No domingo (19), em uma eleição com cerca de 22 milhões de votos, a Colômbia escolheu o novo chefe do executivo. O economista e senador Gustavo Petro, de 62 anos, candidato da coalizão Pacto Histórico, foi o vencedor do pleito obtendo 50,50%; contra 47,16% do empresário Rodolfo Hernández, de 77 anos, candidato de ultradireita, da Liga de Governantes Anticorrupção. A diferença entre os dois candidatos foi de 717 mil votos.
O resultado apertado já era o que apontavam as pesquisas, as projeções, porém, mostravam leve favoritismo de Hernández, que saiu derrotado. Petro obteve 11.281.013 milhões de votos ante 10.580.412 de seu adversário.
Na sua terceira vez concorrendo ao cargo, Petro liderou as pesquisas de intenção de voto durante boa parte da campanha, e foi o candidato mais votado do 1° turno, tendo 40,32% dos votos. Já Hernández, por sua vez, foi a surpresa desta eleição, desbancando a direita tradicional, grupo político do ex-presidente colombiano Álvaro Uribe (2000-2010), que governou o país até este ano, tendo Iván Duque como representante.
A vitória de Gustavo Francisco Petro Urrego é um fato histórico para o bloco de esquerda no país, que pela primeira vez integrará o comando executivo nacional. O ex-prefeito da capital Bogotá e ex-integrante do grupo de guerrilheiros Movimento 19 de abril (M-19) governará o país de 2023 a 2026. Através das redes sociais o agora presidente eleito agradeceu os eleitores e disse que era o dia "das ruas e das praças".
"Hoje é dia de festa para o povo. Que se festeje a primeira vitória popular. Que tantos sofrimentos se amorteçam na alegria que hoje inunda o coração da pátria. Essa vitória para Deus e para o povo e sua história. Hoje é o dia das ruas e das praças" - Gustavo Petro.
Outro ponto inédito que a disputa deste domingo (19) proporcionou foi a eleição de Francia Elena Márquez Mina, de 40 anos, advogada e primeira mulher negra a ocupar o cargo de vice-presidente no país. Márquez Mina é figura conhecida pelo seu ativismo ambiental, tendo conquistado o Prêmio Ambiental Goldman, considerado o “Nobel do Meio Ambiente'', em 2018.

Em suas redes sociais, Márquez agradeceu aos eleitores que foram às urnas. "Obrigada às colombianas e aos colombianos que saíram massivamente a votar hoje com dignidade, vencendo o medo e com esperança", disse após a divulgação do resultado.
Atual presidente, Iván Duque também se pronunciou após a divulgação do resultado falando em transição "harmoniosa, institucional e transparente". "Liguei para @PetroGustavo para parabenizá-lo como presidente eleito dos colombianos. Concordamos em nos reunir nos próximos dias para iniciar uma transição harmoniosa, institucional e transparente", escreveu o presidente.
Menos de uma hora após o resultado ser anunciado, Hernández reconheceu a vitória de Petro por meio de um vídeo publicado nas redes sociais. "Colombianos, hoje a maioria dos cidadãos escolheu o outro candidato. Como eu disse durante a campanha, eu aceito os resultados dessa eleição", afirmou o candidato derrotado.
Conhecido como “Trump Colombiano”, Hernández também mandou um recado para Petro. “Peço ao doutor Gustavo Petro que seja fiel ao seu discurso contra a corrupção e que não decepcione os que confiaram nele”, disse.
“A mudança consiste em deixar o ódio para trás”
Em seu discurso da vitória ao lado de sua esposa, Veronica Alcocer, Petro falou em “política do amor”. “A política do amor não é uma mudança para nos vingarmos, não é uma mudança para construir mais ódio ou aprofundar o sectarismo na sociedade colombiana. Nossos pais e avós nos indicaram o que significa o sectarismo. A mudança consiste em deixar o ódio para trás”, disse o presidente eleito.

Na fala, Petro também mencionou um acordo nacional para assegurar a paz e o direito das pessoas, em um aceno aos grupos de guerrilheiros que ainda não baixaram as armas. O presidente eleito também falou sobre seu próprio passado, dizendo que lutou “contra a injustiça, contra um mundo que não deveria ser, contra a discriminação, contra a desigualdade”.
“Quanta gente morreu, quanta gente está presa hoje, quantos jovens tratados como bandoleiros só porque tinham esperança, só porque tinham amor” - Gustavo Petro
Reforçando temas abordados na campanha, Petro falou sobre uma maior integração na América Latina, destacou a importância do país na luta contra as mudanças climáticas, dizendo que é preciso salvar a Amazônia para salvar a humanidade, e tornou a falar de um maior diálogo nas Américas, incluindo até conversas com os Estados Unidos. O discurso também tratou sobre o fortalecimento da economia popular.
Irregularidades
De acordo com a Missão de Observação Eleitoral (MOE), até o encerramento da votação foram registradas 310 denúncias de crimes eleitorais. A entidade informou que ao menos 83 denúncias eram sobre a liberdade do voto. A MOE disse também que recebeu denúncias de coação por parte de empregadores que obrigaram ou ameaçaram seus trabalhadores a votarem em determinado candidato de sua preferência.
Segundo o relatório, os locais com mais supostos relatos de irregularidades foram: Antioquia, Valle Del Cauca, Atlântico, Risaralda e Bogotá.
Panorama nas Américas
A vitória de Gustavo Petro faz a Colômbia se unir a outros países da América Latina com governos de esquerda. A virada à esquerda começou em 2018, com a eleição de Manuel López Obrador, no México. Em seguida, Alberto Fernández foi eleito na Argentina, em 2019, e Luis Arce, em 2020, na Bolívia. Em 2021 foi a vez do Peru, com Pedro Castillo; o Chile, com Gabriel Boric; e Honduras, com Xiomara Castro.
Segundo documento divulgado pelo Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral (Idea), em 2020, a última década foi marcada por polarização na região, e em 2010, com a crise das commodities (matéria-prima), o continente teve uma virada à direita. Agora, com o impacto da pandemia da COVID-19, o movimento é inverso.

Rodrigo Augusto é Professor Doutor em Relações Internacionais da PUC-SP e membro do Grupo de Estudos de Conflitos Internacionais (GECI), coordenado pelo professor Reginaldo Nasser, do departamento de RI. No último mês, o grupo lançou o livro Revoltas, Conflitos e os Novos Caminhos da Geopolítica: Interconexões Entre Oriente Médio e América Latina, com análises das dinâmicas internacionais e o papel dos Estados Unidos nas duas regiões.
Um dos capítulos é o do professor Rodrigo, escrito em conjunto com o professor Reginaldo, e sucede o tema da sua tese de doutorado “Dinâmicas de Poder dos EUA no Iraque pós-Saddam: A articulação entre o governo norte-americano e as elites do poder iraquiano”, defendida por Augusto no dia 11 de maio, pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais (PPGRI) San Tiago Dantas da Unesp, Unicamp e PUC-SP. O autor conversou sobre o assunto com a AGEMT.
AGEMT: No livro Revoltas, Conflitos e os Novos Caminhos da Geopolítica, organizado pelo professor Reginaldo Nasser e lançado no dia 7 de maio, são abordadas as Interconexões Entre Oriente Médio e América Latina. Um dos pontos abordados é a forma de poder exercido pelos Estados Unidos sobre essas regiões, que é abordado no seu capítulo com o professor Reginaldo. Quais são as proximidades entre essas regiões?
RA: Esse livro é dividido em duas partes, uma parte especificamente para trabalhar revoltas, geopolítica, temas contemporâneos da agenda política regional da América Latina, e do Oriente Médio, então dividido em duas partes. A ideia geral é demonstrar como essas duas regiões, que em princípio parecem tão diferentes, na verdade revelam dinâmicas sociais sociopolíticas muito semelhantes. Muitos dos recortes que os autores e autoras fizeram nesse livro tem como propósito dar esse destaque, particularmente quando a gente olha para a América Latina de 2018 e 2019, recheada de protestos espalhados particularmente pelo Cone Sul. Eu lembro um dos capítulos, o da professora Terra, que foi sobre as revoltas no Chile e como temporalmente é semelhante a diversas outras revoltas que aconteceram no Oriente Médio e no Iraque, particularmente, que gerou também a derrubada de um governo. Isso para demonstrar que da nossa perspectiva latino-americana o Oriente Médio não é tão diferente assim. Nas nossas lutas, ainda que tenhamos especificidades, temos grandes semelhanças: desigualdade social, pobreza, corrupção e desemprego. Pautas comuns e que geram mobilizações. Isso por um aspecto social e que gera movimentações que muitas vezes se espalham para a região, geram movimentos que vão ser transnacionais, vão mobilizar espíritos revolucionários revoltosos em outras regiões. Aí você menciona o último capítulo, que é aquele que eu pude escrever em conjunto com o professor Reginaldo, destacando um pouco mais a área específica da minha pesquisa, que são os estudos sobre política internacional no Oriente Médio, particularmente dos Estados Unidos e a nossa proposta ali naquele capítulo era justamente demonstrar como o governo Trump também recentemente lidou politicamente com esse aliado, que é um novo aliado, pensando que a partir de 2003 a partir da derrubada do Saddam Hussein o Governo iraquiano, Estado iraquiano, se torna um parceiro importantíssimo para a lógica de poder norte-americana na região. É geopolítica. A importância dessas interlocuções para contenção do Iraque e Irã.
AGEMT: No dia 11 você defendeu sua tese de doutorado que fala sobre as dinâmicas de poder dos Estados Unidos com relação à intervenção, especificamente, no Iraque. Você faz esse recorte no livro, que fala sobre o governo Trump, mas seu artigo remonta o período a partir de 2003 quando os Estados Unidos utilizam o Iraque como justificativa de resposta ao 11 de setembro, a chamada Guerra ao Terror. Também é abordada a aplicação do Soft e Hard Power, conceitos das Relações Internacionais, que se diferem do Sticky Power (poder pegajoso), termo de Walter Russell Mead que emerge no governo Trump. Olhando especificamente sobre os Estados Unidos, como que eles atuam nesse sentido e como o Stick Power se dá na prática?
RA: Russell Mead, que é um pesquisador conservador norte-americano particularmente crítico às ações intervencionistas dos Estados Unidos desde o governo Bush e que se estende pelo governo Obama, Trump e agora no governo Biden. Ele estabelece esse conceito de Sticky Power com o propósito de tentar demonstrar de uma maneira prática e metafórica esse poder pegajoso econômico, que não é propriamente um poder coercitivos militar forte. Ele também é isso, mas ele é muito mais do que isso. Ele tem como grande objetivo ter essa estrutura Econômica Liberal internacional presente nos Estados do Oriente Médio e as transformações que foram perpetradas a partir do 11 de setembro no Oriente Médio: políticas, econômicas; e que dialogo na minha tese. O Iraque, por exemplo, que é meu caso de estudo, um Estado de economia nacionalizada e fechado. O governo Baath estava há 40 anos no poder. Os americanos tinham um termo bastante utilizado nos anos 2000, o Nation Building, a ideia de reconstrução de uma nação e que naquele momento, obviamente não era consenso nos Estados Unidos, mas predominou essa narrativa, iniciou um projeto intrusivo largo no Médio tanto que os dados atuais apontam para quase oito trilhões de dólares de investimento na tal Guerra ao Terror, uma cifra enorme, que vai trazer mecanismos militares, para retirar esses poderes antigos e para manter um novo status quo, mecanismos de ajuda internacional, articulação com novos bancos criados na região. Acho que a grande coisa do início dos anos 2000 é que isso foi uma aposta e quando a gente olha para isso de uma perspectiva contemporânea, entrando na terceira década do século XXI, evidentemente que as críticas são muito maiores do que naquela época, justamente porque temos a continuidade desses processos intervencionistas, não se tem uma transformação completa desses Estados tendo em vista até o tema do livro, essas revoltas, essa insatisfação popular desses novos Estados reformados. Mas por outro lado você tem sim a presença dessas normativas liberais do capitalismo incipiente, que revela que você tem uma penetração, mas que não é total. Por isso que na minha tese eu prefiro utilizar o arcabouço teórico neogramsciana para tentar explicar sobre esse mecanismo de poder norte-americano no Iraque. Essa equação que combina força de um lado, então poder militar, que vai lá e derruba o Saddan Hussein em pouco tempo e o Poder consensual, muito mais difícil, que aquele que vai ser conquistado através das transformações constitucionais e políticas, mas que tem que ser incorporado pela sociedade. Se não for incorporado pela sociedade gera repudio, gera afastamento, e quando olhamos para o Iraque, Afeganistão e outros Estados em crise no Oriente Médio, isso fica evidente. Até hoje nós temos constantes revoltas, não estão necessariamente ligadas aos processos de intervenção lá de 2000, 2003, mas são consequências disso. E a expressão mais clara dessa insatisfação, desse modelo não penetrado é o Estado Islâmico. A gente pode afirmar que esse é um elemento que inclusive no governo Trump, tema do capítulo, é um grande desafio. Como combater esse grupo político transnacional, que tem um projeto retrógrado para o Oriente Médio, reacionário que visa o poder islâmico conservador com leis bastante severas e que uma parte da sociedade até interpreta como um positivo? Ou seja, essas batalhas de narrativas.
AGEMT: A teoria neogramisciana também fala sobre a existência dessa reação, de grupos contra hegemônicos, que vão questionar esses modelos de dominação e temos visto, como por exemplo o Caso do Chile, onde uma estrutura foi fortemente questionada, inclusive a partir da atuação do movimento estudantil, que é o capítulo da Profa. Terra. Esse movimento consegue romper com um modelo que estava ali estruturado
RA: Enquanto tem poder, tem reação. As reações podem vir da própria estrutura da Elite, como é o caso do Iraque quando eu observo a intervenção norte-americana pontualmente apoiando uma elite de oposição ao governo do Saddam Hussein e de maneira bem-sucedida consegue reverter a ordem política nesse sentido, mas sem dúvida nenhuma a melhor forma de você transformar é você incorporando a sociedade, você trazendo as forças contra a elite. Isso, sem dúvida nenhuma, é uma boa estratégia. No caso do Chile essa força contra a elite vem da própria sociedade. E a gente não pode afirmar plenamente que é uma revolução no sentido estrito do termo, porque não se trata de um rompimento do tecido social e da estrutura de poder. A estrutura de poder chilena é uma democracia, permanece democracia e foi eleita democraticamente, mas é uma reforma que vem da base, que vem da do movimento estudantil, que tem como liderança presidencial uma dessas representações da sociedade, o Boric. Tem no seu corpo político ministros e ministras que faziam parte desse movimento e todas essas dinâmicas revelam na verdade como as relações internacionais, como a política internacional se faz e refaz através dessas dinâmicas de poder e de luta interna, às vezes incorporando agentes externos, às vezes os agentes externos tendo predominância como é o caso do Iraque e os Estados Unidos.
AGEMT: E qual a análise você faz do papel atual dos Estados Unidos, não apenas no Oriente Médio, mas no contexto geopolítico atual, visto que os EUA foram um dos principais atores insistentes na disputa política e que culminou na invasão da Ucrânia? A nível global, qual a sua influência?
RA: Estamos vivendo uma crise Global iniciada pela intervenção russa na Ucrânia porque os efeitos são globais, economicamente. Isso atinge o Brasil inclusive, quando olhamos não só os preços do petróleo, preço de produtos de commodities que aumentam, somado obviamente a um governo brasileiro que tem a maior parcela da culpa das inflações, mas além desse cenário interno e negativo, esse conflito também traz elementos econômicos que nos afetam. É um conflito que tem implicações globais e sem dúvida a perspectiva de incorporação da Ucrânia na Otan, pensando que a Ucrânia é um dos Estados que faz fronteira com a Rússia, ex-União Soviética, que faz parte desse cinturão geográfico e que afasta a Otan do território russo, historicamente sempre foi um tema de debate e sempre foi um elemento em que a Rússia bateu a tecla dizendo que nenhum Estado no meu entorno vai fazer parte desse organismo. Quando a gente olha para narrativa do governo Putin, isso fica latente. Há algumas semanas ele fez uma declaração mediante ao Dia da Vitória, o dia que os russos comemoram a vitória da Segunda Guerra Mundial, e insistiu no mesmo assunto, que a culpa da guerra, para eles, é dos norte-americanos. Eles que forçaram essa vontade de entrada da Ucrânia na Otan e obviamente que os outros países da Otan assinaram embaixo. Um pouco temerário no início, mas depois foram com tudo, tanto que boa parte desses países da Otan, Alemanha, França, estão auxiliando militarmente a Ucrânia e podemos dizer que se a Ucrânia não tivesse esse apoio militar dos Estados Unidos, dos seus aliados da Europa Ocidental, já teria sido devastada pela capacidade militar russa, que é histórica. Essa intervenção se inicia por uma razão particularmente liberal, o princípio de autodeterminação dos povos, então os russos vão falar que estão iniciando as intervenção para dar legitimidade ao povo de Donbass, duas repúblicas autônomas, Luhansk e Donetsk, e se expande à medida em que os dias passam. No terceiro, quarto dia de intervenção, russos já estavam atingindo os territórios para além de Donbass. Uma guerra que tem dimensões globais, mas que acho que é importante destacar, não é batalhada de maneira global, ela não é uma terceira guerra. É uma guerra de nível local, regional entre Russos e ucranianos, mas cuja presença norte-americana vem através dos auxílios, do sistema de sanções, não podemos esquecer também que são formas indiretas econômicas de você tentar prejudicar o seu inimigo, no caso os russos, que sentem no bolso essas sanções econômicas e que geram um grande impasse há mais de 2 meses de conflito. De um lado uma Ucrânia que só tem capacidade de se manter mediante o apoio internacional, e do outro uma Rússia que está cada vez mais enfraquecida economicamente. Acho que o ator que acabamos não mencionando, mas que vale a pena trazer é a própria China, mais afastado, mas que bate na narrativa também de que esse conflito é culpa do ocidente, do Biden. Isso é muito curioso, começamos falando do capítulo que eu escrevo com o prof. Reginaldo tentando fazer um balanço do governo Trump para o Iraque, é até engraçado olharmos em perspectiva, mas é muito mais moderado o governo Trump e talvez até mais consciente de suas ações em termos de não criar crises internacionais tão graves do que o governo Biden, que já no seu primeiro ano mediante a ascensão do Talibã gera uma crise no Oriente Médio em que os Estados Unidos abrem mão. E quando trazemos a cifra de trilhões de dólares gastos – na guerra ao terror, iniciada como justificativa ao 11 de setembro -, a pergunta é para quê? Para sair no final de 20 anos depois de um lado, e do outro uma segunda crise motivada também por implicações estratégicas no mínimo curiosas. No segundo ano de mandato do Biden é isso que vemos. Não podemos simplesmente fechar para as narrativas ideológicas do partido Democrata ou do Partido Republicano. Quando a gente olha para a ação norte-americana em perspectiva internacional, existe na verdade uma constância das ações inclusivas, uma constância no projeto hegemônico de manter o seu poder global quase a qualquer custo e isso é um ponto fundamental a ser observado.
AGEMT: E para finalizar, como o GECI se insere nesse contexto, o Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais da PUC-SP, no atual contexto brasileiro, inclusive acompanhando a própria cobertura da guerra na Ucrânia, onde há muitos deslizes, uma crítica para o próprio jornalismo quando não há tanto uma formação sobre a complexidade desses atores envolvidos e precisamos olhar muito mais o fator cultural desses povos para entender um mínimo ali do conflito. Mas o papel desse grupo de estudo também no acadêmico para o Brasil e para as Relações Internacionais?
RA: Acho que como qualquer grupo de estudos, o Geci não é diferente, vivemos num contexto particularmente mais difícil em termos de pesquisa, produção e incentivo com relação ao governo federal. O trabalho dos grupos de estudos depende particularmente de investimento, de fomento. Aqui na PUC a gente não pode esquecer que existem fontes de financiamento internas, assessoria de pesquisa é muito importante na manutenção dessas atividades, desses grupos, da possibilidade de escrever um livro, da possibilidade de fazer projetos como nós fizemos no próprio Al Janiah ano passado, um projeto muito interessante em que a gente fez um diálogo com os funcionários do restaurante que vieram refugiados, então entender essas trajetórias. Tudo isso é importante a nível de São Paulo e a nível de Brasil. Transformar os nossos conhecimentos acadêmicos em conhecimentos sociais é uma responsabilidade da academia, uma visão particular minha e que é compartilhada entre nós no Geci, que é um grupo que existe desde 2015 e foi mobilizado a partir de um propósito muito específico de desenvolver a pesquisa, leitura e que hoje é muito mais amplo do que isso. Nós temos programas de TV, temos podcast, temos página no Instagram, página no Facebook, onde divulgamos esses nossos trabalhos e acho que a grande tarefa nossa é tentar trazer luz para os debates que acendem a sociedade em termos de conflitos internacionais, particularmente, de uma maneira a incorporar as nossas pesquisas, mas também tornar mais fácil de compreender. É uma via de dois lados, de um, trazer luz para debates que acabam sendo muito esvaziados, às vezes, sobre os conflitos, falamos antes da gravação que no passado o grande tema era o Talibã, então nós estivemos – membros do Geci - em alguns programas falando sobre isso, trazendo luz a esse debate e agora é a mesma coisa quando a falamos do conflito russo-ucraniano. É importante estarmos nesses lugares, é importante falar, estar presente. Isso é um elemento fundamental, papel dos grupos de pesquisa, papel do acadêmico, do pesquisador ter essa interlocução com a sociedade. E nada mais satisfatório quando conseguirmos trazer essa introdução e tornar isso legível essa nossa linguagem.
Desde o início do conflito, a Guerra na Ucrânia tem tido grande cobertura midiática com atualizações diárias ocupando boa parte do noticiário. Porém, essa situação trouxe à tona o seguinte questionamento: todas os conflitos são tratados com a mesma atenção?
Sem dúvidas o conflito russo-ucraniano merece a devida atenção, porém, várias outras guerras, como a no Iêmen, que dura mais de oito anos, não tem a mesma visibilidade. Nesse sentido, é impossível não pensar que, infelizmente, o grau de importância de algum conflito - que é baseado em poder e interesses comerciais - varia de acordo com o que está sendo disputado e o local onde está acontecendo.
Clique aqui para acessar o podcast onde é feita uma reflexão a partir dessa questão.

“Uma guerra que já havia sido cantada pela Rússia há muito tempo, tanto pela anexação de territórios quanto pela aproximação cada vez maior da Ucrânia em relação à OTAN e à União Europeia, esses são os principais motivos para o início do conflito", relatou Carla Cristina Garcia, mestre e Doutora em Ciências Sociais.
A invasão da Ucrânia por tropas russas ocorreu no dia 24 de fevereiro, em plena Semana de Moda de Milão. O papel político e social da moda como meio de transmitir uma mensagem ao mundo se concretizou nos desfiles. Giorgio Armani, por exemplo, demonstrou apoio à Ucrânia desfilando sua coleção em completo silêncio que, segundo o designer, foi uma ação em respeito às pessoas envolvidas na tragédia no país. Mais um exemplo notável foi o desfile da grife espanhola Balenciaga, que fez referências a refugiados, com a presença de peças práticas de serem vestidas, dobradas e reduzidas, como trench-coach. A praticidade e facilidade de compactação e armazenamento sugerem uma vida em constante movimento ou, até mesmo, nômade. Outras referências foram a bolsa desfilada, que se assemelha a um saco de lixo, e modelos desfilando de toalha e peças íntimas, assimilando a pessoas que tiveram que deixar suas casas às pressas - correlação direta à situação entre Rússia e Ucrânia.
Além das manifestações no grande palco midiático das passarelas e desfiles, a moda se faz presente como uma importante ferramenta de mobilização em períodos de conflitos, guerras e crises. Empresas e marcas ligadas aos setores da moda optaram por responder ao conflito suspendendo suas atividades na Rússia. A revista Vogue ucraniana fez uma publicação nas redes sociais, pedindo o embargo à exportação de todo tipo de itens de moda e bens de luxo, que serviu como apelo para grandes marcas e grifes citadas tomarem um posicionamento diante de toda a situação. A grife Hermes foi a primeira a se pronunciar e anunciar o fechamento de suas lojas russas, além de paralisar todas as suas atividades no país. A Chanel, que também fechou suas lojas em território russo, doou dois milhões de euros com intuito de ajudar refugiados nas fronteiras da Ucrânia. A Adidas suspendeu a parceria com a União Russa de Futebol, além de doar cem mil euros, roupas e calçados para institutos que oferecem apoio às crianças refugiadas.
A especialista em História da Moda, Laura Ferrazo, ressalta que a moda possui diversas maneiras de manifestação: “Eu acho que o mundo da moda tem muita influência, é importante a manifestação de muitas formas. Os desfiles que fazem referências, homenagens ou críticas à guerra, mas também os boicotes às vendas de produtos e importação de matérias-primas”.
Membros da indústria da moda iniciaram um manifesto contra a guerra, contando com um abaixo-assinado firmado por mais de 1.500 profissionais de todos os ramos, desde a fotografia até a direção criativa: "Como designers, estilistas, fotógrafos, professores, estudantes, pesquisadores, modelos, artistas, designers gráficos, diretores criativos, agentes, escritores e editores, lutamos continuamente por um mundo onde a expressão criativa, o intercâmbio cultural e a colaboração possam florescer. A violência da invasão na Ucrânia vai contra tudo o que defendemos. Esta guerra não traz nada além de destruição, sofrimento e tristeza", diz o manifesto.
“A moda tem poder. A moda é uma indústria de trilhões de dólares, com gigantesca influência cultural, econômica e até política. Em tempos de crise, é fácil descartar esse poder, chamá-lo de supérfluo, frívolo, surdo, hipócrita ou não-essencial. Mas nossas cadeias de suprimentos conectam países em todo o mundo, nossa mídia alcança massas de seguidores em todos os lugares, nossa linguagem compartilhada de criatividade é universal. Somos uma indústria repleta de talentos, habilidades, redes e conexões. Essas ferramentas sempre podem melhorar a vida das pessoas ao nosso redor – seja em larga escala ou íntima. Onde quer que você esteja hoje, não vire as costas, não feche os olhos”, ressalta o texto.
Com 58,5% dos votos, cerca de 18.779.641 votos, Emmanuel Macron (República Em Marca!), candidato à reeleição, venceu o segundo turno realizado neste domingo (24) contra a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen (Reunião Nacional), que conquistou 41,5% dos votos, equivalente a 13.297.760 votos. O resultado fez de Macron o primeiro presidente reeleito nos últimos 20 anos, o último a se reeleger havia sido o conservador Jacques Chirac (1995-2007).
A eleição também foi marcada pelo expressivo número de abstenções. De acordo com o Ministério do Interior francês, a taxa de abstenção foi de 28%, a maior marca para um segundo turno desde 2002.
"O presidente de todos"

Pouco menos de duas horas da divulgação das projeções de sua vitória, e ao som do hino europeu conhecido como "Ode à Alegria", de Friedrich Schiller, Emmanuel Macron foi recepcionado por seus apoiadores no Champs de Mars, próximo a Torre Eiffel, para seu discurso da vitória. “Desde agora não sou mais o candidato de um lado, mas o presidente de todos”, afirmou Macron.
Em seu discurso, o centrista disse saber que muitos foram às urnas não para apoiá-lo ou para votar em favor de seus projetos, mas sim, “para barrar as ideias da extrema-direita”, porém, afirmou que governará também por eles. Sobre os votos direcionados a Le Pen, Macron disse que é dever dele, enquanto presidente, encontrar as respostas para os votos na extrema-direita. “Será minha responsabilidade e de quem me cerca”, disse o presidente reeleito.
Sobre os 28% de abstenção, Macron disse que o “silêncio é uma negação ao direito de responder”, e tem um significado.
Para seus eleitores, Macron falou sobre seu compromisso no novo governo. “Hoje (vocês) escolheram um projeto humanista, ambicioso pela independência do nosso país, pela nossa europa, um projeto republicano nos seus valores, um projeto social e ecológico, um projeto baseado no trabalho e na criação”.
O presidente afirmou, também, que continuará trabalhando pela igualdade. “Este projeto, quero levá-lo com força para os próximos anos, sendo também um repositório das divisões que se manifestaram e das diferenças, e garantindo a cada dia o respeito de cada um, e continuando a trabalhar por um sociedade e igualdade entre mulheres e homens”.
Macron ressaltou que os próximos cinco anos não são continuidade de seu mandato, mas uma “invenção coletiva a serviço do nosso país e da nossa juventude”. “Esta nova era não será a continuação do quinquénio que está a terminar, mas a invenção coletiva de um método revisto por mais cinco anos, ao serviço do nosso país, da nossa juventude. Cada um de nós terá uma responsabilidade. Cada um de nós terá que se comprometer com isso”, disse o presidente francês.

No encerramento de seu pronunciamento, Macron disse que terá “orgulho de servir novamente”, e foi ovacionado pelos eleitores.
“É isso que faz do povo francês essa força singular que amo tão profundamente, tão intensamente, e que tenho tanto orgulho de servir novamente. Viva a república e viva a França!” - Emmanuel Macron
"Histórico"
O relógio marcava por volta das 20h15, horário local de Paris, quando Marine Le Pen discursou a seus apoiadores reconhecendo a derrota, em um pavilhão no Bois de Boulogne, região oeste de Paris. A manifestação ocorreu cerca de 15 minutos depois do fechamento das urnas e da divulgação das projeções. “Um grande vento de liberdade poderia ter soprado sobre nosso país, mas as urnas decidiram o contrário”, disse Le Pen em seu pronunciamento.

Em 2002, Jean Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen, causou espanto na política francesa ao conseguir avançar com a extrema-direita ao segundo turno. Na ocasião, houve uma grande união das forças democráticas para apoiar e reeleger o presidente republicano Jacques Chirac, que venceu o segundo turno com 82% dos votos.
Exatos 20 anos depois, Marine Le Pen comemorou o crescimento da Frente Nacional regida por sua família nas últimas décadas, e disse que o resultado conquistado nesta eleição foi “histórico” e uma “vitória brilhante” que colocou seu partido em uma “excelente posição” para as eleições parlamentares de junho.
“O jogo ainda não acabou” - Marine Le Pen
Líderes europeus e das américas parabenizam Macron
Após o resultado, representantes da União Europeia parabenizaram Emmanuel Macron pelo resultado. O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, afirmou que a Europa poderá “contar com a França por mais cinco anos” e disse que “nestes tempos difíceis precisamos de uma Europa forte, e uma França comprometida com uma União Europeia mais soberana e estratégica”.
A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, também parabenizou Macron e disse esperar que continuem com a excelente cooperação. “Caro Emmanuel Macron, gostaria de parabenizá-lo por sua reeleição como presidente da República. Espero continuar nossa excelente cooperação. Juntos, vamos fazer a França e a Europa avançarem”, disse através do Twitter.
O chanceler Olaf Scholz, da Alemanha, e os presidentes Alberto Fernández, da Argentina, Ivan Duque, da Colômbia, e o primeiro-ministro Pedro Sánchez, da Espanha, exaltaram a vitória de Macron e o fortalecimento da democracia.
3º Turno
Com a divulgação do número de abstenções nesta eleição pelo Ministério do Interior, o candidato de esquerda e terceiro colocado no 1º turno, Jean-Luc Mélenchon (França Insubmissa) foi às redes sociais para criticar Macron. “Macron é o presidente eleito nas piores condições da V República. Ele nada em um oceano de abstenção, votos brancos e nulos”, falou Mélenchon.
Mesmo com a crítica ao presidente eleito, o progressista parabenizou os franceses pela derrota da extrema-direita, o que classificou como “uma boa notícia para o país”.
Mélenchon convocou os franceses para participarem das eleições parlamentares que ocorrem em junho, e pediu “coragem e determinação”. O candidato pretende liderar uma coalizão entre partidos de esquerda e ambientalistas, com o objetivo de se eleger primeiro-ministro. “O terceiro turno começa hoje à noite”, disse o líder de esquerda.
“Eu peço aos franceses que me elejam primeiro-ministro ao votarem por uma maioria de deputados insubmissos e de integrantes da União Popular”, acrescentou Mélenchon.
As eleições parlamentares acontecem entre 12 e 19 de junho. Vale lembrar que é a Assembleia Nacional, parlamento francês, que indica o primeiro-ministro, podendo ou não ser aliado do presidente.













