caído 42% para que o aquecimento fique em 1,5 graus celsius de acordo com o relatório de 2024 da United Nations Environment Programme.
“Não é surpresa que tecno-oligarcas como Gates, Musk, Zuckerberg e Bezos sejam especialmente atraídos pelas ideias por trás de pequenos reatores nucleares modulares. Mas eles não percebem que essas tecnologias são fundamentalmente diferentes da internet ou mesmo das estruturas de energia renovável, incluindo armazenamento, com custos mais elevados em comparação com sistemas totalmente renováveis, tempos de desenvolvimento muito mais longos e sérios riscos”, alerta Jan Haverkamp da WISE International.
Entre os dias 10 e 21 de novembro, Belém (PA) hospedará a 30° Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30). Durante o evento, a capital paraense receberá líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil com o objetivo de discutir ações para enfrentar a emergência climática global. Os principais temas a serem debatidos são a redução de emissões de gases de efeito estufa; adaptação às mudanças climáticas; financiamento climático para países em desenvolvimento; tecnologias de energia renovável e soluções de baixo carbono; preservação de florestas e biodiversidade; justiça climática e os impactos sociais das mudanças climáticas.
Capital paraense se prepara para receber mais de 40 mil visitantes durante os principais dias da Conferência. Foto: Marcelo Souza / Agência Pará
Em entrevista à AGEMT, Sérgio Haddad, economista, pedagogo e mestre e doutor em História e Sociologia da Educação pela Universidade de São Paulo (USP); e Janaina Uemura, formada em relações internacionais pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), e em filosofia pela Universidade de São Paulo (USP) levantam as principais questões envolvendo a simbologia da COP-30 ter Belém como sede e o papel dos governos e sociedade civil em eventos como esse, principalmente com relação aos seus desdobramentos. Para ouvir a matéria completa, acesse o link:
São Paulo ainda não entrou no debate da adaptação às mudanças climáticas. A maior cidade da América Latina, ainda faz com que seus moradores vivam em condições improcedentes. O meio insustentável em que a capital está inserida, impede a população paulistana de possuir qualidade de vida e existir plenamente. Uma metrópole que sofre com o racismo ambiental, altas taxas de poluição, causando diversos problemas de saúde, e nenhuma indicativa de uma transição energética, acaba vinculada a uma realidade limitada e que dificulta o seu desenvolvimento. Inserir o planeta em um cenário mais sustentável e, consequentemente, mais duradouro e habitável para futuras gerações, é essencial; por isso, torna-se cada vez mais necessário a adoção de medidas que garantam isso.
Na aula inaugural promovida pelo curso de Pós-Graduação em Governanças Global e Formulação de Políticas Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que ocorreu na quinta-feira, 25 de abril, o pré-candidato à Prefeitura de SP, Guilherme Boulos, dedicou bastante tempo de sua fala a essa discussão. O deputado, que palestrava sobre cidades sustentáveis, afirmou: “O que as cidades precisam fazer? Desenvolver planos de adaptação às mudanças climáticas e, ao mesmo tempo, cumprir metas de redução das emissões de gás de efeito estufa. Hoje nós não estamos discutindo isso aqui na cidade de São Paulo”.
São Paulo está entre as 10 cidades brasileiras que mais emitem carbono, o que contribui em massa para as constantes e intensas mudanças climáticas às quais a cidade tem sido submetida. Dos 12 mil ônibus responsáveis pelo translado da população paulistana, apenas 84 são elétricos, além de serem restritos ao centro de São Paulo. A grande problemática desses números, é a emissão de carbono causada pelo diesel. No entanto, o transporte público ainda é a opção mais sustentável, uma vez que os carros utilitários são os maiores agentes na emissão de poluentes
O dióxido de carbono (CO2) é um dos principais Gases de Efeito Estufa (GEE). Dessa maneira, sua emissão faz com que a temperatura da Terra aumente, por impedir que o calor saia da atmosfera. Vários problemas decorrem da emissão de gases e do aquecimento global. “No contexto global, as principais consequências são as mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos; e a debilitação da saúde pública, devido à exposição a poluentes atmosféricos”, informa Célio Bermann, professor associado do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
A transição energética, ou seja, a substituição do uso de energia fóssil (petróleo e seus produtos) para uma energia limpa e renovável, é uma realidade em outras cidades. Shenzhen, na China, possui 18 milhões de cidadãos - 6 milhões a mais que São Paulo - e foi a cidade pioneira na transição energética urbana. Atualmente, 100% de sua frota de ônibus são elétricos. O que impede que São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, faça também essa mudança?
Para o atual prefeito da cidade, Ricardo Nunes, falta infraestrutura. O político, entretanto, responsabiliza a empresa Enel, e afirma que a instituição não entregou pontos de carregamento elétrico para a compra de mais ônibus de energia limpa. De qualquer maneira, é uma urgência eletrificar os ônibus de São Paulo. Em parte, é necessário cumprir com o Acordo de Paris, que foi assinado em 2015, e visava impedir o aumento da temperatura da terra; em outra parte, a sistematização elétrica permite que os custos com transporte público diminuam a longo prazo. “Eletrificar a frota de ônibus, além de ser um grande caminho para reduzir a emissão de carbono, também é um caminho para democratizar o direito ao transporte público. Porque o ônibus elétrico, pode chegar a ser 50% mais barato do que o ônibus a diesel”, explica Boulos.
O que são cidades sustentáveis
A definição de cidades sustentáveis se baseia no intuito de cuidar do meio ambiente para garantir um futuro global mais promissor. Por meio de políticas públicas propostas pela administração, tem como pilar principal a responsabilidade ambiental, vitalidade cultural e o ideal de economia sustentável. Seu conceito está associado a uma visão que preza pelo equilíbrio das atividades socioeconômicas e ambientais de uma população.
Ao redor do mundo, famosas metrópoles aderiram ao conceito de cidade sustentável e demonstraram melhoria no funcionamento de seus ecossistemas. Essa iniciativa gerou benefícios tanto nos aspectos ambientais como na área da saúde e da economia. Na Dinamarca, a cidade de Copenhague tem se mobilizado cada vez mais para contribuir com essa iniciativa, com a construção de estradas voltadas especificamente para a prática do ciclismo e a venda de bicicletas elétricas a baixo custo. Zurique, na Suíça, é responsável por reciclar mais de 40% de seus resíduos hoje e mais de 80% de seus hotéis possuem certificado de sustentabilidade. Já Tóquio, no Japão, possui um dos sistemas de transporte público que tem a menor emissão de carbono mundial.
Assim como todas essas cidades, São Paulo necessita que o poder público e os provedores de serviços adotem essa mentalidade sustentável. O professor Célio enfatiza essa necessidade: “O poder público pode e deve dar sua contribuição, com políticas públicas indutoras nessa direção. Entretanto, além do governo e da população, cabe às indústrias, comércio e serviços de transportes (rodoviário, ferroviário, marítimo, aeroviário) darem também sua contribuição, pois são os assim denominados ‘setores produtivos’ os principais responsáveis pelos danos ambientais, que comprometem a existência de todos os seres vivos no nosso planeta.”
O Estado, até então, tem se mantido omisso em relação ao tema e à implementação dessas práticas sustentáveis no país. A ausência de ações de combate à destruição ambiental, acarretam no surgimento, cada vez mais frequente, de desafios a serem enfrentados futuramente.
Transição energética, redução do tempo de deslocamento espacial e melhoria da segurança pública. Esses foram os três itens trazidos e discutidos pelo deputado federal e pré-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL-SP), que podem transformar a capital paulista em uma nova metrópole. O evento, que ocorreu na última quinta-feira (25) na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), foi uma aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Governanças Globais e Formulação de Políticas Internacionais da Universidade.
Guilherme Boulos fala das possibilidades para as metrópoles. Foto: Giovanna Takamatsu."Esse debate de cidades inovadoras precisa ser uma inspiração para nossa cidade e para poder fazer São Paulo voltar a ser o que ela, historicamente, foi"
As pautas levantadas são problemas urbanos enfrentados diariamente pelos paulistanos e, para Boulos, é necessária a participação pública. “Tem soluções que não precisam de bilhões de dólares. São de vontade pública. São de uma decisão de ver a cidade como um espaço para as pessoas e não só um espaço para valorização do dinheiro”, afirmou o deputado. São Paulo é a maior cidade da América Latina e a mais rica do Brasil.
Transição energética
O deputado começou sua fala com o exemplo de Xangai na China e de Santiago no Chile. Ambas as cidades são pioneiras na transição energética urbana. Isso significa que os transportes públicos são, em sua maioria, movidos por energia elétrica, limpa de aditivos químicos e fósseis.
São Paulo inseriu a circulação de ônibus elétricos para algumas linhas, mas os números são baixíssimos. Apenas 84 veículos de pelo menos 12 mil são de energia limpa. Em comparação, Xangai possui 14.700 ônibus elétricos de uma frota de 15 mil automóveis, o que equivale a 98% de carros sustentáveis.
Essa solução não impacta apenas na redução da emissão de carbono da cidade, mas também diminui o custo estatal com transportes públicos. “O ônibus elétrico, em média, pode chegar a ser 40% a 50% mais barato do que o ônibus a diesel. A gente ganha no tema ambiental e ganha também no custo do sistema. Isso está acontecendo hoje no mundo. Citei duas cidades que eu tive a oportunidade de conhecer, mas está acontecendo em várias cidades do mundo, mas aqui não”, aponta o pré-candidato à Prefeitura de São Paulo.
Para além dos benefícios econômicos e ambientais, a sistematização elétrica colabora para a diminuição da poluição sonora na metrópole. Os ônibus à diesel tendem a produzir, em média, 76,7 decibeis (dB) – ruídos acima de 60 dB já causam problemas de saúde -, segundo estudo da Proteste em parceria com a Sociedade Brasileira de Otologia, enquanto um veículo elétrico é silencioso.
Segurança pública e reocupação da cidade
Boulos declara que o maior problema de segurança em São Paulo é decorrente da desigualdade social. “Nenhum país que tem a desigualdade como nós temos é um país com uma sociedade tranquila, pacificada, que as pessoas saem às ruas e se dão as mãos.”, enfatiza o político.
A cidade possui muitas falhas básicas de segurança pública. O maior problema é o abandono de propriedades, especialmente no centro, que, por causa da falta de manutenção, aumenta o risco de colapso estrutural e proliferação de doenças.
O abandono também incita violência. De acordo com a Teoria da Janela Quebrada, desenvolvida por Kelling e Wilson, em 1982, o vandalismo atrai o vandalismo. “O centro de São Paulo hoje está marcado pelo abandono. Saiu o IBGE agora, mês passado, um a cada cinco imóveis do centro está abandonado. O espaço que é marcado pelo abandono se torna um espaço perigoso”, afirma Boulos, que se utilizou dos dados do Censo de 2022, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado em março.
O trabalho longe de casa e os serviços nas regiões periféricas
O terceiro e último tópico discutido na aula foi o deslocamento dos paulistanos até seus locais de trabalho.
Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria revela que 36% dos brasileiros passam mais de uma hora por dia em transportes públicos. Isso ocorre especialmente com aqueles que moram nas periferias das cidades e precisam se deslocar para os centros urbanos, onde se concentram os comércios.
“Aqui do lado, na Barra Funda, nós temos 400 empregos para cada 100 moradores. No extremo leste, Jardim Iguatemi, São Mateus, Cidade de Tiradentes, nós temos oito empregos para cada 100 moradores. De 400 vai para oito. Qual é o resultado disso? Quem é do bairro São Mateus sai todo dia de manhã para vir para cá [zona oeste], com duas horas no trânsito, com ônibus lotado, um monte de automóvel individual, com mais poluição, com piora na qualidade de vida”, explica o deputado sobre a desigualdade de oportunidades de empregos por habitante.
O político do PSOL exemplificou como Paris, que também é uma metrópole, lidou com a diminuição do tempo de deslocamento com o projeto “Cidade de 15 Minutos”. O governo realizou a reapropriação do centro parisiense, o que impediu a especulação imobiliária, e possibilitou a realocação dos moradores para esses locais. Além disso, estimulou financeiramente empresas públicas e privadas a se expandirem para regiões periféricas.
Na noite de ontem (13) o evento de celebração do 13º aniversário da Agência Pública, fundada por ex-alunas da Universidade Pontifícia Católica de São Paulo (PUC-SP), apresentou uma mesa fundamental para a compreensão dos impactos da ação humana no meio ambiente.
A roda de debate contou com a participação de importantes estudiosos, militantes e jornalistas da causa, com destaque para a participação de Ailton Krenak, o nome mais aguardado da noite.
Recebido com aplausos, o doutor honoris causa pela UFMG e pela UFJF e eleito para a Academia Brasileira de Letras, se preocupou em evidenciar, para além das questões ambientais, as preocupações sociais imprescindíveis ao tema.
Abordando o racismo estrutural e ambiental, Krenak pontuou como as consequências da crise climática são sentidas de formas diferentes pelas pessoas - e semprede maneira mais forte pelas camadaspobres da população.
Além disso,o indigenista chamou a atenção da plateia para o que está além da vida humana: a extinção em massa de diversas espécies animais.
Segundo o Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU deste ano, de 976 espécies avaliadas em diversas regiões do mundo, 47% sofreram extinção de populações locais em anos de temperatura recorde.
Populismo e os riscos para o clima
O renomado climatologista e criador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (CEMADEN-MCTI), Carlos Nobre, também presente no evento, alertou para como os efeitos do negacionismo têm impactado na destruição do Planeta.
Em agosto de 2023, um documento redigido pelo Grupo de Inteligência Climática Global (CLINTEL), assinado por mais de 1.600 cientistas oriundos de 60 países, afirmava que “não há emergência climática”. A maior parte deles nativos de países da Europa e América do Norte, com destaque para Itália, Estados Unidos e França.
Na América do Sul, o Brasil foi o país com maior número de assinaturas: 20. Além disso, vale lembrar que os brasileiros foram os que mais aumentaram a emissão de gases poluentes durante a pandemia do COVID-19 no mundo.
Para Nobre, estes dados não são um acaso – mas sim uma consequência.
“Infelizmente nos últimos 25 anos, há um grande crescimento das eleições democráticas e populistas. Nós estamos vendo o populismo crescendo no mundo inteiro e essas pessoas todas são eleitas democraticamente.Esse é um enorme desafio. Nos EUA, 65% dos americanos são preocupados com mudanças climáticas e esses americanos elegeram um presidente negacionista que tirou os EUA do Acordo de Paris”, alerta.
Crise sistemática
A jornalista Daniela Chiaretti, que cobre as Conferências do Clima da ONU desde 2008, concorda - e afirma que percebe a crise climática como “um problema que o próprio sistema (capitalista) criou”.
Pensando, portanto, na crise climática como uma consequência da ação humana predatória ao longo dos séculos, cientistas, geólogos e outros estudiosos da área tem debatido, há 15 anos, a nomeação de uma nova era geológica: o antropoceno.
As questões levantadas sobre o tema procuram pensar o tamanho do impacto que a humanidade tem causado ao mundo e às suas biosferas – e se são suficientemente graves a ponto de levar o Planeta a um novo período histórico.
Segundo Carlos Nobre, o antropoceno teria tido início ainda na década de 40 com o impacto das bombas atômicas em terras como as do Canadá e México, que serviam como base de estudos de geólogos devido seu bom estado de conservação. Após os testes, suas estruturas foram modificadas com novos elementos.
Hoje, falar de antropoceno pode soar como, praticamente, falar do fim do mundo como o conhecemos.
Consequências
A Terra, desde seus primórdios, varia em eras de acordo com a órbita em torno do Sol.Em épocas de maior elipse, entramos na Era Glacial, com temperaturas mais amenas em cerca de 5ºC. Já quando em órbitas ligeiramente mais arredondadas, saímos deste período. Este ciclo, como explica Nobre, demora cerca de 100 a 120 mil anos.
O problema é que o tempo que temos para lidar com as mudanças climáticas e suas consequências atuais é bem menor do que isso.“Caso mudanças não sejam rapidamente efetivas, em 2100, teremos 4ºC de aumento (...). Nunca a temperatura chegou ao que pode chegar no século 22. Praticamente todo o mundo tropical será inabitável, quando poderão ser atingidas temperaturas em que o nosso corpo não perde mais calor. É o chamado estresse térmico”.
Sua explicação prossegue alertando para os riscos de tal situação, como o tempo de vida de idosos e crianças - que pode não passar de 20 minutos. A espécie humana precisaria se adaptar para viver no topo dos Andes, no Ártico ou em outras regiões extremamente geladas.
Além disso, esta época representaria a 6ª maior extinção do Planeta (a quinta ocorreu há cerca de 62 milhões de anos atrás, com os asteroides que mataram os dinossauros).
Medidas mais drásticas para reduzir a emissão de gases-estufa serão necessárias para evitar que o planeta esquente mais de dois graus Celsius até o fim do século, aponta IPCC – Mapa: Nasa/NOAA
Quando nos perdemos?
Para Ailton Krenak, a humanidade perdeu muito – em tempo e experiência - invalidando os povos originários, que já avistavam estes riscos há muito tempo através do contato diário da natureza.
“O humano achava que a Terra era um lugar sagrado. Ele tinha medo do raio, do trovão, da tempestade. Ele tinha medo da mudança da cor do pôr do sol. Quando todo mundo ficou esperto, dominou a agricultura, pegou o metal, começou a fazer essa farra toda, deixaram de tratar a vida do Planeta como uma experiência sagrada e passaram a acreditar que a Terra é um organismo plástico, que podemos esticar, dobrar, enrolar (...)”.
O militante da causa acredita, por isso, que o antropoceno é sim real e deveria ser validado.
“Estamos comendo o corpo da terra feito pestes”, afirma.
No dia 3 de novembro o Estado de São Paulo foi atingido por fortes chuvas e rajadas de vento de até 100 km/h. O temporal, um dos tantos exemplos da crise climática, não escolheu as suas vítimas, entretanto o racismo ambiental sim. Rose Borges, moradora do Morro do Piolho, periferia localizada no bairro do Capão Redondo, Zona Sul, enfrentou 10 dias sem luz e água.
“Isso é racismo ambiental. Por que quem mora lá pode ir atrás do direito deles e aqui não? Como o Eduardo Lyra fala em Gerando Falcões: a favela tem que sair do museu,” reflete Rose.
Moradores do Morro do Piolho passaram mais de 10 dias sem luz e água. (Foto: Maria Elisa Tauil)
O racismo ambiental é um termo utilizado para descrever situações de injustiça social, onde grupos minoritários são sistematicamente submetidos às consequências da degradação do ecossistema. Isso fica evidente quando moradores de bairros e territórios periféricos, em sua maioria pessoas pretas, indígenas e famílias de baixa renda, são diretamente afetados com o agravamento das condições climáticas, enquanto os mais privilegiados usufruem de melhores condições de vida.
“JUSTIÇA CLIMÁTICA É JUSTIÇA RACIAL”
O racismo ambiental está presente na sociedade em diferentes formas, como por exemplo, na maior incidência de riscos de inundações, deslizamentos de terra, concentração dos piores índices de poluição do ar e das águas, e até mesmo a falta de saneamento básico em comunidades. Dessa forma, a população está mais exposta aos impactos dos desastres naturais. Um exemplo marcante é o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG). A tragédia, que deixou 270 pessoas mortas e derramou milhões de metros cúbicos de rejeito de mineração na bacia do Rio Paraopeba, teve como sua principal vítima a população negra e de baixa renda, que morava na região. Quatro anos após o ocorrido, a empresa responsável pelo desastre não foi responsabilizada e as famílias afetadas ainda sofrem com as consequências da desigualdade socioambiental.
No lançamento do livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”, organizado pelo Instituto de Referência Negra Peregum,os autores debateram sobre a necessidade de trazer à tona as demandas dos movimentos negros e denunciaram o embranquecimento do movimento ambientalista. “A crise ecológica global é, simultaneamente, uma crise de justiça global”, expôs a jornalista Mariana Belmont na coletiva de imprensa.
Lançamento do livro que ocorreu no Instituto de Referência Negra Peregum em São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)
Em uma entrevista a Agemt, Andressa Dutra, gestora ambiental, mestranda em Ecoturismo e uma das autoras do livro, conta que a questão racial é a chave para solucionar a crise ambiental. “Entendendo que o Brasil é um país estruturado no racismo, o Silvio Almeida fala que a gente não vai conseguir resolver as grandes questões se a gente não trouxer um foco para questão racial, porque é isso que dá base e faz entender quem vai viver e quem vai morrer”, explica.
“Não adianta mais a gente tentar resolver as mazelas dos problemas ambientais sem pensar na questão racial,” relata a ativista.
“Livro “Racismo Ambiental e Emergências Climáticas no Brasil”. (Foto: Maria Elisa Tauil)
MORRO DO PIOLHO: UM REFLEXO DO RACISMO AMBIENTAL
Localizado na região do Capão Redondo, na zona sul de São Paulo, o Morro do Piolho, segundo moradores, abriga 300 famílias, sendo uma delas a da líder comunitária e agente transformadora Rose Borges, fundadora da ONG Juntos pelo Capão. “Tem muita coisa acontecendo do outro lado da ponte do rio Pinheiros, que separa os pobres dos ricos, o lado A do lado B”, relata.
Rose conta que em decorrência da tempestade e rajadas de vento, ela ficou sem luz por quatro dias, enquanto alguns vizinhos ficaram mais de uma semana. Na segunda-feira, três dias após a tempestade, a maior parte do bairro seguia sem energia e sem água; consequentemente, a maior parte das escolas e creches não abriram. Assim como muitas mães e avós, ela precisou ficar em casa para cuidar da sua neta, precisando ligar à sua chefe para avisar que não tinha condições de ir trabalhar. Muitas outras mulheres da comunidade passaram pela mesma situação, mas receberam um tratamento diferente das empresas, com seus salários e benefícios sendo descontados. “Não é culpa delas, mas é visto assim. ‘Se vira’. Como se a gente pudesse se teletransportar”.
Morro do Piolho, localizado na Zona Sul de São Paulo. (Foto: Maria Elisa Tauil)
A moradora denuncia a situação precária que as mães do bairro, grande parte mulheres negras e mães solo, precisam enfrentar ao ficar sem energia. “A maioria das mães aqui, quando saem, deixam coisas pros filhos comerem, porque elas vão trabalhar e só voltam à noite. Então ela trabalhou lá o dia inteiro, e, quando chegou em casa, não tinha luz nem água pra sobreviver”. Rose relata que, muitas pessoas precisaram se locomover e ficar na casa de amigos que já tinham energia. Ela precisou ir à casa da sogra, que fica em Campo Limpo, 42 km de distância do Morro do Piolho. A fundadora da ONG levou seu celular e os de seus vizinhos para carregar lá, além de trazer os alimentos que havia em sua geladeira.
Dessa forma, a comunidade se viu na necessidade de se mobilizar para enfrentar a falta de água e luz. Um vizinho de Borges, que tinha acesso a um lugar com água, ficou responsável por levar galões de água e trazer água para os moradores. Por ser uma quantidade limitada, as pessoas pegavam garrafas de 2 litros e faziam um banho rápido, e os que tinham filhos, tiveram que usar a mesma água em duas ou três crianças, e o restante foi usado para fazer comida e beber.
Além da falta de energia, a cidade de São Paulo também passou, recentemente, por uma onda de calor e mais uma vez, as comunidades periféricas foram as mais afetadas. Rose conta que, por conta do calor extremo, as pessoas precisaram dormir com as janelas abertas, e muitas precisaram colocar o colchão na parte externa da casa, onde era mais fresco. “Eu tive que colocar o colchão na garagem, sabe quando você não aguenta o calor?”, fala.
Comunidade do Morro do Piolho enfrenta a onda de calor. (Foto: Maria Elisa Tauil)
O calor extremo chegou enquanto muitas pessoas ainda estavam sem energia, sendo ainda mais prejudicial às pessoas da comunidade. Sem luz, as geladeiras não funcionavam e as comidas apodreciam. “Minha cunhada perdeu tudo que estava na geladeira. Minha vizinha tinha duas crianças pequenas, e teve que ir pra um lugar no extremo sul porque lá as crianças tinham água e o que comer. Ela preferiu pegar um dinheiro e gastar com a condução do que ficar aqui”.
JUNTOS PELO CAPÃO: UM OLHAR DE ESPERANÇA
Claro, projetos como o de Rose não começam do dia para a noite. Durante a entrevista, ela nos conta que a ideia começou, no final de 2019, quando estava na missa e ouviu um pedido do pároco local, Padre Márcio, que fazia aniversário naquele dia. Como presente, ele queria um panetone porque tinha uma criança que não sabia o sabor do bolo. No seu trabalho, numa escola particular na zona oeste da cidade, ela pediu ajuda às mães dos alunos e conseguiram uma “parede” de panetones para serem doados no Natal, e a partir daí passou a acontecer todos os anos, conta com empolgação.
No início de 2020, com a chegada da pandemia, as escolas fecharam e as crianças moradoras do Morro do Piolho não tinham onde ficar. Para Rose, sua única opção era sair da bolha e se mobilizar, “a gente sempre tem um pouco de social, mas uns desenvolvem outros não”. Com a vontade de mudar a sua comunidade, ela pediu ao Padre Márcio uma sala que estava desocupada e começou ali seu projeto: Juntos pelo Capão.
Rose Borges, criadora da ONG Juntos pelo Capão. (Foto: Maria Elisa Tauil)
Atualmente, há 2 projetos no portfólio da ONG: Escritores Mirins, onde, com a intenção de incentivar a literatura e escrita, cada criança participante escreve e publica seu próprio livro e Desenvolvedores Mirins (ou Pacote Office), responsável pela capacitação de jovens em ferramentas digitais. Além disso, a ONG organiza a ação Capão Sem Fome, uma frente permanente de combate à fome no Morro do Piolho, com distribuição de cestas básicas para famílias carentes durante todo o ano.
Quando o Estado não olha para aqueles que são invisíveis na sociedade, existe em contrapartida um cidadão ou cidadã que tem a capacidade de sair de sua bolha para causar um impacto na comunidade, e Rose Borges é uma delas. Através de seu olhar, de sua garra, ela consegue mobilizar toda uma comunidade para juntos se unirem e mudarem seu entorno. “Quando me deu esse despertar de fazer mesmo social como diferença na minha vida, de olhar para os outros, eu me senti uma torneira aberta jorrando água potável”, finaliza.
Esta reportagem foi produzida como atividade extensionista do curso de jornalismo da PUC-SP.
As lideranças globais anualmente se encontram na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas para debaterem pautas relacionadas com o clima. O objetivo desta edição deve continuar o mesmo: limitar o aumento da temperatura do planeta para no máximo 1,5 °C, consenso firmado a quase quinze anos na França, no que ficou conhecido como "Acordos de Paris".
Cada edição é sediada em um país, neste ano o evento acontece nos Emirados Árabes Unidos, na cidade de Dubai. COP é a abreviação para "Conferência das Partes", as "Partes" são os países que ratificaram em 1992, no Rio de Janeiro, o primeiro acordo climático da ONU.
Controvérsias com o anfitrião
Com um ano marcado por temperaturas recordes e catástrofes climáticas extremas, a escolha do país sede soou contraditória. Os Emirados Árabes Unidos são membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além disso, é uma das 10 nações maiores exportadoras de petróleo do mundo, sendo responsável por cerca de 3% da produção mundial.
Para José Carlos Pedreira, engenheiro agrônomo formado pela UNESP Jaboticabal com especialização em Administração Rural pela Fundação Getúlio Vargas, a escolha do país como sede levou em consideração suas ações e histórico no combate a crise climática como o estabelecimento, em 2015, da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), instrumento pelo qual os países assumem compromissos voluntários para as questões climáticas no âmbito do Acordo de Paris.
"Entretanto, na opinião de muitos especialistas tudo isso não passa de lobby político visto que tudo indica que nos próximos anos a produção de combustíveis fósseis nos Emirados Árabes Unidos crescera consideravelmente", complementa Pereira.
Outra polêmica em torno do evento foi a nomeação de Sultan al-Jaber como o líder das negociações da COP 28. Al-Jaber é, atualmente, o presidente da Empresa Nacional de Petróleo de Abu Dhabi (ADNOC), a petrolífera estatal do emirado mais rico do país.
O líder das negociações da COP 28 e presidente da ADNOC, Sultan al-Jaber. Fonte: Folha de São Paulo
Em 2022, a ADNOC emitiu cerca de 24 milhões de toneladas métricas de gás, entretanto a estatal se comprometeu a eliminar suas emissões de CO, até 2030 e antecipou sua meta de Net Zero para 2045. O Net Zero é uma meta de longo prazo em que compensações somente são permitidas para aquelas pequenas frações de emissões inevitáveis. As promessas foram recebidas com ceticismo pois na última década a ADNOC não apresentou os relatórios de emissões de metano à ONU.
Sede da ADNOC, a petrolífera estatal do Emirado de Abu Dhabi. Fonte: ADNOC
Os Emirados Árabes Unidos terão uma produção de petróleo e gás estimada em 3.300 mil barris por dia, até o fim deste ano, segundo a Mordor Inteligence, portal focado na pesquisa de mercado.
Em maio do ano passado a estatal anunciou duas grandes descobertas: a primeira foi uma reserva de 650 milhões de barris de petróleo bruto em Abu Dhabi e uma gigantesca reserva de gás, medindo entre 1,5 a 2 trilhões de pés cúbicos de commodities. Tanto o petróleo quanto o gás são combustíveis fósseis responsáveis pelo agravamento das mudanças climáticas.
A ADNOC pretende aumentar, em cinco anos, sua produção de petróleo e gás diária para 4.939,24 mil de barris, a um CARG de 8,40%. O CARG é a taxa de crescimento anual composta é um modo de calcular a taxa média de crescimento de um investimento ao longo de determinado tempo, ajustada para a variação anual. A estatal prometeu, em novembro de 2022, investir uma quantia de US$ 45 bilhões nos próximos 5 anos, para que este aumento de produção seja possível.
A BBC News apontou, segundo documentos vazados, que os Emirados Árabes Unidos possuem interesse em utilizar seu papel de anfitrião na COP 28 para firmar acordos sobre petróleo e gás. Tudo indica que irá usar sua influência de país sede para direcionar o foco da COP de Dubai para o uso do solo, jogando mais responsabilidades e os custos para países em desenvolvimento e produtores de alimentos, com o Brasil, Sudeste Asiático e continente africano.
Pereira acredita que a questão não se traduz necessariamente como "conflito de interesse" e que cada país tenta atribuir as causas e responsabilidades que são seu "foco/prioridade"
"Pesa a favor dos países produtores de petróleo o fato que o mundo ainda depende dos combustíveis fósseis para seu suprimento de energia, cuja restrição vai exigir uma mudança geral muito grande de modelo de produção e consumo {...} Focar nos sistemas agroalimentares, em grande parte presentes nos países tropicais em desenvolvimento, atenua as restrições aos países temperados e desenvolvidos" , afirma.