Por Emilly Dulce
Piatã Pataxó é um dos cerca de 900 mil indígenas do País. Registrado como Carlos José Silva Conceição, ele prefere ser chamado pelo nome indígena. Há mais de quatro anos, Piatã trabalha como agente indígena de saúde (AIS) na aldeia Gurita, onde mora há mais de 13 anos. Localizada no município de Prado (BA), a comunidade tem sentido na pele o desmonte da Saúde promovido desde o governo de Michel Temer (MDB) e há mais de dois anos com Jair Bolsonaro (sem partido) à frente da Presidência, conforme conta Piatã.
Pai de quatro filhos, ele se preocupa com o futuro. Desamparo, abandono e descaso são algumas das expressões que Pataxó utiliza para descrever a situação das comunidades em que atua. Só para conseguir um atendimento no polo base de saúde -- situado em um município vizinho, Itamaraju --, os indígenas precisam rodar 58 quilômetros de estrada de terra e, além disso, correr o risco de não encontrar um profissional sequer.
Embora seja considerada um dos grupos prioritários no Ministério da Saúde, a população indígena enfrenta dificuldades de acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento do HIV/Aids e de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A concentração de esforços institucionais direcionados às populações mais vulneráveis é fundamental para as estratégias de combate às epidemias. Mas, não é o que vem acontecendo.
Pataxó conta que os governos anteriores abriam as portas. Eles sentavam, dialogavam e, pouco a pouco, alguma coisa chegava às comunidades. "Eu fico olhando nas reportagens diárias para ver o que de bom virá para nós, mas a gente só vê notícia ruim: que vai cortar isso e aquilo. Eles estão esquecendo que o ser humano é tão caro. Nós, indígenas, somos seres humanos e precisamos viver. Para isso, nós precisamos da saúde, da educação... a gente não quer riqueza”, avalia.
O caráter de população prioritária se deve às particularidades de modo de vida e dinâmicas sociais de cada etnia e comunidade, como questões culturais, logísticas e geográficas, por exemplo. No Brasil, existem em torno de 305 etnias que falam ao menos 274 línguas próprias, como informa o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para reforçar a importância dos cuidados com as ISTs, algumas campanhas colorem a circulação de informações, como é o caso do Julho Amarelo e do Dezembro Vermelho, meses dedicados à conscientização sobre hepatites virais e aids, respectivamente. Os povos das florestas, no entanto, sofrem para usufruir dos serviços de saúde básicos com a frequência necessária.
Para jogar luz nos mais de 521 anos de luta e resistência indígena estão ocorrendo, desde abril, uma série de articulações em prol de estratégias e visibilidade às reivindicações dessa população. Alvos de constantes violências que ceifam vidas e territórios tradicionais, os povos originários ainda batalham pela demarcação de suas terras, pela garantia de direitos básicos e pela preservação de tradições ancestrais.
“Na nossa região são mais de três mil indígenas. Mas, o município vira as costas para nós, inclusive eles falam que na região de Prado não tem índio, e nós estamos aqui. Nós somos o quê? Para eles, nós somos fantasmas então?”, protesta Piatã.
Nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) faltam médicos e outros profissionais de saúde, insumos, salários, transporte e combustível, por exemplo. Subordinadas diretamente ao Ministério da Saúde, especificamente à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), as unidades são distribuídas estrategicamente tendo como base a ocupação geográfica das comunidades indígenas -- e não necessariamente por estados.
A aldeia Gurita, por exemplo, faz parte do DSEI da Bahia. Com sede na capital Salvador, a unidade fica há mais de 700 quilômetros de Prado e abrange outros 22 municípios com cerca de 77 comunidades indígenas. Piatã conta que as caminhonetes usadas para o deslocamento da população estão encostadas na garagem por falta de combustível e contrato com motoristas.
Em ocorrências de saúde mais graves, o agente tira dinheiro do próprio bolso para salvar a vida dos parentes. Ele chega a gastar, por exemplo, R$300 para encaminhar uma pessoa de táxi até o hospital mais próximo. “A gente tem o conhecimento das ervas medicinais: elas que têm nos ajudado. Deus nos abençoou com esse conhecimento e a gente se vira com as ervas. Porque, do contrário, ia morrer muito índio aqui”.
O Ministério da Saúde registrou 1.235 casos de aids na população brasileira que se autodeclarou indígena em 2019. O número corresponde ao último levantamento divulgado no Boletim Epidemiológico de HIV/Aids. No entanto, estima-se uma grande subnotificação nos números devido à dificuldade de acessar os povos de áreas mais isoladas.
Nestes territórios longínquos, a incidência de ISTs é consideravelmente menor ou praticamente nula -- o que, por sua vez, não acontece com comunidades em centros urbanos e/ou aldeias que vivenciam o contato com não-indígenas.
"Nós sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele, um pedaço de terra não se distingue de outro, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos”, escreveu o cacique Seattle em 1855 na “Carta da Terra”.
Portanto, mais do que chegar às comunidades indígenas, os profissionais de saúde precisam ter em mente que o paradigma biomédico não impera sobre as medicinas da floresta e as faculdades da pajelança. Para os indígenas, as doenças do corpo têm, muitas vezes, um sentido espiritual. Portanto, além da própria questão linguística, um dos maiores desafios é conhecer, respeitar e, até mesmo, incorporar os métodos de cura ancestrais -- que passam essencialmente pela sabedoria xamânica.
O que fica evidente é que a narrativa ensinada nas escolas de modo folclórico, lembrada apenas em 19 de abril (considerado como Dia do Índio) e contada a partir de 1500, com a invasão dos portugueses às suas terras, não contempla a constituição étnica, histórica e cultural da população nativa. No lugar de resolver esta questão, as instituições perpetuam estereótipos obsoletos e a ideia equivocada de um Brasil homogêneo, que desvaloriza a existência de sangue indígena no País.
Neste sentido, o Ministério da Saúde passou a utilizar, nas campanhas, imagens que representavam a aids como figuras míticas de desordem e ameaça do cosmos. Elaboração de materiais educativos em línguas indígenas, capacitação dos agentes de saúde e participação ativa das lideranças tradicionais também chegaram a ser implementadas, como conta Adele Benzaken, médica sanitarista e autora da primeira cartilha brasileira sobre ISTs.
Uma das especialistas mais respeitadas na área, Benzaken conta com mais de 40 anos de experiência em prevenção do vírus da imunodeficiência humana. Ex-diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV), a médica foi exonerada do cargo em 10 de janeiro de 2019, onde atuava desde 2016.
A demissão ocorreu uma semana após o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmar, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o governo Bolsonaro iria estimular a prevenção à aids “sem ofender às famílias”. Em pleno século 21, a doença infecto-contagiosa ainda é demarcada por desinformação, estigma e discriminação.
Nas últimas duas décadas, o Brasil chegou a ser reconhecido como referência mundial na prevenção e assistência ao HIV na rede pública de Saúde. No entanto, o departamento de combate às ISTs não é mais o mesmo. Por meio de um decreto presidencial, em maio de 2019, o governo Bolsonaro modificou a estrutura do setor criado em 1986 -- que passou a se chamar Departamento de Doenças de Condições Crônicas e ISTs.
Além da extinção do termo “aids”, na nova disposição, o departamento também passou a tratar de doenças que não são transmitidas sexualmente, como hanseníase e tuberculose. A medida é preconceituosa e reacionária, segundo Benzaken, que também é diretora médica da Aids Healthcare Foundation -- considerada a maior organização na luta contra o HIV/Aids do planeta.
“Nós encontramos muito mais sífilis do que HIV. Mas, onde tem muita IST você vê logo depois muito HIV, porque a forma de transmissibilidade é a mesma. E daí porque estão no mesmo departamento. O mesmo não acontece com as outras doenças que colocaram. [Elas] Não têm nada a ver com essa questão comportamental que leva à vulnerabilidade maior para as infecções de transmissão sexual”, ressalta Benzaken.
A existência de uma IST aumenta a probabilidade de se adquirir outra, como mostra um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (RS). Conforme a pesquisa, as ISTs “aumentam a chance, em pelo menos dez vezes, de contaminação pelo HIV”.
Na avaliação da médica, uma população prioritária -- como é o caso dos povos indígenas --, sem a assistência necessária, pode se enquadrar rapidamente em uma população-chave. Gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas transexuais e usuários de álcool e drogas são alguns dos segmentos que integram as populações-chave. Tais grupos apresentam prevalência do HIV superior à média nacional (0,5%). Nas comunidades indígenas, a proporção é de 0,4% no todo da população brasileira, segundo dados do governo.
Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde informou que “para orientar as populações indígenas que vivem em aldeias sobre prevenção do HIV/Aids e das ISTs, os DSEIs realizam ações de promoção da saúde, como prática de sexo seguro e distribuição de insumos de prevenção, como preservativos”.
Segundo o órgão, as informações contidas no Boletim visam contribuir para o controle do HIV/Aids “no sentido de fornecer subsídios à tomada de decisões nos níveis federal, estadual e municipal”. Fatores internos de algumas comunidades como o uso de álcool e outras drogas e restrições culturais ao uso de preservativo também se somam às particularidades de contágio.
Outros fatores ainda contribuem para o contexto que leva à vulnerabilidade da população indígena ao HIV/Aids: exploração dos recursos naturais pelo capital financeiro, ocupação ilegal de terras indígenas, evangelização forçada nas aldeias, o próprio estigma da aids, entre outros.
A discussão é essencial para entender os mecanismos de dominação sobre vida cotidiana, imaginário e memória dos povos da floresta. O fenômeno de controle é sustentado por paradigmas científicos, teológicos, morais e raciais, que dão resguardo para que instituições burocráticas e administrativas, como o Estado, ditem regras sobre os corpos indígenas.
Os nativos, por sua vez, não ocupam o lugar de subserviência em meio às opressões, como conta Piatã. “A gente passa por essas dificuldades tremendas e, muitas vezes, chega a um ponto de perder a cabeça: queimar ou prender caminhonete dentro da aldeia... porque não é o certo, a gente sabe que está trazendo um problema para nós mesmos. Mas, às vezes, nós temos que fazer para que o povo possa enxergar e questionar: 'poxa, o que está acontecendo com aqueles índios que estão fazendo isso lá?'”.
A falta de visibilidade e empatia leva os indígenas a se mobilizarem em prol de políticas públicas que garantam seus direitos básicos -- o que tem se tornado mais espinhoso a cada ano que se passa: com cortes na Saúde e Educação, fomentados, por exemplo, pela Emenda Constitucional 95, assinada em 2016.
A adoção de medidas de austeridade lança à margem segmentos sociais que já são vulneráveis, como os indígenas. Embora esteja nos planos da Organização Mundial da Saúde (OMS) conter o HIV/Aids e a Hepatite C até 2030, o congelamento dos investimentos em Saúde Pública vai na contramão desta meta.
Por isto, os problemas relatados por Piatã não são singulares, sobretudo após o fim do convênio entre Brasil e Cuba no Mais Médicos, programa criado em 2013 pelo governo da então presidenta Dilma Rousseff (PT). Os contratos dos cubanos eram intermediados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).
Em novembro de 2018, antes mesmo de Bolsonaro assumir a presidência, o governo da Ilha rompeu o contrato com o programa, após declarações do então candidato eleito que, segundo o Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, foram “ameaçadoras e depreciativas”. Ainda durante a campanha, o capitão reformado disse que pretendia expulsar os médicos cubanos do Brasil.
Com o questionamento da preparação e capacidade dos estrangeiros, Bolsonaro desassistiu áreas pobres e longínquas do Brasil, como as comunidades indígenas -- vagas anteriormente abandonadas por profissionais brasileiros ou de outras nacionalidades. Por meio do programa, mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.
MEDICINA: FORMAÇÃO CURRICULAR DEFICIENTE
“No período do Mais Médicos foi a primeira vez que, como amazonense com 40 anos de formada, eu vi a presença do médico nas equipes de saúde em todos os DSEIs. A questão do acesso, da cultura e da credibilidade desse cuidado não-indígena, para eles, é bastante tênue. O que complica, no caso, a assistência às pessoas indígenas vivendo com HIV”, destaca Benzaken.
A formação atual dos profissionais de saúde não dá conta de pensar as particularidades e necessidades da população indígena. Esta situação é preocupante, visto que a Saúde é o principal contato dos povos tradicionais com as políticas públicas brasileiras. O apontamento é do médico Luiz Otávio de Araújo Bastos, especialista em Medicina de Família e Comunidade.
Dedicado à saúde indígena desde 2015, Bastos atuou no Mais Médicos como supervisor dos cubanos em comunidades dos estados de Amazonas e Roraima. Com a saída dos profissionais, ele passou a trabalhar como médico no distrito indígena Yanomami e Ye´kwana. A equipe da qual faz parte conta com outros profissionais de saúde, como enfermeiros e técnicos de enfermagem.
Para Bastos, é importante ser cuidadoso quanto à cultura dos povos indígenas, já que a medicina interfere diretamente no modo de vida deles. “Existem profissionais com a ideia de que estão ali para poder salvar a vida dos indígenas e dar remédios para problemas de saúde, mas não pensam que, com isto, podem causar danos para eles também”.
Ao longo dos anos de graduação e especialização na medicina, Bastos não estudou sobre saúde indígena em nenhuma das grades curriculares. Segundo ele, é mais do que urgente repensar a formação médica e dos profissionais de saúde. “Não dá para reproduzir as coisas do hospital nesses distritos, e eu arriscaria também dizer que não só no hospital: não dá para reproduzir muitas das formalidades. A ideia de um posto de saúde na cidade não é a mesma coisa que um posto de saúde dentro de uma aldeia isolada na Amazônia”.
"PROGRAMA MAIS MÉDICOS" : UM BREVE ALENTO
A Terra Yanomami é uma das maiores reservas indígenas do Brasil, localizada perto da fronteira com a Venezuela. O território foi homologado em 1992 e cobre mais de 96 mil quilômetros quadrados de floresta tropical. Em meio à Floresta Amazônica, sem centros urbanos ou assentamentos rurais por perto, a locomoção se torna um dos maiores desafios: dias de barco, semanas de caminhada ou horas de avião.
Por conta da logística, poucos são os médicos que permanecem nas comunidades, principalmente quando se trata de brasileiros formados no Brasil. “A saída dos cubanos foi muito grave. A gente tinha, na época, 14 médicos cubanos em um distrito que nunca teve dois médicos fixos em área”, conta Bastos.
“Éramos sete médicos brasileiros formados no Brasil e, em menos de seis meses, três foram embora, o que reflete mais ou menos o que o Ministério vinha publicando de dados sobre a desistência de brasileiros formados no Brasil no programa: uma média de 40%”, completa o médico.
Na Terra Indígena Yanomami não há registro de casos de HIV/Aids, o que não se aplica, no entanto, à sífilis e outras ISTs. Apesar do pouco contato dessa população com a cidade, para Bastos, é possível que exista uma subnotificação nos números. Vale ressaltar que as ISTs são de difícil detecção, uma vez que poucos são os sintomas visíveis e a maioria delas é assintomática.
Logo, a educação preventiva para os indígenas deve levar em conta as questões linguísticas, culturais e geográficas de cada povo. Testes rápidos de ISTs, cartilhas e campanhas informativas em dialetos indígenas são algumas iniciativas importantes que, infelizmente, vêm sendo negligenciadas.
“Como todo projeto neoliberal, a grande perspectiva é destruir uma política pública, minguá-la aos poucos. Eu acho que este é o caminho que o atual governo tem pensado de desenvolvimento econômico -- e claro que a saúde indígena é um empecilho para esses projetos”, critica Bastos.
Falar de saúde indígena atravessa, essencialmente, a necessidade da demarcação de terras, já que muitas populações sofrem com a exploração por parte do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária, inclusive na Terra Yanomami.
“O presidente, antes de ser eleito, anunciou interesse em mineração no território Yanomami, que é uma região muito rica em ouro e alguns outros minerais. O garimpo hoje, na Terra Indígena Yanomami, é ilegal mas ativo, e eu arriscaria dizer até com o aval de algumas instituições governamentais”, salienta Bastos.
Conforme a Constituição de 1988, os territórios indígenas deveriam ser demarcados pelo governo federal em até cinco anos. Não foi o que aconteceu. Atualmente, a modalidade de demarcação representa apenas 13,75% do território brasileiro.
De acordo com dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), existem 680 processos demarcatórios, dentre os quais 443 se tratam de áreas homologadas/regularizadas e 237 estão em estudo para aprovação como terra tradicional.
Benzaken ainda destaca a atual pandemia da Covid-19 como mais um dos agravantes do quadro. Segundo a médica, “é necessário assegurar a manutenção dos serviços de testagem e tratamento para o HIV, as ISTs e hepatites virais; tratar as políticas de saúde sexual, reprodutiva e materno-infantil como essenciais, respeitando as particularidades sociodemográficas e vulnerabilidades de gênero, sobretudo em relação às mulheres e meninas”.
Além disso, a Faculdade Imperial de Londres estima para os próximos cinco anos um aumento de 10% nas mortes relacionadas à aids em todo o mundo. Com a pandemia de Covid-19 -- sem prazo para término --, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) já projeta 230 mil novos casos de HIV e um adicional de 140 mil óbitos relacionados à aids.
Tendo em vista a vulnerabilidade das pessoas que vivem com HIV, o Ministério da Saúde decidiu priorizar também este grupo na vacinação contra o novo coronavírus, conforme nota publicada no último dia 29 de março. Desta forma, indígenas que vivem com HIV/Aids enfrentam barreiras em dobro para se manterem vivos.
“A gente vê os comentários que índio quer celular, televisão, carro... eu não quero nada disto. Eu quero saúde, quero viver dentro da minha comunidade alegre, plantar e viver das minhas ervas. Eu quero ter meu direito reconhecido como dono da terra, da nossa terra. Meu povo quer viver e quer paz”, finaliza Piatã.
Por Enzo Cury e João Victor Capricho
Acordar, tomar café, se preparar para o trabalho, pegar um ônibus lotado, chegar ao hospital, vestir o EPI, atender um mar de gente, e até perder algumas...
Adentrando a UTI e sentindo o frio advindo do ar-condicionado, que permeia o ambiente, ela entende que está na hora de dar início aos trabalhos na linha de frente.
Essa é a rotina de Maria fisioterapeuta pós-graduada e membro ativo da linha de frente em dois hospitais diferentes na grande São Paulo.
Não é novidade para ninguém que o Brasil vive uma das maiores crises sanitárias, senão a maior de sua história. O país chegou à inimaginável marca de mais de 3000 mortes em um dia, além de ser um dos recordistas no número geral de óbitos, com mais de 300.000 famílias destruídas em pouco mais de 1 ano.
Além da Covid, diversas pessoas, que sofrem de diferentes enfermidades, estão falecendo na fila de vários hospitais ao redor do Brasil. A Covid não é único mal que assola nosso país ultimamente, mas, como é possível observar, não há prioridade para o tratamento de outras doenças, e nós até nos esquecemos que outros tipos de problemas existem.
Com a má atuação do governo, a ausência de infraestrutura e logística no manejo da crise, toda a carga acaba se concentrando nas áreas que mais se expõem, na tentativa desenfreada de parar o avanço da doença no Brasil. E, como já é sabido por todos, os profissionais de saúde têm sido os que sofrem a maior parte deste impacto.
Carregar nos ombros o peso de milhares de vidas, não é apenas cansativo para o corpo. Muito além disso, a estafa física e mental, que está acometendo os profissionais de saúde, tem se tornado um problema grave dentro do meio. As sequelas, advindas da rotina ultra estressante, podem ser de grande impacto em sua vida, podendo ser até irreversíveis...
E a exaustão não afeta o profissional apenas durante o plantão. A situação que médicos, enfermeiras, anestesistas e outros diversos membros da área passam, todos os dias, possui reflexos severos em todos os âmbitos de sua vida.
Somando ao cansaço, como se isso já não fosse o suficiente, todos aqueles que agora estão na linha de frente do enfrentamento a Covid, sabem que estão expostos. Isso os obriga a tomar certas medidas de precaução, como o distanciamento dos entes queridos, por exemplo.
Em conversa com Maria, foi possível entender um pouco de como é a rotina de um membro da área da saúde neste momento.
“Eu faço tudo sozinha. Eu como sozinha, tomo café sozinha e me mantenho afastada. Eu falo com meus familiares, mas, por exemplo; no aniversário da minha mãe fiquei muito triste por não poder abraçá-la, eu evito ficar próxima e falo com eles à distância. Faço minha rotina separada, minha roupa é separada e acabo ficando mais no meu quarto” - relata nossa entrevistada.
Maria de Jesus é apenas um exemplo dos milhares de profissionais de saúde e membros da comunidade científica que tem se entregado de corpo e alma, na tentativa de amenizar a situação atual.
A situação dos hospitais durante a Pandemia
Como já é de ciência geral, com o agravamento da pandemia no Brasil e a ausência de infraestrutura hospitalar adequada, que supra as demandas por equipamentos, como leitos, tubos, tanques de oxigênio, entre outros, controlar o vírus está cada vez mais difícil.
A situação encontrada nas Unidades de Terapia Intensiva, de acordo com diversos relatos, assemelha-se a um cenário de guerra. O panorama se dá por, no mínimo, caótico, e reflete o quão grave é a situação pela qual nosso país está passando.
Para maior entendimento, a ocupação de leitos no estado de São Paulo já passa dos 92%. Com isso, não é de se surpreender que o sistema de saúde do estado entre em colapso, de acordo com as projeções atuais, que se referem ao avanço da pandemia no país.
Entretanto, a Covid-19 não é a única enfermidade que acomete a população. No cenário atual, pacientes com outras comorbidades padecem no aguardo de leitos e na expectativa de internação.
A saúde mental dos trabalhadores da saúde
Ao mesmo tempo que muitos possuem o privilégio de poder ficar em casa, esta não é a realidade dos trabalhadores da saúde. Muito pelo contrário, os profissionais da linha de frente reforçam a necessidade de, se possível, ficar em casa neste momento, mas,em contrapartida, são obrigados a sair todos os dias para exercer a profissão.
Porém, neste caso, o ambiente hospitalar não é mais o cerne da questão. Por incrível que pareça, ambientes que também podem afetar, e muito, o bem-estar de um profissional de saúde, podem ser suas próprias casas, grupos de amigos, etc…
Soa improvável, mas este tipo de distanciamento tem se mostrado comum. De acordo com uma nota, que foi emitida pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, em Março de 2020, um dos principais fatores de risco relacionado ao sofrimento psíquico dos profissionais de saúde, é a estigmatização por trabalhar com pacientes infectados pela COVID-19. Por necessitarem de medidas de biossegurança muito estritas, os profissionais acabam sendo vistos como “ameaças”, ou até como um possível vetor, e acabam sendo hostilizados e até evitados pelos familiares e amigos, afirma a cartilha.
Além disso, por conta da exposição, é necessário que aqueles na linha de frente, se possível, se distanciam daqueles com quem convivem. E é justamente nesse momento que surge a solidão. Ela não está diretamente relacionada ao estranhamento por parte do círculo social em que a pessoa vive, mas é agravada por ele.
Neste momento, existe uma somatória de fatores que afetam a psique de alguém: a estafa emocional e física, a responsabilidade, o excesso de trabalho tido como em vão e, como estopim, a completa ausência de um outro, para com quem essa pessoa possa desabafar e liberar um pouco a carga emocional.
Com o agravamento da situação da pandemia em nosso país, esta situação tende a piorar, e o ciclo acaba por se tornar vicioso. Com isso, não será impressionante que diversas pessoas abram mão de seu ofício, justamente por não aguentarem mais e não verem uma saída ou um fim para esta situação.
Como a saúde física é impactada
Para além do risco de contaminação, a saúde física dos profissionais de saúde também corre sério risco em meio à pandemia. Além do estresse e esgotamento mental, que são os principais aspectos que entram em voga quando se trata da saúde de um profissional da área, também é preciso pensar na qualidade de vida e na rotina daqueles na linha de frente.
Não é novidade, que os problemas que afetam o psicológico podem ter efeitos preocupantes no corpo físico, mas também é preciso ponderar os reflexos que o dia-a-dia traz: aparato que limita a movimentação, excesso de trabalho, má alimentação, privação de sono e entre outros. São situações recorrentes, pelas quais todo profissional de saúde tem passado. Maria de Jesus relata:
“Até que minha saúde física anda bem, mas me sinto muito mais cansada mentalmente. Além disso, é normal nós (trabalhadores da saúde) ficarmos fatigados. Eu perdi peso, pois a rotina é muito corrida. Uma amiga minha está até com problema no estômago por conta da dificuldade de se alimentar devido a correria. Eu tenho sorte de minha mãe me ajudar nessa questão. Também tem os que apresentam enxaqueca constante, ou seja, todos os sinais do cansaço, e isso é normal entre os colegas. Parece que nossa atividade cansa duas vezes mais do que deveria por conta da situação.” - relata a fisioterapeuta.
O emocional dos membros da linha de frente
Saúde emocional e saúde mental são costumeiramente confundidas e tidas como a mesma coisa por muitos, e apesar de apresentarem algumas semelhanças, não são exatamente a mesma coisa.
Ao passo que a saúde mental está relacionada com o lado racional, nossa saúde emocional está ligada aos sentimentos e emoções. Porém, ambas possuem o mesmo efeito: a forma com a qual nos relacionamos com o ambiente a nossa volta.
De acordo com o professor, hipnólogo e clínico, Alessandro Baitelo, "O que diferencia entre a saúde emocional e saúde mental são alguns elementos sutis, como por exemplo a forma como cada uma pode ser vista. A saúde emocional é mais fácil de ser percebida por outras pessoas, uma vez que se trata diretamente da forma como se lida com outros indivíduos.
Já a saúde mental é um pouco mais complexa, pois uma vez que envolve questões químicas cerebrais, pode ser mais difícil perceber sinais de que o indivíduo não está com a saúde plena. Portanto, ambas estão ligadas à relação de um determinado sujeito com os indivíduos e com os ambientes com os quais este se relaciona, mas os impactos que ambas as áreas possuem nesse sujeito, são diferentes".
De acordo com as informações apresentadas, já é de se esperar que os profissionais de saúde apresentem mudanças drásticas em seu comportamento daqui para frente, principalmente com o aumento significativo dos casos, que ocorreu em questão de meses.
Maria, a fisioterapeuta que nos contou um pouco sobre sua situação como profissional de saúde, afirma: “As minhas relações foram muito afetadas por conta da minha rotina. Na pandemia nós não temos contato com as pessoas e a minha rotina faz com que eu não consiga ter tempo para responder mensagens, por isso acabei me afastando de alguns amigos. Nem todo mundo entende que você tem trabalhado muito e não tem tempo para conversar.
Eu só vejo as pessoas do meu trabalho e a minha família, porque eu evito ao máximo sair e ter contato com outro alguém.”
Além disso, a ausência de um momento para se distrair e relaxar, também tem grande impacto em nosso comportamento, tendo em vista que não existe mais a “válvula de escape” para a rotina estressante. Nossa entrevistada, por exemplo, afirma que já não dispõe mais de tanto tempo livre em sua rotina, mas, quando o tem, usa apenas para dormir e se recuperar de mais um dia no qual mais algumas vidas foram perdidas.
O relato de Maria não se deve apenas a sua responsabilidade como profissional, mas, também se dá pelo emocional abalado devido a sua rotina.
No primeiro episódio do PODPUC, fizemos um recorte dos pontos que mais se destacam nesse momento de pandemia no Estado de São Paulo. Com as opiniões de professores, enfermeiro e uma pessoa que já contraiu o vírus
Trazendo diferentes visões sobre o assunto, foi produzido pelos alunos da PUC-SP: Marcelo Moreira, Maria Luiza Oliveira, Pedro Alcantara e Renan Mello.
Confira o episódio do PODPUC, disponível no Spotify: https://open.spotify.com/episode/1452CV5i9267CmSTU4IR7f?si=qWS6dS6-RdiuJbgvHnQmew&nd=1
Por Inara Novaes e Guilherme Dias
Em meio a crise sanitária dos últimos tempos, quando milhares de vidas são interrompidas diariamente, muitas pessoas vivem sem escolha, fadadas ao risco, expostas à morte e presas ao velho estigma do trabalhador: aquele que é impedido de parar, em troca da subsistência. Não importa o contexto social, político e econômico, trabalhar permanece sempre como sua única escolha de vida.
Segundo o filósofo alemão Dietmar Kamper no artigo O Corpo Vivo, O Corpo Morto, criamos imagens sobre essas pessoas e criar imagens é matar corpos. Transformados em imagem, os corpos perdem sua “essência natural e histórica”, tornando-se desprovidos de profundidade e subjetividade. Aos olhos de muitos, são apenas máquinas orgânicas programadas para funcionar, pois outra opção não lhes é dada. Para a população periférica, trabalhar é uma constante fuga do desabrigo, da fome, das dívidas e da morte.
Com esses corpos reduzidos a imagem, a sanidade mental dessa população é deixada de lado, ou melhor, não é pautada. Como relata a jornalista Thaís Cavalcante, em sua pesquisa sobre a saúde mental dos moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, a mídia falha em pautar esse assunto. “Nunca li sobre morador de favela ter problemas de saúde mental. A pessoa não tem informações sobre o assunto. A naturalização existe”.
A imposição ao ‘novo normal’ implica numa perturbação psicossocial, promovendo novas tensões, angústias e temores. “O que tem tirado muito o sono” aumentaram consideravelmente, os medos se tornaram ainda mais pavorosos e sabendo disso, empresas e governos buscam lançar sobre a população o cabresto do empreendedorismo. Sem auxílios suficientes e o já comum abandono, trabalhadores e trabalhadoras acabam internalizando o papel de próprio chefe e mergulhando em um novo mar de incertezas.
Confeiteira autônoma, Giovanna Vitória, 20, moradora do Capão Redondo, vive à margem das incertezas. “Eu só tenho essa renda e é dessa renda que eu consigo me manter, ajudar a minha família, ajudar o meu filho". Os receios somam-se à possibilidade de se contaminar e perder a única fonte de renda “e não conseguir fazer mais nada”.
Mãe solteira, Giovanna faz parte de um grupo de mulheres no qual a pandemia tem um peso ainda mais cruel. Cerca de 28 milhões de famílias são chefiadas por mães solteiras, segundo o último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Sem outras pessoas para ajudar nas despesas de casa, essas mulheres não conseguem manter alimentação e higiene da sua família.
A romantização do sofrimento atinge muitas pessoas moradoras de comunidades e periferias. As políticas públicas não alcançam ou, na maioria das vezes, são ineficazes para muitas dessas famílias. Isto impacta na estabilidade psicológica, não é fácil falar de saúde mental sem considerar a crise financeira e outras preocupações que, ocasionalmente, esses grupos já lidam diariamente. Isso causa, inclusive, aumento do impacto emocional reverberando dentro dessa população a sensação de abandono.
Para além dos fatores culturais que afastam a periferia de acessar esse serviço, o alto custo de sessões de terapia e a falta de profissionais da área no Sistema Único de Saúde (SUS) colaboram para a atual realidade. “Eu queria muito fazer terapia, mas tá muito fora da minha realidade atualmente, financeiramente falando, e práticas de autocuidado são coisas que nunca foram fomentadas na população periférica. É muito complicado, porque ocupa muito tempo e é um tempo que, às vezes, a gente poderia tá usando pra fazer outras coisas da nossa vida, tipo trabalhar”, afirma Kaio Chagas, 20, trabalhador autônomo, fundador do brechó "Veste Pencas".
O Portal Psicanálise Clínica confirmou em pesquisa de 2019, que em média, as sessões de psicanálise variam de R$ 70 a R$400 por encontro. Em geral, psicólogos solicitam uma sessão com frequência semanal, porém com a intenção de garantia de faltas, alguns profissionais gostam de trabalhar com dois encontros por semana, ou seja, no final do mês os valores podem variar entre R$280 e R$ 3200.
Mesmo com a Internet ajudando na socialização de serviços voltados à saúde psíquica por meio de coletivos e movimentos que fornecem sessões gratuitas ou com preço acessível, o ambiente domiciliar de muitas famílias periféricas dificulta o andamento da sessão, pois, muitas das vezes, a privacidade é escassa. Sem um ambiente adequado, a terapia pode gerar tensões ainda maiores ao paciente.
Com a falta de acesso e o alto custo, moradores das margens sociais criam maneiras de superar os momentos de tristeza, ansiedade e depressão. “Olha, eu tento dormir, acho que é o que eu tenho feito bastante, quando posso. Quando não preciso fazer algum bico, algum trabalho para complementar a minha renda”, revela Kaio.
Estar inerte e se deixar consumir pelo cotidiano pandêmico faz parte de muitas vidas em 2021. Com o número de mortes aumentando cada vez mais e a impossibilidade de respirar novos ares, estar estático se torna inevitável. Não há tempo, não há incentivo, muito menos meios governamentais que possibilitem a melhoria da vida psíquica da população periférica. Para o sistema e boa parte da mídia hegemônica, o trabalhador continuará como uma máquina orgânica sem sentimentos ou psicológico.
Em março de 2020 foi declarado o primeiro caso de coronavírus no Brasil. Um ano depois, somatizamos em mais de 400 mil mortes. Mas por que motivo isso acontece? A quem se deve o colapso que estamos vivendo, e, principalmente, a que comportamento isso pode ser associado?
Apesar de São Paulo ter mais de 12 mil leitos (todos ocupados), e considerando que a UTI está operando com quatro vezes da sua capacidade total, a fila de mortalidade de covid só cresce - são centenas de pessoas aguardando e falecendo ao não conseguir ter acesso a nenhum leito (vale lembrar que São Paulo é o Estado com maior quantidade e disposição de leitos no país). A calamidade é geral, milhares de habitantes aguardam oxigênio.
Além de temas como “quarentena”, “lockdown” e “kit covid”, não podemos descartar a falta de um plano nacional de imunização, a “novela” que está sendo o processo das vacinas desde o ano passado e o comité anti covid falando inclusive sobre furar a fila do plano nacional - tal que é para muitos, questionável. Sem contar que não se fala de combate, das estatísticas de outros países e da importância crucial de usar máscaras protetoras.
A grande falta de informação produz um descuido na proteção ao vírus, inclusive aglomerações constantes e várias festas clandestinas; mas será que quem frequenta este tipo de ambiente realmente não tem acesso a informação ou prefere se alienar para “curtir com os amigos”?
Após o aumento em massa de casos de covid com a nova variante e o decreto do governo da fase vermelha e emergências, os donos de festas, lounges, bares começaram organizar as mais conhecidas “festas clandestinas”.
São festas feitas a escondidas, contra as leis, com pessoas imprudentes que desrespeitam as regras e não se importam com o grande número de casos em São Paulo. Os organizadores que são chamados de promotores fazem o convite circular pelas redes sociais, sem nunca revelar a identidade para não serem pegos facilmente pelos guardas civis, policiais ou fiscais da vigilância sanitária.
Os interessados entram em contato e recebem os dados bancários para o pagamento, só após feito e a apresentação do comprovante é revelado onde será o ponto de encontro para o partida ou mandam o endereço para se conduzirem ao local proibido onde ocorrerá a festa clandestina.
Os promotores apresentam regras antes de acontecerem as baladas para que não ocorra de serem encontrados, eles obrigam os convidados a deixarem o celular em um guarda volumes para evitar as fotos, também frequentemente a troca de endereços.
Dependendo do lugar e da festa a classe social acaba mudando, em lugares mais elegantes e mais caros a elite de São Paulo estará presente, que são as pessoas que têm mais dinheiro e estão dispostas a pagar mais de 300 reais pela entrada das baladas. Já em bairros mais pobres a classe muda, mas independente de quem são as pessoas eles estão desrespeitando as regras e piorando o andamento contra o Vírus.
O empresário Carlos Eduardo de Andrade, de 28 anos, era dono de um restaurante, no centro de São Paulo. Porém com a pandemia, muitas lojas e restaurantes tiveram que fechar suas portas, devido a crise. Carlos não conseguiu manter seu restaurante e fechou.
"Na minha opinião, restaurantes, bares, shoppings e o comércio deveriam funcionar normalmente, com o uso obrigatório de máscaras e distanciamento, não vejo necessidade alguma de não poder funcionar e no final somente nós saímos perdendo e tendo que fechar nossos estabelecimentos .” disse Andrade.
Carlos conta que estava frequentando restaurantes, bares e até mesmo festas com aglomerações.
“ Não acho tão preocupante o momento atual que estamos vivendo, a ponto de parar a minha vida e ficar isolado em casa, sei que muitas pessoas estão morrendo mas é só se cuidar e sair de máscara. Estou saindo com meus amigos sempre que posso.” Diz Andrade.
Com cerca de 341 mil mortes pela Covid-19 no Brasil, e os números de mortes por dia cada vez maiores, Carlos Eduardo diz não confiar em números e dados fornecidos pelo ministério da saúde.
“Posso afirmar que o governo está fazendo um bom trabalho na pandemia, dentro do possível é claro, mas acho que eles aumentam os números de morte para deixar a sociedade mais aflita, com medo de sair e assim, as pessoas começam a ficar em casa.” Diz Andrade
Com o processo de vacinação ocorrendo por todo o Brasil, o empresário faz parte do grupo de pessoas que ainda não sabem se irão se vacinar e duvidam da eficácia.
“Tenho um tempo para pensar até chegar a minha vez, mas como nunca peguei o vírus, acho que não vou precisar, tenho uma boa imunidade. Até porque não quero virar jacaré.” Diz Andrade.
Para buscar um contraponto de alguém que estava tratando a pandemia com cuidado e respeito, entrevistamos Lia Aruni Damous Bertolo, de 20 anos, que atualmente exerce a profissão de estudante. Lia está tomando todos os cuidados e cautelas necessárias e tem uma opinião contrária à de Carlos Eduardo de Andrade sobre a pandemia e a Covid-19.
“Por um um lado entendo aqueles que precisam trabalhar e não tem a opção de não pegar transporte público, mas vejo que muitos já se acostumaram com o que estamos passando e não tem mais “medo” do vírus. Acredito que aqueles que não tem mais “medo” do vírus e não se precavem podem não ajudar a melhorar a situação que estamos. Outro ponto que não está colaborando é o governo, que está cagando completamente pra tudo, e isso tá me dando um certo medo de ver os outros países conseguindo controlar a pandemia enquanto o Brasil só cresce o número de mortos por dia.” Diz Bertolo
A estudante conta a respeito das medidas que está tomando junto a sua família para se cuidar contra a Covid-19.
“As medidas que ando tomando são as básicas, como o uso de álcool em gel sempre que não estou em casa, uso de máscara, quando volto do mercado com compras sempre higienizo, ao entrar em casa tirar o tênis, higienizar a sola do sapato e o colocar na área externa (onde há ventilação natural) além de sempre que posso tomar um banho por completo depois de voltar da rua, minha mãe está bem exigente, mas com razão, todo cuidado é pouco.” Disse Bertolo
Lia tem tomado cuidado em dobro pois está vendo somente seu namorodo e a família dele tem pessoas no grupo de risco, sobre a vacinação da COVID-19 a estudante pontuou;
“Sobre a vacina, irei tomar e meu namorado também, estamos ansiosos. Mas ainda não fiz uma pesquisa a fundo pra saber mais detalhes e eficácias das vacinas. Para aqueles que optaram por não tomar, eu respeito, mas estes têm que ter um cuidado maior consigo e os que estão à sua volta.” Disse Bertolo;
Lia conta que está passando por momentos de altos e baixos na quarentena e acredita que todos estão de saco cheio.
“Estou muito de saco cheio da quarentena, tudo que eu queria era poder viajar com meus amigos, sair na rua, abraçar pessoas, mas não é por isso que vou furar a quarentena e botar a minha vida e a de outros que estão à minha volta em risco, é difícil se manter positiva e produtiva em tempos como esse, tenho várias fases precisamos cuidar da gente e da nossa saúde mental.” Diz Lia.
Após as entrevistas, ficou clara uma nítida contraposição entre os entrevistados. Enquanto de um lado existem pessoas clamando pelo fim da pandemia, e tomando cuidado para que este período não se prolongue, temos outras pessoas que estão vivendo a vida de maneira muito próxima a vida normal, sem se preocupar com contrair a doença e sobretudo em transmiti-la.
O interessante é pensar que ambos os entrevistados estão lidando com a mesma crise sanitária, de formas absolutamente distintas.
Com o cenário atual que estamos vivendo, existem pessoas que preferem não enxergar a realidade, às vezes é mais fácil, só pensar em você, enxergar a sua realidade, que muitas vezes é totalmente diferente dos outros, sem se importar com o próximo, e com as dificuldades que muitas pessoas estão passando, notamos isso nas entrevistas.
Enfrentar a pandemia está sendo difícil para todos os brasileiros, todos tiveram que se adaptar a uma nova realidade, se reinventar, construir uma nova rotina totalmente diferente, ver a vida por outros ângulos, dar chances para o novo. Não podemos negar que as classes inferiores sentem esse impacto de uma forma maior, e com mais necessidades, mas cada um tem sua batalha diária, sua forma de passar e viver a tudo isso.
A melhor forma de enfrentarmos a Covid-19 é sendo humilde em reconhecer que esse momento tão crítico e cruel merece nossos esforços para que tudo acabe logo, como fazer a quarentena, ficar em casa sempre que possível, usar máscara, álcool em gel, evitar aglomerações. Cada vida importa, a sociedade precisa se unir para um bem estar coletivo, não dá mais para fingir que todos os dias morrem mais de mil pessoas, que o Brasil não é um dos piores países no combate do vírus, com dados e índices assustadores. Precisamos combater esse vírus e a diferença começa por cada um de nós.