Associação Paulista de Apoio ao Transplante (APAT) alia acolhimento e ajuda financeira para pacientes na fila de espera
por
Khadijah Calil
Lais Romagnoli
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04/09/2025 - 12h

Diagnosticada inicialmente com fibrose hepática, que evoluiu para uma cirrose sem causa definida, Andréa Teixeira Soares aguardou oito anos por um transplante de fígado. Nesse período, perdeu três gestações e viu a incerteza se tornar rotina. Hoje, ela é coordenadora da Associação Paulista de Apoio ao Transplante (APAT) e ajuda outros que passam pela mesma experiência da espera por um órgão.


O Brasil é referência mundial em transplantes públicos: mais de 30 mil procedimentos foram realizados em 2024, segundo dados do Ministério da Saúde. Porém, no mesmo ano,  78 mil pessoas ainda permaneciam na fila de espera sem tempo estimado, com a procura maior por rins, córneas e fígado.


A situação de Andréa, que hoje atua na tesouraria da APAT, faz parte dessa estatística que aponta que a espera por um órgão compatível e a falta de acolhimento nesse período geram um novo obstáculo para quem precisa da cirurgia.

Andréa Teixeira Soares, coordenadora da APAT.
Andréa hoje atua na tesouraria da APAT. Foto: Khadijah Calil


Após passar pela operação e por um processo delicado de recuperação, Andréa foi convidada para atuar como voluntária na APAT, na casa que hoje é localizada no Cambuci, em São Paulo. “Eu sabia o que significava estar naquela fila e eu queria ajudar. A vida é uma troca, ninguém vive sozinho”, diz a coordenadora, à AGEMT.

Criada há 20 anos por médicos clínicos e cirurgiões da clínica Hepato, a APAT atende pacientes de outros estados que não conseguem permanecer em São Paulo durante o tratamento pré e pós-transplante e auxilia financeiramente e socialmente na permanência na capital durante esse período. Todo o trabalho realizado pela associação é mantido através de doadores, voluntários, ex-pacientes, médicos e entidades sociais.

Desde sua fundação em 2004, a instituição já realizou mais de 10,5 mil atendimentos e mantém uma casa de apoio que oferece estadia, alimentação, orientação psicológica, nutricional e acompanhamento médico para pacientes e acompanhantes vindos de diversos lugares do País.

Os pacientes chegam encaminhados por equipes médicas de diferentes estados quando estão próximos de receber um órgão e chegam junto a um acompanhante, para a internação, administração de medicamentos e cuidados individuais. Sem comprometer a autonomia dos transplantados, a associação enfatiza que o processo não termina na cirurgia e que cada órgão exige um protocolo de recuperação individual.

 Todo o trabalho realizado pela associação é mantido através de doadores, voluntários, ex-pacientes, médicos e entidades sociais.
Além do acolhimento social, a APAT atua no campo científico. Foto: Lais Romagnoli

Entre os que encontraram acolhimento na instituição está André, transplantado há 19 anos e diabético. Ele perdeu a visão, mas afirma ter ganhado uma nova percepção sobre a vida ao morar temporariamente no lar de apoio: “Eu agradeço pela oportunidade de poder viver bem, de ter esse suporte. Hoje eu não enxergo mais, mas posso ver além do que meus olhos me mostram. Sinto o carinho e esforço de todos aqui.”

Casos como o dele, que passou por um transplante duplo (rim e fígado), não são incomuns, mas aumentam o tempo de espera, já que o órgão precisa vir de um “doador falecido” – que tenha morrido de AVC, morte encefálica ou com morte causada por parada cardiorrespiratória, também de acordo com o Ministério da Saúde.

Além do acolhimento social, a APAT atua no campo científico. Médicos da clínica Hepato participam de pesquisas nacionais e internacionais, estágios no exterior e projetos de formação de equipes transplantadoras. A instituição também lidera o “Transplantes sem Fronteiras”, que apoia a criação de novos centros e casas de apoio inspirados nesse modelo.

“Nosso objetivo é impedir que pacientes abandonem o tratamento por falta de recursos. Muitas vezes, o transplante é a única chance de um recomeço”, afirma Andréa.

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Psiquiatras estão preocupados com jovens que fazem uso excessivo de vídeos curtos.
por
Martim Tarifa
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20/05/2025 - 12h

Segundo a psiquiatra Luciana Bagatella, estímulos gerados pelos vídeos liberam uma carga esgotadora de dopamina no cérebro. Uma carga tão grande acaba causando colapso nesse sistema, que agora exigirá estímulos mais intensos para alcançar o bem-estar, que antes era alcançado com estímulos muitos menores. “Assim, tarefas como trabalhar, estudar e praticar atividades físicas, ficam mais difíceis de serem desempenhadas”, afirmou Luciana.  

A Dra. alerta que os jovens podem ser os principais afetados, pois seu cérebro ainda está em desenvolvimento e eles são os principais usuários de redes sociais. Segundo ela, os vídeos têm impacto direto na saúde mental desses jovens: “Podem desenvolver transtornos psiquiátricos, tais como transtornos ansiosos, transtornos de humor, dependências, dentre outros.”  

Jovens entretidas por seus smartphones. Foto: Reprodução
Jovens entretidas por seus smartphones. Foto: Reprodução

O jovem de 17 anos Téo Lima desinstalou as redes sociais por conta dos vídeos curtos. Ele se deu conta que estava viciado e que o tempo que passava vendo vídeos curtos poderia ser mais aproveitado fazendo atividades mais úteis na opinião dele. Apesar de não se sentir afetado mentalmente, ele ouviu profissionais falando disso e desinstalou para se prevenir, porque não achava que aquele conteúdo contribuía em algo para sua vida. “Eu não queria ser afetado por esses vídeos, então desinstalei de forma preventiva”, disse ele.  

Sem mais vídeos curtos, Téo percebe que sente mais vontade de realizar outras atividades e aproveita mais seu dia. “Comecei a ler jornais, assistir programas de TV e ler mais livros do que eu lia antes.” No caso desse jovem, a informação foi fundamental para que ele percebesse como sua saúde mental estava vulnerável e decidisse parar de consumir esse tipo de conteúdo. 

Mas infelizmente, Téo é um caso raro, já que 41% dos usuários do TikTok no Brasil têm entre 16 e 24 anos.  Segundo o DataReportal o Brasil tem mais de 98 milhões de usuários ativos no TikTok, o que significaria mais de 40 milhões de jovens ativos no aplicativo.  

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Em sua quarta edição, ação reforça a importância da informação e do apoio às famílias
por
João Pedro Lindolfo
Lucca Andreoli
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04/06/2025 - 12h

 

Fotografia: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Fotografia: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos

A caminhada de conscientização sobre a síndrome Cri Du Chat - ou Síndrome do Choro do Gato, uma alteração genética rara que afeta o desenvolvimento físico e intelectual - aconteceu no sábado (17), no Parque Villa Lobos, em São Paulo.

A doença, presente em uma a cada 50 mil pessoas, ocorre quando uma parte do cromossomo cinco é perdida, o que causa características como a face arredondada, olhos separados, mandíbula pequena, orelhas baixas e um choro agudo parecido com um miado de gato, de onde vem o apelido.

O diagnóstico é realizado através da genética clínica, com testes que avaliam os cromossomos, e o teste de FISH ou CGH-array, que detectam a deleção do cromossomo cinco.

A síndrome impacta diretamente a rotina das famílias, exigindo acompanhamento contínuo com diferentes especialistas. Por isso, a disseminação de informações confiáveis e o estímulo ao diagnóstico precoce são fundamentais para promover mais qualidade de vida às crianças e a quem cuida delas.

A importância do diagnóstico precoce vai além do aspecto clínico: ele abre caminhos para que as famílias se organizem emocionalmente e encontrem apoio em redes especializadas, fortalecendo a jornada de cuidado e inclusão. O conhecimento da síndrome, associado à troca de experiências entre famílias, é um passo decisivo para transformar desafios em conquistas diárias.

Em 2022 foi lançado o primeiro livro a respeito da síndrome no Brasil, intitulado de "Síndrome de Cri du Chat: mais amor, realidade e esperança” (EFeditores e Literare Books International, 264 págs., R$ 72), além de ser o ano da primeira edição da caminhada dedicada a pessoas que convivem com a síndrome.

A publicação veio a partir da vivência de famílias e do engajamento de profissionais que acompanham de perto os desafios do diagnóstico e do tratamento. O livro se tornou referência para quem busca compreender não só os aspectos clínicos da condição, mas também as realidades sociais, emocionais e educacionais enfrentadas por quem convive com ela.

Com entrevistas de profissionais médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos, a obra de Sandra Doria Xavier, Fernando da Silva Xavier e Monica Levy Andersen traz também uma perspectiva que auxilia familiares e profissionais que trabalham com portadores da síndrome.

Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança  Instagram: @criduchatbrasil
Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança 
Instagram: @criduchatbrasil

A publicação do livro e a realização da caminhada refletem o compromisso com a visibilidade da condição. Ao longo dos últimos anos, a entidade tem promovido ações que unem acolhimento, informação e mobilização social, contribuindo para a construção de uma rede de apoio mais sólida e atuante.

Em meio a esse esforço coletivo, o aspecto emocional e comunitário da Caminhada se destaca. “Encontrar outras famílias na Caminhada Cri Du Chat é encontrar a sua tribo”, define Juliane Gehm, mãe do Martin. “É um momento onde todos podem ser livres para ser quem são!”

Agora em sua quarta edição, a “Caminhada Cri Du Chat 2025” apresentou uma programação com atividades inclusivas, como áreas sensoriais (massinha, slime, bolha de sabão), desenhos e pinturas, pinturas faciais e tatuagens de adesivo, além de recreação com palhaços e personagens infantis.

Através do ato de conscientização, familiares, profissionais e portadores trouxeram luz ao tema. 

Segundo a neuropsicóloga Bianca Balbueno, a estimulação precoce é a chave: “Nos primeiros anos de vida, o cérebro da criança está num pico de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de aprendizagem é mais potente neste período, sendo assim, a estimulação precoce aproveita essa fase para promover o desenvolvimento de áreas centrais, como motor, cognitivo e social.” 

“Intervenção precoce promove o desenvolvimento redirecionando e fortalecendo trilhas de aprendizagem que podem estar em risco, especialmente em casos de alterações do neurodesenvolvimento”, ela acrescenta. 

Essa também foi a percepção de Lilian Lima, engenheira de software e mãe do Heitor Monteiro Lima, de 7 anos. O diagnóstico veio aos 19 dias de vida e aos 30 dias ele já iniciou a fisioterapia. “Com 2 anos e 9 meses ele andou. Hoje ele corre, chuta bola, arremessa para a cesta, ensaia quicar e treina saques de vôlei”, conta Lilian. Ela lembra que, no início, havia muitos medos — do desconhecido, do futuro e de como seria criar um filho com um prognóstico tão incerto. Mas reforça que o acesso a terapias e os estímulos desde cedo fizeram toda a diferença. “A fisioterapia foi essencial nos primeiros anos de vida, e os estímulos fizeram toda a diferença.”

Ainda sobre o plano de tratamento, Bianca afirma que deve ser individualizado “pois cada criança terá uma necessidade diferente, mesmo tendo o mesmo diagnóstico. Leva-se em consideração não apenas características da síndrome, mas áreas gerais de desenvolvimento, comportamentos desafiadores, excessos e déficits comportamentais, bem como a rede de apoio da família e o suporte fornecido pela escola”.

Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada. Fotografia: Wellington Freitas Reprodução/Instagram: @35elementos
Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada.
Fotografia: Wellington Freitas
Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação Imagem: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação
Imagem: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos

 

Após dois anos da concessão pública, Pérola Byington tem conflitos na administração da Organização Social Seconci
por
Daniella Ramos
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15/05/2025 - 12h

O Centro de Referência em Saúde da Mulher, do estado de São Paulo, trocou a humanização no atendimento pelo cumprimento de metas a serem batidas. Isso é o que garantem os funcionários que acompanharam a mudança vivida pelo hospital nos últimos três anos.

Em setembro de 2022, o Hospital Pérola Byington mudou de nome e local. Foi da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na região central, para a Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, região conhecida como Cracolândia. E passou a se chamar “Hospital da Mulher”.

Após concessão do Estado para a Seconci, o local passou a ser uma Parceria Público-Privada (PPP). A enfermeira Denise Souza, funcionária pública que continua no hospital após a privatização, relata que no Pérola havia um comprometimento com um atendimento mais humanizado aos paciente, mas a atual organização social se preocupa mais com as metas que devem ser batidas pelos funcionários.

“Na primeira vez, achei tudo muito bonito e limpo, apesar das pessoas em situação de rua ao redor do hospital”, afirma Áurea Suda, tia de uma paciente em início de tratamento. Ela reclama da falta de assentos na recepção para aguardar atendimento.

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Fachada do Hospital da Mulher na Avenida Rio Branco. Foto: Daniella Ramos


Hoje, o hospital ainda atende pelo SUS. Após a PPP, funcionários públicos e privados passaram a trabalhar juntos. O número de leitos de UTI quadruplicou e essa melhoria veio junto ao aumento de cirurgias para bater metas, segundo relato de Denise. No Pérola Byington, havia apenas 5 leitos, o que quase causou a morte da paciente Edma Dias, internada para remoção de um nódulo. Ela relata ter ido mais de 3 vezes para o centro cirúrgico: "voltava, pois não conseguia realizar a cirurgia devido à falta de leito de UTI".

Denise ainda diz sentir falta de trabalhar em um hospital de referência como o Pérola Byington. Ela lamenta que o atual Hospital da Mulher ainda não tenha conquistado o destaque devido. “A notoriedade não é feita apenas com equipamentos, temos que contar com uma boa gestão da Organização”, reitera a enfermeira. 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria da Saúde, mas não tivemos retorno até a publicação da matéria.

 

 

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Entenda os danos causados por fake news sobre a alimentação
por
Laura Petroucic
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08/05/2025 - 12h

Com o acesso ilimitado à internet, atualmente é fácil encontrar informações sobre nutrição. Basta um clique para que as pessoas se informem sobre dietas e calorias pelo Instagram, TikTok ou X (antigoTwitter). Mas é preciso tomar muito cuidado com a fonte desses dados. Clickbaits como “arroz dá câncer”, “o açúcar das frutas faz mal” e “emagreça cinco quilos tomando essa sopa” parecem absurdos, porém muitas pessoas acabam tomando essas frases como verdadeiras. A nutricionista Fernanda Zanon, em entrevista à AGEMT, explica: “Informações nutricionais falsas podem levar a deficiências nutricionais, problemas hormonais e queda de imunidade”. E acrescenta: "os danos de misturar desinformação com alimentação não são apenas físicos, mas também psicológicos. A relação com a comida fica deturpada e confusa, podendo até gerar distúrbios alimentares em pessoas que buscavam melhorar sua alimentação", explica Zanon.

Um dos grandes responsáveis pela onda de desinformação nutricional são influenciadores com milhões de seguidores que, mesmo sem nenhuma formação na área, fazem postagens indicando dietas e produtos sem eficácia comprovada. Vitaminas e chás milagrosos são vendidos sem nenhum tipo de fiscalização por parte das big techs — e quem sofre o prejuízo são os consumidores.

E por que as pessoas compartilham esse tipo de desinformação na internet? Fernanda afirma que "algumas dessas pessoas acreditam porque tiveram alguma experiência pessoal que funcionou para elas — e acabam generalizando, como se aquilo fosse uma verdade universal. O que funciona para um pode ser prejudicial para outro. Outras, infelizmente, estão mais interessadas em ganhar visibilidade e engajamento, mesmo sabendo que o que divulgam não tem respaldo científico”, diz. 

Fernanda também comenta sobre o motivo de a população preferir buscar soluções online: “ainda existe uma barreira de acesso, seja por questões financeiras, falta de informação ou até pela ideia de que só se deve procurar um nutricionista quando se quer emagrecer. Isso faz com que muita gente recorra à internet em busca de respostas rápidas e fáceis — o famoso milagre!”. Em um país cuja acessibilidade à saúde ainda é segregada, a conscientização sobre o impacto negativo da desinformação é essencial para criar um ambiente mais seguro e saudável para todos, como aponta Fernanda. 

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O absorvente é item de luxo para boa parte da população. Uma em cada 4 adolescentes brasileiras não tem dinheiro para comprar
por
Beatriz Loss, Fernanda Fernandes e Giovana Yamaki
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02/06/2021 - 12h
foto pobreza menstrual
1 em cada 4 mulheres já faltou à aula por não poder comprar absorventes. Foto: reprodução. 

 

Sabe quando você se corta acidentalmente e começa a sangrar? No mesmo momento, você já pensa em alternativas para estancar o sangue. Agora, imagine não ter nenhum jeito de fazer o sangue parar e ficar sangrando por bastante tempo. Você se sentiria incomodado? Acredito que sim. Apesar desse exemplo ser banal, esse desconforto e falta de opção realmente ocorre com muitas meninas e mulheres durante o período menstrual, sendo muito mais constrangedor e difícil do que a situação anteriormente apresentada. 

A escassez de absorventes, água encanada, saneamento básico, banheiros com privacidade, sabonetes, papel higiênico, entre outros recursos essenciais representam a pobreza menstrual. A desinformação também é um ponto crucial que influencia esse problema. Com a falta de conhecimento, a população não reconhece a necessidade e a importância de comprar absorventes por pensar que é um item desnecessário para ser adicionado às despesas, além de não saberem os riscos e impactos causados pela falta de cuidados necessários durante a menstruação. O relatório "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos”, realizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) juntamente ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) deixa explícito a triste realidade de diversas meninas e mulheres. 

A pesquisa comprovou que, aproximadamente, 713 mil brasileiras vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Além de 900 mil não terem acesso à água canalizada em seus domicílios e 6,5 milhões viverem em casas sem ligação à rede de esgoto. Esse problema afeta principalmente aquelas que vivem em condições de pobreza e de extrema vulnerabilidade em contextos rurais e urbanos, como estudantes de baixa renda e presidiárias, e gera muitos impactos durante toda a vida. Além de denunciar a grande desigualdade social.

A menstruação prejudica o ensino de diversas jovens 


A escola poderia servir como um refúgio para essas meninas em situações precárias, contendo saneamento básico e produtos menstruais. Porém isso não ocorre, a maioria dos colégios não possuem nem banheiro em condições de uso. Sendo assim, a melhor alternativa que as alunas encontram é faltar nas aulas. A ONU estima que 1 em cada 10 meninas falte à escola durante a menstruação. Contudo, segundo uma pesquisa encomendada pela marca Always, a situação especificamente no Brasil é bem pior, pois uma em cada quatro mulheres já faltou à aula por não poder comprar absorventes. O estudo também comprovou que quase metade destas (48%) tentaram esconder que o motivo foi a falta de absorventes e 45% acreditam que não ir à aula por falta de itens de higiene provocou consequências negativas ao seu rendimento escolar.

Apesar das alunas esconderem o motivo da ausência e terem vergonha de contar, por a menstruação ainda ser um tabu, a diretora de escola, Edicleia Pereira Dias, foi atenta e não deixou esse problema passar despercebido. Em entrevista ao Fantástico, a educadora relata que, ao analisar as faltas e o período no qual elas ocorriam, assimilou os fatos e entendeu que muitas alunas estavam deixando de frequentar o estabelecimento de ensino durante o período menstrual. E, a partir desse entendimento, desde 2014, ela distribui absorventes todo mês para as estudantes, mudando a vida de muitas adolescentes. Mas, infelizmente, não é sempre que um diretor percebe o problema e tenta combatê-lo.

Como resultado da precariedade menstrual e das faltas escolares, meninas prejudicam o seu desempenho escolar, perdendo muito conteúdo e aprendizados. Isso gera consequências graves a longo prazo. Futuramente essas garotas perdem oportunidades de trabalho e não conseguem empregos muito qualificados, não conseguindo melhorar suas rendas e quebrar o ciclo da pobreza. A partir disso, também ocorre o aumento na desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. 

Pobreza Menstrual nos presídios

A desigualdade de gênero também é ressaltada dentro das penitenciárias, local onde o corpo masculino é tido como padrão para a entrega de kit de higiene. “Só quem sente na pele sabe. Quando falamos em questão de gênero, não queremos dizer que somos iguais aos homens. Nosso corpo é diferente, mas isso não significa que eu seja mais frágil”, afirma Nicole Campos, gerente técnica de projetos da ONG Plan International Brasil. Todos os presos, tanto homens como mulheres, recebem o mesmo pacote para cuidar de sua saúde. No entanto, o Departamento Penitenciário Nacional alega o aconselhamento por parte do órgão de que sejam distribuídos kits de cuidado pessoal com quantidade suficiente de absorvente pelas unidades prisionais. Mas não é com essa realidade que as detentas se deparam.

Quando disponibilizam, são entregues, em média, 12 absorventes por mês. Há locais que só dão 8, o que é extremamente precário, principalmente para aquelas que têm um fluxo intenso e mais duradouro. Em razão dessa insuficiência, as mulheres recorrem a maneiras inseguras para conter a menstruação. Maria Teresa dos Santos, presidente da Associação de Familiares e Amigos de Pessoas Privadas de Liberdade, declarou ao jornal Estado de Minas que as presas reclamavam de fome, mas, quando um grupo foi visitar o Presídio São Joaquim de Bicas, observou-se que havia miolos de pão na cama e eram usados para substituir o absorvente, pois o que recebiam não era suficiente. Além disso, muitas chegam a utilizar jornal, pedaços de roupa, papel e até resto de plástico. O grande problema consiste nos riscos à saúde. Essas formas de conter o fluxo podem provocar infecções e até mesmo candidíase e cistite

Em outras situações, quando não pecam pela falta, deslizam na má condição do produto. Na Penitenciária Feminina de Piraquara, as detentas já acusaram de receber absorventes vencidos há anos, com um cheiro muito forte e uma fina espessura, sem conseguir reter o sangramento por completo. Helen, auxiliar de cozinha, até o ano passado, pelo menos, visitava uma amiga na cadeia e relatou ao Jornal Plural, de Curitiba, um problema ginecológico pelo qual sua colega enfrentou e que outras mulheres também devem sofrer. “[A hemorragia] começou na segunda, fui visitá-la no domingo e ainda não tinha parado. Eu falei para ela ir ao médico, mas ela disse que já tinha tentado. Quando demora o atendimento, elas batem na ‘bocuda’. Ela fez isso. E em vez de ser tirada para o atendimento, foi mandada para o castigo”, comentou.

Há também escassez de papel higiênico. São concedidos dois rolos a cada 30/45 dias. Esquecem-se de que as mulheres usam mais pelo fator menstrual e pela anatomia. Por conta desses déficits, ficam na dependência dos “jumbos”, itens que suas visitas podem lhe fornecer. Contudo, muitas são abandonadas pela família e ficam sem essa possibilidade de receber mais absorvente. E, com a pandemia, isso se agravou. O envio das mercadorias precisou ser via Sedex, mas, por ter que pagar taxa, deixaram de entregar – já que as pessoas, em sua maioria, têm baixa renda.

Como uma forma de buscar auxiliar as presas, começaram a surgir muitas organizações comunitárias para arrecadar e doar itens de higiene a elas, como o coletivo Nós Mulheres, de São Paulo; coletivo Narcisa Amália, do curso de Jornalismo da PUC-SP; Flores no Cárcere, de Minas Gerais e o projeto Absorvidas, do Rio de Janeiro.

Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres - tratadas como homens - nas prisões brasileiras, de Nana Queiroz

Neste livro, há relatos de sete mulheres com quem a jornalista conviveu por um tempo, entre outras que teve apenas um breve encontro, algo passageiro. As entrevistadas eram de diferentes localidades, pelo menos uma de cada região do Brasil. A narrativa contém explicações sobre o sistema penitenciário feminino, descrições de agressões que as presas sofrem, histórias de vida e como são as condições gerais do cárcere - marcados pela insalubridade das celas, alimentos em mau estado e falta de recebimento dos itens essenciais de saúde, como absorvente e papel higiênico. Sem contar que retrata como as mulheres são vistas como homens. Em um dos casos, elas tinham um espelho que deformava o rosto e vestidas por uniformes masculinos que as despersonalizavam. Narramos trechos da obra que representam a pobreza menstrual nos presídios. Ouça aqui!
 

Entrevista Absorvidas RJ

Confira aqui a entrevista que foi realizada com o projeto Absorvidas, uma organização que luta contra a pobreza menstrual nos presídios.

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Categoria é uma das mais afetadas pela pandemia, com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas no limite da fadiga física e emocional
por
Beatriz Alvisi Cripa
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01/06/2021 - 12h

A pandemia provocou uma crise econômica e social sem precedentes. Para tentar conter a disseminação do vírus no país, as autoridades brasileiras buscaram estabelecer algumas medidas restritivas desde o início de 2020.  Porém, alguns setores não pararam, como a área de saúde.

Ao mesmo tempo em que o Brasil vive o agravamento da situação pandêmica, com o novo avanço do número de mortes, segue em alta a discussão sobre o conflito entre medidas para salvar vidas ou a economia.

Dados de 26 estados mostram que o gasto conjunto com saúde somou no ano passado R$ 164,8 bilhões. Este valor decorre de um aumento superior ao dobro da taxa de crescimento das receitas.

Há mais de um ano atuando na linha de frente contra a Covid-19, o impacto na vida dos trabalhadores deste setor é generalizado. De acordo com a Fiocruz, 95% dos profissionais de saúde tiveram suas vidas afetadas de uma forma significativa pela pandemia.

Os dados obtidos pela pesquisa feita em março de 2021, que ouviu mais de 25 mil participantes,  mostram um quadro estarrecedor onde a exaustão, a insegurança, o sofrimento e o medo são rotinas.  

Além disso, 50% desses profissionais apresentaram aumento na carga horária de trabalho. Vale ressaltar que 45% desses profissionais necessitam de dois empregos para sobreviver.

Um dos aspectos relevantes para a gestão das atividades em saúde é  planejar ações com antecedência, algo que não é possível em um cenário pandêmico onde o inesperado e imprevisível fazem parte das rotina diária.

Em épocas de surto, as unidades  de saúde podem ser caracterizadas como locais conturbados e caóticos, pressionados por uma demanda bem superior à usual. .

No que se refere aos trabalhadores do setor, manter a competência técnica e científica exige muito controle emocional, considerando que o atendimento apresenta riscos, responsabilidades e sofrimentos. A combinação destes fatores pode ocasionar o adoecimento profissional, e assim impactar o processo de trabalho, e, consequentemente, ameaçar a qualidade e segurança dos serviços.

O fisioterapeuta da Santa Casa de São Paulo Lucas Del Sarto foi um dos afetados pela alta demanda de profissionais de saúde em razão da Covid-19. Ele relata que sua carga horária aumentou radicalmente, passando a 60 horas semanais. Para ele, mais de um ano depois do início da pandemia, é inviável continuar com o mesmo ritmo  de trabalho.

Lucas conta que no começo pensava que seria igual à crise da H1N1 (gripe causada pelo vírus influenza que atingiu mais de 200 países entre 2009 e 2010,na primeira pandemia do século 21). Com o  tempo, porém, ele foi percebendo que o problema era mais sério. “Eu não fiquei com medo quando os números começaram a aumentar, eu fiquei com pavor”, diz.

Um dos maiores problemas de gestão de crise sanitária e econômica, segundo o fisioterapeuta, é o tempo que as pessoas permanecem internadas. “Os doentes chegam muito rápido, mas demoram para sair”, relata Lucas ao ser questionado sobre a superlotação dos hospitais. “Hoje tem mais de 400 pacientes esperando uma vaga na UTI.”

Segundo o governo de São Paulo, de janeiro a março deste ano, os pacientes com coronavírus ficaram, em média, 19 dias internados na UTI em São Paulo. A média aumentou em comparação com os dados de 2020, que mostravam de 14 a 15 dias.

Lucas, no entanto, relata que o maior problema que  tem enfrentado é o isolamento afetivo. Durante a pandemia, ele perdeu o pai, seu grande companheiro. “Eu me sinto em um labirinto cheio de medo, impotência e irritabilidade.” Porém Del Sarto fez questão de frisar a sua esperança em um futuro melhor: “Está difícil, mas a vacina está chegando”.

Esta realidade não é apenas de Lucas, mas de milhares de profissionais que se viram pressionados ao extremo e afastados de seus entes queridos durante a pandemia. Ainda de acordo com o estudo da Fiocruz, durante a pandemia, as alterações mais citadas pelos profissionais foram perturbação do sono (15,8%), irritabilidade/choro frequente/distúrbios em geral (13,6%), incapacidade de relaxar/estresse (11,7%), dificuldade de concentração ou pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira ou na vida/tristeza/apatia (9,1%), sensação negativa do futuro/pensamento negativo/ suicida (8,3%) e alteração no apetite/alteração do peso (8,1%). 

Pesquisa apresentada pelo Journal of Management & Health of Care, a pandemia forçou a modificação de hábitos de vida em trabalhadores da área da saúde, principalmente em fisioterapeutas e enfermeiros, considerados profissionais da linha de frente. O maior impacto observado foi o sedentarismo, que pode levar ao desenvolvimento de doenças e afetar o trabalho. 
 

O fato é que a pandemia expôs a essencialidade dos cuidados em saúde para todos os seres humanos. Contraditoriamente, revelou o quanto estes profissionais ainda não são considerados e respeitados nesse processo.

 

 

 

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Intensificados na pandemia, transtornos psicológicos levam empresas a oferecer sessões de terapia, ioga e palestras sobre luto
por
Niara Viana de Brito
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31/05/2021 - 12h

Já se passou mais de um ano desde a chegada da pandemia do novo coronavírus ao Brasil. A partir disso, muita coisa mudou, como a adaptação de boa parte dos trabalhadores ao regime de trabalho remoto. Com isso, a carga horária dos funcionários também foi afetada e pesou bastante para a rotina daqueles que ainda tinham que cuidar da casa ou estender seu período de serviço até altas horas.

Cuidar da saúde mental tem sido tão importante quanto cuidar da saúde física / Imagem: Freepik
Cuidar da saúde mental tem sido tão importante quanto cuidar da saúde física / Imagem: Freepik

Um exemplo disso está na pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Docente, da Universidade Federal de Minas Gerais (Gestrado/UFMG). O relatório “Trabalho Docente em tempos de Pandemia” mostrou que 82% dos mais de 15 mil professores da educação básica entrevistados tiveram um aumento significativo das horas de trabalho em comparação com o tempo de preparação das aulas presenciais.

A professora de artes Cristina Souza, que atua na rede pública, afirma que seu horário de serviço foi modificado. “No início eu começava às 7h e ia até as 22h, eram 14 horas trabalhando por dia. Atualmente já consigo fazer apenas oito horas, mas a demanda continua muito exaustiva para quem não tinha tanto trabalho diário e precisa estar disposto a responder aos alunos até em momentos de lazer, como em um sábado”, conta Cristina.

Terapia e psicólogos são disponibilizados

Com isso, os trabalhadores vêm tendo dificuldades para a concentração e descanso durante a pandemia. Na verdade, com todo o caos que o país enfrenta, números de óbitos alarmantes, medo do coronavírus, aumento de produtos para consumo básico e carga horária acima do exigido comumente, algumas empresas precisaram planejar novos benefícios para seus funcionários.

Pensando nessa possibilidade, startups, como a Resultados Digitais, enxergaram a necessidade de oferecer sessões de terapia e psicoterapia no pacote de benefícios dos funcionários. A medida alivia a exaustão das jornadas de trabalho e ajuda na organização mental dos empregados.

A supervisora de RH da empresa, Lillian Steves, comenta que esse foi um processo lento para ser implementado dentro dos critérios em seu serviço. “Tivemos que ir aprendendo a adaptar os funcionários nas atuais condições da crise sanitária. Por isso, a partir desse semestre, temos dez sessões de terapia online a cada seis meses para poder descarregar um pouco da nossa carga emocional e mental, também ajudando no desempenho da companhia”, explica a profissional.

Outras formas de compensar o trabalho árduo são as reuniões no final do expediente, os chamados happy hour, que estão sendo feitos de maneira virtual. “Sempre que possível, toda sexta-feira, eu e minha equipe tentamos fazer uma reunião online para curtir um pouco esse momento livre, compartilhando nossos laços. Também temos um cupom para gastar em um aplicativo de delivery e comprarmos algum lanche dentro de casa. Parece mesmo que estamos dentro de um bar ou algo assim, acho que alivia bastante após um dia cansativo”, conclui Lillian.

ovas formas de adaptação para a saúde psicológica devem ser implementadas nas empresas / Imagem: Freepik
Novas formas de adaptação para a saúde psicológica devem ser implementadas nas empresas / Imagem: Freepik

Além disso, ações para saúde mental dentro do universo corporativo também estão aparecendo cada vez mais nesse período, o que possibilita outras alternativas para manter o equilibro emocional em grupo. O arquiteto de soluções e desenvolvedor operacional de nuvem Felipe Viana explica isso melhor: “Na minha empresa, fora a oportunidade de realizar 20 sessões particulares de terapia ao longo do ano, também temos palestras envolvendo aulas de ioga, como lidar com o luto, como manter a saúde mental, como dormir melhor e outros assuntos que possam ajudar o psicológico”.

Apesar disso, ainda fica um pouco inviável estar presente nessas conversas abertas e manter o desempenho no trabalho, considerando os horários e afazeres do serviço. “Essas palestras são disponibilizadas somente nas quartas-feiras à tarde, e eu não consigo ver por estar trabalhando ou até mesmo em uma reunião com algum cliente durante a hora, então para mim não ajudam em nada. Portanto, o que mais me alivia após o expediente são os happy hour online”, finaliza Felipe.

Ainda faltam melhorias em várias empresas

Não obstante, não são todas as empresas que investiram na saúde mental dos funcionários nesse período de crise. De acordo com uma pesquisa realizada pela Vittude, 47% das empresas não buscaram nenhuma iniciativa para melhorar a saúde psicológica dos funcionários desde o início da pandemia. Entre os entrevistados, 33% afirmaram que houve sobrecarga e acúmulo de funções no trabalho e 24% tiveram dificuldades de manter a rotina de casa funcionando.

Entre as possíveis melhorias do ambiente de trabalho e cuidados com a saúde mental daqueles que movem uma empresa, muita coisa precisa ser aperfeiçoada para que o meio social desses empregados possa dar apoio às suas angústias dentro ou fora de uma crise sanitária. Aliás, entrar em contato com seu controle emocional e os estresses mentais é um meio de proporcionar uma profunda jornada para o autoconhecimento e fortalecer outros aspectos pessoais.

 

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Após mais de um ano de caos na saúde, a Dra Jaci Ribeiro, médica da rede pública do litoral paulista nos conta sobre a rotina dos profissionais de saúde nesse período
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Eduardo Moura
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31/05/2021 - 12h
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Mudanças geradas pela pandemia COVID-19 resultaram em danos irreversíveis para a vida marinha
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Bruna Parillo
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26/05/2021 - 12h

Desde o decreto de isolamento social por conta da atual pandemia do coronavírus, resultados notórios foram gerados. Diminuição da poluição atmosférica em grandes cidades, águas mais limpas, passagem incomum de animais silvestres em centros urbanos, praias vazias com tartarugas desovando em massa são alguns dos fenômenos observados. A redução do movimento urbano, da circulação humana e suas consequências são alvos de atenção para muitos estudiosos, pois embora a mudança de cenário tenha trazido muitos efeitos positivos, tais são vistos como pontuais e temporários, ao passo que os efeitos negativos consequentes do isolamento são preocupantes a longo prazo.  

Em dados recentes divulgados pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a média de consumo de plástico aumentou mais de 25% durante a pandemia. O número tem contribuição significativa dos serviços de delivery, que viram os valores gastos com pedidos crescerem 95% entre janeiro e maio de 2020, em comparação com 2019.

Com o avanço da pandemia, o plástico se tornou o maior aliado na proteção contra a COVID-19. O aumento no uso de luvas, máscaras, proteções faciais e barreiras usadas em estabelecimentos, afetaram os esforços de campanhas para redução no uso do material. O problema que já era presente antes, agora se intensificou, agravando a poluição marinha. 

A bióloga e oceanógrafa Cinthia Masumoto, atual fiscal do Ibama, afirma: “Na pandemia, tivemos redução do trânsito marítimo e redução do turismo. Isso seria muito positivo para a vida marinha: uma pausa no branqueamento dos corais, atropelamento de baleias, e vazamentos de combustível. Por outro lado, tem esta situação do aumento da produção de lixo. Ou seja, o mar sofre impactos cronicamente. Mas como não temos isso quantificado, fica difícil identificar o verdadeiro vilão.” 

A experiência globalizada do isolamento social ilustra que a cultura de produção e consumo têm impactos sobre meio ambiente e a fauna. Mesmo os efeitos positivos da pandemia podem ser apenas um alento temporário, mas não a solução para os problemas que a civilização humana causa na natureza, como superexploração, poluição ambiental e extinção em massa de espécies. 

O Fórum Econômico Mundial apresentou um dado preocupante em estudo sobre a produção desenfreada de plástico: a projeção é de que a quantidade de lixo despejada nos oceanos, em 2050, será superior ao número de peixes. Além do crescimento na produção de lixo doméstico e hospitalar, o material de pesca deixado no mar corresponde a quase 85% de lixo plástico. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), cerca de 8 milhões de toneladas de plástico são descartados de forma irregular nos oceanos. Mais de 80% do plástico do oceano vem da terra. A quantidade desse material chega a exceder o número de algas marinhas presentes no oceano. 

 

A indústria da pesca 

Localizada entre a costa da Califórnia e o Havaí, a grande mancha de lixo do Pacífico é resultante do acúmulo de detritos, principalmente derivados de plásticos. O tamanho estimado é de 80 mil toneladas de lixo flutuando em uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados. Os detritos encontrados têm origem em diferentes países, isso se dá por causa das correntes marítimas que favorecem a acumulação de lixo nessa região do planeta. 

Embora raramente discutidos, apenas 0,03% dos resíduos de poluição de plástico são provenientes dos canudos. Então por que não se questiona qual é realmente o grande vilão dos oceanos? Com uma quantidade significativa para degradação da vida marinha, as redes e equipamentos de pescas são responsáveis por 46% do material encontrados na grande mancha de lixo do Pacífico, o que acaba sendo muito mais perigoso do que os nossos canudos, por que ao contrário deles, esses foram projetados para matar. 

Acerca da pesca sustentável, Cinthia explica o porquê de não existir: “É teórica porque a pesca é extrativista, só retiramos e não repomos, então, dependemos do esforço da própria natureza em se recompor, mesmo com pressão de pesca em cima. A maioria das vezes a natureza não aguentou, em consequência tivemos vários estoques de pescados dizimados pelo homem.” 

O Japão possui a maior indústria pesqueira do mundo, que fatura 42 bilhões de dólares e captura em torno de 15,2 milhões de toneladas de peixes por ano. O porto de pesca de Kii-Katsuura, é o maior porto de comércio de atum-rabilho, e a Mitsubishi, responsável por controlar 40% do peixe em extinção.  

A sobrepesca, a perda de habitat e a poluição estão levando a maioria das populações das espécies marinhas a entrar em declínio, à beira da extinção. Porém, existe outro fator colaborando: a captura indiscriminada decorrente da pesca de arrasto. Uma grande e pesada rede é arrastada pelo fundo do oceano para recolher tudo o que estiver em seu caminho. 

Estima-se que 40% de toda vida marinha capturada é jogada de volta ao mar, classificada como captura "acidental". Ainda que as tartarugas marinhas não sejam alvos da pesca comercial, seis em cada sete espécies estão ameaçadas de extinção. No entanto, os leitos oceânicos mais profundos também estão sendo afetados pela pesca de arrasto, que não só extermina animais marinhos, como também destrói ecossistemas frágeis, o que colabora para a desertificação dos oceanos e alterações significativas no ciclo do carbono. 

 

Coronavírus e degradação ambiental 

A transmissão do coronavírus está relacionada à degradação ambiental. Com o meio ambiente degradado em terra, na costa ou nos oceanos, o ecossistema perde um serviço conhecido como regulação de doenças e isso facilita o processo de transmissão para a espécie humana. Então, quanto mais se agride o ambiente, incluindo o mar, mais sujeitos estamos às pandemias. 

A indústria da pesca em lugares como a África ocidental é impulsionada por subsídios da União Europeia, ou seja, empresas e pescadores locais não conseguem competir com o poder econômico — uma continuação de uma história de exploração no continente africano — e por consequência, sofrem com a insegurança alimentar. 

A diminuição da captura de peixes pela população local, provocada pela sobrepesca em embarcações internacionais chinesas e europeias, subsidiadas pelo governo, gerou fome na sociedade fragilizada. Em busca de uma fonte alternativa de proteínas, foi crescente o aumento da caça e o consumo de carne de animais selvagens em várias comunidades pesqueiras ao longo da costa oeste, portanto, o roubo de populações marinhas foi considerado agravante e até mesmo responsável pelo surto de ebola na África ocidental. 

 

As consequências da poluição e o futuro dos oceanos 

A poluição está alterando cada vez mais o PH dos oceanos. Esta mudança de acidez afeta diretamente a reprodução, fisiologia e distribuição geográfica de populações e até mesmo espécies de organismos marinhos, além de prejudicar a calcificação de indivíduos como crustáceos, plânctons, moluscos e corais. O desaparecimento ou redução destes seres, que fazem parte da base da cadeia alimentar de muitos peixes e baleias, pode acarretar problemas na biodiversidade e extinção de espécies.  

A consequência causada pela acidificação dos oceanos é o desaparecimento dos recifes coralinos, que funcionam como barreiras naturais, e a falta deles pode diminuir a proteção dos litorais contra eventos extremos como tempestades, inundações e perda da biodiversidade. 

Outro problema do descarte irregular é a produção de microplásticos. Esses pequenos fragmentos, que medem cerca de 5 milímetros de diâmetro, não são visíveis, mas são uma grande ameaça. A liberação desse material se torna um problema emergente, que pode gerar impactos na saúde humana e no ecossistema — principalmente marinho —. Em pesquisa realizada pela World Wide Fund For Nature (WWF), a quantidade de microplásticos ingeridos por semana pelos seres humanos equivale ao tamanho de um cartão de crédito. Esses plásticos não biodegradáveis podem ser ingeridos pela água potável, pelo ar, e pela ingestão de alimentos.  

Os animais marinhos, por sua vez, correm o risco de confundir estes materiais com comida e acabam se intoxicando ou até morrendo. Além disso, estão sujeitos a amputações, deformidades e até falecimento por ficarem presos aos objetos ou redes fantasmas. 

Os oceanos cobrem aproximadamente 70% de toda a superfície terrestre, e os ecossistemas marinhos são regiões que sofrem a influência da água do mar. Por serem maiores e mais antigos do que os ecossistemas terrestres, possuem quase que o dobro de filos animais, sendo um local de grande biodiversidade. A sobrevivência humana na Terra está diretamente ligada às condições dos oceanos, pois além de produzirem a metade do oxigênio disponível, eles ainda regulam as condições climáticas, absorvem gás carbônico e fornecem alimentos a milhões de pessoas. 

O plástico segue sendo um problema, e as empresas continuam sem oferecer embalagens alternativas, ou com materiais alternativos aos consumidores. Muito se fala a respeito de um novo “normal” pós-pandemia. Alguns cientistas acreditam que as mudanças socioambientais observadas até então podem ser duradouras, já outros afirmam ser temporário. Os benefícios do isolamento social ao meio ambiente são apenas pontuais e temporários. Para serem observados a longo prazo, é necessário mudanças nos padrões de consumo e conscientização da população.  

Ao ser questionada se repensar e planejar nossos hábitos de consumo causaria alguma mudança diante do cenário atual, a fiscal do Ibama declara: “Sempre! Lembrando que os efeitos negativos que o mar sofre são eventos de larga escala no tempo. Ou seja, nossas ações individuais, pequeninas neste mundo, não são percebidas em curto prazo, por isso sempre falamos em “Sustentabilidade de gerações futuras.” 

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