Por Bruna Galati e Leticia Galatro
Carolina Faita, de 22 anos, está há algumas semanas de menstruar e isso significa que está odiando o mundo e esperando ansiosamente por aquele momento que irá chorar com um filme de romance. Ela acredita que não seria tão acolhedor fazer isso no cinema e fica aliviada de estar no conforto de sua casa, com uma pipoca de microondas e um cobertor.
Deitada no sofá da sala, Carol dá play no terceiro filme de "Para todos garotos que já amei" e se prepara para mais um clichê que trará algumas de suas lágrimas. O crescimento dos streamings, forma de acessar e consumir conteúdos sob demanda, garante cenas como essa no dia a dia das pessoas. Qualquer dispositivo conectado à internet é o suficiente para acessar as mais diversas plataformas e desfrutar de produções de qualidade e para diferentes gostos.
Lançada no universo online em 2007, a Netflix é uma das plataformas mais famosas de filmes. No Brasil, essa tendência de assistir conteúdos, pagando uma mensalidade, apresentou um crescimento contínuo a partir de 2013. Com a pandemia e as pessoas buscando lazer dentro de casa, a empresa encerrou 2020 com um recorde. Em apenas um ano ganhou 37 milhões de usuários, totalizando 204 milhões de assinantes. Isadora Castaldi, de 21 anos, faz parte desse número. Ela não se conteve apenas com esse streaming e virou cliente da Amazon Prime e da Disney+.
Embora Isadora relate que se distanciou dos filmes. Para ela, assistir algo no cinema costumava ir muito além do conteúdo passado em tela. Quando tinha uma sexta-feira livre, encontrava as amigas no shopping mais próximo de sua casa, passava na Loja Americanas para comprar um pacote de batatas fritas, um saquinho de doces e um refrigerante e caminhava feliz em direção a sala do filme. Não pensava muito na escolha, mas sabia que o gênero não poderia ser terror.
Hoje, Isadora opta pelas séries nas plataformas e não pelos filmes, já que eles não prendem tanto a sua atenção como acontecia no ambiente do cinema. Quando ela escolhe assistir um longa metragem, normalmente são produções feitas para streaming, como Daniel Castello, consultor e palestrante de estratégias digitais, menciona:
Segundo um levantamento da consultoria App Annie, especializada no setor de streaming, o Brasil é o sexto país que mais gasta dinheiro com plataformas de streaming. E segundo Daniel, isso acontece porque as diversas plataformas tendem a criar produções com propostas temáticas e estéticas que conquistam novos públicos distintos.
Castello nunca foi um grande fã de futebol. Odiava que no passado a socialização era baseada em placar, pênaltis e times vencedores, na rodinha dos homens. O papo das mulheres era focado no resumo do último capítulo da novela. Daniel não conseguia interagir com nenhum deles, já que não era um consumidor desses conteúdos. Com a expansão dos streamings e as pessoas descobrindo novos gostos, ele conseguiu se encontrar, já que atualmente existem públicos para diversos gêneros, os que gostam de heróis, como é o caso de Daniel, os que gostam de serial killers, os que gostam de documentários e assim por diante.
Outro ponto trazido pelos entrevistados é que com o surgimento das plataformas digitais, agora eles podem consumir os conteúdos dos seus interesses em diversos lugares, como afirma o professor de cinema André Gatti.
Essa afirmação também é levantada por Mauro Peron, doutor em Multimeios, quando ele diz que os streamings levam as cinematografias dos grandes estúdios em nichos antes ausentes, devido às tecnologias que permitem a visualização de filmes em múltiplos dispositivos. A geração Alpha, marcada pelos nascimentos pós 2010, já cresce em ambiente totalmente dependente da tecnologia. Esse avanço digital tem impactado nos mais diversos âmbitos do conhecimento, inclusive na produção cinematográfica, arte totalmente dependente da tecnologia.
A impossibilidade de sair de casa somada a ideia de assistir qualquer filme, quantas vezes quiser, no conforto de casa, sem precisar se dedicar 100% para aquele momento, pela presença de smartphones e outros tipos de distrações, favorece a escolha por streaming.
Além disso, as salas de cinema são uma oferta de cultura elitizada, limitando o acesso de parte da população. Segundo uma pesquisa do IBGE, em 2018, 39,9% da população morava em municípios sem, ao menos, um cinema. Sobre esse assunto, a cineasta Carol Serrano, acrescenta: "A assinatura de uma plataforma de streaming vale muito mais a pena, claro que muitas pessoas não possuem áudio e imagem de qualidade igual a uma sala de cinema, mas em compensação podem ter milhares de filmes para assistir pelo preço de um bilhete, além de não precisarem gastar dinheiro extra com transporte”.
O cinema, portanto, representa uma dupla desigualdade. Há restrições quanto ao acesso à educação, à estrutura básica para sobrevivência e ao contato com equipamentos culturais.
A oferta de cultura é essencial para uma sociedade, porque incentiva a aprendizagem de uma forma leve e natural. Dessa forma, mesmo que esteja perdendo sua força com a chegada das plataformas de streaming, o cinema tradicional ainda está longe de acabar.
A ida ao cinema é um movimento importante para a convivência e lazer de muitas famílias ao redor do mundo. Nada se compara a sensação de esperar ansiosamente pelo lançamento de um filme, comprar ingressos, um combo de pipoca e bebida e sentar em uma sala confortável e feita unicamente para esse tipo de experiência.
Com o avanço da contaminação por Covid-19, empresas de entretenimento buscam alternativas para garantir um entretenimento fora de casa seguro.
Uma das soluções encontradas foi a criação de cinemas drive-in, caracterizados como grandes espaços ao ar livre, em que as pessoas podem assistir aos filmes em seus próprios carros. Comum nos anos 50 e 60, esta maneira de oferecer sessões de filmes faz sucesso durante o isolamento social por oferecer segurança e diversão. Vários espaços se adaptaram e a nova forma de diversão está espalhada por toda cidade de São Paulo.
A atração, que vem tendo uma grande adesão do público, conta com a exibição de filmes antigos e preço cobrado por carro com até 4 pessoas. Alguns lugares até oferecem pipoca e bebidas, através de garçons devidamente protegidos. “Era só dar um sinal de luz com o carro que aparecia um funcionário para tirar o pedido a qualquer minuto do filme. Não tem que se preocupar em comprar a pipoca antes do filme começar “, relembra Paola Grandino, de 21 anos.
Ela conta que além disso, vários outros motivos a fizeram gostar da experiência e querer voltar: “Você paga pela noite, eu comprava a entrada do filme das 18h, mas podia ficar para assistir o filme das 20h e das 22h se quisesse. Acaba sendo mais barato que um cinema normal. E o que a gente gostava era do conforto do carro. A gente podia conversar durante o filme sem incomodar ninguém e controlar o volume, já que o som vem por estação de rádio".
Dois cinemas a céu aberto no País responderam por 98,8% da bilheteria brasileira no final de semana de 21 a 24 de maio. Juntos, o Cine Drive-In Brasília e o Cinesystem Litoral Plaza Drive-In, de Praia Grande (SP), arrecadaram R$ 76,3 mil e atraíram mais de 3.000 telespectadores.
Por mais que essa forma de fazer cinema esteja em alta neste momento, não há certeza de seu futuro. Acredita-se que pós-pandemia ocorra um efeito rebote, no qual todos os serviços que ficaram fechados durante a fase vermelha vão ser consumidos em excesso. Com isso, certamente, os cinemas a céu aberto vão perder espaço para as salas de cinemas convencionais.
Além disso, apesar de ser a melhor solução em meio ao cenário pandêmico atual, o Cinema Drive-In apresenta algumas características desfavoráveis para sua permanência, como destaca Isabela Aguiar:
O cartunista brasileiro Renato Aroeira, nascido em Minas Gerais, ficou conhecido por suas inúmeras charges com duras críticas políticas: “Eu sou um crítico social. E a crítica social tem a função de criticar a estrutura que garante a permanência do que está errado e assim por diante. ”
Aroeira iniciou sua carreira na editoria de esporte do Jornal de Minas e com ilustrações para livros pedagógicos, “eu começo trabalhando com educação e depois com cartoon. O que facilitou para eu aceitar as críticas mais tarde como chargista. ”
Surgiu a oportunidade e espaço para ele se aprimorar como chargista político, contudo, ele afirma que o seu aprendizado sobre o tema ocorre no movimento estudantil e na reconstrução da imprensa sindical, “(...) a partir daí eu parei de fazer simplesmente uma charge política e comecei a entender realmente o que era a política”, afirma Aroeira.

Em suas obras, Aroeira espera que as pessoas se divirtam, mas que identifiquem aquilo que está sendo apontado e o “gosto amargo da charge”. “Eu não espero que uma charge resolva algum problema, nem provoque uma revolução ou coisa parecida. A charge é um pedacinho deste caldo cultural que precisa para a sociedade mudar de rumo. ”
Para o chargista, não pode existir a simplificação do humor a ser passado para a sociedade, “a simplificação dá a origem de uma compreensão muito diferente do que você pretendia”. Aroeira explica que há três questões envolvidas para o desenvolvimento de uma charge: “(...) o que você quis dizer, o que você disse realmente e o que as pessoas vão interpretar”

Aroeira continua dizendo que: “O humor simplificado tende a ser um humor muito rasteiro e ele costuma ser homofóbico, racista, sexista. Ele tem vários preconceitos da sociedade embutida, pois costuma trazer o riso mais fácil. O chargista precisa tomar cuidado com isso”
Além disso, Renato afirma que sua visão de crítica é com aquilo que está errado socialmente, “Essa é a minha visão de crítica, eu não consigo achar graça com uma piada com negro, LGBT, mulher. Não tem graça, essa é a piada do opressor” - e continua: “ (...) eu não bato em quem está apanhando. Eu não vou fazer charge criticando uma mulher, por exemplo, pois ela já vive uma situação de opressão na sociedade. ”
Colecionando ameaças, o cartunista Renato Aroeira vêm se tornando um destaque entre os artistas que se opõem ao governo de Jair Bolsonaro. Entre charges que associam o Presidente ao nazismo e culpabilizam Bolsonaro pelos recordes de morte decorrentes da Covid-19, Aroeira é alvo de polêmica e admiração.
‘‘Sinto medo o tempo todo. Tenho medo, mas sinto que estou seguro. Existe uma rede de proteção que funciona’’, diz Aroeira, sobre as ameaças de morte que recebe nas redes sociais. O cartunista também é músico e manifestou sua preocupação em divulgar suas apresentações: ‘‘Eu até parei de anunciar meus shows. Parei de dizer onde eu estava tocando. Deixava só pra quem sabia’’.
Entre as polêmicas mais recentes envolvendo Aroeira, a mais famosa ocorreu em junho do ano passado, quando o chargista fez uma ilustração de Bolsonaro ao lado de uma suástica, criticando a gestão do presidente em relação à pandemia. A obra gerou diversos ataques de grupos bolsonaristas na internet e a Polícia Federal chegou a abrir um inquérito contra Aroeira, a pedido do Ministro da Justiça, André Mendonça.
‘‘Pânico. A primeira coisa foi isso. Eu não tenho nem advogado. Depois, 10 advogados, todos pro bono, apareceram. Gente de escritório grande que se colocou à disposição. Eu percebi que já existe uma rede de solidariedade que está funcionando no Brasil’’, diz Aroeira sobre a sua reação à repercussão de seu trabalho. O artista também relatou o apoio da comunidade de cartunistas, que promoveu a campanha #somostodosaroeira com a "Charge Continuada", uma série de mais de quatrocentos desenhos que replicaram a charge inicial de Aroeira. ‘‘Eu usei o símbolo do bem por excelência, que é a cruz vermelha, que tem a ideia de curar e ajudar o próximo, com a ideia da cruz nazista, que é a ideia de mal supremo’’.
A relação de Aroeira com a política, no meio profissional, não foi imediata. O chargista iniciou a carreira no caderno de esportes no Jornal de Minas, por influência do seu pai, que trabalhava na publicação. Durante o governo Geisel, na década de 70, o editor do jornal fez um convite para que ele trabalhasse na seção de política e o cartunista aceitou. Foi a partir de outras experiências, porém, que Aroeira se descobriu politicamente: ‘‘Meu aprendizado com política ocorre no movimento estudantil e na construção da imprensa sindical. Ali, comecei a entender realmente o que era política’’. Sobre a ética de seu ofício, o cartunista também é contundente: ‘‘Você deve ter uma preocupação, assim como um repórter ou um editor quando está escrevendo uma matéria, de ser preciso. O humor simplificado costuma ser muito rasteiro. Homofóbico, sexista, racista. Isso costuma trazer o riso muito mais fácil. O humor tem que tomar cuidado com isso’’.
Em tempos de crítica ao politicamente correto e manifestações de que o ‘‘mimimi’’ está atrapalhando a sociedade, Aroeira tomou partido: ‘‘O meu caminho diz o seguinte: não bater em quem já está apanhando. Eu não vou fazer uma charge criticando uma mulher porque a mulher já vive uma situação de opressão na sociedade...Eu acredito fundamentalmente na ideia de lugar de fala enquanto lugar de ação’’.
Para a surpresa de muitos, em 2021, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles incluiu na maior premiação do cinema não somente produções, mas profissionais multi-étnicos. Ainda que vagarosa, a renovação nos processos de indicações escancara o histórico predominantemente masculino e branco do Oscar.
Por conta da pandemia de Covid-19, a quantidade de obras dos grandes estúdios diminuiu. Enquanto isso, o número de trabalhos distribuídos e produzidos pelas plataformas de streaming aumentou. Isso reflete diretamente na diversidade das indicações, uma vez que permite que outros projetos, mais independentes e inclusivos, ganhem destaque.
Contrariando as tradições, pela primeira vez na história dos Oscars, dentre os oito indicados a melhor filme, três deles são protagonizados por pessoas não brancas (Judas e o Messias Negro, Minari e O Som do Silêncio). Além disso, mais uma vez quebrando um recorde, foram indicados nove artistas não brancos nas categorias de atuação.

Dentre eles, os nomes de Viola Davis e Chadwick Boseman foram os mais aplaudidos. Davis se consagrou como a mulher negra com mais indicações ao Oscar na história. Concorrendo neste ano pela quarta vez, se vencer, ela se torna a primeira mulher negra a ganhar duas estatuetas. Assim como aconteceu com sua colega de cena de A Voz Suprema do Blues, a presença de Boseman nos nomes para melhor ator mostra uma mudança, já que é, também, a primeira indicação póstuma a um artista não branco. Na categoria de melhor diretor, mais uma vez os jurados fugiram do usual. Pela primeira vez duas mulheres foram indicadas no mesmo ano, sendo uma delas asiática. Além disso, o grupo de indicados conta com um coreano-americano.

Apesar da oportuna transformação no comportamento, o histórico não consegue disfarçar a estrutura segregacionista que sustenta a premiação. Nos últimos 20 anos, entre os 100 homens indicados ao prêmio de melhor ator, somente 14 deles eram negros. Já na categoria de melhor atriz, a estatística é ainda pior, visto que apenas quatro eram mulheres negras. Se indicações já são raras, estatuetas são ainda mais. Para os homens, apenas três nessa categoria e para as mulheres, uma vitória solitária.
Para os diretores não brancos e diretoras o panorama é desfavorável também. Se analisados os indicados desde o início da década de 2000, é possível encontrar somente cinco indicações a mulheres e dez a homens que não são brancos. Vitórias para esses dois grupos é um evento incomum. As mulheres contam com apenas uma estatueta, pertencente à americana Kathryn Bigelow, enquanto os homens não-brancos venceram três vezes. Entretanto, vale destacar que nenhum diretor ou diretora negra jamais venceu a categoria.
Essa escassez de reconhecimento é um reflexo da bancada de votantes da Academia, uma vez que é composta predominantemente por homens (68%) e pessoas brancas (84%).
É possível creditar essa renovação à demanda popular. “Olha, historicamente, Hollywood funciona da base da pressão, sobretudo, nos últimos anos, na base da pressão das redes sociais. Então, acho que é importante dizer que são premiações muito sensíveis à opinião pública.” diz Fábio Monteiro, doutor em história social (PUC-SP) e especialista em cinema documentário (EICTV - Escuela Internacional de Cine y Televisión). Monteiro afirma que “[...] quando a sociedade reivindica mais representatividade e pautas de visibilidade, ela questiona o lugar social das minorias e das pessoas subalternizadas, aí a indústria, então, faz questão de se movimentar e de atender. E, por uma razão, dinheiro.”

Essa movimentação da indústria cinematográfica, pouco tem a ver com um exercício de generosidade. Desde 2015, quando surgiu a campanha #OscarSoWhite (Oscar branco demais, tradução livre) a Academia percebeu que precisaria mudar a postura se quisesse continuar lucrando. Em um levantamento da consultoria americana McKinsey, foi observado que Hollywood deixa de faturar anualmente cerca de US$10 bilhões pela falta de representatividade negra no cinema e na televisão. É uma questão de bilheteria e esta, precisa necessariamente dialogar com essa demanda multicultural e multiétnica, caso contrário nem estúdios e nem premiações mantém a engrenagem de rentabilidade que envolve essa indústria.
De acordo com o portal de dados Statista, os lucros de um filme dobram depois de uma indicação ao Oscar. Assim, o problema era um ciclo infinito. Se as produções que antes englobavam as minorias étnicas e socioculturais não recebiam indicações, também não eram lucrativas e por conseguinte, não eram interessantes para os grandes estúdios. Contudo, a procura por esses filmes que eram, até então, desinteressantes e pouco rentáveis aumentou muito.
O sucesso do afrofuturismo de Pantera Negra (2018) é a prova disso. Com mais de US$1 bilhão arrecadado em bilheterias, o filme recebeu seis indicações da Academia e levou três estatuetas para casa. Na prática, a produção atendeu uma demanda popular e somente com isso já embolsaria milhões, porém com as indicações ao Oscar o filme ganhou credibilidade até mesmo com aqueles que não pediam por um super-herói negro nas salas de cinema. Desta forma, entre estúdios, premiações, elenco, equipes de produção e sociedade, todos saíram ganhando e o rendimento de Pantera Negra chegou na casa do bilhão.
Cartunista de destaque em grandes veículos de comunicação do país, como o jornal O Globo e a Revista IstoÉ, o mineiro Renato Aroeira começou sua carreira como cartunista no Jornal de Minas, trabalhando na editoria de esportes. Mais tarde, ele migrou para o campo político, onde permanece até hoje. Aroeira concedeu, no dia 24 de março, uma entrevista coletiva virtual a alunos do curso de jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Na entrevista, Aroeira fala sobre o início de sua carreira, a importância do seu trabalho para o jornalismo e as principais particularidades e dificuldades da carreira de um cartunista.
Como foi o início da sua trajetória como cartunista?
“Minha trajetória começa no nepotismo (risos), pois meu pai era jornalista do Jornal de Minas e a coluna de esportes era dele. E antes disso, eu comecei ilustrando os livros da minha mãe, que era professora e fazia livros paradidáticos. Alguns anos depois, fiz também as apostilas do meu pai, que era professor de desenho e, posteriormente, trabalhei na coluna de esportes dele. Eu brinco dizendo que é nepotismo, mas na verdade é aquele aprendizado na oficina familiar, pois venho de uma família de desenhistas.”
Como foi o seu processo de mudança entre o jornalismo esportivo e o jornalismo político?
“Quando comecei no Jornal de Minas ilustrando a coluna de esportes do meu pai, o editor geral do jornal gostou dos desenhos e me perguntou se eu queria fazer charge política. Eu não sabia direito fazer isso, mas aceitei. A transição para a política acontece porque havia a tradição de charge política nos jornais, mesmo durante a ditadura militar.”
Vivemos um momento político bastante conturbado e isso pode ser retratado nas charges. Atualmente, qual é o maior desafio para um cartunista na elaboração de charges políticas?
“Quando comecei minha carreira de chargista, eu achava que o humor era simplificação, mas fui percebendo que a simplificação acaba sendo mais injusta do que deveria. O LOR (Luiz Oswaldo Rodrigues), cartunista de Minas e meu antigo professor de charges, dizia que há três coisas envolvidas numa charge: o que você quis dizer, o que você realmente disse e o que as pessoas entenderam daquilo. Então, no meu processo de construção da minha visão de mundo em charge, eu fui complicando mais a charge do que simplificando. Acho que é melhor explicar um pouco mais do que cometer um equívoco.”
Em algum momento da sua carreira você teve problemas com o politicamente correto? Se sim, como você fez para “driblar” essa situação?
“Existem coisas e piadas que, em algum momento da minha vida, eu achei graça, e hoje não consigo mais achar. Então, na verdade, eu penso que, como tudo na minha vida, eu escolhi um caminho. E o meu caminho diz o seguinte: eu não bato em quem está apanhando. Eu não vou fazer charge criticando uma mulher, uma vez que a mulher já vive uma situação de opressão na sociedade. Além de não fazer a charge contra a mulher, contra o índio ou contra o negro, por exemplo, eu também não dou conselhos nas lutas. Então, eu incorporei o politicamente correto dentro de uma maneira mais ampla de ver o mundo que é a seguinte: eu sou um crítico social, e o crítico social tem a função de criticar a estrutura que garante a permanência do que está errado. Essa é a minha visão de crítica. Eu não consigo achar graça em uma piada com negros ou homossexuais, por exemplo, pois essa é a piada do opressor.”
Qual o seu objetivo quando você produz uma charge para o público?
“É a expressão ‘mixed feelings’, que os gringos gostam. Tem muita coisa envolvida. Desde aquela coisa básica do artista, de querer ser notado pelo público, até a necessidade de um papel social. É uma maneira de ver o mundo, mais do que qualquer outra coisa. Quando publico uma charge, eu espero que as pessoas se divirtam, mas que também olhem para aquilo que estou apontando.”
Como que é o processo criativo de uma charge?
“Por um bom tempo, o processo era ler os jornais de manhã, escolher um fato e fazer a charge sobre aquilo. Mas já faz alguns anos que eu já sei mais ou menos o que eu quero dizer, que já tenho uma noção do que estou vendo. Então, eu tento construir uma narrativa dos personagens que eu estou lidando. Hoje em dia, trata-se mais de uma escolha de qual dos fatos eu vou usar para dizer o que eu quero dizer. No começo da minha carreira como chargista, eu ainda não sabia exatamente o que eu queria dizer. Hoje em dia eu tenho uma noção muito mais precisa.”
Qual é o impacto das redes sociais na divulgação das charges?
“Quando eu comecei, a gente recebia cartas. E a carta chegava uma semana depois do fato. Elogiando, xingando, reclamando. Depois isso mudou e eu passei a receber os elogios, os xingamentos e as reclamações por e-mail. Quando a charge saía, ela era de um fato ocorrido 4 dias atrás. Hoje em dia, em menos de meia hora do final de um fato já é possível ter uma charge pronta. Em um período de 30 anos, saímos de uma charge que falava de um fato ocorrido há 3 ou 4 dias, e fomos para uma coisa instantânea. Agora as coisas são em tempo real com praticamente tudo.”
Como é a sua relação com outros cartunistas famosos no cenário brasileiro?
“Os cartunistas, por incrível que pareça, são muito amigáveis e unidos. Já trabalhei na ‘Revista Bundas’ com o Ziraldo (Alves Pinto) e fiz trabalhos junto com o Miguel Paiva. Eu fui músico da banda do Chico e do Paulo Caruso por décadas. Normalmente, apesar de todos se darem bem, o trabalho dos cartunistas é individual, mas eu gosto muito da ideia do trabalho coletivo.”