Por Guilherme Carvalho
No dia 27 de fevereiro, a Liga Independente das Escolas de Samba de São Paulo (LigaSP), entidade encarregada de administrar as principais divisões dos desfiles na cidade, anunciou um processo de revisão dos critérios de julgamento, e sugestões de mudanças no regulamento das competições. As propostas serão votadas em plenária soberana da liga e, em caso de aprovação, já serão implementadas para o Carnaval de 2024.
Em entrevista para AGEMT, Judson Sales, diretor da Escola de Samba da Tom Maior afirmou estar bastante otimista quanto a essas possíveis alterações. Apesar de ressaltar sobre ser comum em outros anos essas situações na associação, o diretor pontua inovação ao incluírem especialistas de cada quesito de carnaval para trabalharem nas proposições. "Quase todo ano tem algum tipo de mudança, mas essas mudanças costumam ser restritas aos presidentes que debatem o assunto". E acrescenta, "a Liga esse ano teve a virtude de convocar para o debate pessoas que fazem parte dos respectivos quesitos, então foi dado a oportunidade para cada Escola nomear um responsável por quesito".

Em sua opinião, Judson acredita num sistema de julgamento um pouco mais subjetivo como um dos principais pontos de transformação, porém, de uma forma mais controlada, como é no Rio de Janeiro, em que alega a existência de críticas muito pesadas sobre o excesso desse aspecto. "São propostas que vão ser encaminhadas aos presidentes (das escolas) que são soberanos na decisão final sobre a mudança ou não. Elas estão abrindo um pouco mais de margem para essa subjetividade", afirma.
Perguntado sobre as reclamações em relação ao exagero de notas 10 nas apurações, declara ser em parte, uma decorrência da total objetividade nos critérios atuais, no qual diz ser prejudicial quando se trata sobre arte. Para o Eduardo Fontes, Representante da Agremiação Gaviões da Fiel na LigaSP, também expressa insatisfação com o ocorrido acima, mas cita que uma possível abertura para um julgamento individual não seria efetivo para todos os quesitos. Prega um estudo amplo para ser elaborado outras medidas positivas para o cerne da questão. Assim como o entrevistado anterior elogia o Presidente da Liga – Sidnei Carriuolo, referido pelo protagonismo na iniciativa e condução desse trabalho. Até a publicação dessa matéria, não foi estabelecer contato com o Coletivo.
Entenda mais sobre o caso dos critérios de julgamento
A cada edição fica mais notável a enorme quantidade de notas máximas nas apurações do Samba paulistano. Em foco na principal divisão vemos neste ano, por exemplo, 3 entre 9 quesitos de carnaval repletos de notas 10 às 14 agremiações, pelos 4 jurados de cada categoria. 4 diferenças de 9.9 dentre 168 iguais garantindo a soma de 30 pontos para todos. Vale lembrar o descarte da avaliação mais baixa. Situações parecidas são encontradas em outros tópicos das avaliações.

No Rio de Janeiro há apenas uma divisão com um cenário próximo desse: A Bateria. Teve 8 notas 9.9 sendo mais de uma vez para algumas concorrentes, não sendo garantido a pontuação final mais alta. O Jornalista Anderson Baltar, mestrando na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), autor de cursos sobre os desfiles de carnaval e colaborador por anos ao UOL sobre o assunto com foque carioca, explicou em termos didáticos sobre as diferenças de julgamentos entre as duas cidades mais famosas nesse meio.
Segundo o jornalista, o modelo técnico(São Paulo) visa a efetividade, o cumprimento fiel ao que foi proposto, a organização. Enquanto o modelo comparativo(Rio de Janeiro) premia a ousadia, o esforço e a criatividade. Supõe na segunda forma de avaliação um bolo normal de fubá e um grande de casamento “(O bolo de casamento) Vai tirar 10 e o de fubá 9,9 ou 9,8, porque existe um critério comparativo. O de casamento deu muito mais trabalho, gastou mais dinheiro, mais cuidado”. Já no primeiro o modo “se os dois estiverem certinhos vai ser 10 para os 2". E finaliza, "Pior, se o glacê (do bolo de casamento) derreter é 9,9, e o de fubá é 10".

Acompanhando o samba desde 2006, quando tinha 8 anos, Leonardo Dahi é fissurado pelo tema. Jornalista formado pela Cásper Líbero, já cobriu o Carnaval da cidade paulistana pela Rádio CBN. Segundo Leonardo, antes dessa última década, a folia na Cidade da Garoa já passou por episódios ruins de apurações com
seleção de jurados e regras confusas adotadas nesses períodos. Avalia que, uma nova geração de presidentes das Escolas trouxe uma grande organização, além do fortalecimento de suas estruturas ao longo do tempo, buscando nas regras tabelamentos diretos, para evitar arbitrariedades dos julgadores.
Dessa forma, o radialista afirma sobre o resultado em SP estar diretamente vinculado às pastas - papeis enviadas por cada Escola estabelecendo como pretende ser cada detalhe na passarela - para serem “fiscalizadas” pelos jurados durante os dois dias de competição. “Evoluiu para um ponto que não é que a escola está perdendo o Carnaval porque ela deixou de fazer 50 fantasias, do jeito que estava na pasta, está perdendo o Carnaval porque a pena na pasta está virada para a direita e na pista ela passa virada para a esquerda”.
Nos bastidores...
Neste ano, alguns acontecimentos parecem agitar ainda mais o futuro do Carnaval de São Paulo. Um deles foi um comentário do Boninho, diretor de Gênero de Variedades na emissora carioca Rede Globo, detentora dos meios de transmissão dos desfiles em questão. Em postagem de Paulo Serdan, presidente da Mancha Verde, em tom de reclamação sobre as justificativas de alguns jurados em duas notas à Escola, Boninho comentou:
“Precisamos rever os julgadores. Estão ultrapassados, as escolas estão inovando e eles presos ao antigo. Sem inovação o show não sobrevive. Portanto precisamos de novos olhares para avaliar o lindo trabalho de vocês”.

A mesma emissora, segundo a coluna de Guilherme Ravache na UOL, saiu no prejuízo em termos gerais por ter vendido apenas uma das cinco cotas publicitárias disponíveis para patrocínios. Na coluna de Sandro Nascimento, da mesma mídia digital, ouviu do mercado publicitário o desejo de inovação do carnaval e o seu conceito como espetáculo para atingir outras camadas dos telespectadores.
Por Lorrane de Santana Cruz
A realidade de muitos artistas de teatro no Brasil não apresenta boas perspectivas. Na graduação, a situação não foge disso, muitos cursos estão cada vez mais desvalorizados e Artes Cênicas é um deles. "Pra mim, o curso de artes cênicas no brasil é extremamente desvalorizado, ainda mais com o governo que a gente tinha até o ano passado, que sempre desdenhou da arte. E eu espero que esse ano a arte volte a ser reconhecida, assim como o teatro e a cultura", diz Olívia Cattani, que cursa o Célia Helena Centro de Artes e Educação. "Eu escolhi porque sempre foi o que eu imaginei e quis, e por mais que eu tentasse sair desse caminho, fugir disso por sempre ouvir que eu iria morrer de fome. Eu tentava negar, mas me identifico e não consigo me ver estudando outra coisa", acrescenta a atriz amadora.
"O que eu mais me identifico com o meu curso é poder representar, estar no palco, poder ser vista. Eu gosto da ideia de estudar um personagem, a história desse personagem, tudo por trás dele. Tem gente que pensa que você vai mudar, virar uma nova pessoa, mas não é isso! É entrar em contato, eu acho isso incrível", conta Olívia, que enxerga como maior desafio do curso o próprio mercado de trabalho que na maioria das vezes é escasso.
"Porque você pode fazer uma peça, gastar meses se preparando, ensaiando, entre outras coisas para no final a remuneração ser muito baixa. O maior desafio é não ter certeza, não que em outros cursos você tenha, mas é muito incerto". De acordo com o Portal da Transparência, os gastos do governo com a cultura caíram entre 2018 e 2022. Com o governo Bolsonaro, os gastos foram de 89,5 milhões, enquanto que no governo Temer os gastos foram de 245,5 milhões.
A Lei Rouanet de 1991 foi criada para incentivar a cultura. E no governo de Jair Bolsonaro, poucos projetos foram aprovados. Segundo o Sistema de Acessos às Leis de Incentivo à Cultura, a estimativa de queda foi de um terço, de 2019 a 2022, o governo aprovou 12,8 mil projetos de cultura. Perguntada se lida com muitas piadas ou deboche com a escolha do que cursar, Olívia diz que "no começo quando eu escolhi o que eu queria fazer, quando eu optei por artes cênicas eu tinha vergonha de contar para as pessoas. Eu achava que as pessoas iriam me taxar como prepotente, que eu me achava. Até hoje eu falo em forma de piada".
Por Isadora Taveira e Laura Melo
Considerada por muitos a rainha do rock brasileiro, Rita Lee recentemente compartilhou com o Brasil sua batalha contra o Jair, tumor decorrente de seu câncer no pulmão. A mulher que mais vendeu discos no Brasil, mais de 55 milhões de cópias, além de mais de 22 prêmios, incluindo um Grammy Latino, que celebra artistas que fizeram contribuições significativas à indústria fonográfica, sempre se mostrou à frente do seu tempo e exemplo de inovação, resistência e revolução.
A mina de Sampa
Nascida na Vila Madalena em 1947, em São Paulo, Rita Lee Jones dedicou sua vida e sua paixão à música, revolucionando os paradigmas da época e criando seu espaço em um ambiente extremamente masculino. Sua performance na arte foi inspiração para reflexões como feminismo, política e contemporaneidade, além de permanecer sendo motivação para diversos compositores da atualidade.
A artista é a mais jovem das duas irmãs, Virginia Lee e Mary Lee, e desde muito nova se interessava por instrumentos musicais, apesar de não entendê-los apenas como hobbie. Atriz, veterinária e até mesmo dentista - seguindo os passos de seu pai - as diversas hipóteses de Lee inundavam sua mente, mas ela mal imaginava que havia nascido para se tornar uma estrela.
Durante a adolescência os rumos de sua trajetória passaram a se voltar para a arte, e nessa época formou a sua primeira banda, “Teenage Singers". Dividindo o sonho com duas amigas da escola, elas participavam de concertos e festivais pequenos no colégio, e logo depois passou a fazer parte do grupo “Six Sided Rockers”, que contava com Arnaldo Baptista e seu irmão, Sérgio Dias.
De “O conjunto de O’seis” até “Os bruxos”, o grupo iniciou sua trajetória incerta, em meio a discos que não fizeram sucesso comercial e muito menos chamaram a atenção do público. Até chegar em “Os Mutantes” e conquistar o espaço de grande renome na música popular brasileira, o conjunto enfrentou desafios e tempos de dúvidas. Em meio aos ventos do tropicalismo que sopravam nos anos de 1967 e 1968, a banda valorizava a cultura do país e foi pioneira no hibridismo cultural, além de marcar diversos momentos do audiovisual brasileiro ao lado de grandes artistas.
Sozinha de vez
Rita inicia a carreira solo com Build Up (1970), após desentendimentos com seus parceiros e a necessidade de brilhar sozinha. “Segundo relato da própria Rita, ela foi expulsa da banda. De acordo com a biografia sobre os Mutantes, escrita por Carlos Calado, ela foi comunicada que estava fora da banda por Arnaldo Baptista, os outros Mutantes ainda tentaram apoiar Rita, mas ela teria ficado muito magoada e preferiu seguir em frente, fora da banda.” - afirmou Mayrton Bahia, produtor musical em entrevista para o site Aventuras na história.
Esse momento foi crucial para sua carreira, quando recomeçou em grande estilo ao som de “Fruto Proibido”, seu quarto álbum de estúdio à frente da banda Tutti-Frutti. Rita alavancou como um dos maiores sucessos do MPB e figura pop brasileira, concretizando a sua arte através do disco Rita Lee, em 1980, que trouxe seus hits de maior sucesso e vendeu mais de 130 mil cópias no país.
Um amor sólido em meio à tempos líquidos
Um amor unido à música. Rita Lee e Roberto de Carvalho, juntos, criaram faixas icônicas cheias de poesia e sentimento. Em sua autobiografia, a artista conta que o grande cupido de seu relacionamento foi Ney Matogrosso, em que Roberto fazia parte de sua banda. Se conheceram no ano de 1976 e desde então não se separaram; foram dez álbuns gravados em conjunto e a oficialização do casamento vinte anos depois.
Em declaração recente, Roberto de Carvalho afirmou que “Foi um verdadeiro tsunami, as músicas estavam em toda parte, as pessoas cantavam, as rádios tocavam sem parar, o disco vendia a rodo e, o mais importante: tocou profundamente os corações de tantas pessoas numa época tão difícil de repressão ostensiva, de pouca liberdade.” Os hits como "Lança Perfume", "Desculpe o Auê" e "Banho de Espuma" foram só o começo, depois vieram os verdadeiros filhos e frutos desse amor: Beto, João e Antônio Lee.
Feminista ou fashionista
Apesar de não se considerar um ícone feminista, ou até uma feminista, é inegável a influência de Rita no cenário feminino. Durante a entrevista, a ovelha negra, ressalta: “Nunca carreguei bandeira de feminismo. Eu era a única menina roqueira no meio de um clube só de bolinhas, cujo mantra era: para fazer rock tem que ter culhão. Eu fui lá com meu útero e meus ovários – e me senti uma igual, gostassem eles ou não”.
Como reforça Daniel Fernandes, administrador do fã clube Baú Rita Lee, as canções dela tiveram um papel extremamente importante para a pauta feminista, ela foi uma das primeiras pessoas a falar sobre o prazer feminino e sobre sexo, assuntos que eram considerados tabu na época. E além disso, ela estava em um terreno sagrado dos homens, que era o rock e se tornou uma grande figura do gênero.
Além de encorajar mulheres, Rita também servia como influência fashion para muitas outras. Do cabelo vermelho às fantasias nos palcos, a rainha do rock sempre se mostrou à frente do seu tempo. De muitos figurinos icônicos, alguns como o vestido de noiva usado no Festival Internacional da Canção, a bota prateada roubada de uma loja em Londres e a roupa de presidiária que ironizava sua prisão em 1976 marcaram a carreira da cantora e passaram a fazer parte do acervo de uma exposição em sua homenagem realizada pelo MIS, Museu de imagem e som, em 2021.
Do lança perfume à erva venenosa
Se tinha algo que ninguém do rock nos anos 1970 passava imune era da experiência com as drogas e com a roqueira não foi nem um pouco diferente. Em seu primeiro livro, Rita Lee: uma autobiografia, e durante entrevista com Pedro Bial, Rita conta sobre sua trajetória nas drogas e sobre seu tão falado colar feito com centenas de miçangas recheadas de LSD, trazido de Nova Iorque para financiar seu recomeço na carreira musical após sua saída de Mutantes.
Ao ser questionada sobre as drogas e a maternidade durante entrevista para o GNT, a artista diz que não concorda com a proibição, mas que sempre deixou explícito sobre os riscos e consequências do uso de entorpecentes. Segundo ela seus filhos já viram suas viagens de LSD, o que serviu como exemplo e fim da curiosidade, os fazendo seguir pela caretice. Rita, que não é Madalena arrependida como ela mesma fala, afirma não concordar mais com o uso de drogas hoje em dia, “Sei que hoje os LSDs são pura anfetamina e nem sequer dão a ilusão da paz e do amor dos 1960. É com certeza uma droga careta, porque não se encaixa nos tempos de hoje, aliás, nenhuma droga nunca se encaixou em nenhum tempo. Ao contrário, você só perde tempo”.
Durante a ditadura, em 1976, grávida de três meses de seu primeiro filho, foi presa por porte de 300 gramas de maconha, que ela afirma ter sido implantadas na sua casa para incriminá-la. O que não seria difícil, visto que a roqueira foi uma das artistas mais censuradas durante o regime militar. Como ressalta o fã Daniel Fernandes, foi um período difícil, principalmente levando em conta a gravidez e a barbaridade policial da época. Um período sombrio, com um quase aborto espontâneo, que rendeu o começo de uma grande uma aliança feminina no rock com Elis Regina, outro grande nome brasileiro, que salvou a ovelha negra das grades.
Construção de uma carreira atemporal
Hoje em dia, aos 75 anos, Rita encerrou sua carreira nos palcos e nos álbuns e têm se dedicado em gravar sua história em suas autobiografias, a primeira contando com detalhes sua vida musical e a segunda, que será lançada em maio, contando sobre sua luta contra o câncer de pulmão, diagnosticado em 2021, e seu tumor, apelidado de Jair.
A artista é inspiração e referência para inúmeros compositores e cantores da geração atual, o que marca e comprova sua história e sua construção como um símbolo para a memória brasileira. Nos palcos, homenageando a rainha do rock, a cantora Manu Gavassi apresenta o acústico de Fruto Proibido e dá sequência a herança cultural que Rita trouxe para o país, revolucionando o rock e a maneira de produzir música.
Ao longo de sua carreira, a artista vem deixando um legado memorável e uma legião de fãs e admiradores. “O legado de uma menina que continua presente na mulher, que não se intimidou com todos os desafios, barreiras, prazeres e armadilhas do glamour e do sucesso da vida artística", finaliza Mayrton Bahia.
Formada por Samuel Rosa (vocalista), Lelo Zaneti (baixo), Henrique Portugal (teclado) e Haroldo Ferretti (baterista), a banda que misturava pop com rock surgiu como Skank, em 1991. Durante décadas, conquistaram o público, não só brasileiro mas internacional também, com hits como “Jackie Tequila”, "Garota Nacional"e "Te ver" com a venda de milhares de cópias. O currículo da banda é bem extenso com passagem em diversos festivais, como Rock in Rio; premiações, como Grammy Latino em 2004 e também já foram trilha sonora em várias novelas.
Em 2019, a banda anunciou que faria uma turnê de despedida, que seria realizada em 2020, mas devido a pandemia da COVID-19 teve que ser adiada para 2023. A turnê viajou o Brasil inteiro, com todos os ingressos esgotados, foram três datas só em São Paulo. No último show em São Paulo, Samuel Rosa relembrou suas histórias vividas com o grupo na cidade e diz que sente um carinho enorme por ela.

O último show da carreira dos mineiros não poderia ser em outro lugar a não ser no Mineirão lotado. A apresentação teve mais de três horas e contou com a participação especial do cantor Milton Nascimento para a canção “Respostas”. O repertório para a turnê final navegou por todos os sucessos da banda desde o seu início até o último álbum. Entre as performances foram contadas histórias vividas.
Ao final do show, nos agradecimentos, os meninos estavam visivelmente muito emocionados. Ao serem perguntados sobre motivo do término da banda, Henrique Portugal diz “É um ciclo que começou e está terminando, nossa vida não é só esse ciclo”
No instagram oficial da banda (@skank), finalizaram de forma contundente com mais agradecimentos: “Chegando ao final dessa estrada trilhada por mais de 30 anos. Ontem foi dia de se despedir e relembrar todos esses anos. Que emoção! Muito obrigado por todos os momentos de carinho. Um grande abraço em todos que nos acompanharam ao longo da carreira e em quem marcou presença no Mineirão. Obrigado!”
A 26ª Mostra Tiradentes de cinema ocorreu em janeiro deste ano, na cidade mineira que batiza o festival. Em março, uma seleção dos títulos exibidos no evento chega em São Paulo pela 11ª vez.
Tanto o evento em Tiradentes-MG quanto o em São Paulo-SP são os primeiros presenciais depois da pandemia de Covid-19. Na capital paulista, a Mostra aconteceu entre os dias 23 e 29 de março, no CineSesc.

A AGEMT esteve presente em todo o evento e conferiu a pré-estreia de diversos filmes e curtas. Durante a abertura foi apresentado o filme "As Linhas da Minha Mão", documentário experimental vencedor da categoria Aurora, na 26a Mostra Tiradentes. A noite contou ainda com um coquetel de boas-vindas no famoso bar do cinema na Rua Augusta e, assim como em todas as exibições, com um bate-papo entre a equipe, a curadoria e a plateia após a exibição.
A Mostra Tiradentes foi planejada inicialmente para ser um programa de inauguração do Centro Cultural Yves Alves, mas logo na primeira edição passou a ser uma divulgadora do cinema brasileiro por meio da exibição, reflexões sobre as obras e do debate sobre a sétima arte e é essa experiência que encontramos no centro paulistano.

Abertura
As considerações iniciais tiveram a participação da Gerente de Ações Culturais do SESC, Rosana Paulo da Cunha, e da Coordenadora da Mostra, Raquel Hallak. Ambas citaram o período difícil que o mercado cultural brasileiro passou durante a pandemia, com ênfase na falta de suporte do poder público, mas sem citar episódios específicos contra a categoria. Um deles foi o veto do ex-presidente Jair Bolsonaro contra a Lei Paulo Gustavo (Projeto de Lei Complementar 73/21 à época, atual LC 195/2022), que previa o repasse de R$ 3,86 bilhões ao Fundo Nacional de Cultura.
Contudo, a Lei Aldir Blanc (14.017/2020), aprovada no início da pandemia após passar por algumas lombadas impostas pelo Governo Federal da época, foi a maior contribuidora para a produção dos títulos exibidos na Mostra.
Rosana reafirmou o compromisso do SESC em restaurar as experiências presenciais, além de manter o acesso ao cinema nacional através da plataforma SESC Digital, inaugurada em junho de 2020, no alto da pandemia. "Há muitos filmes, há uma programação diversificada de cinema, pela qual nós conseguimos manter um diálogo permanente durante todo esse período com o público e com, também, todas as áreas do audiovisual."
A temática desta edição é “Cinema Mutirão", um reflexo da necessidade de esforços coletivos para manutenção de espaços como o CINESESC, que apresenta o cinema de forma acessível para a população. A coletividade ainda se refere à produção de filmes, que necessitam de uma equipe para realização, a democratização destes e ao encontro e conexão única, que só as grandes telas podem proporcionar.

As Obras
Durante os sete dias da mostra, foram exibidos audiovisuais brasileiros e contemporâneos com o intuito não apenas de valorizar e promover o cinema nacional, mas também de trazer diálogo sobre o novo, o agora e o futuro. Em um movimento vanguardista de criação de diversidade em todos os âmbitos da produção, somos apresentados a diretores e atores pretos, indígenas e trans. Como exemplo, o curta “Lalabis” de Noá Bonoba, mulher trans, que confronta o binarismo dos corpos em um contexto pós apocalíptico, onde não é definido o gênero da personagem principal.

As temáticas da contemporaneidade se apresentam por meio da experimentação na linguagem, formato e fotografia. Até quando a ideia é formal, como em “Peixe Abissal”, um retrato da vida do artista Luís Capucho, a execução é realizada de forma inovadora: sem linearidade, a partir da imaginação do próprio Luís, com a fotografia passeando pelo rigor cinematográfico até lentes de distorção.
Outro tema que a Mostra poderia ter, se não fosse mutirão, é infinitude. Ao ver tantos filmes aclamados com atrizes protagonistas e personagens que, não apenas rompem com a obsessão hollywoodiana por juventude estética, mas também elevam a preciosidade que é viver e permanecer vivendo, independente da idade.

Entre os títulos que sustentam esse diálogo está o filme de abertura, As Linhas da Minha Mão, documentário experimental sobre a vida da atriz mineira Viviane de Cassia Ferreira, que celebra as histórias bonitas, divertidas e tristes que ilustram como "a arte é amiga da vida", nas palavras da própria protagonista. Também há Cervejas no Escuro, longa-metragem ambientado em Princesa Isabel - PB, que mostra Edna (Edna Maria) realizando seu sonho de fazer um filme enquanto lida com o luto pelo seu recém-falecido marido. Nossa Mãe Era Atriz, curta vencedor do Júri Popular da 26ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que homenageia a atriz Maria José Novais Oliveira, que iniciou sua carreira aos 65 anos, completa a lista.
A curadoria assinada pelo jornalista e cineasta Francis Vogner dos Reis conseguiu garantir espaço para obras experimentais, híbridos de documentários e ficção, comédias, dramas, históricos, futuristas apocalípticos e pós-apocalípticos, sexuais e sensuais, que podem parecer estar a quilômetros de distância um do outro, mas que se encontraram para tomar um café no bistrô do CineSesc. E claro, ver um filme depois.

Assistir e Discutir
Todas as sessões exibidas na Mostra tiveram pelo menos 30 minutos de bate-papo com membros da equipe logo após o término do filme. Diretores, roteiristas, produtores, atrizes e atores se puseram a conversar com o público sobre suas obras, enriquecendo a experiência e, assim, relembrando as mentes da pandemia a singularidade de uma sala de cinema. "Vamos fazer desse encontro pelo cinema a possibilidade de revigorar as nossas competências críticas e o nosso olhar diante das inconstâncias da ordem do real", disse Raquel Hallak em seu discurso de abertura.
Fazer filmes durante o isolamento social foi tema recorrente nos debates pós-sessão. No sábado, a Série 2 da Mostra Foco exibiu filmes que a curadora Tatiana Carvalho Costa valorizou muito pela persistência da produção frente os obstáculos, o que acabou transbordando na tela. "Esses filmes tratam totalmente dos nossos traumas recentes, cada um à sua maneira, com uma vibração de não contornar o problema, a questão, o trauma… Mas de enfrentar com coragem", disse Tatiana.
Um dos curtas dessa sessão que abordou literalmente a pandemia foi O Último Rock, do diretor capixaba Diego de Jesus, sobre um grupo de amigos negros que se reúnem para uma última "resenha" antes do primeiro lockdown, em março de 2020. Eles tratam de seus dilemas e angústias frente às incertezas da pandemia e suas consequências para o futuro de jovens negros periféricos.
Durante esse momento histórico também foram gravados o documentário O Que Nos Espera, dirigido por Bruno Xavier e Chico Bahia, retratando o Padre Júlio Lancelotti; o longa Solange, de Nathália Tereza e Tomás Osten e o curta Os Animais Mais Fofos e Engraçados do Mundo, de Renato Sircilli. Todos eles relataram o desafio para criação e como eles foram atravessados pelo contexto, o que refletiu em suas obras.

O encerramento
Durante a quarta-feira (29) foram exibidos os favoritos do público da Mostra - votação realizada em sua edição de Minas. Além do curta documentário “Nossa Mãe Era Atriz”, o longa ficcional “A Filha do Palhaço”, produção cearense, também foi premiado. O primeiro retrata a história de Maria José Novais por meio de depoimentos de colegas de profissão e imagens de arquivo. Ele traz a reflexão sobre o início tardio no contexto cinematográfico e a potência do talento mesmo com o desafio da idade.
Em uma linha semelhante, o desafio do segundo é a conciliação entre a vida artística não convencional e a relação familiar. Renato e Joana são pai e filha sem contato, mas ao passar uma semana juntos encaram o desafio afetivo de se conhecer enquanto o homem atua como Drag Queen nas noites de Fortaleza.

O fato de duas peças sobre relações parentais terem sido escolhidas pelo júri popular pode nos indicar o anseio do público em viver a sensibilidade no cinema, em querer e gostar de se emocionar diante da tela grande, na privacidade do escuro, mas no conforto de estar acompanhado por desconhecidos passando pela mesma experiência.
Também aconteceu uma sessão para “Alegorias”, longa ficcional dirigido por Leonel Costa. O filme explora encontros e desencontros sobre o carnaval, ser uma mulher preta e a diferença social brasileira que cada vez mais expõe suas estacas racistas.
As histórias feitas pelos nossos compatriotas e contemporâneos têm perdido cada vez mais espaço nas grandes redes de cinema, em detrimento dos blockbusters internacionais. Mais que a retomada das atividades presenciais e a exaltação do esforço que foi manter o setor cultural durante a pandemia, a Mostra de Tiradentes SP também nos convida de volta para as produções nacionais.















