Por Gabriella Lopes
Yumeko Jabami em seu primeiro dia na Academia Privada Hyakkaou, uma escola da alta elite localizada em algum lugar não especificado no Japão, surpreende os colegas quando desafia Mary Saotome, um monstro das apostas. Ninguém conhecia Yumeko e muito menos esperavam que fosse ganhar de Mary. Logo de cara entendemos a personalidade da personagem principal. Ela é viciada em apostar, mas para sua sorte, nasceu com o dom de decifrar as pessoas a sua volta e perceber trapaças, o que a leva ganhar na maioria das vezes.
A história do anime Kakegurui é bastante interessante. A escola é um tipo de cassino para jovens ricos. A hierarquia começa no grêmio estudantil, formado pelos melhores jogadores até os endividados, tratados como serviçais. As relações de poder e amizade são determinadas pelo nível de habilidade. Assim que o sinal bate e a aula acaba, começam as apostas que dependendo do resultado pode mudar completamente a vida de alguém.
Em todos os jogos que Yumeko participa, ela arrisca perder enormes quantidades de dinheiro e em alguns casos até sua a vida, só para sentir a adrenalina do momento e acima de tudo, o prazer. As cenas não são explícitas, mas podemos entender bem o que a personagem sente. Características como suor, gemidos, bochechas coradas e as mãos em cima das partes íntimas são comuns quando se está em uma cena tensa de aposta.
Para quem lê a sinopse parece uma história comum para o estilo de anime shounen mangá.
O shounen mangá é um estilo de anime e mangá japonês voltado para os adolescentes. O seu foco é o público masculino, mas também atrai o feminino. Para atrair os meninos, uma das artimanhas desse estilo usadas pelos produtores é a sexualização das personagens femininas, o que, com o tempo, se tornou uma característica comum do estilo.
Kakegurui não é exceção. A maioria dos personagens principais são mulheres e todas são sexualizadas, além de mostrarem traços fortes erotizados de homossexualidade e bissexualidade. Elas são viciadas em apostar e sentem prazer sexual, a ponto de se masturbarem ao longo das partidas devido ao tamanho do prazer que sentem ao jogarem.
Personagens estereotipadas com as de Kakegurui são reflexos diretos do fetcihe do homem japonês. Não existe qualquer conexão lógica em sentir tamanho prazer sexual com apostar. E são histórias como essas que caracterizam o fetiche japonês. Esses tipos de fantasias sexuais são traços singular da cultura do país, especialmente dentro do grupo masculino.
Simonia Fukue, professora da USP, pesquisadora da cultura japonesa e especialista em animes explica que no Japão o homem não necessariamente precisa do sexo para se satisfazer. O fetiche é, explica ela, em alguns casos, o suficiente. Isso é algo tão característico que existe um mercado inteiro para suprir as demandas desses consumidores.
Kakegurui vai longe nesta questão. Midari Ikishima é uma das integrantes do grêmio estudantil e é masoquista. Seu jogo preferido é a roleta russa e quando quer sentir prazer, atira na própria cabeça com a expectativa de levar o tiro enquanto se masturba. Todos os jogos que ela propõe envolvem risco de vida a fim de buscar o prazer sexual. Na vida dos homens japoneses existem situações extremas como essa também.
Para a pesquisadora que descende de japoneses e já morou mais de um ano lá, o problema é sistemático. Diferente do ocidente que está avançado no processo, no Japão, o movimento feminista e a pauta sobre a igualdade de gênero é pouco discutida. Além disso, espera-se da mulher um determinado comportamento e vestimenta.
Simonia, conta, por exemplo, que quando foi pesquisar a estética kawaii (é um adjetivo japonês usado para chamar algo de lindo e fofo, também é uma estética que envolve estilo de roupa, personalidade e conteúdos animados considerado fofo e delicado) no Japão em 2015, sentiu-se julgada pelas suas roupas serem justas (nos padrões japonês) e pela alça de seu sutiã aparecer, algo que no Brasil é popular.
Na visão da professora, o gênero shounen mangá não é contestado pela sociedade japonesa, porque as mulheres ainda não aprofundaram a discussão sobre os direitos da mulher. Pelo contrário, a maior parte pensa que esse é o normal.
Ao ser perguntada sobre porque uma sociedade tão conservadora também sexualiza personagens de animes, ela responde que ainda não existe uma resposta concreta. Entretanto, voltando um pouco na história do país, é possível observar alguns pontos que dão pistas de onde esse comportamento veio.
Começa na era Meiji, que iniciou em 1868, quando o Japão pressionado pela expansão do capitalismo abriu sua economia para o mundo ocidental. Segundo Simonia, quando as mulheres japonesas entraram em contato com as mulheres ocidentais, principalmente as europeias, elas tomaram como beleza o biotipo das estrangeiras. Uma das consequências disso foi a sexualização de si mesma. Por exemplo, para tentar aumentar os seios, buscaram métodos como usar roupas decotadas.
Todavia, esse novo desejo entrou em conflito com as tradições e tendências foram criadas. Simonia explica que na década de 90 com o desenvolvimento da Internet, os japoneses passaram a ter mais contato com a cultura ocidental. Dessa forma, as mulheres perceberam diferenças no modo como o homem ocidental tratavam as mulheres e como os homens japoneses as tratavam.
O carinho japonês, conta a professora, é, de certa forma, agressivo e quando viram o carinho ocidental (como o de um homem de filmes hollywoodianos), passaram a repreender os japoneses pela forma brusca como demonstravam amor.
Em busca de um parceiro ocidental, as japonesas começaram a mudar sua postura. Passaram a buscar uma profissão e a independência financeira, pois concluíram que seria assim que conquistariam os gringos.
Por outro lado, o homem japonês passou a se sentir abandonado. No Japão, não é aceitável que mulheres ganhem mais do que homens, pois é dever dele sustentar a família. Além disso, começaram a se incomodar com a voz feminina. Para eles era inaceitável que a mulher não seguisse os padrões de comportamento e estéticos pré-determinados.
Foi daí que se fortaleceu o fetiche do homem. O sexo ficou um pouco de lado, para dar espaço a carência, levando a situações extremas como o mercado de pernas para abraçar, entre outros produtos.
Ao mesmo tempo, as mulheres descobriram uma nova forma de se expressarem. Para burlar as regras sociais, passaram a se mostrar de forma diferente conforme o ambiente. Simonia fala, que “esse outro lado japonês [da mulher] é: ‘enquanto estou vivendo na sociedade eu sou recatada, mas quando estou com meus amigos, estou fora do nicho disciplinado japonês, que pensam como eu e que são como eu, vou ser sexualizada, quero ser sexualizada’, não são todas, mas é a maioria.”
Em contrapartida, as chances delas conseguirem casar com um ocidental eram poucas. Inclusive, porque a cultura japonesa não aceita facilmente relacionamentos com pessoas de outra nacionalidade. Todavia, uma mulher independente e usando roupas decotadas não atrairia o homem japonês e outra tendência nasceu.
Foi assim que nasceu a moda kawaii. Simonia não sabe afirmar se foi o kawaii que copiou a cultura japonesa ou se foi o contrário. Mas as mulheres passaram a usar roupas e maquiagens para transparecer fofura e fragilidade.
Isso, segundo a pesquisadora, é outra contradição dentro da sociedade. Ao mesmo tempo que as mulheres querem se sexualizar, elas querem mostrar fragilidade e vulnerabilidade. Ainda não existe uma conclusão certa para isso, mas Simonia diz que na visão dela, os japoneses são 8 ou 80. Talvez isso explique, mesmo que superficialmente, porque as japonesas vivem essa ambiguidade.
No Brasil, apesar de não haver uma pesquisa específica para isso, pode-se observar um grupo considerável de consumidores de animes e mangás que se incomodam com o assunto. Mesmo assim, continua sendo consumido tanto quanto no Japão.
“Algumas pessoas começaram a me mandar solidariedade no zap”, Renato Aroeira conta que ficou incrédulo ao descobrir sobre o caso pela internet. Após se inteirar, o chargista revela que sentiu pânico: “eu não tenho nem advogado”.
Mais tarde, foi surpreendido novamente, desta vez por pessoas oferecendo ajuda: “Dez advogados apareceram, todos de escritório grande, se colocando à disposição, e eu descobri que existe uma rede de solidariedade funcionando no Brasil há um tempo”
O caso passou a ter ainda mais repercussão após outros cartunistas se juntarem para fazer suas próprias versões da charge original; a nova proposta recebeu o nome de Charge Continuada. “Na evolução disso, a Charge Continuada gerou centenas e centenas de desenhos”
Em pouco tempo, diversos jornais, intelectuais e escritores já haviam declarado apoio a Aroeira. “Aos poucos fui descobrindo que foi um grande tiro no pé e que a capacidade da sociedade de reagir a alguns absurdos é muito rápida”, comenta.
Recentemente, o inquérito aberto pelo ministro da Justiça André Mendonça foi arquivado pelo MPF, em defesa da liberdade de expressão do chargista. Após esse desfecho, Aroeira reafirma seu posicionamento: “O presidente da República pede para a sua massa apoiadora invadir um hospital, a gente só vê isso no fascismo”
O chargista ainda compreende as consequências positivas do ocorrido: “Isso trouxe, na verdade, a discussão sobre a Lei de Segurança Nacional, que é um absurdo e não deveria existir”. Atualmente, o STF discute uma possível mudança na referida lei.
O ex-vocalista do Charlie Brown Jr., Chorão, completaria 51 anos de idade nesta sexta (9). O músico liderou a banda a um sucesso nacional astronômico desde o final da década de 90 até a sua morte, em 2013.
Alexandre Magno Abrão nasceu em 9 de abril de 1970, na cidade de São Paulo, onde residiu durante sua infância até se mudar para Santos, no litoral paulista. O curioso apelido que o acompanhou até o final de sua vida surgiu aos 14 anos de idade, criado pelos amigos que se referiam aos choros do jovem quando errava manobras em seu skate. Ali nascia o “Chorão”.
Começou sua carreira aos 20 anos, quando se juntou ao What’s Up. Nesse período, conheceu o baixista Champignon. Após o fim do grupo, a dupla buscou novos membros para a formação de uma nova banda. O conjunto foi completado por Renato Pelado (bateria), Marcão e Thiago Castanho (guitarras).
O nome Charlie Brown Jr. foi originado a partir do desenho “Charlie Brown”, que Chorão encontrou em uma barraca de água de coco. O “Jr.” significava que a banda seria a mais nova geração do rock brasileiro. O estilo musical era bem diverso, misturando elementos do hardcore e do reggae, junto com as influências estéticas advindas do skate.

A banda passou por diversas formações em sua extensa carreira, mas isso não impediu que o projeto se tornasse de grande sucesso no Brasil. Ao total, lançaram 11 álbuns de estúdio, além de três discos gravados ao vivo, recebendo títulos e premiações pelos trabalhos.
“O Chorão era um cara que entedia muito de som, sua genialidade musical era atemporal. Ele ouvia muitas músicas e tinha um ouvido muito refinado. A gente gravava a voz dele e ele já orientava as próximas coordenadas para as demais vozes. Isso era de praxe, gravávamos, ouvíamos juntos e ele, de certa forma, já pré-mixava ali mesmo”, conta André Freitas, um dos produtores do álbum “La Família 013”, em entrevista à AGEMT.
Freitas relembra como o vocalista era muito exigente e autocrítico durante as tomadas de gravação do disco. “Ele gravava um trecho, ouvia no fone, ouvia na técnica e seguia. E eu, privilegiado por estar ali, aprendi muito”.
Em 6 de março de 2013, aos 42 anos de idade, Chorão é encontrado morto em sua casa, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Após a realização do exame toxicológico do corpo, constata-se que o artista sofreu uma overdose de cocaína.
Seu falecimento acontece em meio as gravações do disco que ainda não havia sido terminado. Freitas explica que “as vozes do álbum já haviam sido gravadas previamente, inclusive, junto de algumas faixas que estavam finalizadas e prontas para serem lançadas”.
O disco “La Família 013”, divulgado em outubro de 2013, foi o último trabalho do conjunto e recebeu uma indicação ao Grammy Latino na categoria de “Melhor Álbum de Rock Brasileiro".
“As músicas “Fina Arte”, “Um dia a gente se encontra” e “Meu novo Mundo”, que seriam os singles do disco, foram gravadas antes”.
“Depois do falecimento dele, entramos em uma rotina: trabalhávamos todas as tardes no estúdio pegando todas as músicas no computador e cobrindo com as guitarras”, conclui Freitas.

Apesar do fim da banda santista, ainda em 2013, após a morte do vocalista, seu legado segue preservado pelos ouvidos de uma legião de fãs, como o Naderson Henrique, administrador de uma das maiores páginas de fãs do Chorão no Facebook, “O Chorão me ensinou”.
"Ele [Chorão] não pode ser lembrado apenas quando chegar esta data [falecimento], ele é muito mais do que isso. Eu queria ajudar de alguma maneira, então criei a fanpage e 'tamo aí na atividade' até hoje”, explica Henrique para a AGEMT.
Residente em Natal (RN), o administrador da página detalha o motivo de tanto carinho pelo Charlie Brown Jr.
“Não importa o meu estado emocional, sempre vou ouvir Charlie Brown Jr., o Chorão sempre tem um conselho pra te dar e a banda tem uma música pra cada momento da sua vida.” Apesar de cada um ter uma relação diferente com as obras do Chorão, não há dúvida que o músico foi uma figura inspiradora para muitas pessoas. Henrique afirma que sua maior admiração pelo vocalista é devido a sua humildade.
“Ele sabia como conversar com a gente através de suas letras, nos aconselhando a não desistir dos nossos sonhos, mesmo que ainda esteja longe, pois como ele mesmo dizia: temos que ter força, atitude, coragem, respeito...”

Em junho de 2020, o Charlie Brown Jr. se reunia para a realização de um tributo ao aniversário do Chorão, que teria completado 50 anos de idade. O grupo havia planejado uma turnê celebrativa em homenagem ao falecido vocalista para ser iniciada no mês de abril, mas, em função da pandemia de coronavírus, os shows foram adiados.
Contudo, os integrantes convidaram Egypcio, ex-vocalista da banda Tihuana, para assumir os microfones, realizando um show, transmitido através de uma live, para anunciar a adição.
“Para mim, é uma grande honra. Estarei representando um brother, com quem viajei muito pelas estradas, nos shows e festivais. Será bacana, vou dedicar todo o meu trabalho e atenção a essa tour celebrativa e espero todos vocês nos shows assim que essa pandemia passar”, diz Egypcio à AGEMT.
O conjunto santista é um conhecido de longa data do convidado. Mesmo antes de sua participação em um show do Charlie Brown Jr., em 2014, Egypcio relata diversos encontros fora dos palcos ao longo dos anos.
“Fizemos muitos shows juntos. Pertencíamos [o Tihuana e o CBJr] à mesma gravadora, a Virgin Records, que ficava no Brooklyn (Nova Iorque, EUA), e a gente se encontrava frequentemente. Todos os nossos encontros por aí eram muito bacanas, sempre com muita festa e muita risada”, conta o vocalista.
Egypcio também reconhece a importância do grupo de seus anfitriões para o cenário musical nacional e a relevância de seu front man no meio. “Um letrista que falava a língua da rua, da garotada, do skate. Tudo isso marcou uma geração”.
Assista a entrevista com Chorão, durante o programa Ensaio de TV Cultura, em 2009, quando o vocalista nos 29:17 minutos comenta a briga com Marcelo Camelo, do Los Hermanos, e se autointitula “Pedregulho do rock”.
Renato Aroeira, nascido em 18 de maio de 1954, é um chargista renomado. O mineiro de 65 anos contou um pouco sobre a sua carreira. Ao ser perguntado sobre sua entrada no ramo das charges, ele diz que sua trajetória começa no "nepotismo" antes de ingressar na carreira de cartunista, "meu pai era jornalista do jornal de Minas, e a coluna de esportes era dele", e foi aí que começou a carreira de Aroeira ilustrando a coluna de futebol.
E essa influência do futebol em sua vida, faz com que ele use muitos temas futebolísticos em suas charges.

Os desenhos dele chamaram a atenção do editor do jornal, que o chamou para fazer ilustrações políticas. Essa transição de esportes para política trouxe Aroeira ao que é hoje. Renato fez sucesso com suas charges políticas, e em 2020 ganhou ainda mais destaque. O Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos reconhece o melhor da produção jornalística em defesa da democracia, cidadania e direitos humanos e sociais. No ano passado, a comissão organizadora criou uma categoria exclusiva daquela edição para reconhecer a importância da chamada "Charge Continuada", uma série com mais de 400 desenhos que replicam uma charge inicial de Aroeira, na qual ele apresenta o Presidente Jair Bolsonaro pintando uma suástica no símbolo da saúde, o nome da categoria foi "Prêmio Destaque Vladimir Herzog Continuado". O prêmio é dado à série de charges, porém o detentor do físico dele é Aroeira, por ser o idealizador.

Essa charge não recebeu só a premiação, mas também um processo a Renato Aroeira, a pedido do Ministro da Justiça André Mendonça. A Procuradoria Geral da República arquivou o processo que se baseava na Lei de Segurança Nacional, do tempo da ditadura civil-militar no país. Essa tentativa de censurar a arte não freou a criatividade de Aroeira, que deu continuidade a suas ilustrações, com o tom humorístico e realista de sempre.
Com pai jornalista e mãe pedagoga, Aroeira começa no mundo do cartoon ajudando os dois com alguns trabalhos de ilustração. Sua trajetória se inicia no jornal local de Minas Gerais, na coluna de esportes do pai, e a mudança do jornalismo esportivo para o político ocorre quando o mesmo é enxergado pelo editor geral do jornal que o chama para fazer alguns desenhos para a coluna política. Aroeira conta que isso foi durante o governo Geisel, e é interessante que mesmo durante a ditadura, ainda havia chargistas falando sobre política.
Renato conta que existem 3 coisas envolvidas numa charge: o que você quis dizer, o que você disse realmente, e o que as pessoas entenderam daquilo. Na hora de usar o humor para fazer uma charge é preciso ter muito cuidado pra não tocar em pontos sexistas, homofóbicos e etc. Renato diz tomar bastante cuidado com isso, e lembra de um desenho que fez para mãe retratando algumas profissões e de ter ouvido da mesma que todos os trabalhos importantes estavam retratados sendo feitos por pessoas brancas e homens, e os trabalhos considerados menos importantes, por mulheres e pessoas negras. Foi aí que ele começou a olhar profundamente para essas questões.
Quando perguntado se incorpora o ‘politicamente correto’, Renato diz que sim, que sempre toma cuidado com o tipo de abordagem, e que não faz nenhuma charge criticando mulheres, índios, gays, nordestinos e outros que ainda são oprimidos pela sociedade.
O cartunista relembra quando entrou em uma polêmica após fazer uma charge relacionando o atual presidente Bolsonaro ao nazifascismo, e diz ter lidado com a tentativa de censura do governo com sensação de incredulidade. Quando o ex-ministro da justiça, André Luiz Mendonça tuitou pedindo inquérito para apurar a charge que associava Bolsonaro, muitos advogados apoiaram Aroeira, assim como a população, que reagiu rapidamente. A procuradoria recusou o processo e o caso se encerrou. Esse episódio trouxe à cena a Lei de Segurança Nacional.
Aroeira destaca que o atual governo ataca constantemente a imprensa, e o artista diz ter medo do que o governo possa fazer, mas diz que percebe estar seguro com o poder de luta a favor da democracia que existe atualmente. Para Aroeira, é preciso sempre ir com tudo na luta contra a censura e o fascismo, pois o outro lado não vai se cansar. Durante a entrevista, o artista relembra o Prêmio Especial Continuado Vladimir Herzog, dado em 2020 para a chamada "Charge Continuada", uma série de mais de quatrocentas charges de outros artistas que replicaram o primeiro desenho feito por Aroeira e atacado pelo governo ao relacionar Bolsonaro com a suástica: “Sou o depositário, fiz junto com parceiros da Revista Pirralha.”
A intenção de publicar uma charge é uma mistura de sentimentos para o artista, “Há o querer de ser olhado pelo público, e também sentir o papel social de fazer críticas. Quero que as pessoas se divirtam, que gostem, mas que também entendam o que eu estou querendo passar. O que eu não espero, é que a charge resolva algum problema ou provoque uma revolução. As charges são uma pecinha num componente cultural. [...] As pessoas precisam compreender o mundo para poder tomar uma decisão e entender o que está acontecendo. Este é o papel da mídia, e eu sou parte dela".
Sobre o processo criativo, Renato conta que faz cerca de 15 a 20 desenhos por semana e relembra o começo da carreira, “Antes o processo era ler o jornal toda manhã, escolher um fato e fazer a charge sobre. Porém há alguns anos eu já sei mais ou menos o que quero dizer e já tenho uma noção do que eu estou enxergando. Eu escolho o aspecto da realidade daquele momento, e retrato ele.” E conta que realiza suas obras a mão e pelo computador, sempre amando a tinta nanquim e aquarela.
Durante sua entrevista, o artista relata a importância das redes sociais atualmente, “Quando comecei eram por carta, e as cartas chegavam apenas uma semana depois do caso, depois foi por e-mail e depois eram nos jornais, mas quando a charge saía já era sobre um fato de 4 dias atrás. Agora com as redes sociais tudo fica mais fácil, eu vejo o fato, faço a charge e a arte já é publicada, as pessoas rapidamente comentam pois é sobre o que está acontecendo agora. E isso é extremamente importante, ajuda muito o nosso trabalho.”
Os cartunistas são um grupo muito animado e unido, conta ele, que já trabalhou com Ziraldo, Miguel Paiva. Saxofonista, já formou banda com os cartunistas Chico e Paulo Caruso. Renato diz adorar trabalhar coletivamente. Sobre sua relação com a música, ele responde “A minha arte engajada é o cartoon, adoro a música, mas sou mais um intérprete dela, não um compositor. A minha força em tentar transformar é pelo desenho, a música é mais o que gosto, e gosto de passar pros outros.”
Se há alguma charge que o mesmo se arrependeu de fazer? Aroeira diz com sinceridade, “Ah com certeza, volta e meia eu encontro charges com equívocos, mas vejo isso como um aprendizado.” E sobre a famosa cultura do cancelamento, Renato responde “Eu acredito muito no diálogo e na conversa, sou muito contrário à cultura do cancelamento, pois mais cedo ao mais tarde isso se volta contra você. [...] Acredito na mídia totalmente livre, pois qualquer restrição dela atinge a mim, e a qualquer pessoa que precisa dizer alguma coisa.” Sobre as questões sociais, o artista acrescenta, “Tento falar do que eu entendo, até para os meus vizinhos. [...] Mas eu acredito na ideia do lugar de fala se tornando o lugar de ação, este processo é emocionante.”
Quando questionado sobre não fazer mais charges sobre futebol, Aroeira confessa em meio a risos que depois da derrota de 7x1 contra a Alemanha em 2014 seu amor pelo esporte morreu um pouco. “Também escolhi torcer pro Botafogo, que agora está na segunda divisão”, lamenta Aroeira.
Os desafios da profissão são muitos. Uma aluna pergunta o que o faz continuar. Renato conta que acaba se tornando responsável pelo trabalho, “Depois que a gente começa a gente se sente responsável em continuar. [...] Os jornalistas sempre foram ferrados, precisamos sempre correr atrás e todo esse trabalho é necessário.”
Renato Aroeira é um dos mais importantes cartunistas brasileiros, e depois dessa entrevista vemos sua humildade e abertura para conversa. O artista é um apaixonado pela pintura, e com toda certeza faz jus a esta paixão intensamente.