No dia 2 de fevereiro de 2021, logo pela manhã, os paulistanos tomaram conhecimento de mais uma ação de Júlio Renato Lancellotti, mais conhecido como Padre Júlio Lancellotti. Na ocasião, a prefeitura comandada pela gestão de Bruno Covas (PSDB), tinha instalado pedras sob dois viadutos, localizados na Avenida Salim Farah Maluf, no dia anterior, para impedir pessoas que já faziam daquele espaço de suas casas, ficassem por lá. Assim que soube do ocorrido, o Padre não hesitou e foi até os viadutos, com uma marreta, quebrá-las.
Essa e outras ações executadas pelo religioso, foram, aos poucos, sendo reconhecidas para além dos militantes de direitos humanos e religiosos. Na medida que a juventude a partir das redes sociais, começou a seguir suas caminhadas, Lancellotti se tornou uma referência do assunto. Porém, o trabalho que faz pelos direitos humanos começou muito antes do advento da internet e até mesmo de se ordenar padre. “Quando tinha algum maltrato em uma Febem [Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor], não se chamava Casa Nova Vida, onde tinha as crianças menores, a do Tatuapé, por exemplo, em algumas unidades o tratamento era na base da porrada, ele atuava, levava advogado, criava caso, ali a gente começou a ter notícias dessa figura”, é o que conta Silvio Mieli, jornalista e professor de Jornalismo da PUC-SP. Depois que se tornou padre, aos 37 anos, realizando projetos na Pastoral Carcerária, Pastoral do Menor e na Casa Vida, Mieli diz que virou um “sinônimo de acolhimento”, diante das violações de direitos humanos. “Morador de rua maltratado, epidemia de aids se alastrando e ninguém cuidava – ‘deixa eles lá para morrer e mofar’ – Pe. Júlio atuava".
Ao longo da conversa com a AGEMT, Mieli relatou três momentos que se aproximou de Lancellotti: na Casa Vida, na Pastoral do Povo da Rua e nas manifestações de 2013. A reportagem conversou também com Renato Levi, professor de jornalismo da PUC-SP e da USP. Confira também o podcast sobre a matéria no link.
CASA VIDA
O primeiro contato que Mieli teve com o religioso, foi entre os anos de 1996, 1997 até 2000, quando estava realizando um projeto de prevenção à AIDS para a população semialfabetizada ou analfabeta, voltado para a periferia. O jornalista desenvolveu um aplicativo multimídia, com o intuito de conscientizar seus usuários sobre a prevenção ao HIV, capaz de dialogar com uma linguagem familiar para as pessoas. “Ia rodar em computadores, distribuídos em pontos estratégicos da periferia, um telecentro, uma igreja, um posto de saúde, uma praça”. No mesmo período, Pe. Júlio realizava um trabalho, junto à Pastoral Carcerária, de combate ao vírus HIV dentro das penitenciárias paulistas. “Aqueles grupos midiáticos, principalmente do rádio na época, que tratavam os militantes dos direitos humanos daquele jeito delicado, ‘lá vêm a turma dos direitos humanos’, ‘bandido bom é bandido morto’, começaram a visar o padre Júlio. Mesmo quem não militava nessa área, diretamente ou indiretamente, todo mundo sabia quem era o Padre Júlio”, conta Mieli.
Ao perguntar aos dominicanos, que assim como o jornalista, faziam parte de um grupo solidário, se o Padre tinha um projeto específico ligado a HIV/AIDS, um deles respondeu: “Ele tem, lá na zona leste. Me deram o telefone dele e foi aí que ele [Pe. Júlio] falou: “Eu não vou te adiantar nada, vem aqui e veja”. E foi assim que passou a conhecer a Casa Vida. Criada em 1991, o projeto tinha como objetivo, criar um ambiente familiar e menos sofrido para amenizar a realidade de crianças e adolescentes acometidos pelo vírus HIV, muitos destes, órfãos dos pais, que vieram à óbito devido a evolução do vírus e, também, rejeitados por seus avós. Com data e hora marcada, Mieli contou sua primeira impressão do espaço. “Eu fui lá no sábado e cheguei antes dele [Pe. Júlio]. Era uma casa, não muito grande, devia ter uns 5 ou 6 quartos e cada quarto tinha duas crianças. De repente apareceram essas crianças limpinhas, tinham acabado de comer, perguntaram quem eu era e começaram a mexer no equipamento. Algumas eram muito magras, já estavam muito doentes, e outras não, estavam melhores”.

Para o jornalista, o projeto era muito mais do que um simples orfanato, “parecia que aquelas crianças eram irmãos e que tinha umas tias que cuidavam lá”. Dentre as “tias” que trabalhavam na Casa Vida, havia médicos e psicólogos, além de religiosos que apoiavam a iniciativa. Durante a conversa com Lancellotti, ele explicou o principal objetivo do projeto, “tirar as crianças o medo de morrer”. “Tinha 11 crianças, de repente uma morria, então elas falavam: ai meu deus, morreu tal pessoa, o que vai ser da gente?!”, relata o jornalista. Era como “dar uma sobrevida para aquelas que tinham condição de sobreviver, que não eram muitas, isso era muito triste. Você acolheria uma criança que morreria pouco tempo depois, e ao mesmo tempo dar uma vida digna para essas crianças, até o fim, que já estavam muito doentes”, completa.
Ao mesmo tempo que o projeto ganhou uma visibilidade muito grande, Mieli relata que a Casa enfrentava dificuldades com a vizinhança, muitas vezes agredindo verbalmente o próprio Pe. Júlio e, até mesmo, jogando objetos em sua direção. Porém, ainda segundo ele, a maneira como o religioso contornava a situação faz jus ao reconhecimento que tem frente às lutas sociais que mobiliza. “Ele ia lá falar, daquele jeitão dele. A pessoa via aquela figura, querendo conversar, sem ofender ninguém, acabava conversando. Se não mudava a opinião da pessoa, pelo menos passava uma confiança e dizia: Vêm aqui, venha contar uma história para as crianças”.
PASTORAL DO POVO DA RUA
Terminado o projeto para a prevenção contra o HIV, Mieli estava no evento Agenda Latino Americana, em 2000, para escolher, junto aos organizadores, as melhores iniciativas sociais para homenageá-las. O professor se recorda que o Grupo Solidário São Domingos e outras pessoas da militância pelos direitos humanos, sugeriram o Pe. Júlio, como um possível homenageado. “Na época eu falei: Ah, mas o Pe. Júlio, a Casa Vida e tal?!, mas aí alguém falou: Não, eu estou sugerindo pelo modo como ele está focado com o trabalho da Pastoral dos Moradores de Rua [Pastoral do Povo da Rua], como ele está subsidiando esse trabalho lá na zona Leste. Como a Igreja de São Miguel está virando, um pouco, um núcleo de concentração dessa militância a favor dos moradores de rua”.
Depois de descobrir mais uma frente dentro da militância pelos direitos humanos do padre, ele se dirigiu ao próprio e logo perguntou: “Mas o senhor abandonou a questão da AIDS e está nos moradores de rua?”. O religioso explicou que, dentre os diversos temas de direitos humanos, todos em que atua estão ligados entre si. “É um problema só. Eu quando ando pela rua, eu trato dos que são os potenciais encarcerados, dos que vão acabar pegando o vírus HIV/AIDS e desses grupos de pessoas fantásticas que são os andarilhos, as pessoas que merecem ser tratadas com dignidade e não devem ser obrigados a sair da rua”.
Coordenada por Lancellotti, a Pastoral do Povo da Rua, é uma das várias pastorais ligadas a Arquidiocese de São Paulo. Com sede própria desde 1997, a Casa de Oração do Povo da Rua, construída após o então Cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, receber um prêmio concedido pela organização japonesa, Fundação Niwano, tem como objetivo fornecer um auxílio social a população em situação de rua, disponibilizando itens básicos de saúde, uma alimentação regular, além de possibilitar a convivência entre religiosos e participantes da Pastoral com eles.

Na Paróquia São Miguel Arcanjo, onde Lancellotti é pároco, aos olhos do professor, “ter um ponto de referência e de acolhida, para ser ouvido ou para pegar um prato de comida”, para as pessoas em situação de rua, é “ter uma porta aberta”. São frequentes as postagens nas redes sociais do Padre sobre seus trabalhos com a população em situação de rua, sempre documentando as enormes filas de pontos de entrega de alimentos, mantimentos e cuidados com a saúde deles. Com o aumento do número de óbitos e a hospitalização da população em situação de rua, Mieli se recorda do trabalho do Padre no atual momento. “Hospitalizar moradores de rua que estão doentes. Ele vai lá, liga para o SAMU, vai ele dentro da ambulância e fica no hospital. À meia noite, em uma noite fria, ele faz isso. Quem que de nós faria isso?!, talvez a gente deva começar a fazer”, conta.
O jornalista se lembra de outro momento que chamou sua atenção, dentro da militância do Padre pelos moradores em situação de rua, “quando ele começou a defender a população trans”. Para ele, há uma imagem que o marcou muito, quando o Padre perguntou a uma moradora de rua, trans, se poderia lavar o seu pé. No momento, Mieli interpretou a imagem do rosto dela com um sentido duplo: “não Padre, eu não sou digna para você fazer isso”, esse foi o primeiro impulso dela. Mas ao mesmo tempo, relata que a mulher quis dizer algo como, “você não existe”, como um ser quase que perfeito, onde ela jamais imaginaria que alguém poderia fazer aquilo.
MANIFESTAÇÕES DE 2013
Quando as manifestações de 2013 começaram a crescer e, por consequência, a repressão policial começou a ser maior, Mieli, que estava presente na primeira manifestação, conta que viu algo inesperado naquele momento, o Pe. Júlio. “O Pe. Júlio me aparece lá e fica no meio da manifestação, com a máscara, dando o braço para os caras”. No instante que o jornalista foi tentar conversar com o Padre, que estava na linha de frente junto à Black Blocs, a polícia começou a dispersar os manifestantes com truculência, “quando eu tentei falar com ele era tarde demais, por que a polícia já veio e foi porrada para tudo que é lado”, relata.
Duas semanas depois, eles se encontraram na PUC-SP. “Padre Júlio, mas que maravilha, o senhor estava lá com os Black Blocs”, lembra o professor. Quando se sentaram para conversar e tomar um café, Lancellotti disse que “Jesus era um Black Bloc”. Depois disso, se recorda Mieli, o Padre começou a narrar a figura de Jesus Cristo de um livro que leu, Zelotas, A vida e a época de Jesus de Nazareth. “Ele começa me falar umas coisas que eu não sabia, que lá no tempo da Palestina, tinha uns Black Blocs que chamavam Zelotas, que era a turma que Jesus andava”, lembra.
“Em poucas palavras, ele começou a me descrever uma figura, que era Jesus Cristo, que se aproximava muito de um militante revolucionário contemporâneo. Quando o Pe. Júlio fala de Jesus, o corpo dele começa a mudar, ele fala de um Che Guevara, ele fala de uma coisa revolucionária, ele fala de alguém que deixa a emoção se apossar do corpo”. Quando perguntou para o Padre se o motivo dele ter ido nas manifestações e se juntado aos Black Blocs foi esse, respondeu crítico: “É exatamente por causa disso. Ser cristão hoje, é praticar essa relação fé e política desse modo, com essa veemência, dessa forma”.

“BLACK BLOC DE DEUS”
Pouco depois das manifestações de 2013, Mieli, junto à Renato Levi, professor de jornalismo da PUC-SP e da USP, que já estavam estudando as relações entre religião e política há algum tempo, ao lado do Núcleo Perseu Abramo, do departamento de jornalismo da PUC, decidiram produzir um documentário sobre o Padre Júlio. Levi conta que, para não fazer mais um documentário sobre o religioso, sendo o protagonista do filme, priorizaram uma discussão, segundo Levi, que está por trás dos trabalhos do Padre, “a Igreja como um ator social importante nas lutas pelos direitos humanos, pela dignidade, pela democracia”.
Para além da relação entre política e religião, o documentário pretende abordar a relação do Padre com as mídias sociais. Segundo Mieli e Levi, o religioso “sacou” muito bem o papel das mídias sociais na divulgação de seus trabalhos e para a denúncia em relação às violações de direitos humanos nas mais variadas frentes que atua. Para Mieli, “ao contrário de se fechar para os meios de comunicação contemporâneo, ele se abriu totalmente”. “Que população aparece quando falam do Pe. Júlio? Ele é meio que transparente, o que aparece é o outro, você vê a população de rua, ele é um representante desses caras, ele chegou ao ponto de falar em nomes deles”, diz Mieli, sobre sua participação e o intuito do Padre ao usufruir das redes sociais.
Já para Levi, além de representar uma população abandonada, que é a população em situação de rua, Pe. Júlio virou uma celebridade em detrimento da “hyperização” de sua figura. “É importante que ele seja visível, porque dá visibilidade a luta dele, da visibilidade as pessoas em situação de rua, mas por outro lado, ele se torna mais uma celebridade, mais um influenciador”, relata.
Indagado sobre a importância da figura do Pe. Júlio frente a questões de direitos humanos e o papel que ele tem em difundir essas lutas, Mieli aponta uma qualidade do Padre que poucos possuem, “assumir uma qualidade daqueles que sofrem”. “De tanto conviver com as pessoas desqualificadas, ele acabou assumindo isso. Ele tem prazer em ser o menor entre os menores, o que é uma coisa muito rara no ser humano”. E ressalta dizendo, “de repente você [Padre Júlio]: ‘não, eu vou lá no meio dos que estão sem nada e vamos apanhar junto com ele e vamos lá. É isso o cristianismo, “Amai ao próximo como a ti mesmo” é isso. Se coloca no lugar do outro, dois minutinhos, para ver o que é bom para tosse, ao invés de ficar fazendo atos de caridade”.
Em meio a pandemia de Covid-19 que o mundo está vivendo desde março de 2020, “voltar a vida normal” passa uma impressão praticamente utópica. Enquanto no Brasil, no seu pior momento da pandemia, usar máscara e passar álcool gel já viraram hábito, bem como acordar cedo para estudar ou trabalhar sem sair de casa, o sentimento de desilusão e falta de esperança não é comum em outros países.
Além de existir uma série de países que estão controlando a pandemia de forma vantajosa e eficaz - dando cada dia mais esperanças para a população - existem também aqueles que já venceram os desastres do coronavírus, e a “vida normal” voltou. Surpreendentemente não são apenas países ricos ou isolados que conseguiram rebater a pandemia, bastou o governo e a população fazerem sua parte. Como é o caso do Vietnã, por exemplo, que apesar de ser um país pouco desenvolvido - com quantidade de habitantes equivalente a metade da população do Brasil - e pobre (renda per capita equivale a um terço da brasileira), trabalhou rapidamente no combate a pandemia de Covid-19. O país só teve 35 mortes, e hoje em dia o Vietnã vive uma vida normal.
Mesmo sendo um país pobre, agiu muito rápido com muita testagem, rastreamento de contatos, isolamento social rigoroso e uma campanha de conscientização da população que entendeu a gravidade do momento. Já no Brasil as pessoas fizeram ao contrário, decidiram passar o carnaval para agir contra o vírus e mesmo quando foi feito um isolamento imediato poucos se importaram. O maior responsável pelo caos sanitário instalado no Brasil, que está vivendo os piores momentos da pandemia é o presidente Jair Bolsonaro, assim também dos governadores, prefeitos e os deputados federais.
O presidente deixou claro que achava tudo isso uma “gripezinha”, após usar essa expressão duas vezes em rede nacional. "No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho, como bem disse aquele conhecido médico, daquela conhecida televisão".
Em um país onde o próprio presidente não leva a sério uma das maiores pandemias que levaram a vida 500 mil brasileiros, não podemos esperar resultados positivos. O brasileiro Diego Lopes, de 22 anos, que atualmente mora e estuda em Sidney, na Austrália, um dos países que já voltaram com a vida ativa normal, não precisa usar máscara e não se tem mais nenhum caso de coronavírus no país. Diego conta como tem se sentido aliviado.
“O sentimento é totalmente de alívio e gratidão por termos vencido a pandemia, poder voltar a viver normalmente sem nenhuma restrição é bom demais, não ter nenhuma vida mais sendo perdida por esse vírus me conforta.” afirma. Apesar de estar sem riscos de se contaminar, o brasileiro está bem aflito com a situação atual do Brasil.
“Minha família toda está no Brasil, e ver toda essa luta para conseguir tomar uma vacina, que é direito da população, e ainda acompanhar todo esse desgoverno é demais. Se eu pudesse traria todo mundo para ca”, diz Lopes, que também conta como foi o processo de se mudar de país e como tem sido a diferença de realidade.
“Há 3 anos me mudei para Sidney, justamente por querer viver em um país onde o governo funciona de fato, conhecer uma nova cultura, e viver essa realidade durante a pandemia foi onde senti intensamente a sensação de viver em um país de primeiro mundo e ficar triste e agoniado ao acompanhar as notícias do meu país de origem”, afirma. “Espero que o Brasil saia dessa logo, estou mandando muita força para todas as famílias que perderam alguém, e espero rever a minha em breve”, diz.
É muito forte ver países voltando à normalidade enquanto o Brasil fica tão atrasado em relação às vacinas, um país tão grande que carrega um número assustador de mortes pela Covid-19. O que o brasileiro mais quer é ver o país como esses que foram citados, porém é possível enxergar um Brasil muito distante do que tínhamos alcançado até 2019, antes da pandemia.
Na segunda-feira (7/06) foi celebrado, no Brasil, o Dia da Liberdade de Imprensa. A data é comemorada por conta da forte censura que a mídia sofreu durante o período do Estado Novo e, principalmente, durante a Ditadura Militar, que perdurou no Brasil por mais de 20 anos (1964-1985). O dia se tornou ainda mais significativo após a eleição de Jair Bolsonaro, quando ataques a jornalistas se tornaram frequentes por parte do governo e de seus apoiadores.

Breiller Pires, jornalista da ESPN e do El Pais, acredita que a liberdade de imprensa já estava sendo atacada mesmo antes do governo de Jair Bolsonaro, mas se intensificou desde sua eleição em 2018. Os dados confirmam a opinião de Breiller. Segundo o Relatório Anual de Violações à Liberdade de Expressão, divulgado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), os casos de agressões contra a imprensa aumentaram em 167% de 2019 para 2020, de 56 para 150, sendo 40% do total de ataques, ligado ao nome do presidente Jair Bolsonaro.
Além disso, os constantes ataques fizeram com que o Brasil caísse 5 posições no ranking mundial de liberdade de imprensa, organizado pelos Repórteres sem Fronteiras (RSF). O país, que em 2018 se encontrava na 102ª posição, caiu para a 107ª em 2020. Segundo o presidente da RSF na América Latina, Emmanuel Colombié, a colocação atual se deve aos “multifacetados ataques à imprensa, que seguem uma estratégia cada vez mais bem estruturada de semear desconfiança no trabalho dos jornalistas”.

Os ataques mais recentes a jornalistas foram destinados a profissionais da CNN. Durante as manifestações a favor do governo de Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro, no dia 23 de maio, o jornalista Pedro Duran, da CNN, ex-aluno do curso de Jornalismo da PUC-SP, foi alvo de agressões verbais e físicas por parte dos apoiadores do presidente, que gritavam “vai para casa” e “vagabundo” para Duran. Três dias depois, no dia 26, a jornalista Daniela Lima virou alvo dos bolsonaristas – e do próprio presidente, que a chamou de “quadrúpede”. Esses ataques se deram por conta de um erro da jornalista enquanto dava uma notícia ao vivo, quando disse que “infelizmente, a gente vai falar de notícia boa, mas com valores não tão expressivos”.
A frase foi tirada de contexto e utilizada para atacar a jornalista e a imprensa em geral. Para Breiller Pires, esses ataques demonstram bem o tempo conturbado que o Brasil vive: "o jornalismo vive um período difícil, um período crítico em que está em xeque não só a liberdade de imprensa, mas a própria liberdade de expressão”, afirmou. Pires ressalta, sem citar de quem está falando, que muitos veículos que estão sofrendo esses ataques normalizaram esse discurso extremista e autoritário do atual presidente. “O extremismo se apropria de um veículo de imprensa, se aproxima de um comentarista ou jornalista que é favorável a ele e demonstra simpatia. Mas, a partir do momento que se faz jornalismo, o extremismo descarta esse dito aliado”.
Essa ofensiva contra jornalistas é maior quando se trata de mulheres exercendo a profissão, que são vítimas de xingamentos machistas. Os casos de Daniela Lima, de Patrícia Campos Mello e Vera Magalhães se destacam nesse ponto. Isso foi ressaltado por pela pesquisadora do objETHOS Janara Nicoletti, na 43° semana de jornalismo da PUC-SP.
A doutora em jornalismo mostrou que, em 2020, 64 dos 428 ataques a profissionais de imprensa eram destinados a mulheres. Desses 64, cerca de 26% foram realizados por pessoas na rua, 23% pelo próprio Jair Bolsonaro e 18% por anônimos da internet. A pesquisadora conclui dizendo que o objetivo desses ataques é intimidar as jornalistas e causar o que ela chamou de uma “autocensura”, ou seja, calar o profissional da imprensa.
Apresentadora do BandNews em Alta Frequência, a jornalista Gabriela Mayer, 33, conta que aprendeu muito sobre a importância da profissão ao longo da carreira. Mayer apresenta dois podcasts- Elas por Elas, na BandNews - e o Põe na Estante, sobre literatura. A jornalista, que também realizou cobertura sobre a tragédia de Brumadinho, falou em entrevista coletiva sobre sua trajetória e o panorama do jornalismo nos dias atuais.
"Parece que a notícia e o post do facebook têm o mesmo peso. É preciso encontrar maneiras de chegar mais próximo das pessoas, de forma mais eficiente" disse.
A jornalista, que trabalha na BandNews desde 2017, com passagens pela TV Cultura, Record News e TV Gazeta, também diz que percebeu, ainda no começo do curso, o papel social da profissão e contou que para ela, o jornalismo foi "bem mais que uma escolha para prestar o vestibular".
Mayer também comentou sobre os podcasts que apresenta. A jornalista revelou que é uma leitora voraz, e que o podcast Põe na Estante, que serve como uma espécie de clube de leituras em forma de áudio, é quase inteiramente feito por ela. "Só não faço a mixagem e as capas dos episódios".
Gabriela também deu sua opinião sobre o poder da leitura na sociedade. "Os livros são muito potentes. Imagina uma sociedade que consegue ler as entrelinhas das obras".
É muito fácil conhecer alguém que tenha entrado em um curso e se decepcionado. A pressão sobre os estudantes em escolher uma faculdade e já decidir a carreira a ser seguida, é muito grande. Em uma conversa com uma estudante de letras decepcionada com seu curso, e com uma psicopedagoga, foi possível abordar um pouco mais sobre esse assunto.
A psicopedagoga Betty Monteiro fala da pressão exercida sobre os alunos, do sistema escolar brasileiro e de quem se sente perdido no mundo das escolhas acadêmicas.
AGEMT: Como essa pressão pela escolha de curso afeta a relação do aluno com os estudos?
Betty Monteiro: "Na verdade, essa pressão é tão séria que muitas vezes começa antes da criança nascer. A gente costuma dizer que toda família tem um filho idealizado e um filho real. Essa criança idealizada já é idealizada dentro do útero, e isso influencia absolutamente tudo, porque aí, aquele que não tem o dom ou o interesse em seguir o que foi projetado nele, costuma ser o filho fracassado. A pressão que a família exerce pro aluno seguir uma determinada profissão, ou pra que o filho seja um bom aluno, interfere muito nos estudos. Faz com que ele crie um bloqueio em relação à escolha, e sob pressão seu pensamento se fragmenta, e o aluno desiste de estudar."

AGEMT: Você acha que o sistema escolar do Brasil faz com que a relação do estudante com o ambiente escolar se transforme em algo ruim, negativo? E o que você acha do sistema escolar brasileiro?
Betty Monteiro: "O sistema escolar no Brasil faz com que o ambiente da escola seja algo negativo, muitas vezes. Uma coisa que eu percebo é que as escolas não investem em uma formação autodidata, ou seja, não encaminham o aluno pra aprender sozinho. Muitos professores apenas reproduzem o que eles leem, não sabem ensinar. Eles não levam o aluno a ter interesse. Eu acredito que pra gente escolher bem uma profissão, todos deviam fazer um estágio na adolescência, um trabalho voluntário, de livre escolha.
Acredito que enquanto a gente não investir na figura do professor lá no ensino infantil, o sistema vai sempre deixar a desejar, porque tendo excelência no ensino infantil existe menos risco de o professor criar dificuldades e bloqueios. O fracasso começa lá no começo da jornada escolar, isso eu posso ver como psicopedagoga e psicoterapeuta que sou."
AGEMT: Os jovens têm esse sentimento de obrigação em escolher o que querem fazer pro resto da vida logo ao completarem 18 anos, principalmente por conta de todas as pressões ao longo da vida escolar. Como mudar isso e explicar que tá tudo bem se esse não for o caso?
Betty Monteiro: "O que eu falo pros meus jovens é que eles precisam sondar seus interesses e deixar bem claro que essa primeira escolha não precisa ser a única escolha, sempre é tempo de mudar, sempre é tempo de tentar aquilo que queríamos ter sido. Por que não fazer mais de uma faculdade ou interromper o curso que não está gostando, voltar, rever, começar outro? Sempre é tempo da gente buscar o caminho que necessitamos."
O SENTIMENTO DE QUEM VIVE A PRESSÃO
Alice Severo, 22, estudante do curso de letras na Universidade Federal de Santa Maria, conta sobre a relação com o curso e o que a deixa mais decepcionada, além dos motivos que fazem com que ela permaneça na universidade.
AGEMT: Por que você escolheu o curso de letras?
Alice Severo: "Foi mais pela minha família. Eu sempre tive afinidade com literatura e língua portuguesa, mas nunca me vi trabalhando com isso, era mais um hobbie mesmo. Mas eu precisava entrar em uma faculdade logo, a nota do ENEM me colocava na primeira chamada e então eu fui."
AGEMT: O que mais te decepcionou?
Alice Severo: "O que me decepcionou foi a grade do curso que não explora tantas áreas, como escrita criativa ou até mesmo escrita na área do jornalismo ou qualquer outra coisa. Acho que a limitação é algo que me incomoda."
AGEMT: Você tem vontade de trocar de curso?
Alice Severo: "Sim e não. Trocaria pra fazer algo que tenho curiosidade e sempre quis, mas também tenho curiosidade de terminar esse."
AGEMT: Você acha que o sistema escolar brasileiro poderia ser diferente?
Alice Severo: "Acho que sim, mas acredito que isso seja um daqueles sonhos distantes que a gente passa a vida esperando ser testemunha..."
AGEMT: Você acha que ter de escolher o curso logo após sair do ensino médio fez com que você não conseguisse escolher de uma forma melhor, com mais calma?
Alice Severo: "A pressão de ter que fazer algo logo atrapalha muito. Eu tenho pouquíssimos amigos que tiveram a opção de escolher e depois mudar de curso, e mudar de novo até se achar em algo. Eu e a grande maioria tivemos que escolher a opção mais rápida e mesmo estando insatisfeitos, precisamos continuar. É todo um sistema que atrapalha uma boa parte da nossa vida, nos deixando insatisfeitos e às vezes doentes. Mas essa pressão vem desde o começo do ensino médio, então não é fácil fugir disso."
AGEMT: O que te deixa desanimada no curso?
Alice Severo: "O que mais me desanima são os professores, sinceramente. Não todos, mas aqueles que estão sempre um nível acima da gente. Isso atrapalha no aprendizado. Eles passam mais tempo se vangloriando do que passando toda a experiência para os alunos. Seria muito melhor ter uma convivência mais de colegas de profissão (em níveis diferentes, claro) do que professor-aluno."
AGEMT: Você se sente pressionada, de algum jeito, por ter 22 anos e já ter que saber diversas coisas da sua vida? Como, por exemplo, a carreira que quer seguir, ou o que vai fazer depois que a faculdade acabar.
Alice Severo: "Sim, muito. Mas particularmente tento não dar ouvidos a isso mais. Me deixou doente em outro momento da minha vida, e agora tento apenas viver a experiência completa pra depois decidir se preciso mesmo ter algo certo ou posso continuar tentando."





