Ataque televisionado, silenciamento de jornalistas e fome declarada na região palestina
por
Maria Mielli
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29/08/2025 - 12h

O complexo médico Nasser, um dos maiores e um dos últimos hospitais em funcionamento no sul da faixa de Gaza, foi alvo de dois bombardeios seguidos na manhã da última segunda-feira (25). O double tap strike (ataque duplo), é uma tática militar que tem como objetivo atacar duas vezes o mesmo local para intensificar o número de vítimas. 

O segundo ataque foi televisionado enquanto a emissora local mostrava ao vivo a tentativa de resgate dos sobreviventes feridos ainda no primeiro bombardeio. A ofensiva deixou ao menos 20 pessoas mortas, incluindo 5 jornalistas: Mariam Riyad Abu Dagga, 33 anos; Moaz Abu Taha, 27 anos; Mohammad Saber Ibrahim Salama, 24 anos; Husam Al-Masri, 49 anos; Ahmad Salama Abu Aziz, 29 anos. 

A “arma” que o governo de Israel mais teme são as câmeras dos jornalistas que lutam dia a dia para denunciar os horrores que o exército israelense comete em mais de dois anos de genocídio.

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Mariam Riyad Abu Dagga; Moaz Abu Taha; Mohammad Salama; Husam Al-Masri e Ahmad Abu Aziz / Foto: Reprodução Stop Murdering Journalists

Segundo o site Stop Murdering Journalists, cerca de 300 jornalistas foram mortos por tropas israelenses. Em pronunciamento oficial divulgado no site da rede de notícias Al-Jazeera, na qual o fotojornalista Mohammad Salama trabalhava, a emissora repudiou os ataques e os classificou como “uma intenção clara de enterrar a verdade”.

Em entrevista para a AGEMT, o historiador Mateus Orantas afirmou que o mundo está assistindo a um holocausto dos palestinos e que, assim como foi durante a segunda guerra, a propaganda ainda é a maior arma a favor do opressor. “A propaganda anti Palestina e pró Israel é muito forte, mas hoje, temos a internet que faz com que a globalização seja mais intensa e acaba nos mostrando a realidade…porém por causa dos algoritmos e de quem comanda as redes, você só vai ter conhecimento do que está acontecendo, se seguir as páginas certas” declara. 

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Desespero palestino para tentar se alimentar / Foto: reprodução Instagram Ahmed Nofal
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Na última quarta-feira (27), Ramiz Alakbarov, coordenador especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Processo de Paz no Oriente Médio, afirmou em reunião do Conselho de Segurança (CSNU), que Gaza “está afundando cada vez mais em um desastre”. Segundo Ramiz, as consequências da crise – gerada por Israel – são os volumosos números de vítimas civis, deslocamento em massa e a fome, que é uma verdadeira arma de guerra. 

Uma análise realizada pela Classificação Integrada de Segurança Alimentar (IPC), formada por várias agências humanitárias internacionais, classifica a fome na região palestina como sendo de nível máximo. 

Outros 1,07 milhão de pessoas estão em estado de emergência. Segundo este estudo, os números devem piorar ainda mais nos próximos meses. É esperado que a desnutrição se expanda para cidades do sul da Faixa de Gaza, como Deir al-Balah e Khan Younis, deixando quase um terço da população em estado catastrófico (nível 5 IPC). A previsão ainda afirma que até junho de 2026, pelo menos 132 mil crianças menores de cinco anos sofram com a escassez de alimentos.

O coordenador de ajuda emergencial das Nações Unidas, Tom Fletcher, ressaltou que por trás desses números alarmantes, existem vidas – filhos, filhas, mães, pais e todo um futuro que foi interrompido. “Esta fome não é produto de uma seca ou algum tipo de desastre natural. É uma catástrofe criada ", esclareceu Fletcher em documento divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA). A declaração pede, majoritariamente, a cessação imediata das hostilidades em Gaza; a libertação de todos os reféns e a proteção de civis; e infraestrutura crítica e funcional. O coordenador finaliza dizendo que apesar de ter havido um certo aumento na ajuda humanitária, ainda há muito o que ser feito. “Ainda há tempo para agir”.

 

 

Iniciativa coordenada pelo sindicato da categoria em São Paulo busca justiça pelos colegas de profissão mortos pelo exército israelense
por
Marcelo Barbosa P.
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29/08/2025 - 12h

Na última quinta-feira (28), o Sindicato dos jornalistas profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) realizou uma manifestação contra o assassinato dos profissionais de imprensa pelo Estado de Israel. O evento ocorreu em frente ao prédio da CNN, na Avenida Paulista, em São Paulo.

A mobilização foi anunciada nas redes sociais na quarta-feira (27).  “A manifestação desta quinta-feira tem como objetivo exigir a interrupção das operações militares israelenses e do genocídio do povo palestino e que termine imediatamente a matança de jornalistas pelo Estado de Israel. As autoridades israelenses civis militares responsáveis pelos assassinatos de profissionais da mídia precisam ser punidas.” afirmam na publicação. O post se refere aos dois ataques feitos a um hospital em Gaza, ocorridos na segunda (25), que resultaram na morte de cinco jornalistas, além dos profissionais da saúde.

O ato começou por volta das 17h. A princípio, havia poucos manifestantes, mas gradualmente mais pessoas se juntaram ao protesto. Os cidadãos chegaram com bandeiras e placas na mão e gritavam: “Palestina Livre”. 

Lilian Borges, uma assistente social especializada em pessoas em situação de rua, que participa da Frente Palestina São Paulo, marcou presença e afirmou que um dos principais motivos para ir protestar é considerar desumano o que ocorre em Gaza. “Cabe a nós, como humanos, ajudar a eles neste momento difícil que estão vivendo. Então, eu acho que toda população deveria estar aqui. Além disso, exigimos que o presidente Lula rompa as relações diplomáticas e comerciais com Israel e, principalmente, que a gente pare de mandar petróleo para lá, já que isso ajuda a financiar o poder bélico deste Estado.”

 

Lilian Borges segura uma bandeira/ Reprodução: Marcelo Barbosa
Lilian Borges segura uma bandeira/ Foto: Marcelo Barbosa

 

Breno Altman, jornalista fundador do site de notícias Opera Mundi, afirma que o assassinato aos jornalistas foi um crime planificado por Israel. Sobre a ótica de Bruno, o ocorrido foi ocasionado para que o acesso à informação fosse dificultado e que outros países não tivessem acesso ao que ocorre em Israel. “Eles não querem que relatos e imagens cheguem ao mundo, já que comprovaria o genocídio que o regime sionista está fazendo.”.

 

Apesar da diferença, Mohamad Saimurad uniu-se ao amigo palmeirense para ir à manifestação
Apesar das diferenças, o corinthiano Mohamad Saimurad uniu-se ao amigo palmeirense pela causa palestina/ Reprodução: Marcelo Barbosa


Encostado em uma parede, Mohamad Saimurad, diretor de uma escola, vestia uma camisa do Corinthians e, acompanhado do amigo palmeirense, protestava. "O sionismo é uma ideologia europeia, colonizadora e racista. Eu me pergunto por que a humanidade está em silêncio. Então, eu estou aqui para ver se a humanidade acorda em relação ao Estado genocida de Israel".

O pronunciamento público teve apoio, além dos organizadores, do Coletivo Shireen Abu Akle de Jornalistas Contra o genocídio, da Federação Árabe-palestina do Brasil (Fepal), Frente Palestina de São Paulo e Núcleo Palestina do PT.

Acusados de colaborarem com 'trabalho forçado do regime cubano', servidores do programa têm vistos revogados
por
Victória Rodrigues
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18/08/2025 - 12h

 

O governo Trump revogou na última quarta-feira (13) os vistos de  dois brasileiros, que participaram da criação do Programa Mais Médicos em 2013. Mozart Júlio Tabosa, secretário do Ministério da Saúde do Brasil, e Alberto Kleiman, ex-funcionário do governo brasileiro, foram os alvos das sanções.

Em nota divulgada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, a justificativa apresentada foi que ambos teriam colaborado para um “esquema coercitivo de exportação de mão de obra” do governo cubano através do programa Mais Médicos, privilegiando o governo de Cuba às custas dos profissionais da saúde e cidadãos do país. 

O programa Mais Médicos foi uma iniciativa criada no governo de Dilma Rousseff, a fim de levar atendimento médico à áreas remotas e com maior vulnerabilidade. Dentro do programa, podem participar tanto profissionais brasileiros quanto estrangeiros, desde que cumpram com as exigências propostas, como formação com diploma e registro profissional. 

Entre 2013 e 2018 foram contratados profissionais cubanos, com uma parceria intermediada pela OPAS (Organização Pan-Americana de Saúde). Nesse acordo, os participantes recebiam 30% do valor de sua remuneração, que na época chegava a 10 mil reais, os outros 70% eram destinados ao governo de Cuba.

Em 2015, o Mais Médicos, contava com cerca de 14 mil profissionais, dos quais 11,4 mil eram cubanos. No entanto, em 2018, após a eleição de Jair Bolsonaro, a parceria foi encerrada. 

Segundo Marco Rubio, secretário do Departamento de Estado estadunidense, as contratações para o programa não cumpriam a regulamentação impostas pelo próprio governo brasileiro. Também acusou o programa de contornar as sanções dos EUA contra Cuba. 

Rubio ainda justificou as medidas dizendo que o regime cubano estava exportando seus médicos para trabalhar de forma forçada e com isso estava deixando de cuidar da saúde de seus próprios cidadãos. “Esse esquema enriquece o corrupto regime cubano e priva o povo cubano de cuidados médicos essenciais”.

Além do Brasil, autoridades de países africanos, Cuba e Granada também foram alvos das restrições de vistos por cooperarem com o programa Mais Médicos.

Bruno Rodríguez, Ministro de Relações Exteriores de Cuba, criticou a decisão do governo dos EUA. “Isso mostra imposição e adesão à força como nova doutrina de política exterior a esse governo", disse. Também afirmou que Cuba continuará enviando médicos em missões à outros países. 

Nas redes sociais, Mozart Júlio Tabosa defendeu o programa de saúde, e manifestou sua insatisfação com a situação: "Essa sanção injusta não tira minha certeza de que o Mais Médicos é um programa que defende a vida e representa a essência do SUS, o maior sistema público de saúde do mundo - universal, integral e gratuito".

Essa decisão do governo de Donald Trump segue uma sequência de retaliações contra o Brasil. Desde o mês de julho, o país recebeu taxações em produtos exportados e sanções contra o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. 

Presidente estadunidense evita divulgação da lista de Epstein e população levanta possibilidade de seu nome estar nela
por
Daniella Ramos
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14/08/2025 - 12h

 

Donald Trump foi eleito em 2024 tendo como uma de suas promessas a divulgação de uma suposta lista que teria o nome de todos os investigados por possível envolvimento com Jeffrey Epstein em crimes de pedofilia.

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Trump e Epstein juntos em uma festa em 1992. Foto: Reprodução/NBC

A cobrança em cima do presidente dos Estados Unidos para a divulgação da lista de investigados no caso, o levou a declarar para a imprensa que o caso era uma maneira de desviar a atenção para algo que é uma “besteira”, nas palavras dele.

“O fato de Trump não cumprir com o que prometeu pode ser pelo rumo que a política tomou… além do fato dele estar ou não envolvido”, comenta o doutor em Ciência Política da PUC-SP, Igor Fediczko. Segundo o Wall Street Journal, Donald Trump foi avisado no início do ano que seu nome estava nos documentos relacionados ao caso de Epstein, a Casa Branca respondeu dizendo se tratar de uma fake news. 

Além da indignação de eleitores a Trump sobre a falta de compromisso com a promessa de exposição dos documentos do processo de Jeffrey, os opositores também se manifestam nas redes sociais. Em sua conta no X, a deputada democrata Alexandra Ocasio-Cortez relacionou a demora na divulgação dos arquivos com supostas acusações de crimes sexuais cometidos pelo republicano. 

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Publicação feita no X pela deputada Alexandra Ocasio-Cortez. Foto: Reprodução/@AOC

 

Índices do Google Trends apontam que as pesquisas envolvendo o nome de Donald Trump e Jeffrey Epstein aumentaram no início de Junho e final de Julho, mesmo período em que o presidente estadunidense começou a distribuir altas tarifas para o mundo todo. 

“Talvez isso tenha feito com que a comunicação ou política do Trump tenha se tornado ainda mais radical”, comenta Igor Fediczko analisando que o tarifaço possa ser uma ”cortina de fumaça” para a polêmica de Epstein.

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Gráfico de pesquisa dos nomes de Donald Trump e Jeffrey Epstein. Foto: Reprodução/Google Trends

 

Apesar das hipóteses sobre a ligação do atual presidente dos Estados Unidos, os nomes que mais chamaram atenção recentemente sobre a proximidade com Epstein foram Bill e Hillary Clinton, que irão depor em outubro, e o príncipe Andrew, que aparentava ser amigo pessoal pelos e-mails trocados com Jeffrey. Assim como Trump, existe a comprovação de que eles já andaram no jato particular com Jeffrey Epstein e possivelmente tinham amizade. 

Jeffrey Epstein era um bilionário, empresário e financista americano, que ficou conhecido pela rede de tráfico sexual de menores ao qual tinha ligação. Seu trabalho com investimento fez com que construísse ligação com o ex-presidente Bill Clinton, Donald Trump, o príncipe britânico Andrew e outras celebridades. 

Em 2008, os pais de uma garota de 14 anos declararam à polícia do Estado americano da Flórida que Jeffrey Epstein havia a molestado. Naquele ano, ele firmou um acordo judicial com a promotoria, mas fotos de crianças foram encontradas por toda sua casa em Palm Beach causando sua condenação por exploração sexual de menores. Escapou de denúncias federais que poderiam causar prisão perpétua, conseguindo um acordo de 13 meses de prisão e indenização às vítimas. 

Onze anos depois, houve uma nova acusação de administração de uma rede sexual com meninas menores de idade. Logo foi preso e, enquanto aguardava o julgamento, se suicidou no presídio.

As investigações desses dois casos criminais geraram uma série de documentos que incluem transcrições de entrevistas com as vítimas e testemunhas e objetos confiscados nos imóveis de Epstein. A ex-namorada de Jeffrey, Ghislaine Maxwell, foi condenada em 2021 por associação criminosa de tráfico sexual de meninas.

As Forças de Defesa de Israel confirmaram a autoria do atentado
por
Annanda Deusdará
Maria Mielli
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13/08/2025 - 12h

Uma ofensiva de Israel matou seis jornalistas que estavam instalados em uma tenda de imprensa próxima ao hospital Al-Shifa, na Faixa de Gaza, no último domingo (10). Dentre as vítimas, quatro eram funcionários da agência de notícias Al Jazeera: dois cinegrafistas, Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal, e dois repórteres Mohammed Qreiqeh e Anas al-Sharif. Ambos rostos conhecidos pelo êxito em denunciar diariamente o genocídio palestino. 

Minutos antes de morrer, Qreiqeh esteve no ar pela última vez, cumprindo mais um dia de trabalho. Al-Sharif havia postado em suas redes sociais, também pouco antes de se tornar mais um dos milhares de palestinos assassinados, que um ataque israelense estava acontecendo. “Oh Deus, concede-nos a paz, concede-nos a paz. Bombardeio israelense pesado e concentrado com faixas de fogo visando as áreas leste e sul da cidade de Gaza”, lamentou em sua conta no X.

O exército israelense acusou o jornalista de ser membro de uma das células do Hamas, mas sem apresentar provas. “Terrorismo em colete de imprensa ainda é terrorismo. Anas al-Sharif não estava apenas documentando para Al Jazeera. Ele era um membro do Hamas, desde 2013”, declararam em postagens feitas no Instagram oficial. A agência de notícias Al Jazeera, por outro lado, nega veementemente as acusações e afirma que o ataque foi uma estratégia israelense de silenciar um dos grandes nomes do jornalismo local. “Nós sabíamos que Anas era o alvo… Ele era nossa voz”, lastimou o jornalista independente Mohammed Qeita no site oficial da agência, após o ataque. Apesar de ter confirmado o planejamento e execução de al-Sharif, o governo de Israel não se manifestou sobre as outras cinco vítimas.

Não é a primeira vez que ataques a jornalistas ocorrem na Faixa de Gaza. Em julho de 2024, o jornalista Ismail al-Ghoul e o cinegrafista Rami al-Rifi tiveram seu carro bombardeado por um míssil enquanto cobriam o assassinato do chefe político do Hamas também para a Al Jazeera. As Forças de Defesa de Israel (FDI) confirmaram as mortes e alegaram que Ismail integrava as forças Nukhba, divisão militar de elite do Hamas. O noticiário para o qual os profissionais trabalhavam negou as acusações e fez um apelo para que fossem tomadas ações imediatas: “Insistimos que as instituições jurídicas internacionais responsabilizem Israel por seus crimes hediondos e exijam o fim do alvo e do assassinato de jornalistas,” declarou em nota a emissora à época.

No mês passado, quando acusado de ser membro do Hamas pelas FDI, al-Sharif negou toda e qualquer ligação com o grupo. Reafirmou que era um jornalista sem afiliações políticas e que sua única missão era relatar a verdade. “Num momento em que uma fome mortal assola Gaza, falar a verdade tornou-se, aos olhos da ocupação, uma ameaça”, concluiu em postagem na rede social. 

Em mensagem final preparada para o caso de sua morte e publicada postumamente por seus colegas, al-Sharif pede “que não se deixem silenciar por correntes, nem sejam impedidos por fronteiras, e que sejam pontes para a libertação da terra e de seu povo, até que o Sol da dignidade e da liberdade brilhe sobre nossa pátria ocupada”, e finalizou: “Não se esqueçam de Gaza… E não se esqueçam de mim em suas orações sinceras por perdão e aceitação”. 

Silenciamento de jornalistas 

O bloqueio que ocorre em Gaza também limita o acesso e a produção de notícias no local. Os meios de comunicação internacionais são proibidos de circular pela região, a não ser que estejam acompanhados pelo exército israelense. Atualmente, a única maneira de se ter acesso ao que acontece na região, além do relatado por Israel, se dá através das reportagens feitas por jornalistas palestinos.

De acordo com o Comitê para Proteção de Jornalistas (CPJ), 192 jornalistas foram assassinados desde outubro de 2023, quando começou o conflito. Esse número é maior do que a soma das mortes ocorridas nas duas guerras mundiais (69). Além das mortes, 90 profissionais foram presos por Israel no exercício de sua profissão. 

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Gráfico sobre o assassinato de profissionais de comunicação por razões políticas. IArte: Annanda Deusdará/Agemt

 

Ainda segundo a CPJ, em 2024 ao menos 124 jornalistas e outros trabalhadores de comunicação foram mortos; destes, 85 foram vítimas da guerra de Israel contra a Palestina. O número ultrapassou o recorde de 2007, durante a guerra do Iraque, de 113 mortes. O Comitê alerta que o crescimento da violência contra este grupo prejudica a circulação de informações.

Quem eram os seis jornalistas assassinados

Anas al-Sharif, 28 anos, pai de 2 filhos. Segundo a Al Jazeera, um dos rostos mais conhecidos por denunciar o genocídio em Gaza. Nasceu num campo de refugiados em Jabalia, no norte da região, e se formou na Al-Aqsa University Faculty of Media. Seu pai foi morto por Israel em um bombardeio na casa da família em dezembro de 2023.

Mohammed Noufal, 29 anos, era cinegrafista da Al Jazeera. Também de Jabalia, perdeu a mãe e um irmão em ataques de Israel. Seu outro irmão, Ibrahim, também trabalha no veículo. 

Ibrahim Zaher, 25 anos, também era cinegrafista e paramédico voluntário. Nasceu no mesmo campo de refugiados que seus colegas de trabalho.

Mohammed Qreiqeh, 33 anos, fez sua última aparição ao vivo um pouco antes de ser assassinado. Nasceu em Gaza em 1992 e viveu na vizinhança de Shujayea. Formou-se jornalista na Islamic University of Gaza. Israel matou seu irmão, Karim, em março, num bombardeio. 

Moamen Aliwa, 23 anos, era estudante de engenharia e cinegrafista independente.

Muhammad Al-Khalidi, 33 anos, era um jornalista independente que produzia vídeos para o Youtube documentando o conflito em Gaza.

 

Em entrevista, a visão e as expectativas de um afegão sobre o futuro de seu país
por
Isabella Pugliese Vellani e Maria Sofia Aguiar
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06/05/2021 - 12h

Após 20 anos da guerra mais cara já travada pelos Estados Unidos, no dia 14 de abril de 2021, o presidente norte-americano Joe Biden anunciou a retirada das tropas americanas do Afeganistão. O recuo afeta diretamente no futuro político e social do país, já que o Talibã - grupo islâmico extremista -, segundo o jornal Deutsche Welle, está cada vez mais fortalecido, ameaçando a desejada democracia.

            O início do conflito ocorreu em 2001, em resposta ao ataque terrorista realizado pelo grupo extremista Al-Qaeda, que ficou conhecido como “O Ataque às Torres Gêmeas”. Os Estados Unidos invadiram o país do Oriente Médio onde se localizava o movimento do Talibã, o qual havia declarado apoio e proteção à Osama bin Laden - organizador do ataque.

            Em entrevista exclusiva à AGEMT por telefone da Inglaterra, Haroun Rahimi relatou, a partir do olhar de um afegão, sobre a decisão histórica. Rahimi é professor assistente de Direito da Universidade Americana do Afeganistão e no Centro de Estudos Islâmicos da Universidade de Oxford está trabalhando na pesquisa da história legal do Afeganistão.

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Haroun Rahimi, professor e pesquisador afegão. (Arquivo pessoal)

 

AGEMT: Você pode explicar um pouco sobre o acordo de paz entre os Estados Unidos e o Afeganistão e como o anúncio feito por Joe Biden afeta os talibãs, que querem ser reconhecidos mundialmente?

Haroun Rahimi: Os Estados Unidos sob o comando de Trump iniciaram uma negociação sombria com o Talibã, com o objetivo de assegurar a retirada das forças norte-americanas do Afeganistão em troca do compromisso do Talibã de garantir que não permitiriam que grupos terroristas usassem o Afeganistão para ameaçar os Estados Unidos. Esse é o tom do acordo. Havia também o compromisso de que o Talibã se engajaria na negociação com o governo afegão para encontrar soluções clínicas para a guerra no Afeganistão. E o acordo definiu o prazo até 1º de maio para a retirada das tropas americanas. Biden venceu a eleição e quando ele veio para o cargo, seu governo realizou uma ampla revisão do acordo feito pelo governo de Trump e, finalmente, anunciou que cumpriria o acordo. No entanto, eles precisariam que as forças dos EUA fossem retiradas com segurança do Afeganistão, então eles precisariam de mais tempo. Assim, o governo Biden estendeu o prazo para setembro. Mas as melhores partes do acordo permanecem em vigor, a retirada não é condicional. Eles acreditam e decidem fazer uma pausa na influência militar para forçar o Talibã a respeitar os direitos das mulheres e os direitos das minorias e se engajar em classes democráticas. O desejo de reconhecimento internacional em si não seria suficiente para forçar o Talibã a cumprir. Mas, até agora, vimos a pressão militar aumentar os combates e até mesmo a opinião pública não voltou contra o Talibã. Portanto, mesmo com a moral, a narrativa e a opinião pública, eles não estão realmente sob muita pressão para serem comprometidos.

 

AGEMT: Você acredita que este é o melhor momento para os Estados Unidos retirarem as tropas?

Rahimi: O argumento é que nunca houve um bom momento nos últimos 20 anos e a política fez o argumento de que as tropas americanas deveriam esperar até que as condições fossem resolvidas e fossem apropriados para a retirada das tropas dos EUA. E por quê isso era complicado, era um objetivo elusivo. Essa parte importante do argumento é que a presença contínua de tropas americanas é parte do problema. Portanto, Biden pensou que se os EUA continuassem presentes no Afeganistão, o governo afegão não teria motivos suficientes para realmente fazer os compromissos [propostos no acordo], realmente intensificar e lutar contra o Talibã por conta própria. Há também outros aspectos: que os EUA tentaram administrar processos de paz. Não sei se a retirada dos EUA em um momento diferente teria tido um processo de paz melhor, não tenho certeza disso. Mas acho que a forma como esse processo foi estruturado e como foi conduzido pelos americanos, dependia de um cronograma, ou seja, suas prioridades. Mas também a forma como tentaram encerrar o processo de paz foi apressada, o que minou a integridade e colocou muita pressão sob o governo afegão. Isso torna os processos de paz futuros mais difíceis, porque não é muito o que o governo do Afeganistão pode oferecer neste momento.

 

AGEMT: Fazendo algumas pesquisas, encontramos que o Talibã domina quase 70% do território afegão. Você acredita que quando as tropas começarem a partir, o Talibã vai dominar ainda mais e, possivelmente, torná-los mais fortes?

Rahimi: Os números sobre o quanto o território afegão é controlado pelo Talibã não são confiáveis. A forma como isso funciona é: dividir o Afeganistão em distritos. Os dados são baseados na confiança de opiniões observadas sobre qual lado do governo ou do Talibã vai prevalecer naquela área e distrito. A maioria das pessoas vive em cidades e o Talibã não controla nenhuma grande cidade. Existem números à parte. O Talibã controla uma grande parte do Afeganistão fora das grandes cidades, fora dos centros distritais. Eles controlam e têm muita presença e podem desafiar com sucesso as regras do governo em muitas partes do país. Em termos de se o Talibã pode dominar, acho que as opções não são entre assumir o controle do Talibã e colocá-lo em um sistema. A escolha é entre um processo de paz ordeiro que permitirá ao Talibã e ao governo encontrar uma maneira ordeira de encerrar o conflito ou a guerra civil. O Talibã não pode dominar o país, mesmo no auge de seu poder quando controlava a maior parte do país, eles não foram capazes de acabar com a guerra, havia uma guerra civil em andamento. Portanto, o Talibã não será aceito pelo país a um nível que possa realmente se tornar o legítimo regime no Afeganistão, mas pode empurrar o país para uma guerra civil. A questão é se o Talibã vai pressionar para que os militares assumam o controle e, como resultado, empurrar o país para uma guerra civil ou se eles vão buscar um acordo político ordeiro para liderar uma dissolução ordeira e, com sorte, terminar o conflito.

 

AGEMT: Como a população afegã recebeu o anúncio do presidente americano? Há medo de uma possível guerra civil?

Rahimi: Em termos de como as pessoas se sentem, quero dizer, obviamente há 38 milhões de afegãos, eles têm opiniões diferentes sobre o que é a presença dos EUA no Afeganistão. Eles tiveram reações diversas: alguns - especialmente as pessoas que foram educadas em diferentes cidades - construíram essa ideia de democracia, pluralismo e liberalismo que estavam assegurados. E agora eles se sentem traídos, têm medo de que o Talibã assuma o controle. Algumas partes do país, eu acho que acreditam que o Afeganistão sofre muitas perdas: humanas e econômicas. Acho que também é uma afirmação nacional que a retirada das tropas dos EUA dê aos afegãos a oportunidade de serem mais independentes e assumirem o controle de seu país na defesa. Então, eu acho que há uma mistura de sentimentos: há o medo do futuro, há um momento de nacionalismo orgulhoso, há também uma esperança de dissolução do conflito. Mas o medo é real, há uma ansiedade de que o que vai acontecer. O mínimo fato negativo que essa decisão teve foi criar muita incerteza sobre como será o futuro.

 

AGEMT: Agora sobre a universidade: você tem alunas? Como o direito delas de ir para a universidade está ameaçado agora?

Rahimi: A divisão educacional de parte do Afeganistão é na verdade muito vibrante. Temos mais de trinta universidades públicas e mais de cinquenta particulares. Há muitas alunas e alunos; no sistema de ensino básico, é seguro que as meninas representam quase 40% dos alunos. No ensino superior, pelo menos um quarto dos alunos do corpo docente são mulheres. Eles abriram para as meninas irem à escola e às universidades. Um temor com o possível retorno do Talibã seria que ficaria limitada a garantia de educação para as mulheres. Esse é um medo real e as estudantes mulheres, na verdade, têm esse medo íntimo porque o passado com a política do Talibã era muito restritivo em relação às mulheres. Em lugares que eles [o Talibã] têm controle agora, eles não mostram quaisquer mudanças em suas atitudes em relação à política para mulheres.

 

AGEMT: Concluindo, para você, quais são suas expectativas para o futuro nessas novas circunstâncias?

Rahimi: Em termos do que esperar no futuro, é realmente difícil dizer. Prever o futuro é impossível, mas minha esperança é que essa retirada das tropas dos EUA abra uma oportunidade para os afegãos se unirem e concordarem em fazer compromissos, difíceis de ambos os lados, para garantir e evitar a guerra civil. Seria necessário que o Talibã aceitasse a natureza pluralista do Afeganistão e concordasse em participar do processo democrático. Todas as forças contrárias ao Talibã devem se unir politicamente e falar com uma só voz, e devem se concentrar em preservar os princípios básicos e garantir que possamos ter pluralismo e democracia no Afeganistão. Como o Afeganistão é um país pluralista e as pessoas acreditam em coisas diferentes, o Talibã representa parte do país, mas não representa o país inteiro. A tarefa é encontrar uma maneira de combinar todas essas diferenças, de forma que todos se sintam incluídos e tenham uma palavra real sobre como será o sistema.

BIDEN - ANUNCIO
Joe Biden fez o anúncio de retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão na Sala do Tratado, o mesmo lugar onde o então presidente, George W. Bush fez o discurso do início dos ataques aéreos, há quase duas décadas. (Twitter: @WhiteHouse)

 

Como imigrantes brasileiros estão sobrevivendo à pandemia na Europa
por
Paula Moraes
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22/04/2021 - 12h

A insegurança tomou conta das pessoas durante a pandemia, seja com a saúde, com a família ou com o trabalho. Para estrangeiros, a distância da família e as diferentes experiências com políticas públicas de saúde só faz com que o medo se intensifique.

A gerente de recursos humanos da Europa, África e Oriente Médio da multinacional Bayer, Thais Costa (37), está morando na Suíça com a filha de quatro anos e o marido, desde agosto de 2019.

Para Costa não houve medo de perder o emprego, já que não houve redução de funcionários em sua área devido a pandemia. Entretanto, ela teve que construir um escritório dentro de casa. A reforma foi paga com ajuda da empresa, que direcionou uma quantia para todos os funcionários se adequarem ao home office.

            Com a mudança de rotina, tendo que trabalhar em home office, Costa relata que o mais difícil de administrar foi cuidar da filha durante os horários de trabalho. “Ela é pequena, demanda atenção maior quando está em casa. Mas por sorte, as escolas estão funcionando normalmente desde maio do ano passado.”

            Para Costa a administração das prefeituras em relação à proteção da população com o vírus foi boa, com lockdowns bem administrados. Entretanto, ela critica a administração da aplicação das vacinas, visto que está prevista para se vacinar apenas em agosto. “Estou decepcionada com a demora, a Suíça é um país com 8 milhões de habitantes, poderia já estar muito mais avançado.”

            O gerente de processos tecnológicos global, Guilherme Heinen (39), está morando em Colonia na Alemanha desde julho de 2020 com a sua família. Onde ele mora, ainda não há previsão para que a faixa etária dele tome a vacina contra a Covid-19.

Assim como Costa, Heinen passou a trabalhar em home office desde o começo da pandemia e não sentiu medo de perder o emprego. O trabalho inclusive foi o motivo da mudança para Colonia. O gerente também acha que o planejamento da prefeitura local para reduzir o vírus teve bons resultados na diminuição de mortos

Países adotam estratégias diferentes na negociação de imunizantes ao redor do mundo.
por
Daniel Gateno e João Pedro Coelho
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08/04/2021 - 12h

Por Daniel Gateno e João Pedro Coelho

 

A busca pela vacina mudou a dinâmica das relações internacionais. Os países buscam uma saída para a pandemia da Covid-19 depois de mais de um ano do primeiro caso registrado de coronavírus no mundo.

A imunização coletiva colocou a produção de vacinas em evidência e muitas nações e empresas farmacêuticas buscaram produzir imunizantes para distribuir e comercializar. “Era esperado que com o surgimento das vacinas, fosse colocado em prática a chamada diplomacia da vacina”, afirma Sidney Ferreira Leite, professor de relações internacionais da ESPM.

“As relações internacionais estão afetando o mercado das vacinas e não o contrário”, analisa Demétrius Pereira, também professor de relações internacionais da ESPM. “Os países querem conseguir um produto que é de extrema necessidade para todos e, por isso, ninguém está agindo de maneira tão diplomática. Porque os países precisam de vacina.”

A Rússia foi um dos países que apostou em uma vacina própria, a Sputnik V e ― com a comercialização do imunizante ― aumentou a sua influência em diversas regiões do globo. O governo do país foi o primeiro a anunciar a criação de um imunizante e celebrou quando a revista The Lancet, periódico especializado em ciência, comprovou a eficácia da vacina.

O imunizante de Moscou foi autorizado em mais de 40 países ao redor do mundo, como Venezuela, Hungria, Angola, Argentina, México e Irã. O Ministério da Saúde do Brasil e outros estados do país já têm acordo para garantir a Sputnik V. “A Rússia tem se posicionado muito bem nesse contexto mundial, Vladimir Putin (presidente do país) vem se beneficiando de sua vacina, enquanto os Estados Unidos demoraram muito para usá-las como uma ferramenta para projeção e sustentação de poder”, acrescenta Leite.

O governo russo comercializou o imunizante desenvolvido pelo Instituto Gamaleya com países em desenvolvimento que não tinham condições financeiras para comprar vacinas mais caras, desenvolvidas por empresas farmacêuticas do Ocidente, como os imunizantes das americanas Pfizer e Moderna e da britânica Astrazeneca, produzido em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A União Europeia encomendou doses da Astrazeneca e da Pfizer e pretendia avançar rapidamente na imunização de sua população. Contudo, em virtude de uma enorme burocracia e de muita desconfiança na vacinação, os europeus viram uma terceira onda do vírus chegar no momento em poucas doses haviam sido injetadas. Por esse motivo, Alemanha e França já enxergam com bons olhos a produção da Sputnik V em território europeu.

Por mais que os países ocidentais tenham condenado abertamente a Rússia por violações de direitos humanos, principalmente na prisão do ativista político e opositor do presidente Vladimir Putin, Alexei Navalny, os europeus se mostraram dispostos a fazer negócio no setor de energia e, agora, no de vacina.

As contradições que permeiam a relação da União Europeia com Moscou também ocorrem com Pequim. O bloco entende que tanto os imunizantes chineses quanto os russos se transformaram em propaganda política dos líderes desses países.

Em reunião de líderes em fevereiro, Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, afirmou que “o continente não pode se deixar conduzir por Rússia e China ― dois regimes com valores inferiores aos europeus ―  enquanto esses países organizam operações em larga escala, mas também extremamente publicitárias, para fornecer vacinas”.

Apesar disso, alguns países europeus, membros ou não do bloco econômico, já assinaram contratos de maneira individual com as fabricantes orientais para a obtenção de doses. É o caso de Hungria, Sérvia e Turquia, que utilizam as vacinas fabricadas pela chinesa Sinovac nos respectivos programas de imunização.

Ainda que não tenham força na Europa, por motivos que vão desde a alegação de falta de dados por parte das agências reguladores às heranças geopolíticas da Guerra Fria, as doses fabricadas no Oriente, por China, Rússia e Índia se tornaram peças-chave no plano de imunização de países em desenvolvimento, principalmente na América Latina e na Ásia, uma vez que optaram por ―  ao mesmo tempo em que imunizam as respectivas populações ― vender ou até mesmo doar vacinas a outros países.

As vacinas chinesas representam uma parcela significativa dos imunizantes comprados pelos países latino-americanos até agora. O Brasil fez acordo para a obtenção de 100 milhões de doses do laboratório Sinovac, o México comprou 77 milhões, somando as fabricadas por Sinovac, Sinopharm e CanSino, e o Chile, país sul-americano com mais doses distribuídas em relação à população, adquiriu 60 milhões de imunizantes da Sinovac.

A presença da Índia na região vem através do imunizante produzido em parceria da Universidade de Oxford com a empresa britânica AstraZeneca. O país asiático chegou a um acordo para fabricar a vacina em seu próprio território e negociá-la com outros países de maneira independente através da marca Covishield, o que possibilitou que o país se tornasse o maior produtor de vacinas do mundo. “A índia demonstra uma grande capacidade e velocidade de produção e por isso é o grande destaque dessa diplomacia de imunizantes”, avalia o professor Leite.

O imunizante indiano é tão presente na América Latina quanto as vacinas chinesas. O Brasil comprou 210 milhões de doses e México, Argentina e Peru obtiveram, respectivamente, 79, 22 e 14 milhões de doses. 

Além da atuação na região, China e Índia travam um duelo por uma maior participação de suas indústrias farmacêuticas no mundo inteiro. Enquanto a Índia tem participação em 22% dos medicamentos e em mais da metade dos imunizantes exportados globalmente, a China é responsável por apenas 11% desse montante.

Apesar disso, o entusiasmo oriental para a produção e comercialização de imunizantes também enfrenta as mesmas dificuldades que as empresas farmacêuticas europeias e americanas: a falta de vacinas disponíveis para atender a todos. Em meio à alta de casos na Índia, o país reduziu a exportação de vacinas e optou por distribuir os imunizantes para a própria população.

A China também tem atrasado as remessas de imunizantes para outros países. De acordo com o jornal americano Washington Post, Pequim ainda não entregou todas as doses prometidas a Egito e Turquia. Ancara apostou na rapidez dos chineses e comprou 100 milhões de doses da vacina da Sinovac, mas Pequim ainda não terminou de enviar as primeiras 50 milhões de doses.

 

Brasil compra vacinas para toda a população, mas sofre com a demora

O Brasil, a despeito da postura anti-vacina adotada por seu presidente durante a maior parte da pandemia, é o terceiro país da América Latina com maior número de doses compradas em relação à população. Enquanto Chile e Peru compraram vacinas para imunizar, respectivamente, 214% e 183% do país, o Brasil tem doses suficientes para que 144% dos seus residentes sejam imunizados.

O problema das vacinas no Brasil é similar ao que acontece em diversos outros países do mundo. Elas estão previstas para chegar no decorrer de 2021, impedindo um programa de imunização em massa e imediato.

A diferença do país para os vizinhos da América Latina é que ele consegue produzir os imunizantes em território nacional. Ainda que hoje dependa de insumos provenientes da China e da Índia ―  para a fabricação da Coronavac (feita em parceria com o laboratório chinês Sinovac) e da Covishield ― o Instituto Butantan pediu autorização à Anvisa, a agência reguladora do país, para o início dos testes visando à produção de uma vacina própria do instituto, batizada de Butanvac.

Questionado sobre uma possível participação do Brasil neste mercado de exportação e comercialização de vacinas, Sidney Ferreira Leite diz que o País ainda não está nessa fase por conta da vacinação de brasileiros, que anda muito lenta. “A vacinação precisa avançar, não acredito que imunizantes nacionais serão comercializados enquanto o Brasil estiver em um estágio tão crítico em relação à pandemia.”

Para Demétrius Pereira, “o Brasil tem uma tendência mais liberal, mais parecida com os Estados Unidos e, por isso, não tem um investimento estatal na produção nacional. Mas precisamos lembrar que não podemos pensar nos países só como unidades, há governos estaduais, laboratórios e empresas farmacêuticas”. Pereira também destacou que a Coronavac foi produzida em parceria com o Instituto Butantan e teve investimento do governo de São Paulo, assim como o imunizante de Oxford/Astrazeneca que teve envolvimento da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e dinheiro do governo federal.

Estados Unidos avançam na vacinação, mas mantêm ceticismo quanto à diplomacia das vacinas

Os Estados Unidos, do presidente Joe Biden, estão muito avançados em relação à vacinação. O democrata, que tomou posse em janeiro, prometia aplicar 100 milhões de doses nos primeiros 100 dias de governo. O país cumpriu a meta em 58 dias e anunciou que, em 1º de maio, todos os adultos americanos poderão receber uma vacina contra a Covid-19.

A imunização avançou tanto nos EUA, que diversas nações pedem que o país doe as vacinas que não utilizar. Em março, Washington enviou ao México e ao Canadá cerca de 4 milhões de doses da vacina de Oxford/Astrazeneca, já que o imunizante europeu ainda não foi aprovado nos Estados Unidos.

O Brasil tem interesse na obtenção de imunizantes da Astrazeneca que estão em território americano. O Ministério da Saúde quer a doação de 10 milhões das 30 milhões de doses que Washington possui em seu estoque, uma vez que os Estados Unidos já garantiram imunizantes suficientes para toda a sua população.

Enquanto países como Rússia, China e Índia estão se aproveitando do mercado de vacinas, os EUA preferem imunizar a sua população por completo, antes de agir globalmente para combater a pandemia.

“O estado não interfere tanto na produção nos Estados Unidos, os laboratórios farmacêuticos são controlados pela iniciativa privada”, afirma Demetrius Pereira. “A maneira como Washington está lidando com as vacinas é uma consequência do liberalismo econômico, pois o país não tem uma vacina própria, apesar de ter contribuído com a criação do imunizante da empresa Moderna.”

Com a imunização coletiva mais próxima, o governo Biden é pressionado em relação à quebra das patentes das vacinas. Uma proposta, encabeçada por Índia e África do Sul na OMC (Organização Mundial do Comércio) e apoiada por 55 nações, pretende facilitar a transferência de tecnologia para a produção de imunizantes a um custo mais acessível.

Washington recusou a proposta, que também sofre forte oposição das empresas farmacêuticas. A grande maioria das vacinas no mercado foram desenvolvidas por laboratórios americanos, europeus e chineses. A União Europeia e o Brasil também não apoiaram a proposta.

 

Escândalo de venda de máscaras e críticas no plano de vacinação marcam o dia a dia de Merkel
por
Isabella Pugliese Vellani e Maria Sofia Aguiar
|
08/04/2021 - 12h

 

        Considerada uma das melhores líderes do mundo no combate da COVID-19, a chanceler alemã Angela Merkel despede de seu cargo que ocupou por 16 anos. De doutora em química quântica a “líder do Mundo Livre”, Merkel deixa um grande legado. Por outro lado, o fim do “merkelismo” é apontado como um dos maiores riscos para o continente europeu e o escândalo de venda de máscaras na pandemia abala a estabilidade e favoritismo da União Democrata-Cristã (CDU), partido da Chefe de Estado.

        No dia 9 de março de 2021, foi tornado público o caso da venda de máscaras durante a pandemia envolvendo dois deputados do grupo conservador CDU-CSU, que receberam comissões que somam o equivalente a R$6,3 milhões, segundo apuração realizada pelo G1. Somado com a insatisfação dos alemães em relação ao plano de vacinação em massa, o escândalo cooperou para a queda do favoritismo do governo de Angela Merkel.

Merkel 2021
Angela Merkel em declaração governamental no dia 25 de março de 2021. (Arquivo: Deutscher Bundestag, DBT; Foto: Simone M.Neumann)

 

Segundo o jornal “Bild”, hoje, 47% dizem não estar satisfeitos com a gestão, contra os 43% favoráveis. Os dados, entretanto, preocupam o partido que agora, mostra-se assombrado para concorrer às novas eleições nacionais que acontecem em setembro de 2021. Já comprovando a correta preocupação, a CDU obteve o pior resultado de toda sua história nas eleições regionais do dia 14 de março de 2021, em Baden-Württemberg e Renânia-Palatinado.

A correspondente da BBC, Jenny Hill, explica os motivos para a queda dos indicadores. "Líderes do partido sabem que vão chegar à eleição geral de setembro sem seu maior ativo: a própria Merkel. A popularidade dela permanece alta, mas há uma insatisfação crescente com o gerenciamento da pandemia pelo seu governo."

Os resultados preliminares não consolidam a queda do partido no poder alemão. Por outro lado, o império criado por Merkel e o seu então favoritismo já considerado “inoxidável” estão completamente ameaçados em 2021.

Bundestag - Arquivo pessoal
Dem Deutschen Volke, o Palácio do Reichstag, prédio onde o parlamento alemão exerce suas funções. (Arquivo Pessoal)

 

Os passos de Angela Merkel

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, Angela Merkel decidiu fazer parte do movimento que buscava a democratização da Alemanha. Sendo assim, integrou-se ao partido de direita Despertar Democrático. Em seguida, foi eleita porta-voz do novo governo interino liderado por Lothar de Maizière e, após o término da Guerra Fria, filiou-se ao partido conservador União Democrata Cristã (CDU).

De 1990 a 2000, Merkel recebeu inúmeras nomeações no meio político do país. Entre elas, ministra da Mulher e da Juventude, Ministra do Meio Ambiente e da Segurança Nuclear e secretária-geral do CDU.

No ano 2000, tornou-se presidente do partido e foi vista pela imprensa como uma possível grande candidata para disputar o cargo de chanceler em 2005. E assim se sucedeu. Cinco  anos depois, Angela Merkel foi eleita a Chanceler Federal da Alemanha

Norbert Lammert, ex-presidente do Bundestag, anunciou a vitória da nova líder dizendo: "Querida Merkel, você é a primeira mulher eleita para ser chefe de governo na Alemanha. Um sinal forte para as mulheres, e certamente para alguns homens."

Em entrevista para AGEMT, o alemão Heinz Schaefer comenta: "No início de sua chancelaria, ela deu continuidade às reformas trabalhistas e sociais iniciadas pelo Chanceler Schröder e, assim, contribuiu para o crescimento econômico e a estabilização.

Merkel - posse
Angela Merkel tomou posse da chancelaria em 2005. Em discurso, ela desejava servir a Alemanha (Arquivo: Picture Alliance; Foto: G.Bermann; Reprodução: Deutsche Welle Brasil)

 

           No cenário internacional, Merkel tornava-se a cada ano mais consolidada e forte, sendo considerada por muitos a mulher mais poderosa do mundo, “líder do Mundo Livre” e a verdadeira líder da União Europeia.

Atenta às mudanças sociais e as guerras, Merkel fez da Alemanha o país que mais recebeu refugiados, alterando regras migratórias e adotando a política de portas abertas. De 2015 a 2019, segundo a Eurostat, foram mais de 475 mil pedidos de asilo. Com sua fala marcante "wir schaffen Das", que poderia ser traduzida como “nós conseguiremos”, a Chefe se mostrou ser uma líder também humanitária, não apenas política.

Entretanto, apesar de elogiá-la por suas ações com os refugiados, Schaefer ressalta: “Depois de seus primeiros anos, seria hora de se dedicar ativamente à política europeia. Ela estava muito hesitante e, como líder do país europeu mais forte, não mostrou liderança. Quando Macron se tornou presidente da França em 2017, ela também teve a chance de fazer a Europa avançar com ele, mas infelizmente não aproveitou a oportunidade devido a preocupações nacionais do seu partido.

O maior desafio do governo foi enfrentado em 2020, com a pandemia do coronavírus. Cientista, Merkel obteve sucesso com a forma que guiou a situação. Logo no início, em vídeo, a alemã disse “A Alemanha tem um sistema de saúde excelente, talvez um dos melhores do mundo. Isso pode nos dar segurança (...) Eu tenho absoluta certeza de que vamos superar essa crise". A fala rendeu-lhe o "Discurso do Ano" de 2020 por um painel de especialistas em retórica, segundo o Deutsche Welle Brasil.

Com a aproximação das festas de final de ano de 2020, a líder fez um discurso que viralizou onde ela pedia para os alemães permanecessem em casa. “Isso me dói, dói muito no meu coração, mas se o preço dessas sutilezas são essas fatalidades, que agora são 590 pessoas por dia, então isso não é aceitável e temos que nos apegar a isso”.

No entanto, com o início da vacinação, a chanceler foi atingida por uma onda de críticas pela lentidão no processo de imunização da população, que se intensificou em 2021. Em discurso para toda Europa, o diretor da OMS Hans Kluge disse: "As vacinas são a nossa melhor saída para a pandemia. Não só funcionam, mas também são muito eficazes na limitação de infecções. No entanto, a aplicação dessas vacinas está a decorrer a uma lentidão inaceitável”.

Bárbara de Oliveira, jovem teuto-brasileira, por telefone, conversou de Munique com a AGEMT e disse: “Agora na crise do coronavírus, sua grande fraqueza está se mostrando novamente. Ela mal pode esperar para ver o que os outros líderes fazem ou o que a maioria da população deseja. Teria que governar muito mais e não apenas agir”.

Angela Merkel reconheceu as falhas na estratégia e disse que os consultórios médicos seriam habilitados até o final de março de 2021 para aplicarem as vacinas, em uma tentativa de acelerar o processo e expandir locais de vacinação, já que na Alemanha existiam apenas centros de vacinação específicos e não consultórios médicos.

Merkel se despede da chancelaria em um ano conturbado, com críticas e um futuro incerto de seu partido. Ainda, a líder combate o avanço da extrema direita e deixou como recado para seu sucessor, o apelo pela unidade do país. Oliveira conclui, “Em resumo: economicamente estável, humana na política de refugiados e Alemanha desamparada na pandemia”.

Cansados de ver Jeff Bezos nadar em dinheiro enquanto têm seus direitos retirados, trabalhadores e ativistas se organizam contra a megacorporação
por
João Tognonato
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10/12/2020 - 12h

             A despeito de todos os problemas pandêmicos, o ano de 2020 foi muito lucrativo para a empresa de varejo Amazon. De acordo com o portal “e-invest”, vinculado ao grupo Estadão, não só o número de acessos ao portal de vendas cresceu assustadoramente, como nos primeiros nove meses os rendimentos da companhia subiram cerca de 70% em comparação com o mesmo período no ano passado; investindo em tecnologia, logística e fundos, ela se tornou a líder disparada do setor, passando a deter cerca de 45% do comércio eletrônico dos Estados Unidos.

            Com o aumento dos serviços, o Magnata Jeff Bezos –  homem mais rico do mundo e dono de uma fortuna de U$200 bilhões – resolveu promover uma grande contratação, além de aumentar os salários de seus funcionários. Foram 100 mil vagas de empregos e um acréscimo de U$ 2 dólares a hora de trabalho, medida que animaria pessoas sofrendo com o desemprego e baixa renda na pandemia; contudo, passado algum tempo, os trabalhadores viram esse valor ser reduzido a zero, o que causaria inúmeros protestos.

            Ao que parece, a alta demanda da empresa exigia que os trabalhadores realizassem mais de 260 empacotamentos por dia, uma tarefa que os obrigava a caminhar mais de 30km cotidianamente dentro dos grandes depósitos. Além disso, muitos deles diziam viver sobre alta pressão, chegavam a precisar urinar em garrafas plásticas durante o expediente e executar trabalhos difíceis num tempo determinado: quando não atendiam as exigências costumavam ser demitidos de maneira fria, “tratados como robôs”, segundo depoimento de uma ex-funcionária.

            Recentemente, como relatou uma matéria do portal “Tecnoblog,” um grupo de ativistas, sindicatos e trabalhadores demitidos organizou um movimento internacional de protesto, chamado “Make Amazon Pay”, que mostrou as caras pela primeira vez numa ação que ocorreu na última “Black Friday.” Foram quinze países, incluindo o Brasil, a colaborar com o boicote, que contou também com a participação de algumas potências como Estados Unidos, Reino Unido e Índia. Na Alemanha sete centros de distribuição foram paralisados, em Bangladesh, houve protestos em frente às dependência da empresa – e em muitas localidades a frase “Make Amazon Pay” foi projetada em prédios da companhia.

            Na última quinta-feira, o grupo enviaria uma carta com diversas reivindicações ao bilionário da Amazon assinada por 401 parlamentares e funcionários públicos de 34 países pedindo não só que a empresa pague seus impostos, mas que melhore as condições de trabalho e repare qualquer dano que tenha causado ao meio-ambiente. Mesmo com um fundo de U$ 10 bilhões de dólares, destinado a combate o aquecimento global, o CEO recebe críticas por conta de sua empresa ter uma emissão de carbono maior que a de dois terços dos países da ONU – fato que ocorre principalmente pela alta demanda de transportadoras.

            No documento oficial – disponível em seu site – constam pedidos que vão desde o recrudescimento dos salários – conforme o lucro da empresa – até a readmissão daqueles que contestaram as políticas trabalhistas da Amazon. Também exigem que ela se comprometa a não monitorar quaisquer grupos ou sindicatos ensaiando protestos e reinvindicações. Na crise mundial, a Amazon foi uma das empresas que mais lucrou, e graças ao sua política de incentivo e abono fiscal, deixou de pagar 11bilhões de dólares de imposto aos cofres americanos.

            Em resposta, a Amazon criticou o grupo. Disse que faziam uma série de afirmações enganosas e ainda que seus líderes estavam interessados em se autopromover às custas da marca. O título da nota publicada no jornal Business Reader a favor da empresa, deixa clara a mensagem: “Trabalhadores e Ativistas estão convocando protesto ao redor do mundo enquanto a companhia tenta abonar os trabalhadores com um bônus de férias no valor de U$ 300,00.” Mesmo que a notícia seja verdadeira, o histórico de descaso e indiferença com trabalhadores causa desconfiança, e os protesto, que chegam hoje a proporções globais, devem continuar por um bom tempo.