Em sua quarta edição, ação reforça a importância da informação e do apoio às famílias
por
João Pedro Lindolfo
Lucca Andreoli
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04/06/2025 - 12h

 

Fotografia: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Fotografia: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos

A caminhada de conscientização sobre a síndrome Cri Du Chat - ou Síndrome do Choro do Gato, uma alteração genética rara que afeta o desenvolvimento físico e intelectual - aconteceu no sábado (17), no Parque Villa Lobos, em São Paulo.

A doença, presente em uma a cada 50 mil pessoas, ocorre quando uma parte do cromossomo cinco é perdida, o que causa características como a face arredondada, olhos separados, mandíbula pequena, orelhas baixas e um choro agudo parecido com um miado de gato, de onde vem o apelido.

O diagnóstico é realizado através da genética clínica, com testes que avaliam os cromossomos, e o teste de FISH ou CGH-array, que detectam a deleção do cromossomo cinco.

A síndrome impacta diretamente a rotina das famílias, exigindo acompanhamento contínuo com diferentes especialistas. Por isso, a disseminação de informações confiáveis e o estímulo ao diagnóstico precoce são fundamentais para promover mais qualidade de vida às crianças e a quem cuida delas.

A importância do diagnóstico precoce vai além do aspecto clínico: ele abre caminhos para que as famílias se organizem emocionalmente e encontrem apoio em redes especializadas, fortalecendo a jornada de cuidado e inclusão. O conhecimento da síndrome, associado à troca de experiências entre famílias, é um passo decisivo para transformar desafios em conquistas diárias.

Em 2022 foi lançado o primeiro livro a respeito da síndrome no Brasil, intitulado de "Síndrome de Cri du Chat: mais amor, realidade e esperança” (EFeditores e Literare Books International, 264 págs., R$ 72), além de ser o ano da primeira edição da caminhada dedicada a pessoas que convivem com a síndrome.

A publicação veio a partir da vivência de famílias e do engajamento de profissionais que acompanham de perto os desafios do diagnóstico e do tratamento. O livro se tornou referência para quem busca compreender não só os aspectos clínicos da condição, mas também as realidades sociais, emocionais e educacionais enfrentadas por quem convive com ela.

Com entrevistas de profissionais médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos, a obra de Sandra Doria Xavier, Fernando da Silva Xavier e Monica Levy Andersen traz também uma perspectiva que auxilia familiares e profissionais que trabalham com portadores da síndrome.

Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança  Instagram: @criduchatbrasil
Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança 
Instagram: @criduchatbrasil

A publicação do livro e a realização da caminhada refletem o compromisso com a visibilidade da condição. Ao longo dos últimos anos, a entidade tem promovido ações que unem acolhimento, informação e mobilização social, contribuindo para a construção de uma rede de apoio mais sólida e atuante.

Em meio a esse esforço coletivo, o aspecto emocional e comunitário da Caminhada se destaca. “Encontrar outras famílias na Caminhada Cri Du Chat é encontrar a sua tribo”, define Juliane Gehm, mãe do Martin. “É um momento onde todos podem ser livres para ser quem são!”

Agora em sua quarta edição, a “Caminhada Cri Du Chat 2025” apresentou uma programação com atividades inclusivas, como áreas sensoriais (massinha, slime, bolha de sabão), desenhos e pinturas, pinturas faciais e tatuagens de adesivo, além de recreação com palhaços e personagens infantis.

Através do ato de conscientização, familiares, profissionais e portadores trouxeram luz ao tema. 

Segundo a neuropsicóloga Bianca Balbueno, a estimulação precoce é a chave: “Nos primeiros anos de vida, o cérebro da criança está num pico de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de aprendizagem é mais potente neste período, sendo assim, a estimulação precoce aproveita essa fase para promover o desenvolvimento de áreas centrais, como motor, cognitivo e social.” 

“Intervenção precoce promove o desenvolvimento redirecionando e fortalecendo trilhas de aprendizagem que podem estar em risco, especialmente em casos de alterações do neurodesenvolvimento”, ela acrescenta. 

Essa também foi a percepção de Lilian Lima, engenheira de software e mãe do Heitor Monteiro Lima, de 7 anos. O diagnóstico veio aos 19 dias de vida e aos 30 dias ele já iniciou a fisioterapia. “Com 2 anos e 9 meses ele andou. Hoje ele corre, chuta bola, arremessa para a cesta, ensaia quicar e treina saques de vôlei”, conta Lilian. Ela lembra que, no início, havia muitos medos — do desconhecido, do futuro e de como seria criar um filho com um prognóstico tão incerto. Mas reforça que o acesso a terapias e os estímulos desde cedo fizeram toda a diferença. “A fisioterapia foi essencial nos primeiros anos de vida, e os estímulos fizeram toda a diferença.”

Ainda sobre o plano de tratamento, Bianca afirma que deve ser individualizado “pois cada criança terá uma necessidade diferente, mesmo tendo o mesmo diagnóstico. Leva-se em consideração não apenas características da síndrome, mas áreas gerais de desenvolvimento, comportamentos desafiadores, excessos e déficits comportamentais, bem como a rede de apoio da família e o suporte fornecido pela escola”.

Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada. Fotografia: Wellington Freitas Reprodução/Instagram: @35elementos
Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada.
Fotografia: Wellington Freitas
Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação Imagem: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação
Imagem: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos

 

Após dois anos da concessão pública, Pérola Byington tem conflitos na administração da Organização Social Seconci
por
Daniella Ramos
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15/05/2025 - 12h

O Centro de Referência em Saúde da Mulher, do estado de São Paulo, trocou a humanização no atendimento pelo cumprimento de metas a serem batidas. Isso é o que garantem os funcionários que acompanharam a mudança vivida pelo hospital nos últimos três anos.

Em setembro de 2022, o Hospital Pérola Byington mudou de nome e local. Foi da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na região central, para a Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, região conhecida como Cracolândia. E passou a se chamar “Hospital da Mulher”.

Após concessão do Estado para a Seconci, o local passou a ser uma Parceria Público-Privada (PPP). A enfermeira Denise Souza, funcionária pública que continua no hospital após a privatização, relata que no Pérola havia um comprometimento com um atendimento mais humanizado aos paciente, mas a atual organização social se preocupa mais com as metas que devem ser batidas pelos funcionários.

“Na primeira vez, achei tudo muito bonito e limpo, apesar das pessoas em situação de rua ao redor do hospital”, afirma Áurea Suda, tia de uma paciente em início de tratamento. Ela reclama da falta de assentos na recepção para aguardar atendimento.

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Fachada do Hospital da Mulher na Avenida Rio Branco. Foto: Daniella Ramos


Hoje, o hospital ainda atende pelo SUS. Após a PPP, funcionários públicos e privados passaram a trabalhar juntos. O número de leitos de UTI quadruplicou e essa melhoria veio junto ao aumento de cirurgias para bater metas, segundo relato de Denise. No Pérola Byington, havia apenas 5 leitos, o que quase causou a morte da paciente Edma Dias, internada para remoção de um nódulo. Ela relata ter ido mais de 3 vezes para o centro cirúrgico: "voltava, pois não conseguia realizar a cirurgia devido à falta de leito de UTI".

Denise ainda diz sentir falta de trabalhar em um hospital de referência como o Pérola Byington. Ela lamenta que o atual Hospital da Mulher ainda não tenha conquistado o destaque devido. “A notoriedade não é feita apenas com equipamentos, temos que contar com uma boa gestão da Organização”, reitera a enfermeira. 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria da Saúde, mas não tivemos retorno até a publicação da matéria.

 

 

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Entenda os danos causados por fake news sobre a alimentação
por
Laura Petroucic
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08/05/2025 - 12h

Com o acesso ilimitado à internet, atualmente é fácil encontrar informações sobre nutrição. Basta um clique para que as pessoas se informem sobre dietas e calorias pelo Instagram, TikTok ou X (antigoTwitter). Mas é preciso tomar muito cuidado com a fonte desses dados. Clickbaits como “arroz dá câncer”, “o açúcar das frutas faz mal” e “emagreça cinco quilos tomando essa sopa” parecem absurdos, porém muitas pessoas acabam tomando essas frases como verdadeiras. A nutricionista Fernanda Zanon, em entrevista à AGEMT, explica: “Informações nutricionais falsas podem levar a deficiências nutricionais, problemas hormonais e queda de imunidade”. E acrescenta: "os danos de misturar desinformação com alimentação não são apenas físicos, mas também psicológicos. A relação com a comida fica deturpada e confusa, podendo até gerar distúrbios alimentares em pessoas que buscavam melhorar sua alimentação", explica Zanon.

Um dos grandes responsáveis pela onda de desinformação nutricional são influenciadores com milhões de seguidores que, mesmo sem nenhuma formação na área, fazem postagens indicando dietas e produtos sem eficácia comprovada. Vitaminas e chás milagrosos são vendidos sem nenhum tipo de fiscalização por parte das big techs — e quem sofre o prejuízo são os consumidores.

E por que as pessoas compartilham esse tipo de desinformação na internet? Fernanda afirma que "algumas dessas pessoas acreditam porque tiveram alguma experiência pessoal que funcionou para elas — e acabam generalizando, como se aquilo fosse uma verdade universal. O que funciona para um pode ser prejudicial para outro. Outras, infelizmente, estão mais interessadas em ganhar visibilidade e engajamento, mesmo sabendo que o que divulgam não tem respaldo científico”, diz. 

Fernanda também comenta sobre o motivo de a população preferir buscar soluções online: “ainda existe uma barreira de acesso, seja por questões financeiras, falta de informação ou até pela ideia de que só se deve procurar um nutricionista quando se quer emagrecer. Isso faz com que muita gente recorra à internet em busca de respostas rápidas e fáceis — o famoso milagre!”. Em um país cuja acessibilidade à saúde ainda é segregada, a conscientização sobre o impacto negativo da desinformação é essencial para criar um ambiente mais seguro e saudável para todos, como aponta Fernanda. 

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Políticas públicas devem assegurar o direto à saúde de quem sofrem com essa condição, ainda pouco estudada
por
Khadijah Calil
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28/04/2025 - 12h

A regulamentação da Lei 32/2025, sancionada em 27 de março em Portugal, representa o reconhecimento dos direitos das pessoas com endometriose. A nova legislação estabelece que quem tiver o diagnóstico da doença têm direito a até três dias de faltas mensais justificadas no trabalho ou na escola, sem prejuízo da remuneração e de outros direitos trabalhistas ou estudantis. Segundo o Diário da República, a norma entra em vigor a partir de abril deste ano e requer a apresentação de um laudo médico mensal para ter sua ausência abonada.  

O contexto social em que essa regulamentação surge é o de enfrentamento a preconceitos relacionados à menstruação e à saúde reprodutiva das pessoas com útero. De acordo com o portal SciElo em um estudo sobre os efeitos da masculinidade tóxica, o machismo estrutural, entendido como um fenômeno social que se manifesta por meio de normas, práticas e instituições, gera estigmas de fragilidade ou incapacidade sobre quem enfrenta esses sintomas. Servindo de exemplo para outros países, a nova medida portuguesa rompe com a lógica de que essas pessoas devem se adaptar ao ambiente de trabalho sem levar em consideração suas condições de saúde.  

A advogada brasileira e especialista trabalhista Ingrid Raunaimer, explica algumas das medidas descritas na nova lei estrangeira: respeitar os afastamentos devidamente justificados por motivos de saúde, incluindo aqueles relacionados ao ciclo menstrual, sem retaliações ou descontos indevidos; garantir o sigilo e respeito à intimidade, evitando constrangimentos; criar políticas internas de acolhimento e orientação para promover um ambiente livre de preconceitos; e adotar uma abordagem inclusiva, considerando medidas como flexibilidade de horários, possibilidade de trabalho remoto ou reposição de aulas/atividades, sempre que possível. 

“Essa regulamentação é, portanto, não apenas um instrumento jurídico, mas também um marco simbólico e político, pois reconhece que dores menstruais incapacitantes não devem ser normalizadas e nem ignoradas em nenhum lugar do mundo”, explica Ingrid. 

Cenário Brasileiro  

O ginecologista Thiago Pareja, membro da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, explica que a endometriose afeta cerca de 10% das pessoas que menstruam e estão em idade reprodutiva no Brasil, o que representa aproximadamente 8 milhões de pacientes. A doença, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora do útero, pode causar dor intensa, infertilidade e outros sintomas debilitantes, comprometendo significativamente a qualidade de vida de quem recebe o diagnóstico. 

Kizzy Novicov Silva, ex-agente de turismo e paciente com endometriose, compartilha sua experiência com o SUS e o INSS. Após três processos de afastamento, Kizzy recorreu à ajuda de um advogado para provar sua incapacidade de trabalhar devido à doença. “É desumano ter que provar sua dor para quem nunca a sentiu”, afirmou a paciente, que passou por sete cirurgias sem conseguir alívio para a dor crônica da endometriose. 

Ela também conta que sua rotina e sua saúde era um quebra-cabeça de tratamentos, frustrações e burocracias. As consequências foram além do físico: perdeu empregos por faltas constantes, se afastou da faculdade e viu momentos de lazer serem interrompidos por crises abruptas.  

Ingrid Raunaimer acredita que o Brasil precisa integrar mais os direitos trabalhistas com a política pública de saúde para que casos como os de Kizzy não sejam normalizados. A criação de campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde são necessárias para garantir que os direitos previstos em lei cheguem de fato a quem precisa. 

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.069/2023, que propõe incluir a endometriose como manifestação incapacitante no rol de doenças que dispensam o período de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Contudo, a concessão desses benefícios ainda dependerá da comprovação médica da incapacidade laboral, conforme os critérios estabelecidos pela Previdência Social. 

Visto que uma das maiores problemáticas desse quadro ginecológico é o diagnostico tardio, as políticas públicas ainda são insuficientes e imaturas.  Segundo a CNN, a média no Brasil é de 8 a 10 anos até a descoberta da doença, o que não só intensifica os sintomas, mas também a progressão da doença. 

Além de ser uma questão de saúde, a endometriose também é uma questão de direitos humanos. A Constituição prevê o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero a todas as pessoas, sem distinção, conforme os artigos 1º, inciso III e 5º, no inciso I, respectivamente. O Brasil precisa assegurar que quem sofre com a endometriose não enfrente preconceitos ou penalizações por sua condição médica, implementando políticas públicas que permitam o acesso adequado à saúde e o cumprimento de seus direitos trabalhistas. 

 

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A profissão de professor é uma das mais afetadas por transtornos mentais. Entenda o que tem impactado a vida dessas pessoas
por
Guilbert Inácio
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19/05/2025 - 12h

Segundo pesquisa Atuação Docente em Múltiplas Escolas no Brasil, divulgada em 2024 pela Fundação Carlos Chagas (FCC), aproximadamente 460 mil professores e professoras da educação básica trabalham em mais de uma escola no país. Os dados acendem um alerta para o cuidado da saúde mental dessas pessoas.

Ao fundo há um quadro com ilustrações de gráficos. No centro da imagem, há uma mulher de óculos segurando papeis com a mão esquerda e com a mão direita no queixo, demonstrando cansaço. Ela está com ambos os cotovelos encostados em uma mesa, que tem um xícara e um notebook em cima.
Falta de tempo é algo recorrente no magistério / Fonte: Freepik

De acordo com o estudo, que usou dados do Censo Escolar 2023, docentes que atuam em jornadas extensas têm maiores chances de se ausentarem do trabalho por causa da saúde, em especial por questões psicológicas e relativas à voz, além de não conseguirem administrar o tempo, gerando estresse e menor participação em atividades coletivas, o que vai impactar diretamente na educação dos e das estudantes. 

Segundo a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores, realizada pela Nova Escola, em 2022, 21,5% de educadores e educadoras consideravam sua saúde mental ruim ou muito ruim. As consequências mais citadas foram sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Para lidar com a pressão, 40,4% relataram que fazer atividade física ou ao ar livre pode ajudar e 36,8% destacam o contato com amigos e familiares que ofereçam apoio emocional. 

Exercícios físicos e contatos sociais requerem uma certa disponibilidade, porém o cenário atual não contribui. Os dados obtidos pela FCC mostram que a creche é o segmento com menor proporção de profissionais em mais de uma escola: 12,7%. Mas o número aumenta nas próximas fases, até chegar em 36,4% no Ensino Médio. 

A hipótese é que nos anos iniciais de ensino, as professoras – em sua maioria – são polivalentes e passam todo o turno com uma turma. Nos anos finais, os e as docentes são especialistas, lecionando, de acordo com sua formação, um ou dois componentes curriculares, portanto não passam todo o turno com uma mesma turma. Para cumprir a carga horária necessária, esse grupo assume várias classes, o que aumenta as chances de uma atuação em mais de uma escola. 

De acordo com o exemplo da nota técnica da FCC, um docente em uma jornada de 40h semanais, com um terço do tempo para as atividades extraclasse, leciona, no máximo, por 26 horas e 40 minutos por semana. Se considerar redes de ensino com aulas de 50 minutos e que o componente curricular só tenha duas aulas por semana, esse profissional pode chegar a lecionar 32 aulas por semana para 16 turmas diferentes.  

Se usarmos uma média de 30 alunos por turma, docentes, na situação do exemplo, dão aulas para 480 estudantes, o que significa uma alta demanda para quem vai ter que explicar a mesma coisa várias vezes, tirar dúvidas, corrigir lições e trabalhos, além de se deslocar entre as turmas e escolas. 

A partir da pesquisa, a FCC traçou o perfil de profissionais nessa situação - docentes do sexo masculino que lecionam disciplinas com menor carga curricular, como biologia, física, filosofia, entre outras. A hipótese levantada pela FCC sobre isso, é que há concentração de docentes masculinos na etapa em que isso mais ocorre, enquanto as mulheres estão mais distribuídas nas etapas de ensino - Censo Escolar 2022: 90% de docentes das creches e da educação infantil são mulheres. Além de que os dados demonstrem menor disponibilidade de tempo por parte das mulheres para acumular mais escolas, em comparação com os homens, tendo em vista que, segundo o IBGE 2024, mulheres dedicam quase o dobro das horas do que os homens, em média, para afazeres domésticos e cuidados familiares.

A ilustração apresenta um fundo cinza com os dizeres a frente: 29,8% de professores atuam em mais de uma escola (143.940 de 482.984) 16,8% de professoras atuam em mais de uma escola (364.364 de 1.871.210)
Recorte por gênero / Fonte: Fundação Carlos Chagas (FCC) / Arte: Guilbert Inácio

Em entrevista à AGEMT, o Dr. Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e do Laboratório de Estudos do Trabalho e Orientação Profissional (LABOR) da USP, destacou que a saúde mental requer condições dignas de vida, respeito, reconhecimento e autonomia. “A falta de condições de trabalho com sobrecarga de tarefas, uma organização do trabalho centrada na produtividade e uma falta de reconhecimento social e econômico do professor tendem a levar ao adoecimento, não como condição individual, mas como resposta a este conjunto de condições insatisfatórias de trabalho.”, comenta o professor. 

Adoecimento profissional

Segundo Marcelo, os principais dilemas contemporâneos da profissão estão em três campos:

  • Questões pessoais e profissionais: Há falta de limite entre vida pessoal e profissional, insatisfação versus realização e falta de sentido no que faz. 

  • Questões estruturais e organizacionais: Falta de condições dignas de trabalho, ampliação e sobrecarga do trabalho, defasagem entre trabalho prescrito e trabalho real, assédio moral, demanda ao lidar com tecnologia e mundo digital, além de autorresponsabilização por problemas estruturais. 

  • Questões sociais: Falta de reconhecimento, declínio no discurso de autoridade, falta de autonomia, conflito entre o discurso de formador e doutrinador, pressão das famílias dos e das discentes e dos ambientes públicos.

Dados obtidos pela TV Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que no primeiro semestre de 2023, 20.173 docentes da rede estadual de São Paulo foram afastados do trabalho por questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade e crise do pânico. Os dados demostram um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022 e que, em média, 112 profissionais são afastados por dia. Este ano, o G1 obteve, por meio da mesma lei, dados da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) que revelam que Campinas (SP) teve 3.421 docentes afastados por transtornos mentais de 2022 para cá. 

Cruzando os dados acima com a pesquisa da FCC, 12,9% da rede municipal de Campinas e 23,5% de docentes da rede estadual de São Paulo trabalham em múltiplas escolas. Segundo o Dr. Odair Furtado, professor de psicologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NTAS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profissionais da educação básica recebem salários incompatíveis com a sua função social e por isso optam por uma dupla ou tripla jornada desumana para conseguirem sobreviver e isso é catastrófico. 

A questão salarial foi pauta do antigo Plano Nacional de Educação (PNE), 2014-2024, que tinha como meta equiparar, até 2024, a remuneração média de docentes com as demais profissões que requerem Ensino Superior. Contudo, o piso salarial atual (2025) para professores do ensino básico da rede pública é de R$ 4.867,77 para exercício de 40h mínimas; representando 68,6% de R$ 7.094,17; salário médio de uma pessoa com graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Devido à crise econômica, principalmente depois da pandemia, não só educadores, mas todas as profissões passaram por uma precarização. Dentre os fatores, Odair Furtado, aponta a crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) nas atividades profissionais que aumentaram a produtividade, mas também a pressão em cima do trabalhador, que acumula estresse e, consequentemente, pode gerar ansiedade e depressão. “Trabalhadores sabem que se buscarem atendimento, são afastados do trabalho e isso leva, inexoravelmente, à demissão. Então, essas pessoas suportam até surtarem”, comenta o professor. 

O Brasil passa por uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental no ambiente profissional. De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, cerca de 470 mil trabalhadores foram afastados do emprego por causa de transtornos mentais. Os dados representam, em comparação com 2023, um aumento de 68% de licenças concedidas, além de ser o maior desde 2014. As duas doenças mais diagnosticadas foram ansiedade e depressão.

A ilustração demonstra um gráfico com os dados da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho por causa de doenças mentais. O gráfico inicia em 2014 com 221.721 casos. Os dados caem em 2015 e sobem até 2018, quando voltam a cair até 2020. Após isso, os dados sobem muito rápido, chegando em 472.328, em 2024.
Dados do Ministério da Previdência Social / Arte: Guilbert Inácio 

Caminhos futuros 

No dia 26 de maio de 2025, riscos psicossociais serão incluídos na NR-1, norma que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho. Após a inclusão, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode acarretar penalizações às empresas, caso sejam identificadas questões como: 

  • Metas excessivas 

  • Jornadas extensas 

  • Ausência de suporte 

  • Assédio moral 

  • Conflitos interpessoais 

  • Falta de autonomia no trabalho 

  • Condições precárias de trabalho 

Quanto à valorização da carreira docente, em junho do ano passado, o novo PNE, 2024-2034, foi encaminhado ao Congresso Nacional. A pasta prevê 18 objetivos a serem cumpridos nos próximos dez anos. O Plano será prioridade da Bancada da Educação em 2025. 

Confira outras propostas defendidas pela Bancada ao longo do ano que dizem respeito à profissão:

Ilustração em formato de pergaminho na cor cinza. Há os dizeres: SNE - Sistema Nacional de Educação;  PEC 169/19- permite ao professor acumular cargos públicos,  PL 3628/2024 - visa garantir que as diretrizes já estabelecidas pela Lei nº 14.817 sejam implementadas em todo o país;  PL 2387/23 - inclui os professores de Educação Infantil como profissionais do magistério;  PL 3824/23 - estabelece a Política Nacional de Indução à Docência na Educação Básica
Projetos em tramitação / Arte: Guilbert Inácio ​​​​​​

Em janeiro de 2025, o Governo Federal lançou o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar estudantes a seguirem a carreira docente. Dentre as medidas está o Pé-de-Meia Licenciaturas que concedera uma bolsa mensal de R$1.050 por mês para quem tirar mais de 650 pontos no ENEM e ingressar na licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social. 

A medida é um ponto importante para aumentar a atratividade da carreira, pois, em 2022, uma pesquisa do Instituto Semesp projetou que, em 2040, o Brasil enfrentará um “apagão” na educação básica - a projeção é de que faltarão 235 mil docentes nas escolas do país. 

Segundo Marcelo Afonso, para mudar o cenário de precarização da carreira docente, as políticas públicas precisam se centrar em: “valorizar mais o professor e a professora, oferecer melhores condições de trabalho, remunerar melhor, oferecer qualificação contínua e, acima de tudo, construir um ambiente de respeito para formação de seres humanos.”.

"Eu acredito que isso tem que ser falado, ensinado, porque é só com discussão que podemos pensar em organizações comunitárias", afirma Victoria, diretora de mídias sociais do Absorvidas
por
Beatriz Loss, Fernanda Fernandes e Giovana Yamaki
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04/06/2021 - 12h

 

Projeto Absorvidas RJ
Projeto criado por jovens mulheres para exterminar a pobreza menstrual nos presídios do RJ

 

Fizemos uma entrevista com integrantes do projeto Absorvidas, do Rio de Janeiro, que é uma organização sem fins lucrativos que visa erradicar a pobreza menstrual nos presídios do Rio de Janeiro, levando educação menstrual e absorventes de pano. No ano passado, o projeto Absorvidas fez uma campanha de arrecadação na internet para doar dois mil absorventes de pano e educação menstrual para uma penitenciária no Rio. Elas conseguiram arrecadar 30 mil reais em 17 dias. As respostas são da Victoria Escalcon, diretora de mídias sociais do projeto.

AGEMT -  Como surgiu o projeto Absorvidas?

Absorvidas - O projeto surgiu a partir da Giullia Jaques, que é diretora executiva e uma das oito integrantes do projeto. Ela conta que teve essa ideia do Absorvidas por causa de uma palestra de uma ONG chamada X-runner, que fornece vasos sanitários, e ela falou que ficou muito mexida com uma fala deles. “O que você faz quando abre os olhos de manhã?”, eles perguntaram, e aí vieram as respostas como “vou ao banheiro”, “mexo no celular”, “me espreguiço” etc. E então eles perguntam “o que você faria se não tivesse um banheiro?” e foi aí que ela ficou comovida. A partir daí, a Giullia começou a refletir e então surgiu o questionamento: quem não tem acesso ao absorvente e como é que essas pessoas vivem?

Depois disso, houve bastante pesquisa, também através de livros como Prisioneiras, do Dráuzio Varella e Presos que Menstruam, da Nana Queiroz. E então o projeto surgiu em 2019. O Absorvidas é mais que um projeto para levar absorventes, primeiro porque nós temos uma pauta mais voltada a absorventes biodegradáveis, pensando nessa questão da ecologia e segundo porque a nossa meta a longo prazo é a ressocialização das presas, porque muitas delas, quando saem da cadeia, não conseguem empregos e ficam muito vulneráveis, e acabam voltando para a cadeia. Então, o Absorvidas faz com que as próprias presas aprendam a fazer os bioabsorventes, de pano, para vender. É muito mais do que oferecer auxílio, é oferecer também perspectiva dentro de um sistema em que as mulheres são marginalizadas e esquecidas.

AGEMT - Por que vocês decidiram estabelecer a meta de 30.000 reais na arrecadação?

A - Os 30 mil reais foi um valor pensado pelo custo da logística como, por exemplo, o frete, os bioabsorventes, embalagens etc. Foi tudo pensado direcionado para um presídio específico, para mulheres específicas.

AGEMT -  Você acha importante que a questão da pobreza menstrual seja ensinada para crianças (pré-adolescentes no início da vida menstrual)?

A - Sim, com certeza. Eu acredito que a pobreza menstrual tem que ser falada, ensinada, porque é só com discussão que podemos pensar em projetos. Sejam projetos governamentais ou um projeto como o nosso, que são apenas jovens tentando fazer a sua parte. Então eu acho muito importante e, quando penso nessa questão do ensino, acredito que não só falar sobre pobreza menstrual, mas também sobre educação menstrual. E não só isso, falar também de educação sexual. É chocante como não falamos com naturalidade sobre a nossa menstruação e estamos sempre coagidas com tudo. Isso é muito triste, porque é só a partir do diálogo que realmente haverá alguma mudança e não só o diálogo entre quem menstrua, mas entre os que não menstruam também.

 AGEMT -   Como a pobreza menstrual pode afetar também a questão econômica? (porque, por exemplo, muitas mulheres, quando estão menstruadas, não vão ao trabalho/aula por falta de absorvente)

A - Como vocês falaram, muitas mulheres que estão menstruadas muitas vezes não conseguem ir para o trabalho ou para a escola e também tem a questão da dor, da cólica, da TPM, que muitas vezes é desprezada. Lembro que eu gastava mais de 50 reais para comprar dois pacotes grandes [de absorventes descartáveis] e que às vezes não duravam nem dois ciclos inteiros porque meu fluxo é muito grande. E o que são 50 reais para uma família com várias pessoas que menstruam? A gente vive em um país que tem um monte de gente passando fome, como vamos pensar em métodos de menstruação com gente passando fome? Isso é bizarro, porque as pessoas ainda acham que higiene menstrual é um luxo, mas na verdade é só higiene básica. É muito triste.

AGEMT - Qual a importância do projeto de lei da 428/2020, da Tabata Amaral?

A - Eu acho bizarro como só em 2020 essa pauta foi levantada com mais força. Isso chega a ser ridículo, porque nós não começamos a menstruar agora. Preservativos sempre tiveram né [sempre foram disponibilizados pelo governo], e é muito importante continuar tendo mesmo, mas não ter sido implementado nada sobre absorventes antes é bizarro. Isso mostra a vulnerabilidade que mulheres e pessoas que menstruam, de modo geral, sofrem.

 AGEMT - Além do projeto de lei da 428/2020, da Tabata Amaral, existe algum outro movimento do governo para combater a falta de acesso a absorventes higiênicos?

A - Existiu um outro projeto da Luciana Genro, do PSOL, no Rio Grande do Sul, para que absorventes fossem colocados em cesta básica, e acho que no Rio e no Mato Grosso também. Mas, no Congresso, essa discussão nunca teve tanta força, acredito que esteja começando a ter nesse momento com a internet e os debates que são levantados lá.

 

Leia mais sobre pobreza menstrual aqui.

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Estado norte-americano, que já aplicou mais de 37 milhões de vacinas, segue orientação do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos. Brasileiros que moram no país estão na expectativa para a nova fase
por
Marcelo Moreira
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04/06/2021 - 12h

O Estado da Califórnia, nos Estados Unidos, anunciou que planeja suspender a obrigatoriedade do uso de máscara, conforme recomendação do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Um informativo oficial afirma que a expectativa é de que isso aconteça no dia 15 de junho. A medida vale só para as pessoas que já tomaram as duas doses da vacina contra a Covid-19.

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covid19.ca.gov

Com quase 40 milhões de habitantes, segundo o Departamento do Senso dos Estados Unidos, 37.826.298 doses de imunizantes contra a Covid-19 já foram aplicadas no estado, de acordo com o governo, ou seja, mais da metade da população já está vacinada. Enquanto isso, cresce a esperança para o fim das restrições e a volta à vida normal.

Maria Holtz
(Foto: arquivo pessoal)

Para a jovem brasileira Maria Holtz, de 22 anos, que trabalha como au par (programa de intercâmbio de inglês onde se trabalha como babá de crianças na casa que reside), no Vale do Silício, na Califórnia, o novo momento é sinal do cumprimento de medidas de prevenção seguidas pelos moradores da região. “Eu fiquei bem feliz ao saber que o uso da máscara não será mais obrigatório. Aqui, as pessoas seguem, desde março de 2020, com o uso de máscara, de álcool em gel, e distanciamento social. Lembro de um dia que eu estava no supermercado e eu cheguei mais perto de uma pessoa e ela ficou brava comigo.

Os restaurantes ficaram fechados todo esse tempo e voltaram a abrir no final de dezembro do ano passado”, afirma Holtz.  Mesmo com a pouca idade, Maria já conseguiu tomar as duas doses da vacina contra a Covid-19, o que não seria possível no Brasil por conta do atraso da imunização no país. Ela conta que a situação brasileira em relação à pandemia repercute negativamente sempre que há pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro. “Quando o Bolsonaro fala alguma coisa, as pessoas não gostam, até porque a Califórnia é muito focada no Joe Biden, que é totalmente oposto ao presidente brasileiro”, ressalta.

De acordo com dados do Governo da Califórnia, 62.092 pessoas já morreram em decorrência da Covid-19 no estado, desde o início da pandemia. Investindo em ciência, os Estados Unidos vacinam com os imunizantes da Pfizer/BioNTech, Moderna e Janssen (Johnson & Johnson). Para a jovem Maria Holtz, uma única certeza: “a vacina salva”. “É preciso um pouco de estudo sobre o cenário atual, um pouco de respeito, porque aqui também não foi fácil. O comércio também fechou. O recado é: tome vacina, porque ela, realmente, protege do vírus”, finaliza Holtz. 

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As relações com a alimentação passaram por diversas alterações com a chegada da pandemia. Conversamos com a nutricionista Bruna Lima e o psicólogo Valter de Souza sobre a temática e detalham os cuidados necessários para o momento
por
Evelyn Fagundes, Gabriela Costa e Malu Marinho
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02/06/2021 - 12h
As relações da alimentação com a pandemia
                                                                                                Arte: Evelyn Fagundes

As relações de muitas pessoas com a alimentação passaram por diversas alterações no contexto pandêmico. O podcast a seguir busca abordar as interfaces entre a saúde e a pandemia seguindo pelos pilares da função dos alimentos à imunidade, mas também tratando de assuntos voltados para a compulsão alimentar e o abuso de substâncias alcoólicas. Na ocasião, a nutricionista e residente em oncologia na Unifesp, Bruna Lima e o graduando em psicologia pela FIG, Valter de Souza, foram entrevistados a fim de destrinchar com mais detalhes a temática abordada, relatar mitos de alimentos tidos como cura para a Covid-19 e o papel das redes sociais nesse questão. Confira:

 

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O absorvente é item de luxo para boa parte da população. Uma em cada 4 adolescentes brasileiras não tem dinheiro para comprar
por
Beatriz Loss, Fernanda Fernandes e Giovana Yamaki
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02/06/2021 - 12h
foto pobreza menstrual
1 em cada 4 mulheres já faltou à aula por não poder comprar absorventes. Foto: reprodução. 

 

Sabe quando você se corta acidentalmente e começa a sangrar? No mesmo momento, você já pensa em alternativas para estancar o sangue. Agora, imagine não ter nenhum jeito de fazer o sangue parar e ficar sangrando por bastante tempo. Você se sentiria incomodado? Acredito que sim. Apesar desse exemplo ser banal, esse desconforto e falta de opção realmente ocorre com muitas meninas e mulheres durante o período menstrual, sendo muito mais constrangedor e difícil do que a situação anteriormente apresentada. 

A escassez de absorventes, água encanada, saneamento básico, banheiros com privacidade, sabonetes, papel higiênico, entre outros recursos essenciais representam a pobreza menstrual. A desinformação também é um ponto crucial que influencia esse problema. Com a falta de conhecimento, a população não reconhece a necessidade e a importância de comprar absorventes por pensar que é um item desnecessário para ser adicionado às despesas, além de não saberem os riscos e impactos causados pela falta de cuidados necessários durante a menstruação. O relatório "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) juntamente ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deixa explícito a triste realidade de diversas meninas e mulheres. 

A pesquisa comprovou que, aproximadamente, 713 mil brasileiras vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Além de 900 mil não terem acesso à água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões viverem em casas sem ligação à rede de esgoto. Esse problema afeta principalmente aquelas que vivem em condições de pobreza e de extrema vulnerabilidade em contextos rurais e urbanos, como estudantes de baixa renda e presidiárias, e gera muitos impactos durante toda a vida. Além de denunciar a grande desigualdade social.

A menstruação prejudica o ensino de diversas jovens 


A escola poderia servir como um refúgio para essas meninas em situações precárias, contendo saneamento básico e produtos menstruais. Porém isso não ocorre, a maioria dos colégios não possuem nem banheiro em condições de uso. Sendo assim, a melhor alternativa que as alunas encontram é faltar nas aulas. A ONU estima que 1 em cada 10 meninas falte à escola durante a menstruação. Contudo, segundo uma pesquisa encomendada pela marca Always, a situação especificamente no Brasil é bem pior, pois uma em cada quatro mulheres já faltou à aula por não poder comprar absorventes. O estudo também comprovou que quase metade destas (48%) tentaram esconder que o motivo foi a falta de absorventes e 45% acreditam que não ir à aula por falta de itens de higiene provocou consequências negativas ao seu rendimento escolar.

Apesar das alunas esconderem o motivo da ausência e terem vergonha de contar, por a menstruação ainda ser um tabu, a diretora de escola, Edicleia Pereira Dias, foi atenta e não deixou esse problema passar despercebido. Em entrevista ao Fantástico, a educadora relata que, ao analisar as faltas e o período no qual elas ocorriam, assimilou os fatos e entendeu que muitas alunas estavam deixando de frequentar o estabelecimento de ensino durante o período menstrual. E, a partir desse entendimento, desde 2014, ela distribui absorventes todo mês para as estudantes, mudando a vida de muitas adolescentes. Mas, infelizmente, não é sempre que um diretor percebe o problema e tenta combatê-lo.

Como resultado da precariedade menstrual e das faltas escolares, meninas prejudicam o seu desempenho escolar, perdendo muito conteúdo e aprendizados. Isso gera consequências graves a longo prazo. Futuramente essas garotas perdem oportunidades de trabalho e não conseguem empregos muito qualificados, não conseguindo melhorar suas rendas e quebrar o ciclo da pobreza. A partir disso, também ocorre o aumento na desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. 

Pobreza Menstrual nos presídios

A desigualdade de gênero também é ressaltada dentro das penitenciárias, local onde o corpo masculino é tido como padrão para a entrega de kit de higiene. “Só quem sente na pele sabe. Quando falamos em questão de gênero, não queremos dizer que somos iguais aos homens. Nosso corpo é diferente, mas isso não significa que eu seja mais frágil”, afirma Nicole Campos, gerente técnica de projetos da ONG Plan International Brasil. Todos os presos, tanto homens como mulheres, recebem o mesmo pacote para cuidar de sua saúde. No entanto, o Departamento Penitenciário Nacional alega o aconselhamento por parte do órgão de que sejam distribuídos kits de cuidado pessoal com quantidade suficiente de absorvente pelas unidades prisionais. Mas não é com essa realidade que as detentas se deparam.

Quando disponibilizam, são entregues, em média, 12 absorventes por mês. Há locais que só dão 8, o que é extremamente precário, principalmente para aquelas que têm um fluxo intenso e mais duradouro. Em razão dessa insuficiência, as mulheres recorrem a maneiras inseguras para conter a menstruação. Maria Teresa dos Santos, presidente da Associação de Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade, declarou ao jornal Estado de Minas que as presas reclamavam de fome, mas, quando um grupo foi visitar o Presídio São Joaquim de Bicas, observou-se que havia miolos de pão na cama e eram usados para substituir o absorvente, pois o que recebiam não era suficiente. Além disso, muitas chegam a utilizar jornal, pedaços de roupa, papel e até resto de plástico. O grande problema consiste nos riscos à saúde. Essas formas de conter o fluxo podem provocar infecções e até mesmo candidíase e cistite

Em outras situações, quando não pecam pela falta, deslizam na má condição do produto. Na Penitenciária Feminina de Piraquara, as detentas já acusaram de receber absorventes vencidos há anos, com um cheiro muito forte e uma fina espessura, sem conseguir reter o sangramento por completo. Helen, auxiliar de cozinha, até o ano passado, pelo menos, visitava uma amiga na cadeia e relatou ao Jornal Plural, de Curitiba, um problema ginecológico pelo qual sua colega enfrentou e que outras mulheres também devem sofrer. “[A hemorragia] começou na segunda, fui visitá-la no domingo e ainda não tinha parado. Eu falei para ela ir ao médico, mas ela disse que já tinha tentado. Quando demora o atendimento, elas batem na ‘bocuda’. Ela fez isso. E em vez de ser tirada para o atendimento, foi mandada para o castigo”, comentou.

Há também escassez de papel higiênico. São concedidos dois rolos a cada 30/45 dias. Esquecem-se de que as mulheres usam mais pelo fator menstrual e pela anatomia. Por conta desses déficits, ficam na dependência dos “jumbos”, itens que suas visitas podem lhe fornecer. Contudo, muitas são abandonadas pela família e ficam sem essa possibilidade de receber mais absorvente. E, com a pandemia, isso se agravou. O envio das mercadorias precisou ser via Sedex, mas, por ter que pagar taxa, deixaram de entregar – já que as pessoas, em sua maioria, têm baixa renda.

Como uma forma de buscar auxiliar as presas, começaram a surgir muitas organizações comunitárias para arrecadar e doar itens de higiene a elas, como o coletivo Nós Mulheres, de São Paulo; coletivo Narcisa Amália, do curso de Jornalismo da PUC-SP; Flores no Cárcere, de Minas Gerais e o projeto Absorvidas, do Rio de Janeiro.

Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres - tratadas como homens - nas prisões brasileiras, de Nana Queiroz

Neste livro, há relatos de sete mulheres com quem a jornalista conviveu por um tempo, entre outras que teve apenas um breve encontro, algo passageiro. As entrevistadas eram de diferentes localidades, pelo menos uma de cada região do Brasil. A narrativa contém explicações sobre o sistema penitenciário feminino, descrições de agressões que as presas sofrem, histórias de vida e como são as condições gerais do cárcere - marcados pela insalubridade das celas, alimentos em mau estado e falta de recebimento dos itens essenciais de saúde, como absorvente e papel higiênico. Sem contar que retrata como as mulheres são vistas como homens. Em um dos casos, elas tinham um espelho que deformava o rosto e vestidas por uniformes masculinos que as despersonalizavam. Narramos trechos da obra que representam a pobreza menstrual nos presídios. Ouça aqui!
 

Entrevista Absorvidas RJ

Confira aqui a entrevista que foi realizada com o projeto Absorvidas, uma organização que luta contra a pobreza menstrual nos presídios.

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Categoria é uma das mais afetadas pela pandemia, com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas no limite da fadiga física e emocional
por
Beatriz Alvisi Cripa
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01/06/2021 - 12h

A pandemia provocou uma crise econômica e social sem precedentes. Para tentar conter a disseminação do vírus no país, as autoridades brasileiras buscaram estabelecer algumas medidas restritivas desde o início de 2020.  Porém, alguns setores não pararam, como a área de saúde.

Ao mesmo tempo em que o Brasil vive o agravamento da situação pandêmica, com o novo avanço do número de mortes, segue em alta a discussão sobre o conflito entre medidas para salvar vidas ou a economia.

Dados de 26 estados mostram que o gasto conjunto com saúde somou no ano passado R$ 164,8 bilhões. Este valor decorre de um aumento superior ao dobro da taxa de crescimento das receitas.

Há mais de um ano atuando na linha de frente contra a Covid-19, o impacto na vida dos trabalhadores deste setor é generalizado. De acordo com a Fiocruz, 95% dos profissionais de saúde tiveram suas vidas afetadas de uma forma significativa pela pandemia.

Os dados obtidos pela pesquisa feita em março de 2021, que ouviu mais de 25 mil participantes,  mostram um quadro estarrecedor onde a exaustão, a insegurança, o sofrimento e o medo são rotinas.  

Além disso, 50% desses profissionais apresentaram aumento na carga horária de trabalho. Vale ressaltar que 45% desses profissionais necessitam de dois empregos para sobreviver.

Um dos aspectos relevantes para a gestão das atividades em saúde é  planejar ações com antecedência, algo que não é possível em um cenário pandêmico onde o inesperado e imprevisível fazem parte das rotina diária.

Em épocas de surto, as unidades  de saúde podem ser caracterizadas como locais conturbados e caóticos, pressionados por uma demanda bem superior à usual. .

No que se refere aos trabalhadores do setor, manter a competência técnica e científica exige muito controle emocional, considerando que o atendimento apresenta riscos, responsabilidades e sofrimentos. A combinação destes fatores pode ocasionar o adoecimento profissional, e assim impactar o processo de trabalho, e, consequentemente, ameaçar a qualidade e segurança dos serviços.

O fisioterapeuta da Santa Casa de São Paulo Lucas Del Sarto foi um dos afetados pela alta demanda de profissionais de saúde em razão da Covid-19. Ele relata que sua carga horária aumentou radicalmente, passando a 60 horas semanais. Para ele, mais de um ano depois do início da pandemia, é inviável continuar com o mesmo ritmo  de trabalho.

Lucas conta que no começo pensava que seria igual à crise da H1N1 (gripe causada pelo vírus influenza que atingiu mais de 200 países entre 2009 e 2010,na primeira pandemia do século 21). Com o  tempo, porém, ele foi percebendo que o problema era mais sério. “Eu não fiquei com medo quando os números começaram a aumentar, eu fiquei com pavor”, diz.

Um dos maiores problemas de gestão de crise sanitária e econômica, segundo o fisioterapeuta, é o tempo que as pessoas permanecem internadas. “Os doentes chegam muito rápido, mas demoram para sair”, relata Lucas ao ser questionado sobre a superlotação dos hospitais. “Hoje tem mais de 400 pacientes esperando uma vaga na UTI.”

Segundo o governo de São Paulo, de janeiro a março deste ano, os pacientes com coronavírus ficaram, em média, 19 dias internados na UTI em São Paulo. A média aumentou em comparação com os dados de 2020, que mostravam de 14 a 15 dias.

Lucas, no entanto, relata que o maior problema que  tem enfrentado é o isolamento afetivo. Durante a pandemia, ele perdeu o pai, seu grande companheiro. “Eu me sinto em um labirinto cheio de medo, impotência e irritabilidade.” Porém Del Sarto fez questão de frisar a sua esperança em um futuro melhor: “Está difícil, mas a vacina está chegando”.

Esta realidade não é apenas de Lucas, mas de milhares de profissionais que se viram pressionados ao extremo e afastados de seus entes queridos durante a pandemia. Ainda de acordo com o estudo da Fiocruz, durante a pandemia, as alterações mais citadas pelos profissionais foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo/ suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%). 

Pesquisa apresentada pelo Journal of Management & Health of Care, a pandemia forçou a modificação de hábitos de vida em trabalhadores da área da saúde, principalmente em fisioterapeutas e enfermeiros, considerados profissionais da linha de frente. O maior impacto observado foi o sedentarismo, que pode levar ao desenvolvimento de doenças e afetar o trabalho. 
 

O fato é que a pandemia expôs a essencialidade dos cuidados em saúde para todos os seres humanos. Contraditoriamente, revelou o quanto estes profissionais ainda não são considerados e respeitados nesse processo.

 

 

 

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