Em sua quarta edição, ação reforça a importância da informação e do apoio às famílias
por
João Pedro Lindolfo
Lucca Andreoli
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04/06/2025 - 12h

 

Fotografia: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Fotografia: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos

A caminhada de conscientização sobre a síndrome Cri Du Chat - ou Síndrome do Choro do Gato, uma alteração genética rara que afeta o desenvolvimento físico e intelectual - aconteceu no sábado (17), no Parque Villa Lobos, em São Paulo.

A doença, presente em uma a cada 50 mil pessoas, ocorre quando uma parte do cromossomo cinco é perdida, o que causa características como a face arredondada, olhos separados, mandíbula pequena, orelhas baixas e um choro agudo parecido com um miado de gato, de onde vem o apelido.

O diagnóstico é realizado através da genética clínica, com testes que avaliam os cromossomos, e o teste de FISH ou CGH-array, que detectam a deleção do cromossomo cinco.

A síndrome impacta diretamente a rotina das famílias, exigindo acompanhamento contínuo com diferentes especialistas. Por isso, a disseminação de informações confiáveis e o estímulo ao diagnóstico precoce são fundamentais para promover mais qualidade de vida às crianças e a quem cuida delas.

A importância do diagnóstico precoce vai além do aspecto clínico: ele abre caminhos para que as famílias se organizem emocionalmente e encontrem apoio em redes especializadas, fortalecendo a jornada de cuidado e inclusão. O conhecimento da síndrome, associado à troca de experiências entre famílias, é um passo decisivo para transformar desafios em conquistas diárias.

Em 2022 foi lançado o primeiro livro a respeito da síndrome no Brasil, intitulado de "Síndrome de Cri du Chat: mais amor, realidade e esperança” (EFeditores e Literare Books International, 264 págs., R$ 72), além de ser o ano da primeira edição da caminhada dedicada a pessoas que convivem com a síndrome.

A publicação veio a partir da vivência de famílias e do engajamento de profissionais que acompanham de perto os desafios do diagnóstico e do tratamento. O livro se tornou referência para quem busca compreender não só os aspectos clínicos da condição, mas também as realidades sociais, emocionais e educacionais enfrentadas por quem convive com ela.

Com entrevistas de profissionais médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos, a obra de Sandra Doria Xavier, Fernando da Silva Xavier e Monica Levy Andersen traz também uma perspectiva que auxilia familiares e profissionais que trabalham com portadores da síndrome.

Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança  Instagram: @criduchatbrasil
Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança 
Instagram: @criduchatbrasil

A publicação do livro e a realização da caminhada refletem o compromisso com a visibilidade da condição. Ao longo dos últimos anos, a entidade tem promovido ações que unem acolhimento, informação e mobilização social, contribuindo para a construção de uma rede de apoio mais sólida e atuante.

Em meio a esse esforço coletivo, o aspecto emocional e comunitário da Caminhada se destaca. “Encontrar outras famílias na Caminhada Cri Du Chat é encontrar a sua tribo”, define Juliane Gehm, mãe do Martin. “É um momento onde todos podem ser livres para ser quem são!”

Agora em sua quarta edição, a “Caminhada Cri Du Chat 2025” apresentou uma programação com atividades inclusivas, como áreas sensoriais (massinha, slime, bolha de sabão), desenhos e pinturas, pinturas faciais e tatuagens de adesivo, além de recreação com palhaços e personagens infantis.

Através do ato de conscientização, familiares, profissionais e portadores trouxeram luz ao tema. 

Segundo a neuropsicóloga Bianca Balbueno, a estimulação precoce é a chave: “Nos primeiros anos de vida, o cérebro da criança está num pico de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de aprendizagem é mais potente neste período, sendo assim, a estimulação precoce aproveita essa fase para promover o desenvolvimento de áreas centrais, como motor, cognitivo e social.” 

“Intervenção precoce promove o desenvolvimento redirecionando e fortalecendo trilhas de aprendizagem que podem estar em risco, especialmente em casos de alterações do neurodesenvolvimento”, ela acrescenta. 

Essa também foi a percepção de Lilian Lima, engenheira de software e mãe do Heitor Monteiro Lima, de 7 anos. O diagnóstico veio aos 19 dias de vida e aos 30 dias ele já iniciou a fisioterapia. “Com 2 anos e 9 meses ele andou. Hoje ele corre, chuta bola, arremessa para a cesta, ensaia quicar e treina saques de vôlei”, conta Lilian. Ela lembra que, no início, havia muitos medos — do desconhecido, do futuro e de como seria criar um filho com um prognóstico tão incerto. Mas reforça que o acesso a terapias e os estímulos desde cedo fizeram toda a diferença. “A fisioterapia foi essencial nos primeiros anos de vida, e os estímulos fizeram toda a diferença.”

Ainda sobre o plano de tratamento, Bianca afirma que deve ser individualizado “pois cada criança terá uma necessidade diferente, mesmo tendo o mesmo diagnóstico. Leva-se em consideração não apenas características da síndrome, mas áreas gerais de desenvolvimento, comportamentos desafiadores, excessos e déficits comportamentais, bem como a rede de apoio da família e o suporte fornecido pela escola”.

Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada. Fotografia: Wellington Freitas Reprodução/Instagram: @35elementos
Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada.
Fotografia: Wellington Freitas
Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação Imagem: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação
Imagem: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos

 

Após dois anos da concessão pública, Pérola Byington tem conflitos na administração da Organização Social Seconci
por
Daniella Ramos
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15/05/2025 - 12h

O Centro de Referência em Saúde da Mulher, do estado de São Paulo, trocou a humanização no atendimento pelo cumprimento de metas a serem batidas. Isso é o que garantem os funcionários que acompanharam a mudança vivida pelo hospital nos últimos três anos.

Em setembro de 2022, o Hospital Pérola Byington mudou de nome e local. Foi da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na região central, para a Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, região conhecida como Cracolândia. E passou a se chamar “Hospital da Mulher”.

Após concessão do Estado para a Seconci, o local passou a ser uma Parceria Público-Privada (PPP). A enfermeira Denise Souza, funcionária pública que continua no hospital após a privatização, relata que no Pérola havia um comprometimento com um atendimento mais humanizado aos paciente, mas a atual organização social se preocupa mais com as metas que devem ser batidas pelos funcionários.

“Na primeira vez, achei tudo muito bonito e limpo, apesar das pessoas em situação de rua ao redor do hospital”, afirma Áurea Suda, tia de uma paciente em início de tratamento. Ela reclama da falta de assentos na recepção para aguardar atendimento.

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Fachada do Hospital da Mulher na Avenida Rio Branco. Foto: Daniella Ramos


Hoje, o hospital ainda atende pelo SUS. Após a PPP, funcionários públicos e privados passaram a trabalhar juntos. O número de leitos de UTI quadruplicou e essa melhoria veio junto ao aumento de cirurgias para bater metas, segundo relato de Denise. No Pérola Byington, havia apenas 5 leitos, o que quase causou a morte da paciente Edma Dias, internada para remoção de um nódulo. Ela relata ter ido mais de 3 vezes para o centro cirúrgico: "voltava, pois não conseguia realizar a cirurgia devido à falta de leito de UTI".

Denise ainda diz sentir falta de trabalhar em um hospital de referência como o Pérola Byington. Ela lamenta que o atual Hospital da Mulher ainda não tenha conquistado o destaque devido. “A notoriedade não é feita apenas com equipamentos, temos que contar com uma boa gestão da Organização”, reitera a enfermeira. 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria da Saúde, mas não tivemos retorno até a publicação da matéria.

 

 

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Entenda os danos causados por fake news sobre a alimentação
por
Laura Petroucic
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08/05/2025 - 12h

Com o acesso ilimitado à internet, atualmente é fácil encontrar informações sobre nutrição. Basta um clique para que as pessoas se informem sobre dietas e calorias pelo Instagram, TikTok ou X (antigoTwitter). Mas é preciso tomar muito cuidado com a fonte desses dados. Clickbaits como “arroz dá câncer”, “o açúcar das frutas faz mal” e “emagreça cinco quilos tomando essa sopa” parecem absurdos, porém muitas pessoas acabam tomando essas frases como verdadeiras. A nutricionista Fernanda Zanon, em entrevista à AGEMT, explica: “Informações nutricionais falsas podem levar a deficiências nutricionais, problemas hormonais e queda de imunidade”. E acrescenta: "os danos de misturar desinformação com alimentação não são apenas físicos, mas também psicológicos. A relação com a comida fica deturpada e confusa, podendo até gerar distúrbios alimentares em pessoas que buscavam melhorar sua alimentação", explica Zanon.

Um dos grandes responsáveis pela onda de desinformação nutricional são influenciadores com milhões de seguidores que, mesmo sem nenhuma formação na área, fazem postagens indicando dietas e produtos sem eficácia comprovada. Vitaminas e chás milagrosos são vendidos sem nenhum tipo de fiscalização por parte das big techs — e quem sofre o prejuízo são os consumidores.

E por que as pessoas compartilham esse tipo de desinformação na internet? Fernanda afirma que "algumas dessas pessoas acreditam porque tiveram alguma experiência pessoal que funcionou para elas — e acabam generalizando, como se aquilo fosse uma verdade universal. O que funciona para um pode ser prejudicial para outro. Outras, infelizmente, estão mais interessadas em ganhar visibilidade e engajamento, mesmo sabendo que o que divulgam não tem respaldo científico”, diz. 

Fernanda também comenta sobre o motivo de a população preferir buscar soluções online: “ainda existe uma barreira de acesso, seja por questões financeiras, falta de informação ou até pela ideia de que só se deve procurar um nutricionista quando se quer emagrecer. Isso faz com que muita gente recorra à internet em busca de respostas rápidas e fáceis — o famoso milagre!”. Em um país cuja acessibilidade à saúde ainda é segregada, a conscientização sobre o impacto negativo da desinformação é essencial para criar um ambiente mais seguro e saudável para todos, como aponta Fernanda. 

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Políticas públicas devem assegurar o direto à saúde de quem sofrem com essa condição, ainda pouco estudada
por
Khadijah Calil
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28/04/2025 - 12h

A regulamentação da Lei 32/2025, sancionada em 27 de março em Portugal, representa o reconhecimento dos direitos das pessoas com endometriose. A nova legislação estabelece que quem tiver o diagnóstico da doença têm direito a até três dias de faltas mensais justificadas no trabalho ou na escola, sem prejuízo da remuneração e de outros direitos trabalhistas ou estudantis. Segundo o Diário da República, a norma entra em vigor a partir de abril deste ano e requer a apresentação de um laudo médico mensal para ter sua ausência abonada.  

O contexto social em que essa regulamentação surge é o de enfrentamento a preconceitos relacionados à menstruação e à saúde reprodutiva das pessoas com útero. De acordo com o portal SciElo em um estudo sobre os efeitos da masculinidade tóxica, o machismo estrutural, entendido como um fenômeno social que se manifesta por meio de normas, práticas e instituições, gera estigmas de fragilidade ou incapacidade sobre quem enfrenta esses sintomas. Servindo de exemplo para outros países, a nova medida portuguesa rompe com a lógica de que essas pessoas devem se adaptar ao ambiente de trabalho sem levar em consideração suas condições de saúde.  

A advogada brasileira e especialista trabalhista Ingrid Raunaimer, explica algumas das medidas descritas na nova lei estrangeira: respeitar os afastamentos devidamente justificados por motivos de saúde, incluindo aqueles relacionados ao ciclo menstrual, sem retaliações ou descontos indevidos; garantir o sigilo e respeito à intimidade, evitando constrangimentos; criar políticas internas de acolhimento e orientação para promover um ambiente livre de preconceitos; e adotar uma abordagem inclusiva, considerando medidas como flexibilidade de horários, possibilidade de trabalho remoto ou reposição de aulas/atividades, sempre que possível. 

“Essa regulamentação é, portanto, não apenas um instrumento jurídico, mas também um marco simbólico e político, pois reconhece que dores menstruais incapacitantes não devem ser normalizadas e nem ignoradas em nenhum lugar do mundo”, explica Ingrid. 

Cenário Brasileiro  

O ginecologista Thiago Pareja, membro da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, explica que a endometriose afeta cerca de 10% das pessoas que menstruam e estão em idade reprodutiva no Brasil, o que representa aproximadamente 8 milhões de pacientes. A doença, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora do útero, pode causar dor intensa, infertilidade e outros sintomas debilitantes, comprometendo significativamente a qualidade de vida de quem recebe o diagnóstico. 

Kizzy Novicov Silva, ex-agente de turismo e paciente com endometriose, compartilha sua experiência com o SUS e o INSS. Após três processos de afastamento, Kizzy recorreu à ajuda de um advogado para provar sua incapacidade de trabalhar devido à doença. “É desumano ter que provar sua dor para quem nunca a sentiu”, afirmou a paciente, que passou por sete cirurgias sem conseguir alívio para a dor crônica da endometriose. 

Ela também conta que sua rotina e sua saúde era um quebra-cabeça de tratamentos, frustrações e burocracias. As consequências foram além do físico: perdeu empregos por faltas constantes, se afastou da faculdade e viu momentos de lazer serem interrompidos por crises abruptas.  

Ingrid Raunaimer acredita que o Brasil precisa integrar mais os direitos trabalhistas com a política pública de saúde para que casos como os de Kizzy não sejam normalizados. A criação de campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde são necessárias para garantir que os direitos previstos em lei cheguem de fato a quem precisa. 

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.069/2023, que propõe incluir a endometriose como manifestação incapacitante no rol de doenças que dispensam o período de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Contudo, a concessão desses benefícios ainda dependerá da comprovação médica da incapacidade laboral, conforme os critérios estabelecidos pela Previdência Social. 

Visto que uma das maiores problemáticas desse quadro ginecológico é o diagnostico tardio, as políticas públicas ainda são insuficientes e imaturas.  Segundo a CNN, a média no Brasil é de 8 a 10 anos até a descoberta da doença, o que não só intensifica os sintomas, mas também a progressão da doença. 

Além de ser uma questão de saúde, a endometriose também é uma questão de direitos humanos. A Constituição prevê o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero a todas as pessoas, sem distinção, conforme os artigos 1º, inciso III e 5º, no inciso I, respectivamente. O Brasil precisa assegurar que quem sofre com a endometriose não enfrente preconceitos ou penalizações por sua condição médica, implementando políticas públicas que permitam o acesso adequado à saúde e o cumprimento de seus direitos trabalhistas. 

 

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A profissão de professor é uma das mais afetadas por transtornos mentais. Entenda o que tem impactado a vida dessas pessoas
por
Guilbert Inácio
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19/05/2025 - 12h

Segundo pesquisa Atuação Docente em Múltiplas Escolas no Brasil, divulgada em 2024 pela Fundação Carlos Chagas (FCC), aproximadamente 460 mil professores e professoras da educação básica trabalham em mais de uma escola no país. Os dados acendem um alerta para o cuidado da saúde mental dessas pessoas.

Ao fundo há um quadro com ilustrações de gráficos. No centro da imagem, há uma mulher de óculos segurando papeis com a mão esquerda e com a mão direita no queixo, demonstrando cansaço. Ela está com ambos os cotovelos encostados em uma mesa, que tem um xícara e um notebook em cima.
Falta de tempo é algo recorrente no magistério / Fonte: Freepik

De acordo com o estudo, que usou dados do Censo Escolar 2023, docentes que atuam em jornadas extensas têm maiores chances de se ausentarem do trabalho por causa da saúde, em especial por questões psicológicas e relativas à voz, além de não conseguirem administrar o tempo, gerando estresse e menor participação em atividades coletivas, o que vai impactar diretamente na educação dos e das estudantes. 

Segundo a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores, realizada pela Nova Escola, em 2022, 21,5% de educadores e educadoras consideravam sua saúde mental ruim ou muito ruim. As consequências mais citadas foram sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Para lidar com a pressão, 40,4% relataram que fazer atividade física ou ao ar livre pode ajudar e 36,8% destacam o contato com amigos e familiares que ofereçam apoio emocional. 

Exercícios físicos e contatos sociais requerem uma certa disponibilidade, porém o cenário atual não contribui. Os dados obtidos pela FCC mostram que a creche é o segmento com menor proporção de profissionais em mais de uma escola: 12,7%. Mas o número aumenta nas próximas fases, até chegar em 36,4% no Ensino Médio. 

A hipótese é que nos anos iniciais de ensino, as professoras – em sua maioria – são polivalentes e passam todo o turno com uma turma. Nos anos finais, os e as docentes são especialistas, lecionando, de acordo com sua formação, um ou dois componentes curriculares, portanto não passam todo o turno com uma mesma turma. Para cumprir a carga horária necessária, esse grupo assume várias classes, o que aumenta as chances de uma atuação em mais de uma escola. 

De acordo com o exemplo da nota técnica da FCC, um docente em uma jornada de 40h semanais, com um terço do tempo para as atividades extraclasse, leciona, no máximo, por 26 horas e 40 minutos por semana. Se considerar redes de ensino com aulas de 50 minutos e que o componente curricular só tenha duas aulas por semana, esse profissional pode chegar a lecionar 32 aulas por semana para 16 turmas diferentes.  

Se usarmos uma média de 30 alunos por turma, docentes, na situação do exemplo, dão aulas para 480 estudantes, o que significa uma alta demanda para quem vai ter que explicar a mesma coisa várias vezes, tirar dúvidas, corrigir lições e trabalhos, além de se deslocar entre as turmas e escolas. 

A partir da pesquisa, a FCC traçou o perfil de profissionais nessa situação - docentes do sexo masculino que lecionam disciplinas com menor carga curricular, como biologia, física, filosofia, entre outras. A hipótese levantada pela FCC sobre isso, é que há concentração de docentes masculinos na etapa em que isso mais ocorre, enquanto as mulheres estão mais distribuídas nas etapas de ensino - Censo Escolar 2022: 90% de docentes das creches e da educação infantil são mulheres. Além de que os dados demonstrem menor disponibilidade de tempo por parte das mulheres para acumular mais escolas, em comparação com os homens, tendo em vista que, segundo o IBGE 2024, mulheres dedicam quase o dobro das horas do que os homens, em média, para afazeres domésticos e cuidados familiares.

A ilustração apresenta um fundo cinza com os dizeres a frente: 29,8% de professores atuam em mais de uma escola (143.940 de 482.984) 16,8% de professoras atuam em mais de uma escola (364.364 de 1.871.210)
Recorte por gênero / Fonte: Fundação Carlos Chagas (FCC) / Arte: Guilbert Inácio

Em entrevista à AGEMT, o Dr. Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e do Laboratório de Estudos do Trabalho e Orientação Profissional (LABOR) da USP, destacou que a saúde mental requer condições dignas de vida, respeito, reconhecimento e autonomia. “A falta de condições de trabalho com sobrecarga de tarefas, uma organização do trabalho centrada na produtividade e uma falta de reconhecimento social e econômico do professor tendem a levar ao adoecimento, não como condição individual, mas como resposta a este conjunto de condições insatisfatórias de trabalho.”, comenta o professor. 

Adoecimento profissional

Segundo Marcelo, os principais dilemas contemporâneos da profissão estão em três campos:

  • Questões pessoais e profissionais: Há falta de limite entre vida pessoal e profissional, insatisfação versus realização e falta de sentido no que faz. 

  • Questões estruturais e organizacionais: Falta de condições dignas de trabalho, ampliação e sobrecarga do trabalho, defasagem entre trabalho prescrito e trabalho real, assédio moral, demanda ao lidar com tecnologia e mundo digital, além de autorresponsabilização por problemas estruturais. 

  • Questões sociais: Falta de reconhecimento, declínio no discurso de autoridade, falta de autonomia, conflito entre o discurso de formador e doutrinador, pressão das famílias dos e das discentes e dos ambientes públicos.

Dados obtidos pela TV Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que no primeiro semestre de 2023, 20.173 docentes da rede estadual de São Paulo foram afastados do trabalho por questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade e crise do pânico. Os dados demostram um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022 e que, em média, 112 profissionais são afastados por dia. Este ano, o G1 obteve, por meio da mesma lei, dados da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) que revelam que Campinas (SP) teve 3.421 docentes afastados por transtornos mentais de 2022 para cá. 

Cruzando os dados acima com a pesquisa da FCC, 12,9% da rede municipal de Campinas e 23,5% de docentes da rede estadual de São Paulo trabalham em múltiplas escolas. Segundo o Dr. Odair Furtado, professor de psicologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NTAS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profissionais da educação básica recebem salários incompatíveis com a sua função social e por isso optam por uma dupla ou tripla jornada desumana para conseguirem sobreviver e isso é catastrófico. 

A questão salarial foi pauta do antigo Plano Nacional de Educação (PNE), 2014-2024, que tinha como meta equiparar, até 2024, a remuneração média de docentes com as demais profissões que requerem Ensino Superior. Contudo, o piso salarial atual (2025) para professores do ensino básico da rede pública é de R$ 4.867,77 para exercício de 40h mínimas; representando 68,6% de R$ 7.094,17; salário médio de uma pessoa com graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Devido à crise econômica, principalmente depois da pandemia, não só educadores, mas todas as profissões passaram por uma precarização. Dentre os fatores, Odair Furtado, aponta a crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) nas atividades profissionais que aumentaram a produtividade, mas também a pressão em cima do trabalhador, que acumula estresse e, consequentemente, pode gerar ansiedade e depressão. “Trabalhadores sabem que se buscarem atendimento, são afastados do trabalho e isso leva, inexoravelmente, à demissão. Então, essas pessoas suportam até surtarem”, comenta o professor. 

O Brasil passa por uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental no ambiente profissional. De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, cerca de 470 mil trabalhadores foram afastados do emprego por causa de transtornos mentais. Os dados representam, em comparação com 2023, um aumento de 68% de licenças concedidas, além de ser o maior desde 2014. As duas doenças mais diagnosticadas foram ansiedade e depressão.

A ilustração demonstra um gráfico com os dados da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho por causa de doenças mentais. O gráfico inicia em 2014 com 221.721 casos. Os dados caem em 2015 e sobem até 2018, quando voltam a cair até 2020. Após isso, os dados sobem muito rápido, chegando em 472.328, em 2024.
Dados do Ministério da Previdência Social / Arte: Guilbert Inácio 

Caminhos futuros 

No dia 26 de maio de 2025, riscos psicossociais serão incluídos na NR-1, norma que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho. Após a inclusão, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode acarretar penalizações às empresas, caso sejam identificadas questões como: 

  • Metas excessivas 

  • Jornadas extensas 

  • Ausência de suporte 

  • Assédio moral 

  • Conflitos interpessoais 

  • Falta de autonomia no trabalho 

  • Condições precárias de trabalho 

Quanto à valorização da carreira docente, em junho do ano passado, o novo PNE, 2024-2034, foi encaminhado ao Congresso Nacional. A pasta prevê 18 objetivos a serem cumpridos nos próximos dez anos. O Plano será prioridade da Bancada da Educação em 2025. 

Confira outras propostas defendidas pela Bancada ao longo do ano que dizem respeito à profissão:

Ilustração em formato de pergaminho na cor cinza. Há os dizeres: SNE - Sistema Nacional de Educação;  PEC 169/19- permite ao professor acumular cargos públicos,  PL 3628/2024 - visa garantir que as diretrizes já estabelecidas pela Lei nº 14.817 sejam implementadas em todo o país;  PL 2387/23 - inclui os professores de Educação Infantil como profissionais do magistério;  PL 3824/23 - estabelece a Política Nacional de Indução à Docência na Educação Básica
Projetos em tramitação / Arte: Guilbert Inácio ​​​​​​

Em janeiro de 2025, o Governo Federal lançou o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar estudantes a seguirem a carreira docente. Dentre as medidas está o Pé-de-Meia Licenciaturas que concedera uma bolsa mensal de R$1.050 por mês para quem tirar mais de 650 pontos no ENEM e ingressar na licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social. 

A medida é um ponto importante para aumentar a atratividade da carreira, pois, em 2022, uma pesquisa do Instituto Semesp projetou que, em 2040, o Brasil enfrentará um “apagão” na educação básica - a projeção é de que faltarão 235 mil docentes nas escolas do país. 

Segundo Marcelo Afonso, para mudar o cenário de precarização da carreira docente, as políticas públicas precisam se centrar em: “valorizar mais o professor e a professora, oferecer melhores condições de trabalho, remunerar melhor, oferecer qualificação contínua e, acima de tudo, construir um ambiente de respeito para formação de seres humanos.”.

‘Tá muito complicado, eu senti que desenvolvi várias questões psicológicas que não existiam antes da quarentena’, diz estudante prounista de jornalismo da PUC São Paulo.
por
Guilherme Dias e Inara Novaes
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30/06/2021 - 12h

Por Inara Novaes e Guilherme Dias

 

Em meio a crise sanitária  dos últimos tempos, quando milhares de vidas são interrompidas diariamente, muitas pessoas vivem sem escolha, fadadas ao risco, expostas à morte e presas ao velho estigma do trabalhador: aquele que é impedido de parar, em troca da subsistência. Não importa o contexto social, político e econômico, trabalhar permanece sempre como sua única escolha de vida.

Segundo o filósofo alemão Dietmar Kamper no artigo O Corpo Vivo, O Corpo Morto, criamos imagens sobre essas pessoas e criar imagens é matar corpos. Transformados em imagem, os corpos perdem sua “essência natural e histórica”, tornando-se desprovidos de profundidade e subjetividade. Aos olhos de muitos, são apenas máquinas orgânicas programadas para funcionar, pois outra opção não lhes é dada. Para a população periférica, trabalhar é uma constante fuga do desabrigo, da fome, das dívidas e da morte. 

Com esses corpos reduzidos a imagem, a sanidade mental dessa população é deixada de lado, ou melhor, não é pautada. Como relata a jornalista Thaís Cavalcante, em sua pesquisa  sobre a saúde mental dos moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, a mídia falha em pautar esse assunto. “Nunca li sobre morador de favela ter problemas de saúde mental. A pessoa não tem informações sobre o assunto. A naturalização existe”.

A imposição ao ‘novo normal’ implica numa perturbação psicossocial, promovendo novas tensões, angústias e temores. “O que tem tirado muito o sono” aumentaram consideravelmente, os medos se tornaram ainda mais pavorosos e sabendo disso, empresas e governos buscam lançar sobre a população o cabresto do empreendedorismo. Sem auxílios suficientes e o já comum abandono, trabalhadores e trabalhadoras acabam internalizando o papel de próprio chefe e mergulhando em um novo mar de incertezas. 

Confeiteira autônoma, Giovanna Vitória, 20, moradora do Capão Redondo, vive à margem das incertezas. “Eu só tenho essa renda e é dessa renda que eu consigo me manter, ajudar a minha família, ajudar o meu filho". Os receios somam-se à possibilidade de se contaminar e perder a única fonte de renda “e não conseguir fazer mais nada”.

Giovanna Vitória
Giovanna durante as produções de páscoa deste ano. Imagem: Acervo Pessoal

 

 

Mãe solteira, Giovanna faz parte de um grupo de mulheres no qual a  pandemia tem um peso ainda mais cruel. Cerca de 28 milhões de famílias são chefiadas por mães solteiras, segundo o último levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Sem outras pessoas para ajudar nas despesas de casa, essas mulheres não conseguem manter alimentação e higiene da sua família.

A romantização do sofrimento atinge muitas pessoas moradoras de comunidades e periferias. As políticas públicas não alcançam ou, na maioria das vezes, são ineficazes para muitas dessas famílias. Isto impacta na estabilidade psicológica, não é fácil falar de saúde mental sem considerar a crise financeira e outras preocupações que, ocasionalmente, esses grupos já lidam diariamente. Isso causa, inclusive, aumento do impacto emocional reverberando dentro dessa população a sensação de abandono. 

Para além dos fatores culturais que afastam a periferia de acessar esse serviço, o alto custo de sessões de terapia e a falta de profissionais da área no Sistema Único de Saúde (SUS) colaboram para a atual realidade. “Eu queria muito fazer terapia, mas tá muito fora da minha realidade atualmente, financeiramente falando, e práticas de autocuidado são coisas que nunca foram fomentadas na população periférica. É muito complicado, porque ocupa muito tempo e é um tempo que, às vezes, a gente poderia tá usando pra fazer outras coisas da nossa vida, tipo trabalhar”, afirma Kaio Chagas, 20, trabalhador autônomo, fundador do brechó "Veste Pencas".

 

Kaio Chagas
O trabalhador autônomo e estudante de jornalismo, Kaio Chagas. Imagem: Acervo Pessoal

 

 

O Portal Psicanálise Clínica confirmou em pesquisa de 2019,  que em média, as sessões de psicanálise variam de R$ 70 a R$400 por encontro.  Em geral, psicólogos solicitam  uma sessão com frequência semanal, porém com a intenção de garantia de faltas, alguns profissionais gostam de trabalhar com dois encontros por semana, ou seja, no final do mês os valores podem variar entre R$280 e R$ 3200. 

Mesmo com  a Internet ajudando na socialização de serviços voltados à saúde psíquica por meio de coletivos e movimentos que fornecem sessões gratuitas ou com preço acessível, o ambiente domiciliar de muitas famílias periféricas dificulta o andamento da sessão, pois, muitas das vezes,  a privacidade é escassa.  Sem um ambiente adequado, a terapia pode gerar tensões ainda maiores ao paciente.

Com a falta de acesso e o alto custo, moradores das margens sociais criam maneiras de superar os momentos de tristeza, ansiedade e depressão. “Olha, eu tento dormir, acho que é o que eu tenho feito bastante, quando posso. Quando não preciso fazer algum bico, algum trabalho para complementar a minha renda”, revela Kaio. 

Estar inerte e se deixar consumir pelo cotidiano pandêmico faz parte de muitas vidas em 2021. Com o número de mortes aumentando cada vez mais e a impossibilidade de respirar novos ares, estar estático se torna inevitável. Não há tempo, não há incentivo, muito menos meios governamentais que possibilitem a melhoria da vida psíquica da população periférica. Para o sistema e boa parte da mídia hegemônica, o trabalhador continuará como uma máquina orgânica sem sentimentos ou psicológico.

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por
Yerko Mauricio, Pietra Nobrega, Manuela Troccoli e João Carlos Ambra
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08/04/2021 - 12h

Em março de 2020 foi declarado o primeiro caso de coronavírus no Brasil. Um ano depois, somatizamos em mais de 400 mil mortes. Mas por que motivo isso acontece? A quem se deve o colapso que estamos vivendo, e, principalmente, a que comportamento isso pode ser associado?

    Apesar de São Paulo ter mais de 12 mil leitos (todos ocupados), e considerando que a UTI está operando com quatro vezes da sua capacidade total, a fila de mortalidade de covid só cresce - são centenas de pessoas aguardando e falecendo ao não conseguir ter acesso a nenhum leito (vale lembrar que São Paulo é o Estado com maior quantidade e disposição de leitos no país). A calamidade é geral, milhares de habitantes aguardam oxigênio.

    Além de temas como “quarentena”, “lockdown” e “kit covid”, não podemos descartar a falta de um plano nacional de imunização, a “novela” que está sendo o processo das vacinas desde o ano passado e o comité anti covid falando inclusive sobre furar a fila do plano nacional - tal que é para muitos, questionável. Sem contar que não se fala de combate, das estatísticas de outros países e da importância crucial de usar máscaras protetoras. 

    A grande falta de informação produz um descuido na proteção ao vírus, inclusive aglomerações constantes e várias festas clandestinas; mas será que quem frequenta este tipo de ambiente realmente não tem acesso a informação ou prefere se alienar para “curtir com os amigos”?

Após o aumento em massa de casos de covid com a nova variante e o decreto do governo da fase vermelha e emergências, os donos de festas, lounges, bares começaram organizar as mais conhecidas  “festas clandestinas”. 

São festas feitas a escondidas, contra as leis, com pessoas imprudentes que desrespeitam as regras e não se importam com o grande número de casos em São Paulo. Os organizadores que são chamados de promotores fazem o convite circular pelas redes sociais, sem nunca revelar a identidade para não serem pegos facilmente pelos guardas civis, policiais ou fiscais da vigilância sanitária. 

Os interessados entram em contato e recebem os dados bancários para o pagamento, só após feito e a apresentação do comprovante é revelado onde será o ponto de encontro para o partida  ou mandam o endereço para se conduzirem ao local proibido onde ocorrerá a festa clandestina. 

Os promotores apresentam regras antes de acontecerem as baladas para que não ocorra de serem encontrados, eles obrigam os convidados a deixarem o celular em um guarda volumes para evitar as fotos, também frequentemente a troca de endereços.

Dependendo do lugar e da festa a classe social acaba mudando, em lugares mais elegantes e mais caros a elite de São Paulo estará presente, que são as pessoas que têm mais dinheiro e estão dispostas a pagar mais de 300 reais pela entrada das baladas. Já em bairros mais pobres a classe muda, mas independente de quem são as pessoas eles estão desrespeitando as regras e piorando o andamento contra o Vírus. 

O empresário Carlos Eduardo de Andrade, de 28 anos, era dono de um restaurante, no centro de São Paulo. Porém com a pandemia, muitas lojas e restaurantes tiveram que fechar suas portas, devido a crise. Carlos não conseguiu manter seu restaurante e fechou.

"Na minha opinião, restaurantes, bares, shoppings e o comércio deveriam funcionar normalmente, com o uso obrigatório de máscaras e distanciamento, não vejo necessidade alguma de não poder funcionar e no final somente nós saímos perdendo e tendo que fechar nossos estabelecimentos .” disse Andrade.

    Carlos conta que estava frequentando restaurantes, bares e até mesmo festas com aglomerações.

“ Não acho tão preocupante o momento atual que estamos vivendo, a ponto de parar a minha vida e ficar isolado em casa, sei que muitas pessoas estão morrendo mas é só se cuidar e sair de máscara. Estou saindo com meus amigos sempre que posso.” Diz Andrade.

Com cerca de 341 mil mortes pela Covid-19 no Brasil, e os números de mortes por dia cada vez maiores, Carlos Eduardo diz não confiar em números e dados fornecidos pelo ministério da saúde. 

“Posso afirmar que o governo está fazendo um bom trabalho na pandemia, dentro do possível é claro, mas acho que eles aumentam os números de morte para deixar a sociedade mais aflita, com medo de sair e assim, as pessoas  começam a ficar em casa.” Diz Andrade

    Com o processo de vacinação ocorrendo por todo o Brasil, o empresário faz parte do grupo de pessoas que ainda não sabem se irão se vacinar e duvidam da eficácia.

    “Tenho um tempo para pensar até chegar a minha vez, mas como nunca peguei o vírus, acho que não vou precisar, tenho uma boa imunidade. Até porque não quero virar jacaré.” Diz Andrade. 

       Para buscar um contraponto de alguém que estava tratando a pandemia com cuidado e respeito, entrevistamos Lia Aruni Damous Bertolo, de 20 anos, que atualmente exerce a profissão de estudante. Lia está tomando todos os cuidados e cautelas necessárias e tem uma opinião contrária à de Carlos Eduardo de Andrade sobre a pandemia e a Covid-19. 

       “Por um um lado entendo aqueles que precisam trabalhar e não tem a opção de não pegar transporte público, mas vejo que muitos já se acostumaram com o que estamos passando e não tem mais “medo” do vírus. Acredito que aqueles que não tem mais “medo” do vírus e não se precavem podem não ajudar a melhorar a situação que estamos. Outro ponto que não está colaborando é o governo, que está cagando completamente pra tudo, e isso tá me dando um certo medo de ver os outros países conseguindo controlar a pandemia enquanto o Brasil só cresce o número de mortos por dia.” Diz Bertolo

       A estudante conta a respeito das medidas que está tomando junto a sua família para se cuidar contra a Covid-19.

       “As medidas que ando tomando são as básicas, como o uso de álcool em gel sempre que não estou em casa, uso de máscara, quando volto do mercado com compras sempre higienizo, ao entrar em casa tirar o tênis, higienizar a sola do sapato  e o colocar na área externa (onde há ventilação natural) além de sempre que posso tomar um banho por completo depois de voltar da rua, minha mãe está bem exigente, mas com razão, todo cuidado é pouco.” Disse Bertolo

       Lia tem tomado cuidado em dobro pois está vendo somente seu namorodo e a família dele tem pessoas no grupo de risco, sobre a vacinação da COVID-19 a estudante pontuou;

     “Sobre a vacina, irei  tomar e meu namorado também, estamos ansiosos. Mas ainda não fiz uma pesquisa a fundo pra saber mais detalhes e eficácias das vacinas. Para aqueles que optaram por não tomar, eu respeito, mas estes têm que ter um cuidado maior consigo e os que estão à sua volta.” Disse Bertolo; 

Lia conta que está passando por momentos de altos e baixos na quarentena e acredita que todos estão de saco cheio.

      “Estou muito de saco cheio da quarentena, tudo que eu queria era poder viajar com meus amigos, sair na rua, abraçar pessoas,  mas não é por isso que vou furar a quarentena e botar a minha vida e a de outros que estão à minha volta em risco, é difícil se manter positiva e produtiva em tempos como esse, tenho várias fases precisamos cuidar da gente e da nossa saúde mental.” Diz Lia.

    Após as entrevistas, ficou clara uma nítida contraposição entre os entrevistados. Enquanto de um lado existem pessoas clamando pelo fim da pandemia, e tomando cuidado para que este período não se prolongue, temos outras pessoas que estão vivendo a vida de maneira muito próxima a vida normal, sem se preocupar com contrair a doença e sobretudo em transmiti-la.

    O interessante é pensar que ambos os entrevistados estão lidando com a mesma crise sanitária, de formas absolutamente distintas. 

            Com o cenário atual que estamos vivendo, existem pessoas que preferem não enxergar a realidade, às vezes é mais fácil, só pensar em você, enxergar a sua realidade, que muitas vezes é totalmente diferente dos outros, sem se  importar com o próximo, e com as dificuldades que muitas pessoas estão passando, notamos isso  nas entrevistas. 

    Enfrentar a pandemia está sendo difícil para todos os brasileiros, todos tiveram que se adaptar a uma nova realidade, se reinventar, construir uma nova  rotina totalmente diferente,  ver a vida por outros ângulos, dar chances para o novo. Não podemos negar que as classes inferiores sentem esse impacto de uma forma maior, e com mais necessidades, mas cada um tem sua batalha diária, sua forma de passar  e viver a tudo isso.

           A melhor forma de enfrentarmos a Covid-19 é sendo humilde em reconhecer que esse momento tão crítico e cruel merece nossos esforços para que tudo acabe logo, como fazer a quarentena, ficar em casa sempre que possível, usar máscara, álcool em gel, evitar aglomerações. Cada vida importa, a sociedade precisa se unir para um bem estar coletivo, não dá mais para fingir que todos os dias morrem mais de mil pessoas, que o Brasil não é um dos piores países no combate do vírus, com dados e índices assustadores. Precisamos combater esse vírus e a diferença começa por cada um de nós.

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Algumas academias de pequeno porte mantém seu funcionamento de forma velada
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Rodrigo Vaz Guimarães Mendonça e Mario Gandini Caldeira Cardoso Neves
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08/04/2021 - 12h

  Mesmo com a escalada da pandemia da Covid-19 no Brasil com mais de 13 milhões de casos e 4 mil mortes em média por dia, até o fechamento desta reportagem em 08 de abril, pela doença além de novas variantes surgindo como a detectada na cidade de Manaus no Amazonas e outra na cidade de Sorocaba em São Paulo, muitos ainda defendem a abertura de serviços considerados não essenciais como academias alegando a necessidade de praticar exercícios físicos às vezes até indo contra decretos estaduais, como em São Paulo que por decreto do governo estadual nenhuma academia pode estar aberta desde o dia 6 de março quando todas as cidades do estado entraram na Fase Vermelha do "Plano São Paulo" que proíbe serviços como esse de abrirem.  

Coletiva de imprensa do Governo do Estado de São Paulo na qual o estado voltou a fase vermelha
Coletiva de imprensa do Governo do Estado de São Paulo na qual o estado voltou para a fase vermelha 

   Essas medidas tiveram que ser tomadas novamente devido ao relaxamento nas regras de isolamento e ao comodismo das pessoas em relação à pandemia. Entrevistamos pessoas sobre essa normalização da pandemia na cabeça de alguns e como isso afetou no ponto de vista de quem realmente está correndo risco e não tem condições de ficar trabalhando em casa: “É uma palhaçada isso, eu sei que na minha quebrada tem gente que não respeita , mas também nós [pobres] não temos condição de ficar em casa ,a gente tem que fazer o nosso corre, ou eu trabalho ou passo fome.”Carlos, morador de Paraisópolis."Como sempre, a gente paga o preço  das pessoas que não estão respeitando ,ainda mais quando a gente trata de vidas”,ressaltou Vera Lúcia, uma idosa moradora da zona XXX, em São Paulo.

   Na última semana de março, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), decretou a antecipação dos feriados de Corpus Christi de 2021 e 2022 ,da Consciência Negra de 2021 e 2022 ,além do aniversário da cidade de 2022.Todas essas medidas foram uma tentativa de diminuir os números de mortos e infectados pelo Covid-19.

 

   O avanço do coronavírus está colapsando  o sistema de saúde na cidade de São Paulo, a ocupação dos leitos de UTI já  está  em 90%,leitos de enfermaria praticamente lotados e pela primeira vez na pandemia a capital paulista apresentou falta de oxigênio para o tratamento de pacientes.

 

LUTA PELA VIDA 

 

   Estamos em tempos de guerra, a luta pela vida é diária e devemos nos resguardar se possível e nos manter atentos sobre os cuidados de higiene pois o vírus ainda está por aí esperando a nossa desatenção.A maioria dos brasileiros mudou a sua rotina devido a pandemia, com o auxílio da internet, tudo ficou um pouco mais fácil, um escritório passou a fazer a suas reuniões diárias via video chamada. 

   Outra questão que está emergindo é a relação da prática de  atividade física como grande potencial na prevenção das consequências decorrentes do vírus, muitos dos profissionais das academias estão sem receita pois não tem como exercer seu trabalho, muitos  destes mesmos profissionais questionam essas medidas de lockdown pois não incluem a academia como atividade essencial.Mesmo com essas medidas, existem pessoas que mantém o seu estabelecimento funcionando de forma clandestina, entrevistamos um destes donos com  a finalidade de saber o que levou ele a fazer isso.O entrevistado pediu para ser identificado com um nome diferente do seu para não causar problemas para o próprio.

 

Mesmo diante deste caos que está a pandemia porque o senhor manteve a academia funcionando?

  Primeiramente, sou praticante de esportes há 35 anos, de musculação à levantamento de peso olímpico.É cientificamente comprovado que a prática de atividade física ajuda na imunidade do ser humano além de ser um dos pilares contra a obesidade..Eu acho um absurdo esse fechamento das academias e dizer que os profissionais presentes nas academias não são “profissionais de saúde''. Absurdo, claro que somos”. 

 

Mas o que o senhor acha dessa pandemia e do coronavírus ?

  Não é que eu desacredito do Covid-19, mas temos que cuidar da nossa saúde, melhorar os hábitos alimentares e praticar atividade física que na minha opinião é essencial para um momento desse. Eu tenho atletas de alto  rendimento e eles não podem ficar sem academia..Além de já ser um válvula de escape natural para o estresse, que  aumentou drasticamente na população desde que começou a pandemia, o esporte incentiva o funcionamento do nosso sistema imunológico. 



 

 

 

 

 

 

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Jovens passam a ser maioria nas UTIs dos hospitais brasileiros.
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Iris Martins Oliveira de Freitas e João Victor Guimarães de Siqueira
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08/04/2021 - 12h

      Ao final de 2019 o mundo presenciou algo jamais visto por muitos, o início de uma pandemia. O novo coronavírus é uma doença infecciosa que pode ser transmitida por meio de gotículas de saliva, do aperto de mãos contaminadas, espirro, tosse e tem como sintomas: perdas de olfato e paladar, falta de ar, tosse, dor de garganta, coriza, febre, cansaço, entre outros. Mas, o que realmente preocupa são os assintomáticos que espalham esta enfermidade sem sequer saberem que estão doentes, colocando as pessoas do grupo de risco, como idosos e pessoas com pressão alta, em piores condições. Os jovens, menor grupo de afetados pela doença, acreditam que podem ignorar o isolamento social, que funciona como método preventivo e que é adotado por muitos países até hoje.

      Em entrevista, Ana Silva, 18 anos, estudante de direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, conta à Agência de Jornalismo Online Maurício Tragtenberg sobre sua vida na pandemia, que inclui encontros familiares e com amigos. A jovem diz que desde o começo era contra o isolamento e que nunca parou de frequentar lugares como farmácias, cartório, supermercado, academia, praia, restaurantes (quando abertos) e que se a faculdade estivesse aberta, também iria. Em seu relato, ainda narra que em sua família houve encontro familiar para a comemoração do Natal, que contou com a presença de 15 ou 20 pessoas e que os integrantes não utilizavam máscaras, medida utilizada para prevenção do covid-19, especialmente com a presença de idosos.

      A necessidade de ver pessoas é um ponto que Ana ressalta em sua fala, ela se reúne com seus amigos frequentemente, em torno de 5 a 15 pessoas aos fins de semana, na maioria das vezes. A jovem diz que os encontros com pessoas de sua faixa etária estimulam as habilidades de convivência, indica que é reconfortante tê-los ao seu lado fisicamente e não somente através de uma tela de celular. Psicólogo formado há 16 anos pela Uniban, Sidney de Rosa Júnior, em entrevista à agência, explica essa necessidade de convivência: “Tem a questão dos interesses similares, assim como a identificação com um grupo. Um jovem de 18 ou 19 anos tem a maturidade e os interesses completamente diferentes de um adulto de 30 anos, a conversa é outra, a diversão é outra.”

Jovens em festa clandestina pegos pela polícia em São Paulo no dia 21 de março de 2021
Festa clandestina em São Paulo no dia 21 de março de 2021 foi encerrada pela polícia - Foto: DEIVIDI CORREA/ESTADÃO CONTEÚDO

      Mesmo tendo contato com várias pessoas sem tomar as devidas medidas de prevenção contra a doença, a menina não a contraiu. Em razão  deste exemplo e de muitas outras situações semelhantes que os jovens de hoje em dia possuem essa ilusão de indestrutibilidade, por terem pouca idade, acreditam que são indestrutíveis. Questionado sobre isso, Sidney elucida sobre essa “Síndrome de super-heróis”: “Quando somos crianças, não conseguimos associar a ideia por trás da morte. Quando entramos na adolescência, temos consciência do que ela é, porém é uma ideia muito distante. Isso, combinado com a liberação de hormônios (que não podem ser ignorados também) nos jovens gera a sensação de imortalidade”.

       Em entrevista à BBC News, o médico Matheus Alves de Lima, em um plantão recente de casos de covid-19 em UTI de hospitais de campanha no Distrito Federal, afirma que houve uma mudança no perfil dos pacientes. "Tivemos a morte de um paciente de apenas 25 anos, o que é muito chocante", explica à BBC News Brasil. Alves ainda relata outros casos como o de um paciente de 28 anos que não resistiu à extubação (processo de retirada da ventilação mecânica), precisou ser entubado novamente e fazer hemodiálise.

     

Jean Carlo Gorinchteyn, Secretário de Saúde do Estado de São Paulo - Foto: Governo de São Paulo
Jean Carlo Gorinchteyn, Secretário de Saúde do Estado de São Paulo - Foto: Governo de São Paulo

Em entrevista coletiva no dia 1° de março de 2021, o Secretário de Saúde do Estado de São Paulo, Jean Gorinchteyn, afirma que "a pandemia retornou com uma velocidade e uma característica clínica diferentes daquela da primeira onda". E continua, "São pacientes mais jovens, que têm a sua condição clínica muito mais comprometida e, pior, são pacientes que acabam permanecendo um período mais prolongado nas UTIs. Na primeira onda, tínhamos (nas UTIs paulistas) percentual de mais de 80% de idosos e portadores de doenças crônicas. O que temos visto hoje são pacientes mais jovens, 60% deles de 30 a 50 anos, muitos dos quais sem qualquer doença prévia."

      Muitas das pessoas contaminadas hoje utilizam desculpas como não estarem no grupo de risco, ou até mesmo por já terem contraído o vírus para se aglomerarem e não seguirem as normas de prevenção contra o covid. A maioria da população mundial já tomou alguma atitude considerada inconsequente, porém há um limite que está sendo seriamente ultrapassado, visto que são completamente diferentes a ida a um restaurante e a uma festa, por exemplo.

      A conscientização dos jovens quanto aos riscos da doença e a adoção das medidas sanitárias recomendadas pelos médicos são fundamentais para o controle da pandemia no Brasil, porém não é o que ocorre, uma vez que o percentual de pessoas que morrem sem atingirem os 60 anos de idade saltou 35% em relação ao ano passado, segundo dados fornecidos pela UOL com base nos números do portal da transparência da Arpen (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais).

(O nome da jovem entrevistada foi alterado para a preservação de sua identidade).

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Nunca foi segredo a questão do etarismo na nossa sociedade. Da vida profissional às relações pessoais e sociais, é perceptível o preconceito da sociedade com relação à idade. 
por
Giovanna Canha Crescitelli e Marina Daquanno Testi 
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24/03/2021 - 12h

Diante de países como o Japão, Cingapura - cuja média de expectativa de vida é 83 anos -, Espanha - 82 anos - e Coreia do Sul - primeiro país a caminhar para uma expectativa de vida de 90 anos -, o Brasil não está muito distante em questão de longevidade, com sua expectativa geral em 75,8 anos esta supera a média mundial que é de 71 anos. De acordo com dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), em 2016, a média da expectativa de vida da população mundial era de 74 anos para mulheres e de 69 anos para homens. 


No Brasil tem mais de 28 milhões de pessoas nessa faixa etária, número que representa 13% da população do país. E esse percentual tende a dobrar nas próximas décadas, segundo a Projeção da População, divulgada em 2018 pelo IBGE.

 

A relação entre a porcentagem de idosos e de jovens é chamada de “índice de envelhecimento”, que aumentou de 43,19%, em 2018, para 173,47%, em 2060. Esse processo pode ser observado graficamente pelas mudanças no formato da pirâmide etária ao longo dos anos, que segue a tendência mundial de estreitamento da base (menos crianças e jovens) e alargamento do corpo (adultos) e topo (idosos).

 

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em 2013, mostrou que a cada quatro pessoas com 60 anos ou mais, pelo menos uma relatava participar de atividades sociais organizadas. Entre as mulheres, o percentual era maior, chegando a quase 30%. Mas a participação dos homens também foi significativa, ficando bem pouco abaixo dos 20%. Este estudo nos permite ter um olhar sensível sobre a qualidade de vida desta população e mostra como a tendência dos idosos, com o avanço das cidades , é se isolar socialmente.

 

De acordo com a psicóloga Graça Câmara, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, esse movimento acontece por causa das limitações que vão sendo impostas, pelo próprio corpo e pela sociedade. “Os jovens perdem a paciência com os mais velhos e, muitas vezes, as famílias os colocam no lugar de  ‘os improdutivos da casa’”, disse para a revista Leve. Contudo este também é um dos motivos que traz profunda angústia aos que estão envelhecendo, se tornar dependente de alguém ou “incapaz” de realizar certas funções que antes lhe vinham naturalmente. 

 

Nessa constante busca por compreensão, sem perder o respeito e validação da sociedade, nossos futuros antepassados já nos avisam quanto nossa futura realidade: se aqui, enquanto somos jovens, não mudarmos certas posturas e visões “viciadas” de nossa sociedade, iremos nos deparar com nosso inerente destino e ainda sem apoio. Simone de Beauvoir disse em sua obra “A Velhice”, nos anos 70, que “Não reconhecemos a velhice em nós, nem sequer paramos para observá-la, somente a vemos nos outros, mesmo que estes possuam a mesma idade que nós”. 

 

Entrevista com Sandra Regina Gomes

 

Sandra é  a atual coordenadora de políticas para o idoso, dentro da secretaria de direitos humanos da prefeitura da cidade de São Paulo. Nascida em Santos a especialista tem um longo currículo na área, foi responsável pela implementação de políticas públicas para o idoso na cidade de São Paulo e já ocupou os cargos de assessora técnica da Secretaria de Relações Institucionais do Governo do Estado de São Paulo, coordenadora da Rede de Proteção Social para Idosos na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo e docente na Universidade da Terceira Idade. A fonoaudióloga e gerontóloga, que também se especializou em políticas públicas, ajudou diretamente a implantar o Centro de Referência da Cidadania do Idoso, as unidades Boracea e Casa de Simeão do Abrigo para Idoso  em Situação de Rua, o Serviço de Apoio-Socioalimentar para Idoso e os Núcleos de Convivência para Idosos.

 

 

Envelhecimento é um fenômeno global? 

 

Sim, o mundo todo envelhece. Só que os países que se preparam para isso, no caso da Europa, do Canadá que por mais de cem anos se preparam para o processo de envelhecimento; o Brasil não. No Brasil, como diz uma professora querida, Maria Cecília Minai da Fiocruz, estamos trocando o pneu com o carro andando e isso é muito sério porque até onde éramos um país de jovens e hoje estamos com um país envelhecido e um envelhecimento muito rápido. Então é um um fenômeno global sem dúvida nenhuma, o mundo está envelhecendo rapidamente e nós precisamos ter ações e políticas públicas para isso. 

 

O que é Envelhecimento ativo? Como abordar o tema ao longo da vida e não apenas na fase do envelhecimento?

 

Primeiro envelhecimento ativo é um processo de otimização de oportunidades para a saúde  e aprendizagem ao longo da vida, que está relacionado a educação, a participação e segurança para garantir uma melhor qualidade de vida à medida que as pessoas envelhecem. Isso tudo aqui é uma determinação da OMS baseada no pressuposto de que o mundo precisa olhar o envelhecimento sob a ótica, promovendo resiliência ao longo do curso de vida. O que quer dizer isso? Em tese você tem processo de envelhecimento e que bom porque a maior conquista do século XX é a longevidade, uau estamos envelhecendo, hoje no Brasil a  expectativa de vida é de 75 anos, e já já vamos chegar ao Japão é de 81 anos. Para o século XXI a longevidade é um desafio, nós temos que saber como envelhecer. Então em 2002 a OMS lança esse programa de envelhecimento ativo, que o Brasil é signatário. Isto tem a ver como abordar o tema ao longo da vida, temos que pensar o envelhecimento ao longo da vida porque é uma fase como a infância, a adolescência e fase adulta depois criamos independência e depois temos o processo de velhice. Ainda bem que chegamos ao processo de envelhecimento se não você morre antes dos 60 anos e no Brasil você é considerado idoso com essa idade, em país desenvolvidos é 65 anos ou mais. Então é importante que se faça um trabalho desde de a infância, de orientação alimentar, de estilos de vidas, de aproximação de gerações e tudo isso está no Estatuto do Idoso. Não é possível falar sobre envelhecimento no Brasil sem citar o Estatuto do idoso.      

 

Qual é o papel do Estado frente ao envelhecimento ativo? Existe o direito ao envelhecimento? O que determina um processo de envelhecimento seja de qualidade e englobe o conceito de envelhecimento ativo? 

 

Tudo isso é importante que a gente entenda que não se consegue um envelhecimento saudável se você não garantir esses quatro pilares: saúde, educação, proteção e participação. Esses princípios são fundamentais porque se você tem saúde, tem a garantir de que tem as doenças todas controladas. Hoje você não morre mais de hipertensão, a não ser que você não tenha o controle dessa doença. Hipertensão, colesterol e demais doenças têm medicações e tratamentos próprios. Acompanhamento médico, atividade física, alimentação saudável, dependência química e uso de drogas, inclusive as lícitas como bebida e cigarro, tem relação com a qualidade de vida além da participação social. 

Estamos em plena pandemia, onde o isolamento é palavra de ordem, principalmente para a população idosa, que tem maior risco em relação ao COVID-19. Em que pé estamos? Temos que manter esse cérebro ativo, fazer com que as pessoas superem essas dificuldades da inclusão social e digital. Uma coisa está ligada a outra, por isso, atuo como coordenadora de políticas para a pessoa idosa dentro da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania pensando nessas relações. Existe um ganho para o idoso quando enxergamos que ele não está ligada apenas a saúde, ou a assistência, ou a previdência, ou a justiça e na verdade ele engloba todos esses aspectos representados no Estatuto do Idoso que declara que o idoso precisa de proteção, precisa ter condições de denunciar casos de violência, precisa do acolhimento, precisa da saúde e por aí vai. 

 

As diferenças que observamos em outras áreas, como na economia onde as mulheres ganham menos que os homens, também se repetem no processo de envelhecimento? Fatores culturais, gênero, ambiente social e a presença de sistemas de saúde, tanto rede particular quanto rede pública, são determinantes?

 Sim, esses determinantes sociais são muito importantes ao meu ver. Você pode resgatar esses determinantes na publicação do Kalache, A revolução da Longevidade. Ele destaca duas questões, dentre todos os determinantes, existem dois pontos transversais: um é o gênero, o outro é a cultural. 

Nós não podemos desconsiderar o histórico cultural das pessoas mais velhas e por isso nós defendemos a territorialização dessa população, ou seja que fiquem onde nasceram, onde criaram os filhos portanto onde teve seu ambiente de participação social. "Ah vou tirar ele da casa dele e vou colocá-lo na minha casa", temos que ter muito cuidado em relação a isso. Em casos extremos, talvez seja necessário, mas é melhor que a população idosa consiga permanecer onde transitou durante a vida toda, onde existe maior afinidade, aproximação e familiaridade. Chamamos isso de princípio da territorialização. 

A questão do gênero também merece destaque. Evidentemente que o processo de envelhecimento é um processo mais feminino, a gente fala dentro da gerontologia da feminização da velhice e existem muitos estudos falando disso. É muito importante que a gente entenda que existe uma característica muito marcante em relação ao envelhecimento da mulher, entretanto o sofrimento maior do processo de envelhecimento fica realmente para o homem. O homem tem muita dificuldade pra envelhecer, a mulher tem mais cuidados de saúde ao longo da vida.

 

Quais são os principais desafios enfrentados por quem está no processo de envelhecimento? Como lidar com o desenvolvimento de doenças e com o maior risco de desenvolver deficiências?

 

À medida que envelhecemos corremos riscos, né? Aumento de quedas em idosos é o que mais mata, aumenta porque nós temos a fragilidade óssea e doenças como osteoporose e também por questões visuais, há uma baixa da acuidade visão e acuidade auditiva. Nós temos a percepção e os reflexos, então há uma característica própria do processo de envelhecimento e isso é inevitável. À medida que você tem um trabalho de prevenção, uma rotina mais disciplinada no jeito de atividade física, alimentação saudável, grupo de amigos. Um dos recursos importantes é manter uma rede de amigos, mesmo que em pese alguns com o passar dos alguns venham a falecer, você abrir a possibilidade de novos contatos. è importante que você tem a amplitude da sua rede de suporte, para que você tenha a família e no caso da ausência da família que você tenha amigos, na ausência que você constitua uma outra rede de suporte. Isso é fundamental porque faz com que você esteja inserido e a gente chama na gerontologia, um sentimento de pertencimento, isso é muito importante. 

Apartar socialmente é um grande erro das políticas e na abordagem quando se fala de velho, "Ah vou colocar um prédio só de idosos" Eu não gosto disso. "Ah vou colocar um bairro só de idosos" Eu acho que a gente precisa de todas as diversidades, todas as diferentes gerações, toda  movimentação como é a característica de uma cidade. Não precisa isolar, você precisa cuidar e garantir uma cidade acessível você consegue nesse documento, A Revolução da Longevidade, Kalache fala muito sobre acessibilidade, sobre possibilidade de ter uma cidade mais amigável a pessoa idosa. Os risco de doenças sim, tem um gráfico de capacidade funcional quanto mais risco você corre quando inclusive como jovem 

 

Como devemos prover as condições ideias e as condições necessárias para oferecer cuidado de qualidade para população em envelhecimento?

 

A primeira providência é a participação social da pessoa idosa, participação nos conselhos e nos foros a exemplo de São Paulo - que tem 23 foros do idoso na capital. Nós temos o grande Conselho Municipal do Idoso, onde se concentram representantes das cinco macro regiões da cidade. É nesse local, nessa arena democrática, que se discutem as demandas e as necessidades das pessoas idosas na metrópole paulistana. São Paulo é uma cidade enorme, um idoso que mora em São Miguel Paulista é completamente diferente do idoso que mora no centro da cidade. 

Os idosos têm características diferentes, o que a gente chama de singularidade da velhice na área da Gerontologia. É importante respeitar as características de cada um e de cada região, na cidade de São Paulo são 96 bairros e distritos, cada um com seu perfil. Nós temos um documento onde fizemos o diagnóstico da questão para a cidade, elaboramos indicadores sociodemográficos para população idosa residente na cidade em São Paulo, porque o primeiro passo para fazer essas políticas públicas foi conhecer quem são esses idosos, onde eles vivem, quais são suas características e qual o perfil daquela população. Esse documento foi publicado em 2020, mas nós já o usamos desde setembro de 2017 quando iniciamos nosso trabalho durante a minha gestão na Secretaria. 

Então a primeira coisa é isso, a segunda é fortalecer essa participação social que é fundamental. Para que isso aconteça, você tem que levar ao conhecimento das pessoas idosas os dados sobre as regiões para eles avaliarem. Nós seguimos esse documento do Alexandre Kalache, que é um guia global de uma cidade amiga do idoso. Perguntamos para a população idosa sobre como está o transporte, a questão da moradia, a acessibilidade, a participação social, a questão dos locais de atendimento ao idoso se estão acessíveis e iluminados, além de uma série de perguntas que você  encontra ao visitar esse documento. Então você dá insumos às discussões e em cada bairro, em cada local isso faz com que exista uma participação, uma voz do idoso. Essa participação social clama por uma escuta. Então é como nós falamos, é de baixo pra cima e de cima pra baixo; isso é fundamental. 

 

Como podemos criar um novo paradigma de envelhecimento? 

 

A primeira coisa é falar de onde estamos falando, de que envelhecimento estamos falando. Nós estamos falando de um processo natural da vida, a velhice é natural, à medida que você vive mais adquire mais anos na sua vida, isso é super importante, e a partir dos 60 anos você é considerado idoso. Nós estamos sofrendo no Brasil,  principalmente na pandemia, a questão do idadismo - que é o preconceito em relação a idade.

"Ah é coisa de velho", "Isso é porque são velhos", "Porque os velhos precisam ficar apartados"... Existe um preconceito. 

Então, primeiramente, é preparar a sociedade para a maior proximidade com a questão do envelhecimento, então temos a questão da intergeracionalidade. A intergeracionalidade é um paradigma fundamental. As políticas públicas, privadas, filantrópicas, particulares devem integrar as ações e não fazê-las de forma apartada. É o mesmo idoso que transita entre a assistência social, entre a saúde e todas as outras áreas. Precisamos ter a integração e a integralidade, uma visão holística, integral, intergeneracional. A transversalidade é fundamental, todas as agendas de discussões precisam ter a temática sobre envelhecimento. Todas. Todas porque temos idosos imigrantes, LGBTs, em situação de rua, com deficiências, quilombolas, ribeirinhos, indígenas, portanto temos que parar de segregar. Todas essas temáticas devem vir à tona na discussão e tudo isso para preparar a questão de uma sociedade mais amigável e amorosa na questão do envelhecimento.  


 

Referências 

A Revolução Da Longevidade | Alexandre Kalache. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_5N8V1lPIGg&t=47s> Acessado em 24/11

https://ibge.gov.br/

KALACHE, Alexandre. Envelhecimento populacional no Brasil: uma realidade nova. Cad. Saúde Pública,  Rio de Janeiro ,  v. 3, n. 3, p. 217-220,  Sept.  1987 

BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei federal nº 8069, de 13 de

julho de 1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002. 

Beauvoir S. (1990). A velhice. Tradução de MHF Monteiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira

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