Famoso por suas icônicas luminárias japonesas e por abrigar a maior comunidade asiática do Brasil, o bairro da Liberdade, em São Paulo, atrai cerca de 20 mil visitantes todos os fins de semana, conforme dados da APECC (Associação Paulista dos Empreendedores do Circuito das Compras). Muitos, cativados pela culinária, produtos e atmosfera oriental que permeia as ruas, desconhecem a origem negra do bairro e pouco têm acesso a essa história quando caminham sob a região próxima ao centro da cidade.









Com o avanço das redes sociais a partir dos anos 2000 e a imersão dos jovens cada vez mais intensa nesses veículos, a sociedade se adaptou a viver com o ‘online’, quase como uma vida dupla. Tudo o que está presente na realidade agora também tem sua forma virtual, principalmente após o período pandêmico.
Isso não seria diferente para a literatura, onde jovens vem cada vez mais se interessando pela escrita e vem buscando novos meios de divulgá-las. Aplicativos como ‘Wattpad’, ‘Spirit’ e ‘Archive of Our Own’ (AO3) eram utilizados, há 14 anos atrás, majoritariamente nos Estados Unidos para a escrita das famosas ‘fanfics’ - histórias fictícias criadas por fãs com o intuito de se aproximarem de seus ídolos, que se popularizaram entre jovens fãs de diversos nichos artísticos pelo mundo – mas agora, essas histórias se tornaram inspiração para filmes, séries ou até foram publicadas como livros que circulam pelo mundo afora.
Obras hoje famosas, já foram inicialmente fanfics. Como a trilogia de ‘Cinquenta Tons de Cinza’, que se tratava de uma história de ‘Crepúsculo’, ou até mesmo a própria saga Crepúsculo, que foi baseada em uma fanfic sobre o vocalista da banda de rock ‘My Chemical Romance’, Gerard Way. Outro exemplo, é a franquia de livros e filmes ‘After’. que consistia em uma fanfic do cantor inglês Harry Styles.
Em entrevista à AGEMT, a jovem Leona Nunes, 17, escritora e leitora assídua desse conteúdo diz que, ao dar início a prática de ler fanfics, conseguia se sentir, de certa forma, mais próxima e mais íntima de seus ídolos. “Ler e escrever conteúdo sobre eles exige que eu conheça no mínimo um pouco deles, ler algo que os envolve é muito mais estimulante. Uma vez que o público-alvo consome um conteúdo de pessoas que sentem afeição, tudo se torna mais envolvente e fácil de se aproveitar.”, complementa.
É comum, autores utilizarem de suas obras para, também, ressaltar e dar visibilidade a temáticas sociais, como a luta contra a homofobia, transfobia e a visibilidade a transtornos mentais e ao Espectro Autista. A fanfic ‘Senhor Coelho’, escrita pela jovem Ana, carrega uma história fictícia de romance homoafetivo que gira em torno de dois membros do grupo de K-pop Stray Kids, Han Jisung, um jovem pai solo dedicado ao seu filho doente, e Lee Minho, um médico diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista) que busca salvar a criança. Ao longo da trama, a autora – também diagnosticada com TEA – traz como objetivo informar o público sobre o transtorno, pois, ela afirma, ser mais fácil aprender com o entretenimento.
Em entrevista à AGEMT, Ana Bittencourt, 20, a autora de ‘Senhor Coelho’, diz um pouco sobre seu processo de aceitação como pessoa no Espectro Autista, “Recebi meu diagnóstico aos 19 anos de idade, e foi algo que eu realmente não esperava. Foi doloroso, estranho, e eu neguei na primeira vez, mas no segundo profissional não consegui me convencer de que era um erro. De certa forma, tudo fez sentido, mas eu não entendia, a minha noção sobre autismo era totalmente limitada. Eu já estava escrevendo “Senhor Coelho” quando fui ao primeiro neuropsicólogo, e quando recebi a notícia, foi como abrir uma porta para uma nova descoberta.”
No final de cada capítulo da obra, a escritora faz questão de explicar os comportamentos do personagem com TEA, com base em pesquisas, conversas com profissionais e suas próprias vivências, como forma de fazer os leitores entenderem suas ações e as informar sobre o Espectro sem estereótipos e de maneira divertida. Assim como, a própria escritora disponibiliza em sua página do ‘X’ um informativo de sua fanfic, repleto de informações complementares e curiosidades sobre toda a temática por trás da história.
“Pesquisas e mais pesquisas me fizeram criar o personagem principal, Minho, no intuito de descobrir mais sobre mim. Ao escrever ele, suas peculiaridades, sua personalidade, cada detalhezinho que fazia dele alguém único, eu aceitei que não era o fim do mundo ser uma pessoa autista, que eu podia lidar com aquilo, que eu poderia me encaixar de verdade. O Minho é um personagem que foi muito machucado por ser quem é, mas busca melhorar a cada dia, assim como a maioria de nós, adultos autistas”, completa a jovem autora.
🫧 Conhecendo mais sobre Senhor Coelho, fanfic minsung com protagonista autista que te ensina de forma sútil sobre o espectro e suas características menos exploradas 🐰✨ pic.twitter.com/8rKVMPBXIC
— peki 🫧 (@peekibumie) April 2, 2024
Abordar essas temáticas nas fanfics fortalece a luta pela visibilidade das problemáticas sociais e, de forma marcante, apoia as pessoas a se expressarem e não terem vergonha de quem são. Ana diz ainda: “O autismo adulto ainda é um assunto que, infelizmente, carrega muita desinformação e estereótipos na mídia no geral, e quase ninguém se preza a tirar cinco ou dez minutos de seu tempo para pesquisar em sites e livros que tratam o assunto. Juntando um tópico de interesse (K-pop), um tema muito procurado (romance) e uma pauta pouco falada (TEA adulto), uma forma diferente de informar e visibilizar é criada e disponibilizada para todos, sendo muito mais fácil de compreender e estimular a curiosidade.”
Ainda assim, existe um certo preconceito de alguns em relação à produção de fanfics e, também, descaso do público com o trabalho dos autores do gênero . Quando questionada sobre já ter sofrido algum desrespeito por ser uma escritora independente de um conteúdo muito específico, Ana afirma que sente que se falasse que escreve um livro seria muito mais levada a sério: “Sinto que, se eu falasse que escrevo um livro, mas não citasse a plataforma, levariam mais a sério e não teriam aquele típico olhar de ‘ah, então não é importante’ que nós, escritores, recebemos quando descobrem que o nosso meio é independente.”
Os jovens escritores também utilizam o‘X’ (antigo ‘Twitter’) como plataforma para suas obras, nesse espaço as fanfics são conhecidas como ‘AU’, do inglês ‘Alternative Universe’. As AUs consistem em posts em sequência com a própria escrita narrada ou em uma sequência de ‘prints’ de mensagens e narrativas que completam a história - como um meio de economizar espaço, pois a plataforma disponibiliza um limite de 4 imagens por postagem.
A jovem Flavia (@tolovchan no X), 25, formada em Psicologia e autora da au ‘Somos de Mentira’, diz em entrevista à AGEMT sua visão sobre a inserção das fanfics e au’s no mundo literário “Acredito que sempre tenha feito parte da literatura, mas agora estamos nomeando e categorizando. Tenho certeza de que essa foi a entrada para a leitura/escrita de muitas pessoas. Mas é claro que, além de tudo, agora também existe uma visibilidade maior por conta da internet. O mais bacana nisso é a possibilidade que as pessoas estão encontrando na publicação independente e, sem dúvida, a facilidade que as redes sociais dão ao público para acessar a escrita dessas pessoas.” completa.
Atualmente existem AU’s no ‘X’ com mais de um milhão de visualizações, como é o caso de ‘Somos de Mentira’,que retrata uma história fictícia entre Jisung e Minho, dois membros de um grupo sul-coreano de K-pop, chamado Stray Kids. Mesmo ainda não concluída, a obra assegura mais de 6.000 curtidas e 2.000 repostagens, trazendo um incentivo positivo à popularização de fanfics e, também, estimulando a escrita e leitura dos jovens e adolescentes imersos nessa cultura.
minsung au | somos de mentira
— lav (@tolovchan) September 29, 2023
após um jantar fracassado com o ex, jisung manda uma mensagem para o motorista do uber implorando para que ele saia do carro e finja ser seu novo namorado
mas quem aparece é minho, o melhor amigo idiota do seu ex e com quem nunca se deu bem pic.twitter.com/l8MplnYn8u
As fanfics online facilitam de maneira significativa o acesso à literatura. Em um mundo tão imerso nesse meio virtual é importante que haja mecanismos para que o hábito da leitura, e escrita, não se percam. “É uma forma das pessoas acessarem a leitura de forma muito fácil e muito frequente, e tudo isso acontecer pelo celular/computador de certa forma ajuda a inserir a leitura na vida das pessoas sem que elas necessariamente precisem buscar por isso. É um bom estímulo inicial na minha perspectiva, muitas pessoas criam o hábito a partir disso.” finaliza Flavia.
Com o fim de abril, maio não fica para trás na agenda cultural. Entre exposições, experiências interativas, e até a famosa Virada Cultural de São Paulo, diferentes tipos de passeios são uma opção viável para os paulistanos durante o mês. Confira agora o que há de imperdível no lazer paulistano.
Música
Festival Nômade SP
Realizado no parque Villa Lobos, o Festival Nômade traz nomes de peso para a cidade, como Alceu Valença, Pabllo Vittar, Baco Exu do Blues, Maria Gadú, Urias e Nando Reis, durante os dois dias de atrações.

Quando: 25 e 26 de maio
Onde: Parque Villa Lobos (Av. Prof. Fonseca Rodrigues, 2001, 70, Alto de Pinheiros, Alto de Pinheiros, São Paulo, SP)
Ingressos: R$ 74 a R$ 184
Municipal Circula – Coro Lírico Municipal e Pastoras do Rosário no CEU Vila Curuçá
O Theatro Municipal de São Paulo apresenta um evento externo com o Coro Lírico Municipal, no show das Pastoras do Rosário em seu primeiro álbum, Da Nebulosa ao Brilho. Segundo o site do Theatro Municipal, o grupo foi formado em 2017, “na Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França, na zona leste de São Paulo”, e possui influências de moçambiques e congadas no ritmo.

Quando: 25 de maio - 11h
Onde: CEU Vila Curuçá (Av. Marechal Tito, 3.452. Vila Curuçá, São Paulo/SP)
Ingressos: Entrada gratuita
Virada Cultural de São Paulo

A 19ª edição da Virada Cultural de São Paulo ocorre entre os dias 18 e 19 de maio, e conta com diversos shows e apresentações em espaços públicos, além de parcerias com centros culturais. O evento é realizado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O lineup da Virada Cultural 2024 ainda não foi divulgado.
Quando: 18 e 19 de maio
Onde: Locais indisponíveis até a data de publicação do texto
Ingressos: Entrada gratuita
Arte e fotografia
MAM: Sergio Milliet
A nova aquisição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, é a série de pinturas a óleo sobre madeira de um dos maiores artistas do modernismo brasileiro, Sergio Milliet. Disponível até 12 de maio, a aquisição remonta a exposição de 1969 do artista, com pinturas oriundas de amigos próximos.

Quando: até 12 de maio
Onde: Parque Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº - Portões 1 e 3)
Horário de funcionamento: terça-feira a sábado, das 10h às 12h30 e das 13h30 às 18h
Ingressos: R$ 30 a inteira; R$ 15 a meia. Entrada gratuita aos domingos.
IMS: Koudelka
A exposição fotográfica conta com os três maiores trabalhos de Josef Koudelka, representante do movimento humanista na área, e retrata a etnia cigana na cidade de Praga, em 1968. Intitulada Exílios, a fotografia de Koudelka pode ser visitada no Instituto Moreira Salles, com entrada gratuita.

Quando: 18 de maio até 15 de setembro
Onde: IMS (Avenida Paulista, 2424 - Galerias 2 e 3 - 7º e 8º andares, São Paulo)
Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segunda) das 10h às 20h. Última admissão: 30 minutos antes do encerramento
Ingressos: Entrada gratuita
Cinema
Sessão de curtas dos anos 90 e 80 na cinemateca
A cinemateca brasileira apresenta duas mostras de curtas dos anos 90 e 80, dentro da mostra Jorge Furtado: Tudo isso aconteceu, mais ou menos, com cerca de 5 curtas por mostra.

Quando: 4 de maio - 18h (sessão anos 90); 5 de maio - 17h15 (sessão anos 80)
Onde: Sala Grande Otelo (Largo Senador Raul Cardoso, 207, Vila Mariana / SP)
Ingressos: Entrada gratuita
O museu, localizado no prédio onde existiu o DEOPS (1964-1985), iniciou em abril, em memória aos 60 anos do Golpe Militar, uma série de exposições e atividades culturais que buscavam de forma interativa, refletir sobre a memória da ditadura.
A última exposição, ocorrida no sábado dia 27/04 abordou a atuação da Comissão da Verdade “Reitora Nadir Gouvêa Kfouri”, criada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em 2013, assim como a história de resistência da universidade. Junto com todas as instalações, a visita é imperdível para quem quer conhecer esse momento da história.

O próprio prédio, como um monumento vivo que carrega uma história tão violenta, incita a reflexão antes mesmo de entrar, entre a caminhada de 7 minutos da estação da Luz até um dos mais violentos centros de repressão da nossa história, passa-se pelas ruas na área de uma "cracolândia", e há uma demonstração prática da violência, ao ver a polícia militar ao enquadrar com seus fuzis, a população que passava pela rua, conta Sofia Rocha, estudante de História na PUC-SP, que visitou o memorial pela primeira vez, para a faculdade.
“O momento mais marcante não foi no museu, mas nos arredores, nós de São Paulo, sabemos que o centro é perigoso, mas muitos policiais com fuzis enormes faziam abordagens violentas e aleatórias contra usuários de crack e qualquer pessoa negra, justamente quando (eu) caminhava para um dos maiores centros de repressão da ditadura.”

Chegando lá, há uma série de exposições fixas, como um grande arquivo organizado ao público, com informações gerais sobre a ditadura, uma grande linha do tempo, e enfim a história da própria instalação, que preservou as celas com seus rabiscos nas paredes, remonta cenários, cartas de e para detentos e o estreito corredor de banho de Sol (quase nunca utilizado).
“Eu achei legal, como faz relação com as violências atuais, a questão sensorial nas celas, com o cheiro e as paredes escritas, até achei o nome de uma familiar. Gosto muito do filme batismo de sangue, e tem várias referências de filmes sobre a ditadura. “
Conta Lola Aguiar, estudante de arqueologia pelo MAE-USP (Museu de arqueologia e etnografia na Universidade de São Paulo), que visitou a exposição para aula de museologia.
No terceiro andar do prédio, a visita continua com a exposição temporária “Mulheres em Luta! Arquivos de Memória Política”, com curadoria de Ana Pato. A exposição traz um largo acervo fotográfico e audiovisual, de testemunhas, casos de perseguição e violência.

“No terceiro andar me chamou a atenção, por ter mais informações em audiovisual, reconstrução de cenário de um filme e quadros. Como mulher também me tocou mais, por ver a vulnerabilidade sexual que elas (as mulheres na ditadura) enfrentavam”, diz Sofia Rocha.
Para Lola Aguiar: “o terceiro andar estava com uma ótima iluminação, e a autonomia que o visitante tem para andar, tá muito bonita. Mas a sinalização tá ruim e confusa, quase não vi que tinha uma sala atrás, também é maçante, muita informação, não dá pra ver tudo em um dia.
A estudante, ao analisar a exposição também notou a questão da inclusão: “nenhuma acessibilidade, no QR code só tinha a tradução para inglês, sem libras ou braille, a não ser nos vídeos, também não tem nenhum guia para acessibilidade”.
A exposição também contou com uma oficina de arte e memória, em que os participantes imprimiam em um tecido, uma foto ou imagem presente no acervo de sua escolha. O estudante de música da USP, Léo, participou da oficina e contou um pouco sobre.
“Viemos visitar o memorial na semana passada, e hoje viemos fazer uma oficina de impressão em tecido relacionado a violência contra as mulheres. É muito interessante, achamos que os recursos seriam caros, mas é bem simples, apenas a imagem, sulfite, cola e impressão a laser. Vamos levar para casa.”

A visita é de fato emblemática para todos que querem aprender e nunca esquecer. “Manter a memória é a importância, precisamos saber que as coisas aconteceram, precisamos ser realistas, muitas violências são naturalizadas, 60 anos parece muito tempo mas não é nada, não é nada se formos parar para pensar no Brasil e no mundo de hoje, essas violências seguem acontecendo, a gente precisa lembrar, revisitar, aprender, ouvir e contar essas histórias, se não essas memórias somem, e não podem sumir”, comenta Léo.
“É muito impactante ver o nome de pessoas que você conhece fazendo parte dessa história, e pensar o museu como esse espaço de manter viva uma memória, ao preservar os arquivos e educar”, completa Lola.
Por: Rafael Luz de Assis
Quando falamos da ditadura civil-militar brasileira e movimento estudantil, lembramos de algumas instituições. A PUC pode não ser uma das primeiras a vir a mente, mas sua história é rica, e merece ser relembrada.

São casos bem famosos e sempre que falamos de resistência estudantil, algum desses já vem à cabeça. Mas e a PUC? A tradicional universidade católica de São Paulo tem seus causos e foi sim um polo importante de resistência à Ditadura.
Diferentemente de outras universidades do país, por ser uma Pontifícia amparada na Igreja, a Católica não sofreu com tantos assédios institucionais e desmonte de projetos acadêmicos. Claro passou basicamente ilesa. Devido ao fato de ter conseguido continuar com seu plano pedagógico e acadêmico quase completo, a universidade acabou recebendo uma boa parte de professores que eram perseguidos, expulsos e aposentados compulsoriamente de outras entidades, entre eles, destaca-se Paulo Freire, Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Maurício Tratenberg, Bento Prado Junior, entre outros.
Em 1965, o TUCA (teatro da universidade católica) é inaugurado com uma peça considerada extremamente subversiva, “Morte e vida Severina” de João Cabral de Melo Neto já no ano de 1968 recebeu Caetano Veloso cantando “É proibido, proibir.
O Ministério da Educação do regime, e a United States Agency for International Development (USAID, uma agência estadunidense de ajuda ao desenvolvimento) firmam um acordo educacional em que na verdade era um alinhamento da educação brasileira com os interesses estadunidenses, e que foi vendido como adequação brasileira as melhores práticas educacionais do mundo. Surpreendentemente, a implementação desse projeto na USP ocorreu sem maiores tormentas.
Já na PUC os alunos ocuparam as instalações da reitoria e dos jardins por dois meses e só após comissões paritárias entre professores e alunos, que propuseram novos currículos que visassem à formação de uma consciência crítica e comprometida com a realidade a manifestação cessou.
Já nos primeiros anos do regime ditatorial, ficou evidente que o movimento estudantil era um dos “inimigos” a serem caçados. Nas universidades públicas foram proibidos os DCEs (Diretório Central dos Estudantes) e CAs (Centros Acadêmicos) sob a alegação de que promover “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”. A UNE também foi extinta.

Mais uma vez se aproveitando do caráter institucional da PUC que por ser católica passava batida pelo moralismo vigente, em 1977 os estudantes voltam a tentar se organizar e se posicionar referente a situação precária do ensino superior no país, a PUC cumpre o importante papel de sediar a 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que havia sido proibida de acontecer pela ditadura.
O marco de truculência da ditadura e da resistência na PUC também é em 1977. Depois de uma manobra audaciosa dos estudantes que promoveram uma série de encontros relâmpago para ludibriar os militares, que queriam barrar as reuniões, alunos de todo o Brasil se encontraram no campus Monte Alegre, eram cerca de 70 delegados estudantis de todo o país. Foi o primeiro ato pró-UNE depois de vários anos.
O movimento estudantil ficou em êxtase e como a reitoria tinha negado a abertura do TUCA justificando temer repressão policial, os estudantes fizeram um ato de “comemoração” em frente ao teatro. Cerca de 2000 estudantes segundo a CVPUC (Comissão da Verdade da PUC), estavam ao início da leitura da carta aberta quando o então coronel Erasmo Dias que chefiava o DEOPS (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) paulista e seus mais de 900 policiais, invadiram o campus Monte Alegre e levaram mais de 800 pessoas presas e fichadas no órgão.

Foi então que a reitora da instituição, primeira reitora de uma universidade católica, a senhora Nadir Kfouri, foi ao socorro dos alunos e ao chegar encontrou todos sentados esperando orientações e o Coronel veio em sua direção, estendeu a mão a cumprimentando, nesse momento Kfouri diz a frase que ficou marcada para história dessa instituição como resistência do movimento estudantil no país: “não dou a mão a assassinos”. A invasão da PUC é um marco da resistência dos estudantes, os “puquianos” se orgulham de lembrar que torturador tem que ser tratado como tal.
Vale deixar aqui a menção vergonhosa ao fato de o Governador do Estado de São Paulo Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) em uma via de entroncamento na cidade de Paraguaçu Paulista (cidade natal do coronel), faz uma homenagem ao "Deputado Erasmo Dias", personagem que segundo o mandatário nunca foi condenado por "atos praticados por sua vida pública pregressa". Lembrando que o Coronel nunca foi condenado pois a lei criminosa da anistia proibiu o julgamento dessa caterva.

Atualmente, foi criada no Memorial da Resistência em São Paulo uma mostra temporária como forma de relembrar a força e a luta vivenciada na PUC-SP durante o período da ditadura militar. A exposição, que vai até 2025, conta com cinco eixos de exploração: Invasão da PUC-SP e a resistência à ditadura; Docentes, artistas e intelectuais acolhidos pela PUC-SP; Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri; Arte e resistência no TUCA; e A defesa radical da democracia.
A democracia volta depois de anos, o regime repressor é expulso (não podemos dizer eternamente pois temos ainda hoje quem peça seu retorno), e a PUC não deixou a luta. Antes mesmo de se tornar realidade nacional, a instituição criou a própria comissão da verdade, CVPUC - Comissão da verdade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que, assim como a própria universidade, com suas marcações históricas imortalizadas, ainda segue como exemplo de resistência contra opressão de todas as formas.
Esta matéria foi produzida como parte integrante das Atividades Extensionistas do curso de Jornalismo da PUC-SP.