Como um autodidata ousado desafiou a lógica e transformou a cidade de pedra
por
Catharina Morais
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06/12/2024 - 12h

A Rua Maranhão, em Higienópolis, é como um refúgio dentro de São Paulo, cheia de histórias para contar em cada esquina. Com suas árvores sombrias e prédios de tirar o fôlego, como o icônico Vila Penteado da FAU-USP, a rua já foi endereço de gente famosa, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É  só chegar na esquina com a Rua Sabará que tudo muda: o Edifício Cinderela simplesmente rouba a cena.

 

Edifício Cinderela, inaugurado em 1956 - por Catharina Morais
Edifício Cinderela, inaugurado em 1956 - por Catharina Morais

 

De longe, ele parece uma obra única, e é. Em uma São Paulo historicamente cinzenta e funcional, o Cinderela é uma explosão de cores, criatividade e formas. Não é um simples prédio construído para abrigar pessoas - só a beleza de sua arquitetura que chama atenção; há algo mais ali - características visionárias que antecipavam o futuro da vida urbana. Era um sonho do "American way of life", ajustado à realidade brasileira.

Mas quem ousaria conceber um prédio tão peculiar? Conhecido como o "arquiteto maldito", João Artacho Jurado era uma figura à margem da elite arquitetônica. Nascido em 1907, no bairro do Brás, filho de imigrantes espanhois, ele começou a carreira como letrista, desenhando cartazes e estandes para feiras industriais. Apesar de nunca ter cursado arquitetura, Jurado demonstrava um talento inato para transformar ideias em construções. 

 

Edifício Parque das Hortênsias na Avenida Angélica - por Catharina Morais
Edifício Parque das Hortênsias na Avenida Angélica - por Catharina Morais

 

Na São Paulo das décadas de 1940 e 1950, dominada pelo rigor do modernismo — com suas linhas retas, geometrias simples e desprezo por adornos —, Artacho parecia um transgressor. Seus prédios eram uma celebração do que se recusava a ser discreto. Inspirados pelo glamour de Hollywood e pela opulência europeia, eles misturavam o clássico e o kitsch, sem medo de causar estranhamento.

 

Edifício Viadutos localizado no bairro Bela Vista - por Catharina Morais
Edifício Viadutos localizado no bairro Bela Vista - por Catharina Morais

 

Edifícios como o Bretagne, o Viadutos, o Louvre, o Planalto e, claro, o Cinderela se tornaram símbolos dessa visão. Vibrantes, ornamentados e quase teatrais, eles destoavam do rigor técnico da arquitetura predominante. Não à toa, sua obra era amada pelo público, mas odiada por muitos arquitetos da época.  

A controvérsia em torno de Artacho ia além do estilo. Por ser autodidata, ele não tinha licença para assinar seus projetos, dependendo de engenheiros formados para legitimar suas obras. Esse fato era visto como uma afronta pela elite acadêmica, que o apelidou de "arquiteto maldito".  

 

Fachada do Edifício Piauí construído entre 1948 e 1952 - por Catharina Morais
Fachada do Edifício Piauí construído entre 1948 e 1952 - por Catharina Morais

 

Além disso, seus prédios eram frequentemente criticados como "bregas" e "excessivos". Contudo, essas críticas pouco afetaram Artacho, que usava sua visão como combustível para inovar. Ele fazia de suas inaugurações verdadeiros espetáculos, com bandas, celebridades e políticos. Eram eventos tão grandiosos quanto os edifícios que celebravam.  

Artacho não só projetava prédios; ele os desenhava por completo, dos cobogós aos gradis, dos lustres à tipografia das fachadas. Cada detalhe era pensado para oferecer uma experiência que ia além da funcionalidade. Ele também foi pioneiro em incluir áreas comuns de lazer, como piscinas e salões de festa, em uma época em que essas comodidades eram raras.  Seu público-alvo, a classe média emergente, via nos edifícios de Artacho um sonho acessível. Eram mais que lares; eram convites para uma vida moderna e comunitária.  

 

Edifício Bretagne, um marco arquitetônico com sua planta em ‘L’- por Catharina Morais
Edifício Bretagne, um marco arquitetônico com sua planta em ‘L’- por Catharina Morais

 

Apesar das críticas em vida, o trabalho de Artacho foi reavaliado nas décadas seguintes, sendo hoje considerado um marco do modernismo tropical. Seus edifícios, antes tidos como aberrações, tornaram-se símbolos de uma São Paulo mais vibrante e humanizada.  

O Edifício Cinderela, com sua paleta de cores e seu charme cinematográfico, continua a ser um lembrete do que Artacho buscava: romper padrões, acolher o inesperado e dar à cidade algo que ela não sabia que precisava. 

Mais do que o “arquiteto maldito”, Artacho Jurado foi um visionário que se recusou a ser limitado pela lógica ou pelas convenções. Sua obra é um testemunho da coragem de colorir o cinza e de transformar o banal em extraordinário.

 

Edifício Louvre no bairro da República, tombado desde 1992 pelo Conpresp - por Catharina Morais
Edifício Louvre no bairro da República, tombado desde 1992 pelo Conpresp - por Catharina Morais

 

Importante área de preservação e pesquisa ambiental é também um lugar a se visitar e descobrir em São Paulo
por
Pedro Bairon
João Pedro Stracieri
Vítor Nhoatto
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28/11/2024 - 12h

Localizado na zona sul da capital paulista, entre os portões 6 e 7 do Parque Ibirapuera, eis um berço da vida. Criado formalmente em 1928 após a transferência do bairro Água Branca para onde está até hoje, o Viveiro Manequinho Lopes é um dos três administrados pela cidade e o maior deles. São ali produzidas milhares de espécies para a cidade e também a todos os interessados em arborizar suas propriedades. 

Seu nome faz alusão ao diretor da então recém-criada Divisão de Matas, Parques e Jardins, Manoel Lopes de Oliveira Filho, conhecido como Manequinho Lopes. A homenagem foi dada após ele plantar eucaliptos na região até então pantanosa e aos seus esforços contínuos para manter o viveiro de pé após o pedido de remoção em 1933 para a construção do parque. 

A reivindicação da prefeitura na época não foi para frente também pela necessidade cada vez maior de produção de mudas para a cidade, e foi Manequinho um dos responsáveis por essa mudança de perspectiva. Após a sua morte em 1938 o viveiro municipal enfim recebeu o seu nome atual, e segue hoje sendo de extrema importância para a cidade e meio ambiente, apesar de pouco conhecido e divulgado.

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Com uma área de 4,8 hectares e uma imensidão de plantas o Viveiro Manequinho Lopes pertence ao Parque do Ibirapuera, e seu acesso pode ser feito direto do parque pelo portão 7, ou pelo portão 6 - Foto: Vítor Nhoatto
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Adentrando no complexo com certeza muitas espécies serão familiares, afinal, o local é responsável por fornecer as mudas que são plantadas pela cidade como esta, conhecida popularmente como Coração Magoado - Foto: Vítor Nhoatto
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São ao todo 10 estufas (casas de vegetação), 97 estufins (canteiros suspensos), 3 telados como o da foto (estruturas cobertas com tela de sombreamento) e 39 quadras (mudas envasadas) - Foto: Vítor Nhoatto
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O Viveiro ainda é um laboratório da flora, onde são feitas pesquisas para o aprimoramento e desenvolvimento de novas variações de plantas como na estufa 5 na imagem - Foto: Vítor Nhoatto
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Cada lote de plantas possui a sua identificação científica, quantidade, data de cultivo e um técnico responsável, que rega e anota diariamente a temperatura máxima e mínima atingida em cada estufa - Foto: Vítor Nhoatto
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A instituição também é um importante centro de preservação de espécies nativas, pela reprodução e manutenção de exemplares como este no meio do Viveiro - Foto: João Pedro Stracieri
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Para além de todas as descobertas sobre a flora, muitos pássaros frequentam o viveiro, tal qual esse Sabiá Laranjeira, a ave símbolo do Brasil - Foto: João Pedro Stracieri
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Espécies que requerem mais cuidados como as orquídeas, exóticas como as suculentas e variações menos comuns como esta da foto também são produzidas no Viveiro - Foto: Vítor Nhoatto
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Tal qual um parque, o Viveiro possui áreas de convivência, bebedouros e lixeiras para os seus visitantes, sempre com entrada gratuita, apenas pets nao sao permitidos devido ao cuidado exigido com as mudas - Foto: Vítor Nhoatto
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São disponibilizados ao longo do caminho mapas, avisos sobre os cuidados exigidos e placas informativas sobre a função e funcionamento das estruturas - Foto: Vítor Nhoatto
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Apesar de ficarem na maior parte do tempo fechadas para visitação, pelo menos duas vezes ao dia os técnicos abrem para rega e checagem, possibilitando a apreciação dos visitantes sortudos - Foto: Vítor Nhoatto
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E para os que quiserem é possível agendar visitas guiadas pelo número do Viveiro entre às 7h e 16h de segunda a sexta e até mesmo adquirir mudas mediante solicitação no portal 156 da prefeitura - Foto: Vítor Nhoatto

 

Situado no histórico bairro de Higienópolis, o lugar é testemunho vivo da evolução da cidade
por
Leticia Alcântara
Sophia Razel
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28/11/2024 - 12h

Localizado no coração do bairro de Higienópolis, o Parque Buenos Aires é um refúgio no meio da rotina agitada de São Paulo. Construído em 1913, com a finalidade de ser um espaço de lazer para elite paulistana, o local foi inspirado nos parques europeus. O terreno, que inicialmente foi projetado para ser um loteamento residencial de casas de alto padrão, hoje é símbolo de tranquilidade e calmaria para os moradores da região.  

Antigo mirante do parque
Mirante da Praça Buenos Ayres, com a vista do Vale do Pacaembu - Reprodução / Acervo /  Estadão Conteúdo / Laboratório Buenos Ayres 

 

Pessoas passeando no parque
Família caminhando em pequena trilha do Parque Buenos Aires - Foto: Letícia Alcântara
Pessoas a anos atrás tirando fotos no parque
1919, pessoas diante da obra Anfritite e Tritão. Foto: Reprodução / Facebook/ São Paulo Antiga
Fonte no Parque Buenos Aires atualmente, um dos destaques do espaço - Foto: Leticia Alcântara
Fonte no Parque Buenos Aires atualmente, um dos destaques do espaço - Foto: Leticia Alcântara

Tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo em 1992, o Parque Buenos Aires foi projetado pelo arquiteto paisagista francês Bouvard. Com o passar do tempo, o local foi se transformando e modernizando. Atualmente o parque possui cerca de 22 mil metros quadrados, repletos de muita vegetação e áreas de lazer, com espaço para pets e parquinho para as crianças. 

Área para animais de estimação
Cercado para cães próximo a entrada do Parque, localizado na Av. Angélica - Foto: Letícia Alcântara
Área para crianças
Crianças brincando no playground, cercado pela vegetação do Parque Buenos Aires - Foto: Sophia Razel
Crianças brincando na fonte no passado
Vista da Praça Buenos Aires, no bairro de Higienópolis em 1958 - Reprodução / Folhapress / Gazeta SP 

O local também dialoga com a arte e possui algumas esculturas emblemáticas, como “O Tango”, de Roberto Vivas, em bronze e granito, 'Mãe' de Caetano Fraccaroli, esculpida num só bloco de mármore, além de uma cópia em bronze da escultura “Emigrantes”, de Lasar Segall. 

Monumento do parque
Escultura, em bronze, “Emigrantes”, de Lasar Segall - Foto: Sophia Razel  

Mesmo com as inegáveis raízes alicerçadas em um contexto de elitização, a importância cultural e histórica do local é inegável. Sua existência é um símbolo da memória urbana que deve ser preservada, entretanto, tendo em vista a necessidade da democratização do espaço, que permanece cheio de memórias e significado ao longo das décadas. 

Estatua do parque
Estátua 'Mãe' de Caetano Fraccaroli, localizada no Parque Buenos Aires, simboliza proteção e acolhimento, homenageando a maternidade - Foto: Letícia Alcântara

Com sua localização privilegiada e ambiente sereno, o Parque Buenos Aires é um dos grandes patrimônios verdes da cidade, oferecendo aos paulistanos uma verdadeira pausa no cotidiano urbano.

 

Com 70 anos de carreira, se consagra como o maior fotojornalista do país
por
Majoí Costa
Nicole Conchon
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21/11/2024 - 12h

Neste mês de novembro, o Brasil perdeu um grande fotógrafo. Ao longo de sete décadas, o fotojornalista Evandro Teixeira se tornou uma referência na fotografia documental brasileira, capturando momentos cruciais do país e imortalizando, com suas imagens, as transformações sociais, políticas e culturais.

Teixeira não foi apenas um fotógrafo, mas um contador de histórias. Durante 70 anos de carreira, seu trabalho transcendeu a simples captura de imagens, tornando-se uma ferramenta essencial na compreensão de momentos decisivos para o Brasil.

 

A lente do compromisso

         O fotojornalismo, como área profissional, exige mais do que a técnica fotográfica; exige comprometimento com a verdade e com a representação fiel dos fatos. Teixeira deixou isso bem claro durante toda a sua vida, ao se dedicar nesse trabalho durante um período de grandes transformações políticas e sociais, desde a ditadura militar até hoje.

         Suas fotos não apenas documentam, mas também provocam reflexões sobre o papel da imagem no campo jornalístico e no impacto de uma fotografia na construção da memória coletiva.

 

Passeata dos Cem Mil. Rio de Janeiro, 1968
Passeata dos Cem Mil. Rio de Janeiro, 1968. Reprodução: Acervo IMS

 

O início da jornada

         Natural da Bahia, de Irajuba, um povoado a 307 quilômetros de Salvador, saiu de sua terra para fotografar o Brasil. Em quase 70 anos de atividade, 47 deles no Jornal do Brasil, registrou o golpe de 1964 e as manifestações estudantis de 1968.

Ao longo da década de 1970, ele se tornou um dos principais fotógrafos da revista Realidade, uma das publicações mais inovadoras do período. Foi nesse momento que Evandro fotografou suas fotos mais conhecidas, em que aprendeu a trabalhar sob pressão, capturando a tensão e os conflitos da ditadura militar.

         Além de sua atuação no Brasil, Teixeira teve uma carreira internacional, cobrindo grandes eventos como a Revolução Nicaraguense (1979) e a guerra civil em El Salvador. Fotografou a Rainha Elizabeth e eternizou imagens icônicas de Ayrton Senna e Pelé. É difícil dissociar seu trabalho de qualquer evento no país que ocorreu durante a segunda metade do século XX.

Caça ao estudante. Sexta-feira Sangrenta. Rio de Janeiro, 1968
Caça ao estudante. Sexta-feira Sangrenta. Rio de Janeiro, 1968. Reprodução: Acervo IMS

 

O fotógrafo foi alvo de perseguição, sendo várias vezes ameaçado e perseguido pelos militares. Mesmo com os riscos, ele continuou a registrar a realidade do regime, contribuindo de maneira significativa para a memória histórica do período.

 

Legado e reconhecimento

O trabalho de Evandro Teixeira foi amplamente reconhecido, com exposições em museus e galerias ao redor do mundo. Ele também foi premiado diversas vezes por sua contribuição ao fotojornalismo, consolidando seu nome como um dos mais importantes do Brasil.

Em um dos seus maiores feitos, em 2013, Teixeira foi agraciado com o Prêmio Vladimir Herzog, uma das maiores honrarias da área, por sua contribuição ao jornalismo e ao combate à censura e à opressão.

Seu legado vai além das inúmeras fotos que tirou, mas uma documentação completa dos principais momentos do Brasil. Retratou lutas e vitórias de um povo em busca de liberdade e justiça Suas imagens retratam isso, não apenas registrar a realidade, mas também as emoções que a história carrega consigo. 

 

Novos dados do IBGE revelam como o êxodo rural transforma as paisagens do Brasil
por
Catharina Morais
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21/11/2024 - 12h

A manhã no Sítio São João - também conhecido como “a roça”-, em Muzambinho, Sul de Minas Gerais, começou lenta. O céu carregava nuvens espessas, como um teto cinza sobre a paisagem. A chuva fina deixava pequenas trilhas na terra vermelha, enquanto o aroma das folhas de café se misturava com o perfume de terra molhada. O mundo parecia suspenso num silêncio, quebrado apenas pelo sopro do vento e o canto tímido dos pássaros.

 

Sítio São João- por Catharina Morais
      Paisagem de Muzambinho, inteiror do Sul de Minas Gerais - por Catharina Morais


No horizonte, o verde dos cafeeiros se estendia como um tapete irregular. Urubus, com suas asas abertas, ficavam como vigilantes sobre aquele espaço amplo e quase intocado. Ali, a vida segue em um ritmo que parece imutável, mas, na realidade, carrega as marcas de profundas transformações. Dados recentes do Censo Demográfico do IBGE escancaram uma realidade em que o Brasil se afasta das zonas rurais, cada vez mais engolido pelas grandes cidades.
 

Sítio São João- por Catharina Morais
                     Urubus pousados na cerca do Sítio - por Catharina Morais

 

Divulgado em novembro de 2024, o Censo Demográfico 2022 aponta que, do total de 203,1 milhões de brasileiros, 177,5 milhões (87,4%) vivem em áreas urbanas, enquanto 25,6 milhões (12,6%) permanecem em áreas rurais. A nova metodologia do IBGE, que classifica as áreas de acordo com sua morfologia e funcionalidade, expõe um êxodo silencioso que esvazia espaços como o Sítio São João.  

 

Sítio São João- por Catharina Morais
      Vista do interior do cafezal no Sítio São João - por Catharina Morais 

 

Mas, ali, o tempo parece ter sua própria lógica, um compasso que desafia as pressões urbanas. O pé de café, despido após a colheita, parecia revigorado pela água que escorria lenta pelas folhas. Na simplicidade daquele lugar, o Brasil profundo ainda respirava, resistindo ao avanço do tempo. Cada cheiro, cada som, cada sombra projetada na terra carregava memórias de um passado que se recusa a desaparecer.  

 

 

Sítio São João- por Catharina Morais
             Plantação de café do Sítio São João - por Catharina Morais

Naquela região, a "mineirice" se revela em cada gesto, em cada palavra arrastada, no cuidado com a terra e nas memórias que ela preserva. A simplicidade do lugar ganha força na conexão íntima com a natureza. Ali, não se vê o vazio de um latifúndio sem alma, mas uma roça onde há harmonia de um espaço onde o trabalhador, dono da terra, é parte de sua essência.  
Mas o que é viver numa roça? No caso do Sítio São João, é a história de Carlinho Tuka e sua esposa, Terezinha, que respiram essa realidade desde que nasceram. Ela, natural de Monte Belo, cidade vizinha, nasceu na fazenda e cresceu trabalhando para a terra e cuidando da vida que ali florescia. Hoje, cultiva sua horta e cuida dos animais com carinho, como aprendeu desde a infância. Eles vivem com uma autonomia que mais de 170 milhões de brasileiros sequer imaginam.

 

Sítio São João- por Catharina Morais
Casa Principal do Sítio São João - por Catharina Morais


Enquanto muitos , moradores da “cidade grande”, temem as transformações do tempo e as exigências de um mundo moderno, ali, o silêncio esconde um outro tipo de vida. A conexão com a natureza e a noção do tempo, ditado pelo sol de cada dia, revelam uma existência que transcende o capitalismo voraz que domina as cidades e devastam os solos do Brasil.
Este agro não é Pop. Ele é Minas, é orgânico. Carlinho, com a pele marcada pelo sol e pelo trabalho árduo que faz desde os 13 anos, caminha entre os cafezais, mostrando suas conquistas. Plantas com 30, 40, até 50 anos de idade. Tradição que é herança de seu pai João, que antes vendia leite, mas se dedicou à colheita de café, transmitindo a cultura ao filho. 
 

Sítio São João- por Catharina Morais
    Paisagem e uma das casas do Sítio São João - por Catharina Morais

 

Hoje, com mais de 60 anos, Carlinho sente o peso do cansaço, mas seu amor pela roça permanece inabalável. A música 'Canção do Sal', de Milton Nascimento, preenche o ambiente de forma metafórica, marcando o ritmo de um trabalho que combina esforço físico e uma profunda entrega emocional: 'Trabalho o dia inteiro, pra vida de gente leve; Trabalhando o sal, é o amor, o suor que me sai'.
No Sítio São João, há silêncio, há céu preenchido por vida, há cheiro de mato e terra vermelha, há um mar verde que se estende à vista. A vida na roça segue como uma coreografia silenciosa: bois pedindo carinho enquanto ruminam sob o açude. Cada árvore de café, cada passo sobre a terra batida, carrega histórias que teimam em não ser esquecidas.

 

Sítio São João- por Catharina Morais
               Animais no pasto do Sítio São João - por Catharina Morais

 

O Brasil urbano cresce em números, mas o Brasil rural, com suas chuvas, seus silêncios e seus personagens, continua vivo. Mesmo em meio à industrialização e à degradação do agro, o Sítio São João mantém sua resistência silenciosa. Ele é um microuniverso mineiro, onde a simplicidade das paisagens e a profundidade dos silêncios escondem uma complexidade que o tempo não pode apagar. Afinal, enquanto houver chuva que cai, haverá vida. E enquanto houver vida, o Sítio São João continuará a ser o lar das histórias que persistem na memória da roça.

 

 

Sítio São João- por Catharina Morais
                Animais no pasto do Sítio São João - por Catharina Morais


 

Valorização de bairros da capital paulista altera a paisagem urbana
por
Vitória Nascimento
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02/05/2024 - 12h

Conhecida como uma cidade de arranha-céus, São Paulo sempre está ganhando novos prédios para fazerem parte de sua vista, mesmo que as vezes isso ocorra a custas das identidades dos bairros. A gentrificação é um clichê das grandes metrópoles, zonas que normalmente passaram por uma revitalização acabam sendo mais valorizadas, fazendo com que novos moradores e comércios busquem o local e acabem mudando o padrão financeiro e social do bairro, os antigos habitantes não conseguem acompanhar as mudanças e acabam se mudando.

Esse processo altera as zonas tanto socialmente quanto estruturalmente. Para conseguir abrigar a demanda de novos moradores, casas são demolidas para darem espaços a apartamentos. Na capital paulista, em bairros como Pinheiros ou Higienópolis ainda é possível encontrar casas resistindo em meio aos prédios e construções em andamento, embora estejam perdendo seus lugares, ainda se fazem presentes.

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Em São Paulo, a gentrificação tem ocorrido principalmente na área do centro expandido. Foto: Vitória Nascimento
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Bairros como Pinheiros, Vila Madalena e Vila Buarque aumentam constantemente suas verticalizações. Foto: Vitória Nascimento
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A especulação imobiliária aumenta o custo de vida na região. Foto: Vitória Nascimento
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Em 2020, o número de pessoas morando em prédios superou o de moradores de casas, segundo o Centro de Estudos da Metrópole da Fapesp. Foto: Vitória Nascimento
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A verticalização transforma a paisagem urbana. Foto: Vitória Nascimento
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Casas se tornam mais raras nos bairros gentrificados. Foto: Vitória Nascimento
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Segundo dados da Urbit, apenas 10% da população pode custear um imóvel acima de R$ 600 mil na capital paulista. Foto: Vitória Nascimento
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Esse processo socioespacial também impacta o meio ambiente com o aumento de áreas impermeabilizadas de solo. Foto: Vitória Nascimento
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As mudanças causadas pela gentrificação intensificam a criação de ilhas de calor e poluição do ar. Foto: Vitoria Nascimento
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A gentrificação agrava a segregação socioespacial de São Paulo. Foto: Vitória Nascimento
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O processo de gentrificação revela a falta de planejamento urbano da cidade. Foto: Vitória Nascimento

 

Alternativas para melhorar a sustentabilidade da segunda indústria mais poluente do mundo podem ser encontradas nos famosos brechós.
por
Livia Machado Vilela
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02/05/2024 - 12h

O conceito de economia circular está na moda. Com o objetivo de combater o desperdício e visando o crescente interesse no desenvolvimento sustentável, a ideia por trás do movimento é manter boas peças circulando no mercado, evitando o esgotamento dos recursos naturais e o acúmulo de resíduos descartados.

Pensando nisso, os brechós desempenham um papel na moda circular: um espaço que oferece peças de segunda mão com um valor mais acessível. A palavra "brechó" é brasileira e foi inventada em homenagem a um comerciante chamado Belchior que, no século XIX, abriu a primeira loja do Rio de Janeiro de produtos usados. Assim, disponibilizando uma mercadoria de boa qualidade por um preço inferior, quando comparado com roupas novas. Além de ressignificar peças que iriam para o lixo.

A moda, em si, sempre foi circular, as tendências morrem e ressurgem após algumas décadas. Valorizando mais peças de qualidade ou garimpado roupas vintage é uma excelente maneira de encontrar o que está na moda hoje, mas também já esteve antes. Tudo isso evitando a produção de mais do mesmo.

O ponto principal é comprar peças de segunda mão afim de ter menos itens no guarda-roupa com baixa vida útil, e mais peças de maior qualidade, valorizando o que já se tem e minimizando o consumo excessivo. A consciência é o elo entre sustentabilidade e o consumo consciente.

Em São Paulo, visitar um brechó ou um antiquário é como percorrer um museu. Observar o passado preservado em um só lugar é ter a experiência de viajar no tempo.

 

 

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Peças para aluguel do brechó Minha Avó Tinha.
Foto: Livia Machado

 

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Relógios programados em diferentes horários e um antigo porta-retrato de um homem desconhecido. Foto: Livia Machado

 

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Peças de porcelana a venda no brechó Minha Avó Tinha. Foto: Livia Machado

 

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Entrada do brechó Minha Avó Tinha, que fica em um casarão clássico no bairro da Lapa, na zona oeste de São Paulo. Foto: Livia Machado

 

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Peças de porcelana chinesa dispostas em mesa vintage de madeira. Foto: Livia Machado

 

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Quadros antigos, louças em vidro e uma lamparina de escultura a venda no brechó Minha Avó Tinha. Foto: Livia Machado

 

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Escrivaninha com disposição de objetivos antigos incluindo fotos, canetas tinteiro, e telefone dos anos 1940. Foto: Livia Machado
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É possível experimentar as peças do brechó Minha Avó Tinha, antes da compra.
Foto: Livia Machado

 

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Canto do casarão em que estão dispostos móveis e decorações de época, como um piano ainda operante. 
Foto: Livia Machado

 

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Chapéus dispostos na parede, produzidos nos anos 1920 até os dias de hoje. Foto: Livia Machado

 

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Pratos pintados à mão, dispostos na parede do casarão como decoração. Foto: Livia Machado

 

Conheça o local que guarda uma história mais negra do que japonesa
por
Raissa Santos Cerqueira
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30/04/2024 - 12h

Conhecido pelas luminárias que se divergem de todas as outras na cidade, suas feiras culturais e pelas lojas com enfoque na venda de produtos de origem oriental o bairro da Liberdade se consagrou como o bairro japonês no centro da capital paulistana. Porém a história do bairro começa muito antes da ocupação dos imigrantes quando o local ainda era ocupado por um pelourinho.

Antes da expansão do centro de São Paulo, o bairro era considerado uma região periférica da cidade e era ocupado majoritariamente pela população negra que de lá foi expulsa para abrir espaço para os japoneses.

 

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A igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados recebeu esse nome em homenagem aos negros que foram mortos no pelourinho que havia no lugar onde hoje é a Praça da Liberdade. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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A capela Nossa Senhora dos Aflitos funcionou como cemitério entre os anos de 1775 e 1858 e hoje luta para manter viva a história negra do bairro. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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A capela funciona como centro de adoração ao santo Francisco José das Chagas, Chaguinhas e hoje luta para salvar a história negra do bairro. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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Deolinda Madre conhecida como Madrinha Eunice foi percursora do samba na cidade de São Paulo e em 1937 fundou a escola de samba Lavapés Pirata Negro. A primeira escola de samba da cidade. Foto: Raissa Santos/AGEMT 
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A estátua em homenagem a Madrinha Eunice tem menos de 1,65 de altura e está no meio da praça da liberdade. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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A ocupação japonesa do bairro se iniciou na rua Conde de Sarzedas e se estendeu até a Rua Galvão Bueno onde hoje é o ponto de maior comércio do bairro. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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O bairro da Liberdade hoje é tomado por caracterídstcas da cultura oriental e pouco se falta sobre a origem negra do lugar. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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Existe um grande esforço para preservar as raízes orientais do bairro não somente com o coméricio ali presente, mas com a arquitetura e os nomes dados aos viadutos lá presentes. Foto: Raissa Santos/AGEMT
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O apreço aos imigrantes japoneses se estende por todo o bairro inclusive nos gradites ali presentes. Foto: Raissa Santos/AGEMT
Um mergulho no minimalismo na atmosfera mística da arte sacra paulistana
por
Daniela Martinho
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30/04/2024 - 12h

A metrópole de São Paulo é conhecida por sua força econômica e diversidade cultural, com um rico patrimônio de arte sacra e arquitetura escondida em seu tecido urbano. Desde majestosas catedrais católicas até tranquilos templos budistas e vibrantes mesquitas, estes espaços sagrados transcendem a sua mera função de culto e tornam-se símbolos da fé, da história e da identidade cultural de uma cidade.

Ao longo dos séculos, a cidade paulista passou por sucessivas ondas de imigrantes, cada um trazendo suas próprias crenças e tradições. Esta mistura cultural reflete-se na diversidade de expressões artísticas e arquitetônicas nos locais de culto da cidade. Cada templo traz a marca de sua época e origem e, sob o olhar atento do fotógrafo, revela um mosaico de estilos, técnicas e materiais que contam a história da fé e da história social de São Paulo.

A fotografia tem capacidade de capturar detalhes, nuances e emoções, e com isso trago algumas fotos da influência da arte e arquitetura sacra dessa cidade tão diversificada.

Igreja católica: Paróquia São Paulo da Cruz

Paredes com tons pastéis adornadas com molduras de madeira e detalhes em rosa e amarelo claro , criando uma atmosfera de elegância e serenidade, nos fazendo emergir para a época do neoclassicismo-XVIII. Vitrais coloridos filtram a luz natural, lançando tons vibrantes sobre o interior da igreja, criando um ambiente acolhedor e convidativo

         Foto: Daniela Martinho

Um homem, vestido com roupas simples, sentado em devoção, suas mãos postas em súplica.Seus olhos fechados transmitem serenidade e fé.

Arcos de mármore com detalhes de ouro imponentes sustentam o teto abobadado, adornado com afrescos vibrantes que narram histórias sagradas.

Foto: Daniela Martinho

O teto da igreja se transforma em um céu infinito, pintado em tons de azul celeste e branco, adornado com nuvens brancas e douradas que parecem flutuar ao vento.

Foto: Daniela Martinho

Foco nos arcos de mármore com detalhes de ouro, que era uma característica muito comum na arquitetura neoclássica inspirada nas igrejas da Itália.

Foto: Daniela Martinho

Templo Budista: Zu lai

A imagem mostra o templo de frente, com seu telhado alto e inclinado. O telhado é feito de telhas de cerâmica e tem uma cor avermelhada. O templo é cercado por árvores, o que lhe dá um aspecto tranquilo e sereno.

Foto: Daniela Martinho

Fachada da sala de meditação do templo Zu Lai com detalhes e símbolos esculpidos em pedra sussurrando histórias.

Foto: Daniela Martinho

Sala de meditação do Templo Zulai, o silêncio é quase absoluto, quebrado apenas pelo leve som da respiração dos meditantes. O espaço é amplo e arejado, banhado pela luz suave que entra pelas grandes janelas.

Foto: Daniela Martinho

Uma mulher caminha com passos lentos e graciosos, apreciando a beleza do jardim e a paz do local. Seus olhos observam as estátuas que representam os 18 Arhats com curiosidade e admiração, absorvendo a energia e os ensinamentos que elas transmitem.

Foto: Daniela Martinho

Mesquita: Brasil

O interior de uma mesquita, com um lustre pendurado no teto. Um ambiente amplo e pouco iluminado com a luz natural do dia, com paredes brancas com detalhes de mármore e piso de carpete vermelho . O teto é alto e abobadado, com umas pinturas referentes ao islamismo . Ao fundo da imagem, podemos ver um mihrab, que é um nicho na parede que indica a direção de Meca. O mihrab é decorado com mosaicos e caligrafia árabe.

Foto: Daniela Martinho

Imame, o sacerdote árabe na Mesquita , realizando suas orações muçulmanas. Um jaleco marrom tradicional, chamado de thobe, com mangas compridas e gola redonda. Ele também pode usar um turbante ou um chapéu branco. O Imame está de pé em frente ao mihrab, uma alcova na parede da mesquita que indica a direção de Meca. Seus pés estão descalços e ele está de frente para o mihrab.

Foto: Daniela Martinho

O teto da Mesquita bem detalhado, com uma moldura com caligrafia religiosas árabes e algumas luzes para iluminar. Elas servem como elementos decorativos, mas também transmitem mensagens importantes sobre a fé islâmica.

Foto: Daniela Martinho

Os minaretes são cilíndricos, com varandas em cada andar e terminando em cúpulas cônicas. Eles são pintados de branco e possuem detalhes dourado.

Foto: Daniela Martinho

A diversidade que é encontrada nesta rua é marcada por uma dualidade entre o dia e a noite
por
Maria Luisa Lisboa Alves
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03/05/2024 - 12h
pessoas consumindo em um café
Pessoas consumindo em um café na Rua Augusta/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
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Localizado perto da Avenida Paulista, o Baixo Augusta é uma região super movimentada e que parece ter vida. De dia a rua é de uma forma e de noite outra. Pela manhã e à tarde, padarias, cafés, lojas de discos e brechós estão abertos ao público que enche as calçadas do local, mas a Augusta é mais conhecida pela vida noturna onde as luzes neon iluminam os bares, baladas e casas noturnas, e é quando a rua se torna mais movimentada.

A rua é marcada pela diversidade, onde se encontram várias tribos e muitos se sentem acolhidos pelo local. Ao caminhar pela augusta, nos muros e bares, são encontradas vários tipos de arte como grafites, pixações e lambe-lambe que retratam a pluralidade da região. 

Nesta rua o comércio não está apenas presente nos estabelecimentos, mas também nas calçadas, com vendedores ambulantes e vendas de livros. 

Rua Augusta movimentada, pessoas andando e sentadas no bar
Movimento na Rua Augusta à noite/ Maria Luisa Lisboa Alves.
Drag Queen com uma peruca colorida e um vestido verde
Drag queen Savannah Black anunciando na galeria/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
letreiro neon do calçadão urbanóide
As diversas luzes neon presentes na Augusta/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
venda de livros na calçada da Augusta
Venda de livros na calçada da Augusta/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
Placa da rua Augusta e uma pessoa andando de bicicleta
O tráfego na Rua Augusta/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
à esquerda uma loja de artigos religiosos e à direita um sex shop
Loja de artigos religiosos ao lado de um sex shop/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
Dois vendedores ambulantes olhando o letreiro "Casarão"
Vendedores ambulantes olhando o letreiro "Casarão"/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
Foto da Rua Augusta tirada de cima. Ao mesmo tempo que mostra o trânsito ao fundo há um grafite de um menino negro que em seu rosto está escrito justiça
Expressão de arte na Rua Augusta/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
 A entrada de uma balada gay onde estão dois homens conversando
Balada Eagle/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
pessoas em uma adega
Pessoas em uma adega/ Foto: Maria Luisa Lisboa Alves.
luzes neno destacam o letreiro "Nova Caribe"
Luzes neon destacando "Nova Caribe". Foto: Maria Luisa Lisboa Alves