Em sua quarta edição, ação reforça a importância da informação e do apoio às famílias
por
João Pedro Lindolfo
Lucca Andreoli
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04/06/2025 - 12h

 

Fotografia: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Fotografia: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos

A caminhada de conscientização sobre a síndrome Cri Du Chat - ou Síndrome do Choro do Gato, uma alteração genética rara que afeta o desenvolvimento físico e intelectual - aconteceu no sábado (17), no Parque Villa Lobos, em São Paulo.

A doença, presente em uma a cada 50 mil pessoas, ocorre quando uma parte do cromossomo cinco é perdida, o que causa características como a face arredondada, olhos separados, mandíbula pequena, orelhas baixas e um choro agudo parecido com um miado de gato, de onde vem o apelido.

O diagnóstico é realizado através da genética clínica, com testes que avaliam os cromossomos, e o teste de FISH ou CGH-array, que detectam a deleção do cromossomo cinco.

A síndrome impacta diretamente a rotina das famílias, exigindo acompanhamento contínuo com diferentes especialistas. Por isso, a disseminação de informações confiáveis e o estímulo ao diagnóstico precoce são fundamentais para promover mais qualidade de vida às crianças e a quem cuida delas.

A importância do diagnóstico precoce vai além do aspecto clínico: ele abre caminhos para que as famílias se organizem emocionalmente e encontrem apoio em redes especializadas, fortalecendo a jornada de cuidado e inclusão. O conhecimento da síndrome, associado à troca de experiências entre famílias, é um passo decisivo para transformar desafios em conquistas diárias.

Em 2022 foi lançado o primeiro livro a respeito da síndrome no Brasil, intitulado de "Síndrome de Cri du Chat: mais amor, realidade e esperança” (EFeditores e Literare Books International, 264 págs., R$ 72), além de ser o ano da primeira edição da caminhada dedicada a pessoas que convivem com a síndrome.

A publicação veio a partir da vivência de famílias e do engajamento de profissionais que acompanham de perto os desafios do diagnóstico e do tratamento. O livro se tornou referência para quem busca compreender não só os aspectos clínicos da condição, mas também as realidades sociais, emocionais e educacionais enfrentadas por quem convive com ela.

Com entrevistas de profissionais médicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos, a obra de Sandra Doria Xavier, Fernando da Silva Xavier e Monica Levy Andersen traz também uma perspectiva que auxilia familiares e profissionais que trabalham com portadores da síndrome.

Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança  Instagram: @criduchatbrasil
Capa do livro: Síndrome Cri Du Chat: mais amor, realidade e esperança 
Instagram: @criduchatbrasil

A publicação do livro e a realização da caminhada refletem o compromisso com a visibilidade da condição. Ao longo dos últimos anos, a entidade tem promovido ações que unem acolhimento, informação e mobilização social, contribuindo para a construção de uma rede de apoio mais sólida e atuante.

Em meio a esse esforço coletivo, o aspecto emocional e comunitário da Caminhada se destaca. “Encontrar outras famílias na Caminhada Cri Du Chat é encontrar a sua tribo”, define Juliane Gehm, mãe do Martin. “É um momento onde todos podem ser livres para ser quem são!”

Agora em sua quarta edição, a “Caminhada Cri Du Chat 2025” apresentou uma programação com atividades inclusivas, como áreas sensoriais (massinha, slime, bolha de sabão), desenhos e pinturas, pinturas faciais e tatuagens de adesivo, além de recreação com palhaços e personagens infantis.

Através do ato de conscientização, familiares, profissionais e portadores trouxeram luz ao tema. 

Segundo a neuropsicóloga Bianca Balbueno, a estimulação precoce é a chave: “Nos primeiros anos de vida, o cérebro da criança está num pico de neuroplasticidade, ou seja, a capacidade de aprendizagem é mais potente neste período, sendo assim, a estimulação precoce aproveita essa fase para promover o desenvolvimento de áreas centrais, como motor, cognitivo e social.” 

“Intervenção precoce promove o desenvolvimento redirecionando e fortalecendo trilhas de aprendizagem que podem estar em risco, especialmente em casos de alterações do neurodesenvolvimento”, ela acrescenta. 

Essa também foi a percepção de Lilian Lima, engenheira de software e mãe do Heitor Monteiro Lima, de 7 anos. O diagnóstico veio aos 19 dias de vida e aos 30 dias ele já iniciou a fisioterapia. “Com 2 anos e 9 meses ele andou. Hoje ele corre, chuta bola, arremessa para a cesta, ensaia quicar e treina saques de vôlei”, conta Lilian. Ela lembra que, no início, havia muitos medos — do desconhecido, do futuro e de como seria criar um filho com um prognóstico tão incerto. Mas reforça que o acesso a terapias e os estímulos desde cedo fizeram toda a diferença. “A fisioterapia foi essencial nos primeiros anos de vida, e os estímulos fizeram toda a diferença.”

Ainda sobre o plano de tratamento, Bianca afirma que deve ser individualizado “pois cada criança terá uma necessidade diferente, mesmo tendo o mesmo diagnóstico. Leva-se em consideração não apenas características da síndrome, mas áreas gerais de desenvolvimento, comportamentos desafiadores, excessos e déficits comportamentais, bem como a rede de apoio da família e o suporte fornecido pela escola”.

Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada. Fotografia: Wellington Freitas Reprodução/Instagram: @35elementos
Participantes exploram atividades sensoriais durante a Caminhada.
Fotografia: Wellington Freitas
Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação Imagem: Wellington Freitas  Reprodução/Instagram: @35elementos
Caminhada tem presença de personagens infantis e momentos de interação
Imagem: Wellington Freitas 
Reprodução/Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Espaço de desenho e pintura incentiva a criatividade 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão  Fotografia: Wellington Freitas  Instagram: @35elementos
Cabo de guerra e outras dinâmicas de grupo promovem inclusão 
Fotografia: Wellington Freitas 
Instagram: @35elementos

 

Após dois anos da concessão pública, Pérola Byington tem conflitos na administração da Organização Social Seconci
por
Daniella Ramos
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15/05/2025 - 12h

O Centro de Referência em Saúde da Mulher, do estado de São Paulo, trocou a humanização no atendimento pelo cumprimento de metas a serem batidas. Isso é o que garantem os funcionários que acompanharam a mudança vivida pelo hospital nos últimos três anos.

Em setembro de 2022, o Hospital Pérola Byington mudou de nome e local. Foi da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, na região central, para a Avenida Rio Branco, nos Campos Elíseos, região conhecida como Cracolândia. E passou a se chamar “Hospital da Mulher”.

Após concessão do Estado para a Seconci, o local passou a ser uma Parceria Público-Privada (PPP). A enfermeira Denise Souza, funcionária pública que continua no hospital após a privatização, relata que no Pérola havia um comprometimento com um atendimento mais humanizado aos paciente, mas a atual organização social se preocupa mais com as metas que devem ser batidas pelos funcionários.

“Na primeira vez, achei tudo muito bonito e limpo, apesar das pessoas em situação de rua ao redor do hospital”, afirma Áurea Suda, tia de uma paciente em início de tratamento. Ela reclama da falta de assentos na recepção para aguardar atendimento.

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Fachada do Hospital da Mulher na Avenida Rio Branco. Foto: Daniella Ramos


Hoje, o hospital ainda atende pelo SUS. Após a PPP, funcionários públicos e privados passaram a trabalhar juntos. O número de leitos de UTI quadruplicou e essa melhoria veio junto ao aumento de cirurgias para bater metas, segundo relato de Denise. No Pérola Byington, havia apenas 5 leitos, o que quase causou a morte da paciente Edma Dias, internada para remoção de um nódulo. Ela relata ter ido mais de 3 vezes para o centro cirúrgico: "voltava, pois não conseguia realizar a cirurgia devido à falta de leito de UTI".

Denise ainda diz sentir falta de trabalhar em um hospital de referência como o Pérola Byington. Ela lamenta que o atual Hospital da Mulher ainda não tenha conquistado o destaque devido. “A notoriedade não é feita apenas com equipamentos, temos que contar com uma boa gestão da Organização”, reitera a enfermeira. 

Entramos em contato com a assessoria da Secretaria da Saúde, mas não tivemos retorno até a publicação da matéria.

 

 

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Entenda os danos causados por fake news sobre a alimentação
por
Laura Petroucic
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08/05/2025 - 12h

Com o acesso ilimitado à internet, atualmente é fácil encontrar informações sobre nutrição. Basta um clique para que as pessoas se informem sobre dietas e calorias pelo Instagram, TikTok ou X (antigoTwitter). Mas é preciso tomar muito cuidado com a fonte desses dados. Clickbaits como “arroz dá câncer”, “o açúcar das frutas faz mal” e “emagreça cinco quilos tomando essa sopa” parecem absurdos, porém muitas pessoas acabam tomando essas frases como verdadeiras. A nutricionista Fernanda Zanon, em entrevista à AGEMT, explica: “Informações nutricionais falsas podem levar a deficiências nutricionais, problemas hormonais e queda de imunidade”. E acrescenta: "os danos de misturar desinformação com alimentação não são apenas físicos, mas também psicológicos. A relação com a comida fica deturpada e confusa, podendo até gerar distúrbios alimentares em pessoas que buscavam melhorar sua alimentação", explica Zanon.

Um dos grandes responsáveis pela onda de desinformação nutricional são influenciadores com milhões de seguidores que, mesmo sem nenhuma formação na área, fazem postagens indicando dietas e produtos sem eficácia comprovada. Vitaminas e chás milagrosos são vendidos sem nenhum tipo de fiscalização por parte das big techs — e quem sofre o prejuízo são os consumidores.

E por que as pessoas compartilham esse tipo de desinformação na internet? Fernanda afirma que "algumas dessas pessoas acreditam porque tiveram alguma experiência pessoal que funcionou para elas — e acabam generalizando, como se aquilo fosse uma verdade universal. O que funciona para um pode ser prejudicial para outro. Outras, infelizmente, estão mais interessadas em ganhar visibilidade e engajamento, mesmo sabendo que o que divulgam não tem respaldo científico”, diz. 

Fernanda também comenta sobre o motivo de a população preferir buscar soluções online: “ainda existe uma barreira de acesso, seja por questões financeiras, falta de informação ou até pela ideia de que só se deve procurar um nutricionista quando se quer emagrecer. Isso faz com que muita gente recorra à internet em busca de respostas rápidas e fáceis — o famoso milagre!”. Em um país cuja acessibilidade à saúde ainda é segregada, a conscientização sobre o impacto negativo da desinformação é essencial para criar um ambiente mais seguro e saudável para todos, como aponta Fernanda. 

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Políticas públicas devem assegurar o direto à saúde de quem sofrem com essa condição, ainda pouco estudada
por
Khadijah Calil
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28/04/2025 - 12h

A regulamentação da Lei 32/2025, sancionada em 27 de março em Portugal, representa o reconhecimento dos direitos das pessoas com endometriose. A nova legislação estabelece que quem tiver o diagnóstico da doença têm direito a até três dias de faltas mensais justificadas no trabalho ou na escola, sem prejuízo da remuneração e de outros direitos trabalhistas ou estudantis. Segundo o Diário da República, a norma entra em vigor a partir de abril deste ano e requer a apresentação de um laudo médico mensal para ter sua ausência abonada.  

O contexto social em que essa regulamentação surge é o de enfrentamento a preconceitos relacionados à menstruação e à saúde reprodutiva das pessoas com útero. De acordo com o portal SciElo em um estudo sobre os efeitos da masculinidade tóxica, o machismo estrutural, entendido como um fenômeno social que se manifesta por meio de normas, práticas e instituições, gera estigmas de fragilidade ou incapacidade sobre quem enfrenta esses sintomas. Servindo de exemplo para outros países, a nova medida portuguesa rompe com a lógica de que essas pessoas devem se adaptar ao ambiente de trabalho sem levar em consideração suas condições de saúde.  

A advogada brasileira e especialista trabalhista Ingrid Raunaimer, explica algumas das medidas descritas na nova lei estrangeira: respeitar os afastamentos devidamente justificados por motivos de saúde, incluindo aqueles relacionados ao ciclo menstrual, sem retaliações ou descontos indevidos; garantir o sigilo e respeito à intimidade, evitando constrangimentos; criar políticas internas de acolhimento e orientação para promover um ambiente livre de preconceitos; e adotar uma abordagem inclusiva, considerando medidas como flexibilidade de horários, possibilidade de trabalho remoto ou reposição de aulas/atividades, sempre que possível. 

“Essa regulamentação é, portanto, não apenas um instrumento jurídico, mas também um marco simbólico e político, pois reconhece que dores menstruais incapacitantes não devem ser normalizadas e nem ignoradas em nenhum lugar do mundo”, explica Ingrid. 

Cenário Brasileiro  

O ginecologista Thiago Pareja, membro da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado de São Paulo, explica que a endometriose afeta cerca de 10% das pessoas que menstruam e estão em idade reprodutiva no Brasil, o que representa aproximadamente 8 milhões de pacientes. A doença, caracterizada pela presença de tecido endometrial fora do útero, pode causar dor intensa, infertilidade e outros sintomas debilitantes, comprometendo significativamente a qualidade de vida de quem recebe o diagnóstico. 

Kizzy Novicov Silva, ex-agente de turismo e paciente com endometriose, compartilha sua experiência com o SUS e o INSS. Após três processos de afastamento, Kizzy recorreu à ajuda de um advogado para provar sua incapacidade de trabalhar devido à doença. “É desumano ter que provar sua dor para quem nunca a sentiu”, afirmou a paciente, que passou por sete cirurgias sem conseguir alívio para a dor crônica da endometriose. 

Ela também conta que sua rotina e sua saúde era um quebra-cabeça de tratamentos, frustrações e burocracias. As consequências foram além do físico: perdeu empregos por faltas constantes, se afastou da faculdade e viu momentos de lazer serem interrompidos por crises abruptas.  

Ingrid Raunaimer acredita que o Brasil precisa integrar mais os direitos trabalhistas com a política pública de saúde para que casos como os de Kizzy não sejam normalizados. A criação de campanhas de conscientização e a capacitação de profissionais de saúde são necessárias para garantir que os direitos previstos em lei cheguem de fato a quem precisa. 

No Brasil, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1.069/2023, que propõe incluir a endometriose como manifestação incapacitante no rol de doenças que dispensam o período de carência para a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Contudo, a concessão desses benefícios ainda dependerá da comprovação médica da incapacidade laboral, conforme os critérios estabelecidos pela Previdência Social. 

Visto que uma das maiores problemáticas desse quadro ginecológico é o diagnostico tardio, as políticas públicas ainda são insuficientes e imaturas.  Segundo a CNN, a média no Brasil é de 8 a 10 anos até a descoberta da doença, o que não só intensifica os sintomas, mas também a progressão da doença. 

Além de ser uma questão de saúde, a endometriose também é uma questão de direitos humanos. A Constituição prevê o direito à saúde, à dignidade da pessoa humana e à igualdade de gênero a todas as pessoas, sem distinção, conforme os artigos 1º, inciso III e 5º, no inciso I, respectivamente. O Brasil precisa assegurar que quem sofre com a endometriose não enfrente preconceitos ou penalizações por sua condição médica, implementando políticas públicas que permitam o acesso adequado à saúde e o cumprimento de seus direitos trabalhistas. 

 

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A profissão de professor é uma das mais afetadas por transtornos mentais. Entenda o que tem impactado a vida dessas pessoas
por
Guilbert Inácio
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19/05/2025 - 12h

Segundo pesquisa Atuação Docente em Múltiplas Escolas no Brasil, divulgada em 2024 pela Fundação Carlos Chagas (FCC), aproximadamente 460 mil professores e professoras da educação básica trabalham em mais de uma escola no país. Os dados acendem um alerta para o cuidado da saúde mental dessas pessoas.

Ao fundo há um quadro com ilustrações de gráficos. No centro da imagem, há uma mulher de óculos segurando papeis com a mão esquerda e com a mão direita no queixo, demonstrando cansaço. Ela está com ambos os cotovelos encostados em uma mesa, que tem um xícara e um notebook em cima.
Falta de tempo é algo recorrente no magistério / Fonte: Freepik

De acordo com o estudo, que usou dados do Censo Escolar 2023, docentes que atuam em jornadas extensas têm maiores chances de se ausentarem do trabalho por causa da saúde, em especial por questões psicológicas e relativas à voz, além de não conseguirem administrar o tempo, gerando estresse e menor participação em atividades coletivas, o que vai impactar diretamente na educação dos e das estudantes. 

Segundo a Pesquisa Saúde Mental dos Educadores, realizada pela Nova Escola, em 2022, 21,5% de educadores e educadoras consideravam sua saúde mental ruim ou muito ruim. As consequências mais citadas foram sentimentos intensos e frequentes de ansiedade (60,1%), baixo rendimento e cansaço excessivo (48,1%) e problemas com sono (41,1%). Para lidar com a pressão, 40,4% relataram que fazer atividade física ou ao ar livre pode ajudar e 36,8% destacam o contato com amigos e familiares que ofereçam apoio emocional. 

Exercícios físicos e contatos sociais requerem uma certa disponibilidade, porém o cenário atual não contribui. Os dados obtidos pela FCC mostram que a creche é o segmento com menor proporção de profissionais em mais de uma escola: 12,7%. Mas o número aumenta nas próximas fases, até chegar em 36,4% no Ensino Médio. 

A hipótese é que nos anos iniciais de ensino, as professoras – em sua maioria – são polivalentes e passam todo o turno com uma turma. Nos anos finais, os e as docentes são especialistas, lecionando, de acordo com sua formação, um ou dois componentes curriculares, portanto não passam todo o turno com uma mesma turma. Para cumprir a carga horária necessária, esse grupo assume várias classes, o que aumenta as chances de uma atuação em mais de uma escola. 

De acordo com o exemplo da nota técnica da FCC, um docente em uma jornada de 40h semanais, com um terço do tempo para as atividades extraclasse, leciona, no máximo, por 26 horas e 40 minutos por semana. Se considerar redes de ensino com aulas de 50 minutos e que o componente curricular só tenha duas aulas por semana, esse profissional pode chegar a lecionar 32 aulas por semana para 16 turmas diferentes.  

Se usarmos uma média de 30 alunos por turma, docentes, na situação do exemplo, dão aulas para 480 estudantes, o que significa uma alta demanda para quem vai ter que explicar a mesma coisa várias vezes, tirar dúvidas, corrigir lições e trabalhos, além de se deslocar entre as turmas e escolas. 

A partir da pesquisa, a FCC traçou o perfil de profissionais nessa situação - docentes do sexo masculino que lecionam disciplinas com menor carga curricular, como biologia, física, filosofia, entre outras. A hipótese levantada pela FCC sobre isso, é que há concentração de docentes masculinos na etapa em que isso mais ocorre, enquanto as mulheres estão mais distribuídas nas etapas de ensino - Censo Escolar 2022: 90% de docentes das creches e da educação infantil são mulheres. Além de que os dados demonstrem menor disponibilidade de tempo por parte das mulheres para acumular mais escolas, em comparação com os homens, tendo em vista que, segundo o IBGE 2024, mulheres dedicam quase o dobro das horas do que os homens, em média, para afazeres domésticos e cuidados familiares.

A ilustração apresenta um fundo cinza com os dizeres a frente: 29,8% de professores atuam em mais de uma escola (143.940 de 482.984) 16,8% de professoras atuam em mais de uma escola (364.364 de 1.871.210)
Recorte por gênero / Fonte: Fundação Carlos Chagas (FCC) / Arte: Guilbert Inácio

Em entrevista à AGEMT, o Dr. Marcelo Afonso Ribeiro, professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Serviço de Orientação Profissional (SOPI) e do Laboratório de Estudos do Trabalho e Orientação Profissional (LABOR) da USP, destacou que a saúde mental requer condições dignas de vida, respeito, reconhecimento e autonomia. “A falta de condições de trabalho com sobrecarga de tarefas, uma organização do trabalho centrada na produtividade e uma falta de reconhecimento social e econômico do professor tendem a levar ao adoecimento, não como condição individual, mas como resposta a este conjunto de condições insatisfatórias de trabalho.”, comenta o professor. 

Adoecimento profissional

Segundo Marcelo, os principais dilemas contemporâneos da profissão estão em três campos:

  • Questões pessoais e profissionais: Há falta de limite entre vida pessoal e profissional, insatisfação versus realização e falta de sentido no que faz. 

  • Questões estruturais e organizacionais: Falta de condições dignas de trabalho, ampliação e sobrecarga do trabalho, defasagem entre trabalho prescrito e trabalho real, assédio moral, demanda ao lidar com tecnologia e mundo digital, além de autorresponsabilização por problemas estruturais. 

  • Questões sociais: Falta de reconhecimento, declínio no discurso de autoridade, falta de autonomia, conflito entre o discurso de formador e doutrinador, pressão das famílias dos e das discentes e dos ambientes públicos.

Dados obtidos pela TV Globo, por meio da Lei de Acesso à Informação, revelam que no primeiro semestre de 2023, 20.173 docentes da rede estadual de São Paulo foram afastados do trabalho por questões relacionadas à saúde mental, como depressão, ansiedade e crise do pânico. Os dados demostram um aumento de 15% em comparação ao mesmo período de 2022 e que, em média, 112 profissionais são afastados por dia. Este ano, o G1 obteve, por meio da mesma lei, dados da Secretaria de Estado da Educação (Seduc-SP) que revelam que Campinas (SP) teve 3.421 docentes afastados por transtornos mentais de 2022 para cá. 

Cruzando os dados acima com a pesquisa da FCC, 12,9% da rede municipal de Campinas e 23,5% de docentes da rede estadual de São Paulo trabalham em múltiplas escolas. Segundo o Dr. Odair Furtado, professor de psicologia e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trabalho e Ação Social (NTAS) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), profissionais da educação básica recebem salários incompatíveis com a sua função social e por isso optam por uma dupla ou tripla jornada desumana para conseguirem sobreviver e isso é catastrófico. 

A questão salarial foi pauta do antigo Plano Nacional de Educação (PNE), 2014-2024, que tinha como meta equiparar, até 2024, a remuneração média de docentes com as demais profissões que requerem Ensino Superior. Contudo, o piso salarial atual (2025) para professores do ensino básico da rede pública é de R$ 4.867,77 para exercício de 40h mínimas; representando 68,6% de R$ 7.094,17; salário médio de uma pessoa com graduação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Devido à crise econômica, principalmente depois da pandemia, não só educadores, mas todas as profissões passaram por uma precarização. Dentre os fatores, Odair Furtado, aponta a crescente utilização da Inteligência Artificial (IA) nas atividades profissionais que aumentaram a produtividade, mas também a pressão em cima do trabalhador, que acumula estresse e, consequentemente, pode gerar ansiedade e depressão. “Trabalhadores sabem que se buscarem atendimento, são afastados do trabalho e isso leva, inexoravelmente, à demissão. Então, essas pessoas suportam até surtarem”, comenta o professor. 

O Brasil passa por uma epidemia de doenças relacionadas à saúde mental no ambiente profissional. De acordo com o Ministério da Previdência Social, em 2024, cerca de 470 mil trabalhadores foram afastados do emprego por causa de transtornos mentais. Os dados representam, em comparação com 2023, um aumento de 68% de licenças concedidas, além de ser o maior desde 2014. As duas doenças mais diagnosticadas foram ansiedade e depressão.

A ilustração demonstra um gráfico com os dados da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho por causa de doenças mentais. O gráfico inicia em 2014 com 221.721 casos. Os dados caem em 2015 e sobem até 2018, quando voltam a cair até 2020. Após isso, os dados sobem muito rápido, chegando em 472.328, em 2024.
Dados do Ministério da Previdência Social / Arte: Guilbert Inácio 

Caminhos futuros 

No dia 26 de maio de 2025, riscos psicossociais serão incluídos na NR-1, norma que apresenta as diretrizes de saúde no ambiente do trabalho. Após a inclusão, o Ministério do Trabalho passa a fiscalizar os riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST), o que pode acarretar penalizações às empresas, caso sejam identificadas questões como: 

  • Metas excessivas 

  • Jornadas extensas 

  • Ausência de suporte 

  • Assédio moral 

  • Conflitos interpessoais 

  • Falta de autonomia no trabalho 

  • Condições precárias de trabalho 

Quanto à valorização da carreira docente, em junho do ano passado, o novo PNE, 2024-2034, foi encaminhado ao Congresso Nacional. A pasta prevê 18 objetivos a serem cumpridos nos próximos dez anos. O Plano será prioridade da Bancada da Educação em 2025. 

Confira outras propostas defendidas pela Bancada ao longo do ano que dizem respeito à profissão:

Ilustração em formato de pergaminho na cor cinza. Há os dizeres: SNE - Sistema Nacional de Educação;  PEC 169/19- permite ao professor acumular cargos públicos,  PL 3628/2024 - visa garantir que as diretrizes já estabelecidas pela Lei nº 14.817 sejam implementadas em todo o país;  PL 2387/23 - inclui os professores de Educação Infantil como profissionais do magistério;  PL 3824/23 - estabelece a Política Nacional de Indução à Docência na Educação Básica
Projetos em tramitação / Arte: Guilbert Inácio ​​​​​​

Em janeiro de 2025, o Governo Federal lançou o programa Mais Professores, com o objetivo de incentivar estudantes a seguirem a carreira docente. Dentre as medidas está o Pé-de-Meia Licenciaturas que concedera uma bolsa mensal de R$1.050 por mês para quem tirar mais de 650 pontos no ENEM e ingressar na licenciatura via Sisu, Prouni ou Fies Social. 

A medida é um ponto importante para aumentar a atratividade da carreira, pois, em 2022, uma pesquisa do Instituto Semesp projetou que, em 2040, o Brasil enfrentará um “apagão” na educação básica - a projeção é de que faltarão 235 mil docentes nas escolas do país. 

Segundo Marcelo Afonso, para mudar o cenário de precarização da carreira docente, as políticas públicas precisam se centrar em: “valorizar mais o professor e a professora, oferecer melhores condições de trabalho, remunerar melhor, oferecer qualificação contínua e, acima de tudo, construir um ambiente de respeito para formação de seres humanos.”.

Os funcionários do metrô e CPTM serão os próximos a entrarem na fila da vacinação, que terá início no dia 11 de maio, já aqueles que trabalham nos ônibus continuam sem previsão para tomar a vacina, embora a notícia seja boa para alguns, não é para outros
por
Julio Cesar Ferreira e Helena Monteleone Sereza
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06/05/2021 - 12h

Os funcionários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Os metrôs, ônibus e trens não pararam desde o início da pandemia, o que expõe a necessidade da categoria de motoristas, condutores, cobradores e outros funcionários do transporte público se vacinarem com prioridade. Embora os motoristas de ônibus ainda não tenham entrado na fila, os funcionários do metrô e CPTM, conseguiram. 

Serão vacinadas 9.500 pessoas, incluindo todos os operadores de trens, independentemente da idade, e demais funcionários da operação, que lidam diretamente com o público, acima dos 47 anos. Entram ainda, os trabalhadores da operação das linhas 4-amarela e 5-lilás, que são privatizadas.

Em vídeo, Alexandre Baldy, secretário dos Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo, divulga que “estaremos vacinando trabalhadores das operações, aqueles que estão nas estações como operador, aqueles que estão como segurança e aqueles que estão para a limpeza, a higienização de todas as superfícies das pessoas que tocam a todo momento. Exclusivamente os que estão em contato com milhões de pessoas a cada dia estão sendo vacinados pelo Governo de São Paulo”.

A AGEMT conversou com o Altino Prazeres Jr, coordenador do Sindicato dos Metroviários de São Paulo e militante do PSTU. Perguntamos qual a visão dele sobre a vacinação para a categoria. Para ele, “O setor de transporte deveria ter sido incluído logo depois dos idosos e setores de saúde já que são grandes transmissores''. Ele acrescenta criticando a situação atual. 

“Se o governo bolsonaro tivesse comprado as vacinas antes, e não fizesse campanha contra elas no seu início. E também, os próprios laboratórios, se não tivessem fazendo leilão da vacina, mas quebrassem a patente, a vacinação ocorreria de forma mais abrangente em todo o mundo."

Em sua opinião, “a velocidade da imunização está muito atrasada, descaso de todas as esferas governamentais”. Altino ressalta ainda que, “A ganância das grandes empresas e milionários está impedindo a sociedade de colocar um fim na pandemia. A falta de esforço está sendo o maior obstáculo para a imunização mais rápida e trazer ajuda para o maior número de pessoas possíveis”, conclui.  

altino
Altino Prazeres, coordenador do Sindicato dos Metroviários e militante do PSTU. (Foto/Acervo Pessoal)

 

O Metrô já soma 22 mortes entre seus funcionários, além de cerca de 1.500 contaminados, segundo contagem do sindicato dos Metroviários, que convocou uma “greve sanitária”.

Prazeres traz também que, “Por mais que todos os trabalhadores sejam imunizados, ainda há o risco de serem infectados por diferentes mutações do vírus". O coordenador relata que tem ansiedade, pois  gostaria que "ele e os colegas fossem vacinados mais rápidos”. 

O relatório da Administração do Metrô divulgado, mostra que embora a pandemia tenha tirado passageiros nos primeiros meses da chegada do vírus ao Brasil, foram feitas quase 3 bilhões de viagens nos transportes públicos que passam pela capital, entre metrô (764 milhões), CPTM (505 milhões) e ônibus municipais (1,6 bilhão).

Prazeres ainda expõe, que a notícia deixou o sindicato contente, porém, frustrados por garantir a vacina apenas para os funcionários com idade a partir de 47 anos e o Governo do Estado de São Paulo não deu explicações ou informações para o sindicato, os trabalhadores e para os funcionários da área de segurança. “Há um desejo, mas ainda uma insatisfação, pois grande parte da categoria não vai ser vacinada no momento”. 

Na pandemia, o metrô do Estado teve um prejuízo de cerca de R$1,7 bilhões devido à queda do número de passageiros, acarretando diminuições de vagões e trens em circulação pela capital. As linhas 1 – azul e 3 – vermelha sofreram uma retirada de 17% comparado com anos anteriores, enquanto a linha 2 – verde foi a mais atingida, com menos 29% de viagens diárias. 

 

Novos produtos de pele com preço reduzido trazem dúvidas sobre a segurança e eficiência.
por
Beatriz Aguiar, Gabriella Lopes e Sara de Oliveira
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23/06/2021 - 12h

Por Gabriella Lopes, Beatriz Aguiar e Sara de Oliveira

 

 

*Narração pela entrevistadora Sara de Oliveira 

 

Dermatite, oleosa e acneica. Essas são as características das peles das jornalistas que vos escrevem. Mergulhadas em um mar de produtos estéticos, uma tábua aparece boiando no horizonte: produtos de beleza brasileiros - parece que estamos salvas. A curiosidade para entender melhor as marcas que estão bombando no Instagram entre as influenciadores digitais e suas seguidoras falou mais alto. Barato e bom é o que o marketing anuncia sobre elas, mas será que é isso mesmo?

A nova moda entre as blogueiras e influenciadores digitais é fazer publicidade para as marcas estéticas nacionais. Quando bem sucedidas ou seja, quando possuem milhões de seguidores acabam criando sua própria marca. Isso vai desde maquiagem, roupa, calçado e produtos estéticos. 

Rafaela Tomaz (@rafatomaaz) de 19 anos é uma influenciadora jovem no mercado, com 1.362 seguidores e crescendo rápido. Seu sonho é viver como influencer. Atualmente, cursa biomedicina porque tem conexão com a questão estética. No entanto, Rafaela conta que não criaria sua própria marca se dependesse de fornecedores e tecnologia brasileira. “Eu não gosto muito de produtos do Brasil, porque, infelizmente, eu não me dei bem com os produtos nacionais. Se eu morasse fora, talvez, eu pensaria, porque eu gosto muito das tecnologias coreanas e japonesas”, comenta. E Rafaela está certa.

O Brasil está bem atrás no quesito pele e beleza, enquanto os produtos asiáticos infiltram o País e tomam o mercado. Em entrevista ao Correio Braziliense, Heloisa Yonekura, diretora técnica, pesquisadora e química da empresa Yokata! Mahy Skincare (empresa que produz produtos asiáticos para o Brasil), explica que o diferencial está na personalização. No Brasil classificamos as peles como oleosa e seca, mas existe uma infinidade de tipos de peles e, consequentemente, diferentes agentes químicos que podem ajudá-las. Esse é o “quê” do produto asiático; você encontrará uma variedade de opções, cada uma com sua função, podendo personalizar sua skincare a fim de atingir todos os objetivos. 

Isso mostra que esse mercado ainda tem muito a crescer no Brasil e é ele que as influenciadoras estão tentando preencher. Seja criando sua própria marca ou incentivando por meio de publicidade o seu uso. A própria Rafaela está surfando aos poucos nessa onda. Depois de algumas experiências ruins, ela conta que gosta muito da "Creamy", uma marca brasileira criada por Luiz Romancini, médico dermatologista. Segundo a marca, Romancini é quem cria as fórmulas dos produtos.   

São marcas como a Creamy que estão crescendo. Por um lado, isso é positivo. Os preços são acessíveis, o que torna a rotina de cuidados possível para diferentes tipos de consumidores. Ao mesmo tempo, essa onda não é o mar de rosas que imaginamos. Além de correr os riscos de passar na pele um produto novo, com pouca confiabilidade dentro do  mercado, também somos extremamente afetadas pelas propagandas exageradas feitas pelas próprias influenciadoras.

A médica Mônica Ramos de Freitas, da rede de clínicas ""Meu Dermato", frisa a importância de sempre consultarmos uma dermatologista antes de testarmos qualquer produto, seja ele indicado por uma influenciadora ou não. “Quando se fala de skincare, vemos muito conteúdo nas redes sociais sendo disseminado por influencers, gerando expectativas em quem está do outro lado da tela. Consequentemente, acaba-se criando um desejo de compra dos produtos, que muitas vezes não terão o mesmo efeito nesse público, afinal cada pele é única”. 

As influencers são fundamentais nas propagandas em geral, com os produtos de cuidados da pele ainda mais. O skincare (termo em inglês para “cuidados com a pele”) é a febre do momento.  Tornou-se uma questão de autoestima que mexe com todas as idades, desde a adolescente que começa com seus problemas com espinha e pele oleosa, até a pessoa com mais idade com medo de envelhecer. Reconhecendo o poder de criação de opinião que as influencers têm, a Beyoung chamou diversas blogueiras e atrizes para fazer a propaganda de seu booster que promete retardar o envelhecimento.

O produto foi um sucesso, em partes, pelos reviews das influenciadoras das redes sociais, levando diversas pessoas às compras. Porém, a opinião de muitos clientes não foi positiva. O produto prometia um efeito permanente quando, na verdade, era temporário, o que levou a diminuição das vendas. Logo, dá para perceber que as influencers foram fundamentais no primeiro período, mas o produto tem que se consolidar sozinho. Foi isso que a digital influencer Anna Carolina Neves (@anacaroll_ ),19, disse. 

Com mais 83 mil seguidores, Carol não pensa em viver somente como influencer como Rafaela. Ela pensa em seguir na carreira de Administração, graduação que está cursando. Mesmo o crescimento das redes sendo totalmente inesperado, ela não mudou os planos de ter uma carreira, pois acredita que é bem arriscado trabalhar apenas com isso e o mercado digital é complicado.

Carol é influencer de diversos produtos e não conhece tanto sobre skincare. Está sempre fazendo fotos e campanhas de roupas. Na sua vida particular, porém, segue a tendência de cuidados e montou uma rotina com uma dermatologista. As únicas alterações que fez por conta própria foram para marcas que não testam em animais.  E mesmo sendo uma influencer, ela também é influenciada pelas opiniões de colegas e amigas. “A maioria dos produtos que compro foram indicações de amigas.  Mas, passo no dermatologista regularmente para saber se o produto é realmente bom para o meu tipo de pele. Ou também se percebo que não fazem resultados na minha pele, eu deixo de usar imediatamente”.

Independente do tamanho, tanto Rafaela quanto Anna acreditam que o produto deve ser bom para fechar a parceria. Inclusive testariam antes de usar e deixariam claro que não é porque não funcionou com elas que teriam resultados positivos com outras pessoas, mas que vale arriscar. Mas, como elas disseram, o produto deve ser bom. Aquele booster da "Beyoung" era bom? Talvez, mas o que mais incomodou as influenciadas é que, na época, a formulação do produto não era disponibilizada pela marca. 

A rotulagem no Brasil é um problema. Não é levada a sério nem mesmo nos alimentos, segundo Cíntia Rosa Pereira de Lima, professora da USP de Ribeirão Preto e doutora em Direito Civil. “O ideal é que a rotulagem já tenha todas informações essenciais sobre o produto, mas existe o problema de limite físico. Certas embalagens são menores e não comportam as informações, mas é claro que o tem a opção do papel dentro da embalagem igual aos remédios. Porém, se mesmo assim não couber, o certo é colocar os componentes principais, visando a transparência prevista no direito do consumidor”.

As influenciadoras afirmam visitar um profissional qualificado constantemente, ainda que algumas façam personalizações por conta própria. Num País onde sete em cada dez brasileiros dependem do SUS, segundo dados do IBGE de 2019, sistema sucateado pelo governo, conseguir uma consulta pode ser uma batalha que muitos não estão dispostos a enfrentar. Muitas delas mostram suas rotinas como parte de atrair seguidores e ganhar dinheiro, já que marcas pagam para serem anunciadas nas redes sociais delas. Tais rotinas, em sua maioria cheia de produtos e regras, não são a solução universal. Para bons resultados, primeiro deve-se conhecer seu tipo de pele, segundo a médica. E depois lembrar dos passos básicos: limpeza, hidratação e proteção solar. “Não adianta ter o melhor produto em mãos se ele não for o ideal para você. Muitas pessoas que sofrem com acne sabem que tem que usar produto antiacne, mas não lembram de usar creme hidratante. O básico é: um produto bom para limpeza de pele; um para tratar aquilo que incomoda, como acne, manchas, linhas de expressão, etc.; e, não menos importante, o filtro solar para proteger”. 

Julia Petit, fundadora da Sallve, marca de cuidados faciais também com forte presença nas redes sociais, afirmou em uma entrevista ao Universa do Uol que "ter pele boa é ser o novo magra". Os padrões sociais costumam mudar de tempos em tempos, criando e/ou reciclando velhas pressões, pois, como coloca Naomi Wolf em “O Mito da Beleza”, mulheres “naturais” são automaticamente rotuladas de feias e obrigadas, pela vergonha, a aceitarem uma identidade física, produzidas. O crescimento do autocuidado durante a pandemia foi uma das soluções encontradas para resistir às novas dificuldades. Porém, é importante e saudável reconhecer quando é uma imposição social ou uma simples vontade própria para não cair em mais um buraco negro de consumo e infelicidade.





 

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Descaso com prevenção, diagnóstico e tratamento de ISTs, como HIV/Aids e sífilis, é criticado por profissionais da área
por
Emilly Dulce
|
03/06/2021 - 12h

Por Emilly Dulce

Piatã Pataxó é um dos cerca de 900 mil indígenas do País. Registrado como Carlos José Silva Conceição, ele prefere ser chamado pelo nome indígena. Há mais de quatro anos, Piatã trabalha como agente indígena de saúde (AIS) na aldeia Gurita, onde mora há mais de 13 anos. Localizada no município de Prado (BA), a comunidade tem sentido na pele o desmonte da Saúde promovido desde o governo de Michel Temer (MDB) e há mais de dois anos com Jair Bolsonaro (sem partido) à frente da Presidência, conforme conta Piatã.

Pai de quatro filhos, ele se preocupa com o futuro. Desamparo, abandono e descaso são algumas das expressões que Pataxó utiliza para descrever a situação das comunidades em que atua. Só para conseguir um atendimento no polo base de saúde -- situado em um município vizinho, Itamaraju --, os indígenas precisam rodar 58 quilômetros de estrada de terra e, além disso, correr o risco de não encontrar um profissional sequer. 

Embora seja considerada um dos grupos prioritários no Ministério da Saúde, a população indígena enfrenta dificuldades de acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento do HIV/Aids e de outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A concentração de esforços institucionais direcionados às populações mais vulneráveis é fundamental para as estratégias de combate às epidemias. Mas, não é o que vem acontecendo.

Pataxó conta que os governos anteriores abriam as portas. Eles sentavam, dialogavam e, pouco a pouco, alguma coisa chegava às comunidades. "Eu fico olhando nas reportagens diárias para ver o que de bom virá para nós, mas a gente só vê notícia ruim: que vai cortar isso e aquilo. Eles estão esquecendo que o ser humano é tão caro. Nós, indígenas, somos seres humanos e precisamos viver. Para isso, nós precisamos da saúde, da educação... a gente não quer riqueza”, avalia. 

O caráter de população prioritária se deve às particularidades de modo de vida e dinâmicas sociais de cada etnia e comunidade, como questões culturais, logísticas e geográficas, por exemplo. No Brasil, existem em torno de 305 etnias que falam ao menos 274 línguas próprias, como informa o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para reforçar a importância dos cuidados com as ISTs, algumas campanhas colorem a circulação de informações, como é o caso do Julho Amarelo e do Dezembro Vermelho, meses dedicados à conscientização sobre hepatites virais e aids, respectivamente. Os povos das florestas, no entanto, sofrem para usufruir dos serviços de saúde básicos com a frequência necessária.

Para jogar luz nos mais de 521 anos de luta e resistência indígena estão ocorrendo, desde abril, uma série de articulações em prol de estratégias e visibilidade às reivindicações dessa população. Alvos de constantes violências que ceifam vidas e territórios tradicionais, os povos originários ainda batalham pela demarcação de suas terras, pela garantia de direitos básicos e pela preservação de tradições ancestrais.

“Na nossa região são mais de três mil indígenas. Mas, o município vira as costas para nós, inclusive eles falam que na região de Prado não tem índio, e nós estamos aqui. Nós somos o quê? Para eles, nós somos fantasmas então?”, protesta Piatã.

Indígenas da aldeia Gurita, localizada no município de Prado (BA)
Indígenas da aldeia Gurita, localizada no município de Prado (BA)/ Foto: Piatã Pataxó.

Nos 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) faltam médicos e outros profissionais de saúde, insumos, salários, transporte e combustível, por exemplo. Subordinadas diretamente ao Ministério da Saúde, especificamente à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), as unidades são distribuídas estrategicamente tendo como base a ocupação geográfica das comunidades indígenas -- e não necessariamente por estados.

A aldeia Gurita, por exemplo, faz parte do DSEI da Bahia. Com sede na capital Salvador, a unidade fica há mais de 700 quilômetros de Prado e abrange outros 22 municípios com cerca de 77 comunidades indígenas. Piatã conta que as caminhonetes usadas para o deslocamento da população estão encostadas na garagem por falta de combustível e contrato com motoristas. 

Em ocorrências de saúde mais graves, o agente tira dinheiro do próprio bolso para salvar a vida dos parentes. Ele chega a gastar, por exemplo, R$300 para encaminhar uma pessoa de táxi até o hospital mais próximo. “A gente tem o conhecimento das ervas medicinais: elas que têm nos ajudado. Deus nos abençoou com esse conhecimento e a gente se vira com as ervas. Porque, do contrário, ia morrer muito índio aqui”. 

O Ministério da Saúde registrou 1.235 casos de aids na população brasileira que se autodeclarou indígena em 2019. O número corresponde ao último levantamento divulgado no Boletim Epidemiológico de HIV/Aids. No entanto, estima-se uma grande subnotificação nos números devido à dificuldade de acessar os povos de áreas mais isoladas. 

Nestes territórios longínquos, a incidência de ISTs é consideravelmente menor ou praticamente nula -- o que, por sua vez, não acontece com comunidades em centros urbanos e/ou aldeias que vivenciam o contato com não-indígenas. 

Gráfico com dados sobre HIV/Aids em populações indígenas

"Nós sabemos que o homem branco não entende nosso modo de ser. Para ele, um pedaço de terra não se distingue de outro, pois é um estranho que vem de noite e rouba da terra tudo de que precisa. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas a serem compradas ou roubadas, como se fossem peles de carneiro ou brilhantes contas sem valor. Seu apetite vai exaurir a terra, deixando atrás de si só desertos”, escreveu o cacique Seattle em 1855 na “Carta da Terra”. 

Portanto, mais do que chegar às comunidades indígenas, os profissionais de saúde precisam ter em mente que o paradigma biomédico não impera sobre as medicinas da floresta e as faculdades da pajelança. Para os indígenas, as doenças do corpo têm, muitas vezes, um sentido espiritual. Portanto, além da própria questão linguística, um dos maiores desafios é conhecer, respeitar e, até mesmo, incorporar os métodos de cura ancestrais -- que passam essencialmente pela sabedoria xamânica. 

                                                                       

O que fica evidente é que a narrativa ensinada nas escolas de modo folclórico, lembrada apenas em 19 de abril (considerado como Dia do Índio) e contada a partir de 1500, com a invasão dos portugueses às suas terras, não contempla a constituição étnica, histórica e cultural da população nativa. No lugar de resolver esta questão, as instituições perpetuam estereótipos obsoletos e a ideia equivocada de um Brasil homogêneo, que desvaloriza a existência de sangue indígena no País.

Neste sentido, o Ministério da Saúde passou a utilizar, nas campanhas, imagens que representavam a aids como figuras míticas de desordem e ameaça do cosmos. Elaboração de materiais educativos em línguas indígenas, capacitação dos agentes de saúde e participação ativa das lideranças tradicionais também chegaram a ser implementadas, como conta Adele Benzaken, médica sanitarista e autora da primeira cartilha brasileira sobre ISTs.

Uma das especialistas mais respeitadas na área, Benzaken conta com mais de 40 anos de experiência em prevenção do vírus da imunodeficiência humana. Ex-diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das ISTs, do HIV/Aids e das Hepatites Virais (DIAHV), a médica foi exonerada do cargo em 10 de janeiro de 2019, onde atuava desde 2016. 

A demissão ocorreu uma semana após o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmar, em entrevista à Folha de S. Paulo, que o governo Bolsonaro iria estimular a prevenção à aids “sem ofender às famílias”. Em pleno século 21, a doença infecto-contagiosa ainda é demarcada por desinformação, estigma e discriminação. 

Nas últimas duas décadas, o Brasil chegou a ser reconhecido como referência mundial na prevenção e assistência ao HIV na rede pública de Saúde. No entanto, o departamento de combate às ISTs não é mais o mesmo. Por meio de um decreto presidencial, em maio de 2019, o governo Bolsonaro modificou a estrutura do setor criado em 1986 -- que passou a se chamar Departamento de Doenças de Condições Crônicas e ISTs. 

Além da extinção do termo “aids”, na nova disposição, o departamento também passou a tratar de doenças que não são transmitidas sexualmente, como hanseníase e tuberculose. A medida é preconceituosa e reacionária, segundo Benzaken, que também é diretora médica da Aids Healthcare Foundation -- considerada a maior organização na luta contra o HIV/Aids do planeta.

“Nós encontramos muito mais sífilis do que HIV. Mas, onde tem muita IST você vê logo depois muito HIV, porque a forma de transmissibilidade é a mesma. E daí porque estão no mesmo departamento. O mesmo não acontece com as outras doenças que colocaram. [Elas] Não têm nada a ver com essa questão comportamental que leva à vulnerabilidade maior para as infecções de transmissão sexual”, ressalta Benzaken.

A existência de uma IST aumenta a probabilidade de se adquirir outra, como mostra um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (RS). Conforme a pesquisa, as ISTs “aumentam a chance, em pelo menos dez vezes, de contaminação pelo HIV”. 

Na avaliação da médica, uma população prioritária -- como é o caso dos povos indígenas --, sem a assistência necessária, pode se enquadrar rapidamente em uma população-chave. Gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSH), pessoas transexuais e usuários de álcool e drogas são alguns dos segmentos que integram as populações-chave. Tais grupos apresentam prevalência do HIV superior à média nacional (0,5%). Nas comunidades indígenas, a proporção é de 0,4% no todo da população brasileira, segundo dados do governo.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde informou que “para orientar as populações indígenas que vivem em aldeias sobre prevenção do HIV/Aids e das ISTs, os DSEIs realizam ações de promoção da saúde, como prática de sexo seguro e distribuição de insumos de prevenção, como preservativos”.

Segundo o órgão, as informações contidas no Boletim visam contribuir para o controle do HIV/Aids “no sentido de fornecer subsídios à tomada de decisões nos níveis federal, estadual e municipal”. Fatores internos de algumas comunidades como o uso de álcool e outras drogas e restrições culturais ao uso de preservativo também se somam às particularidades de contágio.

Outros fatores ainda contribuem para o contexto que leva à vulnerabilidade da população indígena ao HIV/Aids: exploração dos recursos naturais pelo capital financeiro, ocupação ilegal de terras indígenas, evangelização forçada nas aldeias, o próprio estigma da aids, entre outros.

Gráfico sobre populações vulneráveis ao HIV/Aids

A discussão é essencial para entender os mecanismos de dominação sobre vida cotidiana, imaginário e memória dos povos da floresta. O fenômeno de controle é sustentado por paradigmas científicos, teológicos, morais e raciais, que dão resguardo para que instituições burocráticas e administrativas, como o Estado, ditem regras sobre os corpos indígenas.

Os nativos, por sua vez, não ocupam o lugar de subserviência em meio às opressões, como conta Piatã. “A gente passa por essas dificuldades tremendas e, muitas vezes, chega a um ponto de perder a cabeça: queimar ou prender caminhonete dentro da aldeia... porque não é o certo, a gente sabe que está trazendo um problema para nós mesmos. Mas, às vezes, nós temos que fazer para que o povo possa enxergar e questionar: 'poxa, o que está acontecendo com aqueles índios que estão fazendo isso lá?'”.

A falta de visibilidade e empatia leva os indígenas a se mobilizarem em prol de políticas públicas que garantam seus direitos básicos -- o que tem se tornado mais espinhoso a cada ano que se passa: com cortes na Saúde e Educação, fomentados, por exemplo, pela Emenda Constitucional 95, assinada em 2016.

A adoção de medidas de austeridade lança à margem segmentos sociais que já são vulneráveis, como os indígenas. Embora esteja nos planos da Organização Mundial da Saúde (OMS) conter o HIV/Aids e a Hepatite C até 2030, o congelamento dos investimentos em Saúde Pública vai na contramão desta meta.

Por isto, os problemas relatados por Piatã não são singulares, sobretudo após o fim do convênio entre Brasil e Cuba no Mais Médicos, programa criado em 2013 pelo governo da então presidenta Dilma Rousseff (PT). Os contratos dos cubanos eram intermediados pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

Em novembro de 2018, antes mesmo de Bolsonaro assumir a presidência, o governo da Ilha rompeu o contrato com o programa, após declarações do então candidato eleito que, segundo o Ministério da Saúde Pública da República de Cuba, foram “ameaçadoras e depreciativas”. Ainda durante a campanha, o capitão reformado disse que pretendia expulsar os médicos cubanos do Brasil. 

Com o questionamento da preparação e capacidade dos estrangeiros, Bolsonaro desassistiu áreas pobres e longínquas do Brasil, como as comunidades indígenas -- vagas anteriormente abandonadas por profissionais brasileiros ou de outras nacionalidades. Por meio do programa, mais de 700 municípios tiveram um médico pela primeira vez na história.

MEDICINA: FORMAÇÃO CURRICULAR DEFICIENTE 

“No período do Mais Médicos foi a primeira vez que, como amazonense com 40 anos de formada, eu vi a presença do médico nas equipes de saúde em todos os DSEIs. A questão do acesso, da cultura e da credibilidade desse cuidado não-indígena, para eles, é bastante tênue. O que complica, no caso, a assistência às pessoas indígenas vivendo com HIV”, destaca Benzaken. 

A formação atual dos profissionais de saúde não dá conta de pensar as particularidades e necessidades da população indígena. Esta situação é preocupante, visto que a Saúde é o principal contato dos povos tradicionais com as políticas públicas brasileiras. O apontamento é do médico Luiz Otávio de Araújo Bastos, especialista em Medicina de Família e Comunidade. 

Dedicado à saúde indígena desde 2015, Bastos atuou no Mais Médicos como supervisor dos cubanos em comunidades dos estados de Amazonas e Roraima. Com a saída dos profissionais, ele passou a trabalhar como médico no distrito indígena Yanomami e Ye´kwana. A equipe da qual faz parte conta com outros profissionais de saúde, como enfermeiros e técnicos de enfermagem. 

Para Bastos, é importante ser cuidadoso quanto à cultura dos povos indígenas, já que a medicina interfere diretamente no modo de vida deles. “Existem profissionais com a ideia de que estão ali para poder salvar a vida dos indígenas e dar remédios para problemas de saúde, mas não pensam que, com isto, podem causar danos para eles também”.

Ao longo dos anos de graduação e especialização na medicina, Bastos não estudou sobre saúde indígena em nenhuma das grades curriculares. Segundo ele, é mais do que urgente repensar a formação médica e dos profissionais de saúde. “Não dá para reproduzir as coisas do hospital nesses distritos, e eu arriscaria também dizer que não só no hospital: não dá para reproduzir muitas das formalidades. A ideia de um posto de saúde na cidade não é a mesma coisa que um posto de saúde dentro de uma aldeia isolada na Amazônia”.

                                                                    

"PROGRAMA MAIS MÉDICOS" : UM BREVE ALENTO

A Terra Yanomami é uma das maiores reservas indígenas do Brasil, localizada perto da fronteira com a Venezuela. O território foi homologado em 1992 e cobre mais de 96 mil quilômetros quadrados de floresta tropical. Em meio à Floresta Amazônica, sem centros urbanos ou assentamentos rurais por perto, a locomoção se torna um dos maiores desafios: dias de barco, semanas de caminhada ou horas de avião. 

Por conta da logística, poucos são os médicos que permanecem nas comunidades, principalmente quando se trata de brasileiros formados no Brasil. “A saída dos cubanos foi muito grave. A gente tinha, na época, 14 médicos cubanos em um distrito que nunca teve dois médicos fixos em área”, conta Bastos.

“Éramos sete médicos brasileiros formados no Brasil e, em menos de seis meses, três foram embora, o que reflete mais ou menos o que o Ministério vinha publicando de dados sobre a desistência de brasileiros formados no Brasil no programa: uma média de 40%”, completa o médico.

Terra Indígena Yanomami.
Território Yanomami/ Foto: Leonardo Prado/PG/Fotos Públicas.

Na Terra Indígena Yanomami não há registro de casos de HIV/Aids, o que não se aplica, no entanto, à sífilis e outras ISTs. Apesar do pouco contato dessa população com a cidade, para Bastos, é possível que exista uma subnotificação nos números. Vale ressaltar que as ISTs são de difícil detecção, uma vez que poucos são os sintomas visíveis e a maioria delas é assintomática. 

Logo, a educação preventiva para os indígenas deve levar em conta as questões linguísticas, culturais e geográficas de cada povo. Testes rápidos de ISTs, cartilhas e campanhas informativas em dialetos indígenas são algumas iniciativas importantes que, infelizmente, vêm sendo negligenciadas. 

“Como todo projeto neoliberal, a grande perspectiva é destruir uma política pública, minguá-la aos poucos. Eu acho que este é o caminho que o atual governo tem pensado de desenvolvimento econômico -- e claro que a saúde indígena é um empecilho para esses projetos”, critica Bastos.

Falar de saúde indígena atravessa, essencialmente, a necessidade da demarcação de terras, já que muitas populações sofrem com a exploração por parte do agronegócio, da mineração e da especulação imobiliária, inclusive na Terra Yanomami.

“O presidente, antes de ser eleito, anunciou interesse em mineração no território Yanomami, que é uma região muito rica em ouro e alguns outros minerais. O garimpo hoje, na Terra Indígena Yanomami, é ilegal mas ativo, e eu arriscaria dizer até com o aval de algumas instituições governamentais”, salienta Bastos.

Conforme a Constituição de 1988, os territórios indígenas deveriam ser demarcados pelo governo federal em até cinco anos. Não foi o que aconteceu. Atualmente, a modalidade de demarcação representa apenas 13,75% do território brasileiro. 

De acordo com dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), existem 680 processos demarcatórios, dentre os quais 443 se tratam de áreas homologadas/regularizadas e 237 estão em estudo para aprovação como terra tradicional. 

Protesto indígena em Brasília (DF).
Foto: Roque de Sá/Agência Senado.

Benzaken ainda destaca a atual pandemia da Covid-19 como mais um dos agravantes do quadro. Segundo a médica, “é necessário assegurar a manutenção dos serviços de testagem e tratamento para o HIV, as ISTs e hepatites virais; tratar as políticas de saúde sexual, reprodutiva e materno-infantil como essenciais, respeitando as particularidades sociodemográficas e vulnerabilidades de gênero, sobretudo em relação às mulheres e meninas”.

Além disso, a Faculdade Imperial de Londres estima para os próximos cinco anos um aumento de 10% nas mortes relacionadas à aids em todo o mundo. Com a pandemia de Covid-19 -- sem prazo para término --, o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (Unaids) já projeta 230 mil novos casos de HIV e um adicional de 140 mil óbitos relacionados à aids.

Tendo em vista a vulnerabilidade das pessoas que vivem com HIV, o Ministério da Saúde decidiu priorizar também este grupo na vacinação contra o novo coronavírus, conforme nota publicada no último dia 29 de março. Desta forma, indígenas que vivem com HIV/Aids enfrentam barreiras em dobro para se manterem vivos.

“A gente vê os comentários que índio quer celular, televisão, carro... eu não quero nada disto. Eu quero saúde, quero viver dentro da minha comunidade alegre, plantar e viver das minhas ervas. Eu quero ter meu direito reconhecido como dono da terra, da nossa terra. Meu povo quer viver e quer paz”, finaliza Piatã.

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Uma análise sobre o estado de saúde física, mental e emocional dos membros da linha de frente
por
Enzo Cury e João Victor Capricho
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22/06/2021 - 12h

Por Enzo Cury e João Victor Capricho

Acordar, tomar café, se preparar para o trabalho, pegar um ônibus lotado, chegar ao hospital, vestir o EPI, atender um mar de gente, e até perder algumas...
Adentrando a UTI e sentindo o frio advindo do ar-condicionado, que permeia o ambiente, ela entende que está na hora de dar início aos trabalhos na linha de frente.

Essa é a rotina de Maria fisioterapeuta pós-graduada e membro ativo da linha de frente em dois hospitais diferentes na grande São Paulo.
Não é novidade para ninguém que o Brasil vive uma das maiores crises sanitárias, senão a maior de sua história. O país chegou à inimaginável marca de mais de 3000 mortes em um dia, além de ser um dos recordistas no número geral de óbitos, com mais de 300.000 famílias destruídas em pouco mais de 1 ano.

Além da Covid, diversas pessoas, que sofrem de diferentes enfermidades, estão falecendo na fila de vários hospitais ao redor do Brasil. A Covid não é único mal que assola nosso país ultimamente, mas, como é possível observar, não há prioridade para o tratamento de outras doenças, e nós até nos esquecemos que outros tipos de problemas existem.

Com a má atuação do governo, a ausência de infraestrutura e logística no manejo da crise, toda a carga acaba se concentrando nas áreas que mais se expõem, na tentativa desenfreada de parar o avanço da doença no Brasil. E, como já é sabido por todos, os profissionais de saúde têm sido os que sofrem a maior parte deste impacto.

Carregar nos ombros o peso de milhares de vidas, não é apenas cansativo para o corpo. Muito além disso, a estafa física e mental, que está acometendo os profissionais de saúde, tem se tornado um problema grave dentro do meio. As sequelas, advindas da rotina ultra estressante, podem ser de grande impacto em sua vida, podendo ser até irreversíveis...

E a exaustão não afeta o profissional apenas durante o plantão. A situação que médicos, enfermeiras, anestesistas e outros diversos membros da área passam, todos os dias, possui reflexos severos em todos os âmbitos de sua vida.

Somando ao cansaço, como se isso já não fosse o suficiente, todos aqueles que agora estão na linha de frente do enfrentamento a Covid, sabem que estão expostos. Isso os obriga a tomar certas medidas de precaução, como o distanciamento dos entes queridos, por exemplo.

Em conversa com Maria, foi possível entender um pouco de como é a rotina de um membro da área da saúde neste momento.

“Eu faço tudo sozinha. Eu como sozinha, tomo café sozinha e me mantenho afastada. Eu falo com meus familiares, mas, por exemplo; no aniversário da minha mãe fiquei muito triste por não poder abraçá-la, eu evito ficar próxima e falo com eles à distância. Faço minha rotina separada, minha roupa é separada e acabo ficando mais no meu quarto” - relata nossa entrevistada.

Maria de Jesus é apenas um exemplo dos milhares de profissionais de saúde e membros da comunidade científica que tem se entregado de corpo e alma, na tentativa de amenizar a situação atual.

imagem aproximada de um profissional de saúde colocando luvas

A situação dos hospitais durante a Pandemia

Como já é de ciência geral, com o agravamento da pandemia no Brasil e a ausência de infraestrutura hospitalar adequada, que supra as demandas por equipamentos, como leitos, tubos, tanques de oxigênio, entre outros, controlar o vírus está cada vez mais difícil. 

A situação encontrada nas Unidades de Terapia Intensiva, de acordo com diversos relatos, assemelha-se a um cenário de guerra.  O panorama se dá por, no mínimo, caótico, e reflete o quão grave é a situação pela qual nosso país está passando.

Para maior entendimento, a ocupação de leitos no estado de São Paulo já passa dos 92%. Com isso, não é de se surpreender que o sistema de saúde do estado entre em colapso, de acordo com as projeções atuais, que se referem ao avanço da pandemia no país. 

Entretanto, a Covid-19 não é a única enfermidade que acomete a população. No cenário atual, pacientes com outras comorbidades padecem no aguardo de leitos e na expectativa de internação. 

bebê dentro de incubadora

A saúde mental dos trabalhadores da saúde
Ao mesmo tempo que muitos possuem o privilégio de poder ficar em casa, esta não é a realidade dos trabalhadores da saúde. Muito pelo contrário, os profissionais da linha de frente reforçam a necessidade de, se possível, ficar em casa neste momento, mas,em contrapartida, são obrigados a sair todos os dias para exercer a profissão.

Porém, neste caso, o ambiente hospitalar não é mais o cerne da questão. Por incrível que pareça, ambientes que também podem afetar, e muito, o bem-estar de um profissional de saúde, podem ser suas próprias casas, grupos de amigos, etc…

Soa improvável, mas este tipo de distanciamento tem se mostrado comum. De acordo com uma nota, que foi emitida pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, em Março de 2020, um dos principais fatores de risco relacionado ao sofrimento psíquico dos profissionais de saúde, é a estigmatização por trabalhar com pacientes infectados pela COVID-19. Por necessitarem de medidas de biossegurança muito estritas, os profissionais acabam sendo vistos como “ameaças”, ou até como um possível vetor, e acabam sendo hostilizados e até evitados pelos familiares e amigos, afirma a cartilha.

Além disso, por conta da exposição, é necessário que aqueles na linha de frente, se possível, se distanciam daqueles com quem convivem. E é justamente nesse momento que surge a solidão. Ela não está diretamente relacionada ao estranhamento por parte do círculo social em que a pessoa vive, mas é agravada por ele.

Neste momento, existe uma somatória de fatores que afetam a psique de alguém: a estafa emocional e física, a responsabilidade, o excesso de trabalho tido como em vão e, como estopim, a completa ausência de um outro, para com quem essa pessoa possa desabafar e liberar um pouco a carga emocional.

Com o agravamento da situação da pandemia em nosso país, esta situação tende a piorar, e o ciclo acaba por se tornar vicioso. Com isso, não será impressionante que diversas pessoas abram mão de seu ofício, justamente por não aguentarem mais e não verem uma saída ou um fim para esta situação.

enfermeira uniformizada sentada ao chão e olhando para cima dentro de corredor hospitalar

Como a saúde física é impactada
Para além do risco de contaminação, a saúde física dos profissionais de saúde também corre sério risco em meio à pandemia. Além do estresse e esgotamento mental, que são os principais aspectos que entram em voga quando se trata da saúde de um profissional da área, também é preciso pensar na qualidade de vida e na rotina daqueles na linha de frente.

Não é novidade, que os problemas que afetam o psicológico podem ter efeitos preocupantes no corpo físico, mas também é preciso ponderar os reflexos que o dia-a-dia traz: aparato que limita a movimentação, excesso de trabalho, má alimentação, privação de sono e entre outros. São situações recorrentes, pelas quais todo profissional de saúde tem passado. Maria de Jesus relata:

“Até que minha saúde física anda bem, mas me sinto muito mais cansada mentalmente. Além disso, é normal nós (trabalhadores da saúde) ficarmos fatigados. Eu perdi peso, pois a rotina é muito corrida. Uma amiga minha está até com problema no estômago por conta da dificuldade de se alimentar devido a correria. Eu tenho sorte de minha mãe me ajudar nessa questão. Também tem os que apresentam enxaqueca constante, ou seja, todos os sinais do cansaço, e isso é normal entre os colegas. Parece que nossa atividade cansa duas vezes mais do que deveria por conta da situação.” - relata a fisioterapeuta.

O emocional dos membros da linha de frente
Saúde emocional e saúde mental são costumeiramente confundidas e tidas como a mesma coisa por muitos, e apesar de apresentarem algumas semelhanças, não são exatamente a mesma coisa.

Ao passo que a saúde mental está relacionada com o lado racional, nossa saúde emocional está ligada aos sentimentos e emoções. Porém, ambas possuem o mesmo efeito: a forma com a qual nos relacionamos com o ambiente a nossa volta.

De acordo com o professor, hipnólogo e clínico, Alessandro Baitelo, "O que diferencia entre a saúde emocional e saúde mental são alguns elementos sutis, como por exemplo a forma como cada uma pode ser vista. A saúde emocional é mais fácil de ser percebida por outras pessoas, uma vez que se trata diretamente da forma como se lida com outros indivíduos.

Já a saúde mental é um pouco mais complexa, pois uma vez que envolve questões químicas cerebrais, pode ser mais difícil perceber sinais de que o indivíduo não está com a saúde plena. Portanto, ambas estão ligadas à relação de um determinado sujeito com os indivíduos e com os ambientes com os quais este se relaciona, mas os impactos que ambas as áreas possuem nesse sujeito, são diferentes".

De acordo com as informações apresentadas, já é de se esperar que os profissionais de saúde apresentem mudanças drásticas em seu comportamento daqui para frente, principalmente com o aumento significativo dos casos, que ocorreu em questão de meses.


Maria, a fisioterapeuta que nos contou um pouco sobre sua situação como profissional de saúde, afirma: “As minhas relações foram muito afetadas por conta da minha rotina. Na pandemia nós não temos contato com as pessoas e a minha rotina faz com que eu não consiga ter tempo para responder mensagens, por isso acabei me afastando de alguns amigos. Nem todo mundo entende que você tem trabalhado muito e não tem tempo para conversar.

Eu só vejo as pessoas do meu trabalho e a minha família, porque eu evito ao máximo sair e ter contato com outro alguém.”
Além disso, a ausência de um momento para se distrair e relaxar, também tem grande impacto em nosso comportamento, tendo em vista que não existe mais a “válvula de escape” para a rotina estressante. Nossa entrevistada, por exemplo, afirma que já não dispõe mais de tanto tempo livre em sua rotina, mas, quando o tem, usa apenas para dormir e se recuperar de mais um dia no qual mais algumas vidas foram perdidas.
O relato de Maria não se deve apenas a sua responsabilidade como profissional, mas, também se dá pelo emocional abalado devido a sua rotina.

 

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Episódio retrata as experiências e opiniões de pessoas sobre a pandemia
por
Marcelo Moreira, Maria Luiza Oliveira, Pedro Alcântara, Renan Mello
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16/04/2021 - 12h

No primeiro episódio do PODPUC, fizemos um recorte dos pontos que mais se destacam nesse momento de pandemia no Estado de São Paulo. Com as opiniões de professores, enfermeiro e uma pessoa que já contraiu o vírus

Trazendo diferentes visões sobre o assunto, foi produzido pelos alunos da PUC-SP: Marcelo Moreira, Maria Luiza Oliveira, Pedro Alcantara e Renan Mello.

Confira o episódio do PODPUC, disponível no Spotify: https://open.spotify.com/episode/1452CV5i9267CmSTU4IR7f?si=qWS6dS6-RdiuJbgvHnQmew&nd=1

 

Os trilhos da Covid-19 em São Paulo

 

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